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(1)UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO. PERLA CABRAL DUARTE DONEDA. AS MULHERES NA ÓTICA DA IGREJA CATÓLICA SOB O PONTIFICADO DE JOÃO PAULO II E SEUS DESDOBRAMENTOS NOS PAPADOS SUBSEQUENTES. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2019.

(2) 2. PERLA CABRAL DUARTE DONEDA. AS MULHERES NA ÓTICA DA IGREJA CATÓLICA SOB O PONTIFICADO DE JOÃO PAULO II E SEUS DESDOBRAMENTOS NOS PAPADOS SUBSEQUENTES. Dissertação apresentada no curso de pós-graduação à Universidade Metodista de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Ciências da Religião. Área de concentração: Religião, Sociedade e Cultura. Orientação: Profa. Dra. Sandra Duarte de Souza. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2019.

(3) 3. FICHA CATALOGRÁFICA. D716m. Doneda, Perla Cabral Duarte As mulheres na ótica da Igreja Católica sob o pontificado de João Paulo II e seus desdobramentos nos papados subsequentes / Perla Cabral Duarte Doneda -- São Bernardo do Campo, 2019. 151 p. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) --Escola de Comunicação, Educação e Humanidades, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo. Bibliografia Orientação de: Sandra Duarte de Souza. 1. Mulheres - Igreja Católica 2. Gênero (Religião) 3. Igreja Católica - Documentos Papais I. Título CDD 262.91.

(4) 4. A dissertação de mestrado intitulada: AS MULHERES NA ÓTICA DA IGREJA CATÓLICA SOB O PONTIFICADO DE JOÃO PAULO II E SEUS DESDOBRAMENTOS NOS PAPADOS SUBSEQUENTES elaborada por PERLA CABRAL DUARTE DONEDA, foi apresentada e aprovada em 25 de fevereiro de 2019, perante banca examinadora composta pela Profa. Dra. Sandra Duarte de Souza (Presidente/UMESP), Profa. Dra. Margarida Ribeiro (Titular/UMESP) e pelo Prof. Dr. Clóvis Ecco (Titular/Pontifícia Universidade Católica de Goiás.. __________________________________________ Profa. Dra. Sandra Duarte de Souza Orientadora e Presidente da Banca Examinadora. ________________________________________ Prof. Dr. Helmut Renders Coordenador do Programa de Pós-Graduação. Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião. Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura. Linha de Pesquisa: Religião e dinâmicas sócio culturais.

(5) 5. Dedico esse trabalho à “trindade feminina” que me trouxe até aqui: Minha mãe Maria Francisca que me deu a vida e me educou; Minha avó materna Myrtes (em memória) que me ensinou na fé; E minha avó paterna Francisca (em memória) que me ensinou a contar e a criar histórias..

(6) 6. AGRADECIMENTOS. Essa é uma parte bastante importante quando se concluí um trabalho tão laborioso como esse. Somente depois que iniciamos esse percurso é que nos damos conta do quanto é árduo, intenso, proveitoso e esperamos que seja, promissor. Passamos a comparar a vida antes e durante a pós-graduação, o que nos faz lembrar que, só chegamos até aqui porque houve vida, muita vida antes que nos inquietou, questionou, moldou, incentivou e ensinou que ela sempre tem mais a oferecer. Hoje, a partir desse longo percurso na busca de um maior conhecimento, percebo que ele chega com gratidão por tudo que pude aprender, mas temeroso, pois ainda há muito que percorrer. Para chegar até aqui, muitas pessoas fizeram parte desse processo, provocaram e me incentivaram a seguir esse caminho, por isso, primeiramente, agradeço minha família: ao meu esposo, Marcelo, que sempre me apoiou nas escolhas de voltar a estudar, vibrando comigo a cada conquista e passo dado, principalmente, entendendo minhas ausências em muitos momentos que precisei “trocá-lo” pelos livros, resumos, anotações e textos infinitos. Aos meus filhos, Jaqueline, e Arion que também me apoiaram desde o início, que compreenderam algumas limitações do meu cuidado e na dedicação como mãe devotada que sempre fui. A minha escolha modificou a rotina da nossa casa. Aos queridíssimos, Fábio e Beatriz, que completam ainda mais nossa família, meu sincero agradecimento pela alegria a cada conquista e barreira que venci, bem como a alegria das palavras e dos olhares que sempre me incentivaram a seguir em frente. Não poderia deixar de dizer aos meus amores que me deram a vida, meus pais, Paulo Duarte de Medeiros e Maria Francisca Cabral Duarte. Agradecer é muito pouco por tudo o que eles merecem de mim. Sempre prontos a me ouvir, a chorar comigo pelas dificuldades da vida, a sorrir em todas as alegrias e a desejarem profundamente que meus dias fossem melhores. Também eles tiveram que entender, as duras penas, minha ausência na casa deles, pois minha presença anteriormente, era mais frequente. Pai e mãe, em todos os momentos difíceis da minha vida foi a vocês que recorri e nessa fase não foi diferente. Entre um pedaço de bolo e uma xícara de café vocês se ofereceram a me ajudar mais uma vez. Que essa ajuda possa estar sendo retribuída com essa minha singela conquista e com esse simples trabalho que agora ficará disponível na Biblioteca dessa Universidade, para apreciação de outras pessoas que se interessem pelos estudos de religião e gênero. Deus vos abençoem!.

(7) 7. Aos demais familiares, especialmente ao meu sogro Antônio e Ana Teresa, meu irmão, cunhada, tios, amigos e amigas que também se alegraram com minha conquista, entendendo também o meu afastamento, minha mudança e buscaram compreender o meu momento, meu muito obrigado. Minha eterna gratidão a minha orientadora, Sandra Duarte de Souza que muito me ajudou, apontando minuciosamente as mudanças no projeto, as correções de conteúdo, de método, de qual era meu objetivo e tirando de mim qual era o problema que me dispunha a pensar e equacionar. À Universidade Metodista de São Paulo, ao seu sapientíssimo corpo docente, minha profunda gratidão por me ajudar no aprendizado e por oferecer-me esse espaço tão rico do saber. Ao IEPG por me acomodar na Casa dos Estudantes, obrigada, pois isso foi imprescindível para o sucesso dessa jornada. À CAPES, pela concessão de bolsa taxas que certamente sem ela não seria possível cursar esses dois anos de estudos. Agradeço também a ex-professora dos meus filhos, em Língua Portuguesa, Jocimara da Costa Miranda, por pacientemente ler meu trabalho, fazer as correções, me motivar, incentivar e por ser a primeira leitora dessa obra, apreciando minha coragem em lidar com um assunto tão delicado. Aos meus ex-professores da Pontifícia Universidade Católica de Campinas que me incentivaram e aconselharam que desse seguimento nos estudos, a Professora Mestra Silvana Suaiden, ao Professor Mestre Elisiário César Cabral e ao Professor Doutor Benedito Ferraro, por apostarem em mim, meu muitíssimo obrigado. A Dexs, guia e mestra, luz da caminhada, sinal no horizonte, chamando-nos sempre logo após a próxima curva da vida, minha gratidão e minha sincera fé de que um Ser Divino nos olha, protege e confia em nós. Um Ser que anima, impulsiona, cuida e aponta.. A todas e todos, meu muitíssimo obrigado!.

(8) 8. “A Igreja exprime e serve uma civilização patriarcal na qual é conveniente que a mulher permaneça anexada ao homem. É fazendo-se escrava dócil que ela se torna também uma santa abençoada”. Extraído do livro O segundo sexo.. Simone de Beauvoir..

(9) 9. DONEDA, Perla Cabral D. As mulheres na ótica da Igreja Católica sob o Pontificado de João Paulo II e seus desdobramentos nos papados subsequentes. Escola de Comunicação, Educação e Humanidades, da Universidade Metodista de São Paulo. São Bernardo do Campo, 2019.. RESUMO. No presente trabalho analisamos os documentos pontifícios sobre as mulheres, emitidos no pontificado de João Paulo II (1978-2005). O primeiro e mais importante documento pontifício é a Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, datada de 1988, que identifica as mulheres com Maria, exaltando a maternidade, a família e a educação dos filhos e filhas como atributos femininos que constituem sua vocação e dignidade. Esse modelo quer ser, na visão da Igreja Católica, a definição do papel da mulher em sociedade, sugerindo que seu lugar primeiro estabeleça-se no espaço privado. Foram analisados ainda, outros documentos de João Paulo II que faziam referência às mulheres, como sua Carta Às Mulheres (1995); a Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis (1994); a Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a Colaboração do homem e da mulher à Igreja e no Mundo (2004). Já nos pontificados de Bento XVI e de Francisco, que não se debruçaram na produção de documentos específicos sobre as mulheres, fizemos o levantamento de referências a elas em documentos genéricos e pronunciamentos públicos, visando observar as continuidades ou rupturas com as orientações das cartas de João Paulo II. Tal iniciativa apresenta e analisa a compreensão predominante dos Papas católicos acerca das mulheres. O método para tal fim foi o de pesquisa bibliográfica e pesquisa documental.. Palavras-chave: Mulher, Catolicismo, Representações de Gênero e Documentos Papais..

(10) 10. DONEDA, Perla Cabral D. Women from the perspective of the Catholic Church under the Pontificate of John Paul II and their unfolding in the subsequent papacy. School of Communication, Education and Humanities, of the Methodist University of São Paulo. São Bernardo do Campo, 2019.. ABSTRACT. In the present work we analyze the pontifical documents on women, issued in the pontificate of John Paul II (1978-2005). The first and most important pontifical document is the Apostolic Letter Mulieris Dignitatem, dated 1988, which identifies women with Mary, extolling motherhood, family and the education of sons and daughters as feminine attributes that constitute their vocation and dignity. This model wants to be, in the view of the Catholic Church, the definition of the role of women in society, suggesting that their place is first established in private space. Other documents of John Paul II referring to women were also analyzed, such as his Letter to Women (1995); the Apostolic Letter Ordinatio Sacerdotalis (1994); the Letter to the Bishops of the Catholic Church on the Collaboration of Man and Woman to the Church and the World (2004). Already in the pontificates of Benedict XVI and Francisco, who did not focus on the production of specific documents on women, we made references to them in generic documents and public pronouncements, aiming to observe the continuities or ruptures with the guidelines of the letters of John Paul II. This initiative presents and analyzes the predominant understanding of Catholic popes about women. The method for this purpose was bibliographic research and documentary research.. Key words: Woman, Catholicism, Gender Representations and Papal Papers..

(11) 11. SUMÁRIO. INTRODUÇÃO......................................................................................................................12 CAPÍTULO I: A MULHER PELO PAPA JOÃO PAULO II: UM MODELO, UMA MULHER, UMA POSSIBILIDADE.....................................................................................17 1.1. João Paulo II e os documentos à mulher e à família..........................................................18 1.2. Relevâncias na ótica do catolicismo sobre a representação de mulher...............................25 1.3. A centralidade da mulher na família cristã católica.............................................................37 1.4. A partir dos documentos de João Paulo II, como fica a mulher?........................................45 CAPÍTULO II: PASSADO, PRESENTE E FUTURO: O LUGAR DA MULHER NA SOCIEDADE SEGUNDO A IGREJA CATÓLICA CONTEMPORÂNEA.....................54 2.1. Na trajetória de Bento XVI: o silêncio às mulheres...........................................................57 2.2. O Papa Francisco em Amoris Laetitia: aspectos relevantes entre a família, a mulher e a misericórdia...............................................................................................................................61 2.3. Os “sopros do Espírito” e a não oficialidade das palavras..................................................77 2.4. Estagnação ou mudança: João Paulo II, Bento XVI e Francisco…....................................83 CAPÍTULO. III:. GÊNERO. E. MULHER. NA. IGREJA. CATÓLICA:. A. REPRESENTAÇÃO DE MULHER QUE SILENCIA A PLURALIDADE DE MULHERES............................................................................................................................92 3.1. Gênero: sua importância analítica e empírica que confronta o modelo cristão católico de mulher.......................................................................................................................................97 3.2. As representações das mulheres: o discurso católico que silenciou Maria e as mulheres.108 3.3. O patriarcado católico. A luta das mulheres para vencer o conceito “serva obediente” para além do “procriar”...................................................................................................................117 3.4. Eu vim para que todos tenham vida e tenham vida plenamente: a vida na mulher e a vida das mulheres............................................................................................................................127 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................135.

(12) 12. INTRODUÇÃO. “Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra. Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele os criou, o homem e a mulher ele os criou” (Gn 1,26-27).. De acordo com a Bíblia, no livro do Gênesis, a igualdade entre homens e mulheres é atestada pela narrativa da criação, texto este presente nas três maiores religiões monoteístas, islamismo, cristianismo e judaísmo, ambas se orientam por esse mesmo texto da criação. De acordo com esse trecho seria a igualdade a norteadora das relações entre os seres humanos. Nessa perspectiva, buscaremos analisar numa perspectiva de gênero se no catolicismo há igualdade entre os sexos. Portanto, partindo do conceito de que somos iguais, homens e mulheres que se empreenderá saber o lugar de atuação da mulher, examinando seu papel e espaço na ótica da Igreja Católica, de acordo com o modelo de mulher conforme os documentos pontifícios de João Paulo II e seus desdobramentos nos papados subsequentes. A função dos documentos pontifícios é de organizar a vida eclesial e pastoral de toda Igreja, porém dado o poder hegemônico da Igreja Católica, sua influência no ordenamento jurídico e político, faz-se presente na vida de todas as pessoas influenciando assim, a sociedade. Dessa forma, o presente trabalho aplica-se tanto para questões do âmbito religioso, bem como da vida em sociedade. Segundo o Catecismo da Igreja Católica o Pontífice e os Bispos “são doutores autênticos dotados de autoridade de Cristo, que pregam ao povo a eles confiado a fé que deve ser crida e praticada. O magistério ordinário e universal do Papa e dos Bispos, em comunhão com ele, ensina aos fiéis a verdade em que se deve crer” (CIC § 2034 p. 535). Esses doutores compõem dois tipos de magistério, o ordinário e o extraordinário1. O Papa e os Bispos em exercício ordinário no magistério da Igreja emitem as encíclicas, exortações, cartas. 1. Poder-se-á ler sobre, na Introdução Geral dos documentos do Concílio Vaticano II por: Frei Boaventura Kloppenburg, 1968. O magistério da Igreja tem “o ofício de interpretar autenticamente a Palavra de Deus escrita ou transmitida foi confiado unicamente ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo, isto é, foi confiado aos Bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma” (CIC § 85). “Todavia, tal Magistério não está acima da Palavra de Deus, mas a serviço dela” (CIC § 86). Outra fonte de pesquisa sobre o Magistério da Igreja é o Dicionário de Conceitos fundamentais de Teologia, da Editora Paulus, 1993..

(13) 13. apostólicas, ou outros decretos. Já o magistério reunido em caráter extraordinário, com o Papa e os Bispos, dá-se mediante um concílio ecumênico e todos os documentos originados desse concílio são compreendidos pela Igreja Católica como infalíveis. Portanto, os documentos abordados nesse trabalho, tratam-se do magistério ordinário da Igreja. A motivação para essa pesquisa, se deu pelos sentimentos e experiências recorrentes a quase todas as mulheres, que sofrem a desvalorização, a marginalização diante do sexo oposto, bem como as violências de gênero que rebaixam e submetem às mulheres a processos psíquicossociais de inferiorização e exclusão, gerando sofrimento. Por inquietações das quais somos acometidas, oriundas de uma sociedade machista que lida com as mulheres com profundo desprezo, negando-nos o reconhecimento de nossas qualidades, sendo capazes de ignorar as formas de saber, de conhecer, de desenvolver e de poder ocupar espaços, sempre reforçam as inquietações, o que desemboca na descoberta do quanto a construção social é masculina e patriarcal, por isso é tão marginalizante, dominadora, violenta e excludente com às mulheres. Ao longo da história, determinou-se que, o papel social das mulheres seria na casa, no cuidado e na educação dos filhos e filhas, bem como de toda a família. Quando fora da casa, fizeram-se professoras, ou catequistas, na vida religiosa; no entanto, observa-se que, ambas funções, estão na área do cuidado e da educação. Além dessas possibilidades, atuaram e ainda muitas atuam, como cuidadora de idosos, de enfermos e dos mais variados tipos de necessitados em cuidados físicos e psicológicos. Portanto, mãe, esposa, cuidadora e educadora, sempre teceram os ofícios femininos. Alguns outros ofícios também foram “permitidos” às mulheres, como é o caso das artesãs, que da execução artesanal em seus lares, um dia passaram para as fábricas e com isso, mudaram a percepção acerca da vida e dos espaços que poderiam vir a ocupar. Essa percepção e uma série de desigualdades sofridas, causam convulsões sociais e as mulheres passam a protagonizar a luta pelos seus direitos e principalmente, a luta contra seu estado de submissão e dominação masculina. Essas manifestações dão origem ao movimento feminista, reconhecido historicamente pelo evento das sufragistas, onde as mulheres se organizaram pelo direito ao voto. As mulheres tomam consciência da violência histórica contra seu próprio corpo e reconhecem a estrutura social hierárquica e patriarcal que tirou delas as possibilidades de serem sujeitos de sua própria história. Diante da consciência desses fatos, buscam encontrar a raiz que nutre e regula esse sistema opressor e percebem que há forte influência religiosa cristã,.

(14) 14. sobretudo católica, uma vez que até o século XVI era somente o catolicismo que controlava as relações religiosas e sócio-políticas, logo, era o catolicismo que detinha o poder da sociedade. Sua força hegemônica cria normas e regras para reger a vida dos indivíduos, de grupos e até mesmo de instituições. Portanto, é diante desse contexto, do poder religioso, exercido sobre as relações humanas que problematizamos sobre o lugar da mulher na Igreja e na sociedade, com a pergunta: como a Igreja Católica se posicionou acerca do lugar das mulheres na sociedade em seus documentos oficiais, no Pontificado de João Paulo II e em que medida se deu os desdobramentos nos papados subsequentes? Sendo assim, este trabalho objetiva, analisar os pronunciamentos da Igreja Católica acerca das mulheres nos documentos e discursos pontifícios dos Papas: João Paulo II, Bento XVI e Francisco. O método para tal fim é o de pesquisa bibliográfica e pesquisa documental, visando explicitar como tal discurso reforça as assimetrias de gênero, assunto apresentado no terceiro capítulo desse trabalho. Para tanto, no primeiro capítulo apresenta-se o mapeamento da representação de mulher conforme a visão da Igreja, expressa nos documentos do Papa João Paulo II (1978-2005). Os documentos analisados foram: a Exortação Apostólica Familiares Consortio, de 1981; a Carta Encíclica Redemptoris Mater, de 1987; a Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, datada de 1988; a Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis, de 1994; a Carta Às Famílias, do ano de 1994; a Carta Às Mulheres, de 1995 e por último a Carta aos bispos da Igreja Católica sobre a Colaboração do homem e da mulher na Igreja e no mundo, do ano de 2004. É importante salientar que, a escolha desses documentos deu-se pela ênfase na abordagem sobre a mulher, ou seja, porque esses permitiram compreender como a Igreja expressa o lugar da mulher e como ela projeta a construção social da representação feminina. O segundo capítulo ficou para os Papas, Bento XVI e Francisco, que descobrimos não terem se dedicado a nenhuma produção de documentos específicos às mulheres. Logo, abordamos o silêncio de Bento XVI, mas demonstramos que o Cardeal Ratzinger atuou como braço direito de João Paulo II, o que pode justificar, em partes, seu desinteresse em pensar no papel das mulheres na Igreja e na sociedade. Do Papa Francisco, selecionamos a Exortação apostólica Amoris Laetitia por se tratar do amor na família, situação que faz da mulher um personagem central na visão da Igreja, portanto revela-se o papel da mulher, do espaço, dos valores morais, evangélicos e pastorais. Também selecionamos do Papa Francisco, alguns discursos não oficiais, proferidos durante entrevistas ou viagens apostólicas, mas que entendemos, ser de alguma forma, um possível sinalizador de mudanças às mulheres. Portanto,.

(15) 15. esse conjunto de análises formam o capítulo levantando, nos documentos, se há continuidade ou ruptura do lugar da mulher na Igreja Católica em comparação aos documentos do Papa João Paulo II às mulheres. No terceiro capítulo a análise em perspectiva de gênero torna-se mais explícita, confrontando-se com a compreensão predominante sobre as mulheres no discurso oficial da Igreja Católica, visando explicitar como tal discurso reforça as assimetrias de gênero. É possível perceber como as representações sociais das mulheres na modernidade contrapõem-se à visão da Igreja Católica, principalmente, por se tratar de uma representação única de mulher, Maria de Nazaré, o que acaba negando a pluralidade de mulheres. Veremos o quanto gênero é categoria importante para análise empírica sempre em confronto com o modelo cristão católico de mulher, uma vez que, de acordo com os documentos, há ausência da vida real, concreta, vivida pelas mais variadas mulheres, nas mais variadas situações, oferecendo-se apenas uma possibilidade virtuosa, a da mãe dócil, perfeita e santa. Será possível demonstrar que essa conduta silenciou Maria, o que repercutiu nas representações das mulheres, garantindo a contínua ação do patriarcado católico, mantendo o poder masculino. Todavia, isso fez com que, num dado momento, mulheres despertassem por seus direitos e liberdade, envolvendo-se na luta com teólogas feministas, para vencerem o conceito de serva obediente, que assombra e paralisa, dificultando ainda hoje a tomada de consciência das mulheres como sujeito da sua própria história. Na tentativa de subverter o processo hierárquico, sexista, de poder absoluto da imagem masculina, o capítulo termina construindo a ideia de que as mulheres vieram para oferecer vida em plenitude e abundância, pois é seu corpo que testemunha a vida, do nascimento até a morte. São as mulheres que participam de todas as fases da vida humana, portanto elas podem e devem sentir-se portadoras da plenitude e da abundância evangélica, pois o corpo feminino é espaço concreto da vida. Palavras-chave foram destacadas nos documentos, por sua repetição, cuja intenção é de reforçar a visão da Igreja acerca da família e do papel da mulher. Essa análise lança luz às práticas da vida real, na medida que percebemos como a força da estrutura religiosa incide sobre a estrutura social dos indivíduos. Alguns conceitos que segundo os pontífices, revelam o poder e o amor de Deus, como o caso do matrimônio, são na verdade uma forma de regular a vida dos homens e das mulheres. Portanto, matrimônio, maternidade, igualdade, virgindade, reciprocidade e complementaridade, são algumas palavras em destaque por todos os.

(16) 16. documentos analisados, mas que ao leitor e à leitora, provocarão uma mistura de sentimentos e inquietações, uma vez que agem de maneira persuasiva e inebriante. A chave de leitura aqui é que: esse modelo de mulher a ser seguido, é uma construção e uma interpretação masculina sobre o corpo feminino. Isso traz em si, limites, pois esse corpo masculino não pode ser capaz de sentir e saber o que há no tempo e no espaço do corpo de uma mulher, o que o impede de dizer com maior propriedade sobre o corpo feminino. Há muitas implicações fisiológicas-biológicas e psíquicas que divergem masculino e feminino, sem que com isso não se encontre igualdade nas diferenças. De toda forma é oportuno dizer que toda essa assimetria existe, justamente porque desconsideram que as mulheres são capazes de elaborar e organizar a sociedade, a política, a economia, a cultura e a religião, por direito, por igualdade na criação, por equidade bíblica (Gn 1,26-27; Gl 3,28) e, principalmente, por reparação histórica, de tanta opressão, marginalização, abuso sexual e dominação das mais variadas formas. A religião como sistema de sentido “tem sido analisada em sua capacidade de controle dos corpos. É nos corpos que se constroem os sentidos de gênero que afetam todas as dimensões da vida em sociedade”. (SOUZA, 2015 p.25). Persigamos esse sistema de sentidos..

(17) 17. CAPÍTULO I A MULHER PELO PAPA JOÃO PAULO II: UM MODELO, UMA MULHER, UMA POSSIBILIDADE. Nos tempos atuais é possível reconhecer os avanços e os espaços que as mulheres alcançaram na sociedade. Hoje elas ocupam muitos locais de trabalho, o que antes seria uma realidade impensável; conquistaram o direito ao voto, ao estudo, à participação na política, ao controle da fertilidade, à creche para seus filhos, à lei de combate à violência - Lei Maria da Penha -, a desobrigatoriedade da virgindade antes do casamento, o direito ao divórcio, entre outros. Essas são algumas conquistas, as quais nem sempre encontram eco e apoio de ordem religiosa. Este capítulo quer referir-se à mulher, porém sob a ótica da Igreja Católica, conforme documentos do pontificado de João Paulo II, nos quais a representação feminina alimenta-se do modelo de Maria e nela é edificado. Nesse conceito de edificação, empreende-se a fé e vida das tantas mulheres católicas, que de alguma maneira, ao longo dos séculos, não foram órfãs de um modelo feminino religioso. Contudo teólogas feministas, como Ivone Gebara, Ana Maria Tepedino, Elisabeth S. Fiorenza2 questionam o espaço da mulher na sociedade e na religião. Bem como a influência de Maria, mulher de um período histórico significativo, mas que, nem mesmo a Igreja Católica, sua “promotora” como mãe de Jesus e de Deus, soube desenvolver sua imagem como: autônoma, forte e guerreira. Que dirá, modelo subversivo de mulher-mãeprofissional ao tempo moderno, que o patriarcado escondeu. Por outro lado, os cultos a Maria e, a teologia empregada à mãe de Jesus, fez e faz com que as mulheres católicas, nas suas mais diversas realidades sintam-se acolhidas e queridas por Deus, na sua função de esposa e mãe. Ao depararmos com os documentos pontifícios é preciso cautela, sabedoria e ousadia para descobrir o que parece encoberto. O atraso histórico-religioso do papel da mulher, atinge o processo cultural, educacional e profissional das mulheres contemporâneas, no entanto, o discurso mariano é aceito por milhares de mulheres, com uma aura evangélica da pureza, obediência e servidão a Deus, não oferecendo à mulher outra saída, se não seguir Maria, a mãe de Jesus, conforme ensina a Igreja.. 2. O questionamento sobre o espaço das mulheres, seja na religião ou na sociedade, faz-se presente por todas as obras dessas autoras aqui citadas, as quais serão demonstradas ao longo do trabalho, explicitadas na bibliografia..

(18) 18. 1.1 João Paulo II e os documentos à mulher e à família. Faz-se importante saber sobre os documentos que tratam da mulher e da família. A família tem parte importante por justamente ser, na visão da Igreja Católica, o espaço à vocação e à dignidade da mulher, vivenciados através da maternidade. Nesse sentido, pode-se perceber que ela ocupa um papel central no contexto familiar. Os documentos pontifícios de João Paulo II que serão abordados aqui são: Exortação Apostólica Familiares Consortio (a Família na Sociedade: sobre a função da família cristã no mundo de hoje), 1981; Carta Encíclica Redemptoris Mater (Mãe Redentora: sobre a bemaventura Virgem Maria na vida da Igreja que está a caminho), 1987; Carta Apostólica Mulieris Dignitatem (Dignidade da Mulher: sobre a dignidade e a vocação das mulheres), 1988; Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis (Ordenação Sacerdotal: sobre a ordenação sacerdotal reservada somente aos homens), 1994; Carta Às Famílias, 1994; Carta Às Mulheres, 1995; Carta aos bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do homem e da mulher na Igreja e no mundo, 2004. A saber, o Papa João Paulo II é o quarto da lista dos papas que por mais tempo governaram a Igreja. Seu pontificado tem início em 16 de outubro de 1978 e termina em 02 de abril de 2005, com sua morte. Dada a importância de seus documentos, na questão família e mulher, objeto desse trabalho, é oportuno introduzirmos, mesmo que resumidamente, o conteúdo dos mesmos, objetivando apresentar a ideia central de cada um, com a finalidade de perceber qual é o foco, o papel da mulher e sua representação na Igreja Católica. O primeiro é Familiares Consortio (FC), de 1981, selecionado por ser uma fonte de apreciação do papel da mulher na família, na visão da Igreja Católica. Este documento trata da função da família cristã no mundo de hoje. Haja vista que essa sempre foi e, ainda é, a grande preocupação e atenção da Igreja. Nesse documento se explicita a forma e ou, maneira desse modelo familiar, que se compreende à importância do sacramento do matrimônio, sinal da salvação em Jesus, com Jesus e por Jesus. Homem e mulher são convocados pela graça sacramental do batismo a viverem, na união matrimonial o ápice dos planos de Deus, uma vez que é na relação familiar que a dinâmica do evangelho acontece: amor, solidariedade, perdão, misericórdia, fraternidade, partilha, fidelidade, esperança e fé são vivenciados por todos os membros da família. A Igreja reconhece que há hoje uma consciência mais livre e individual que leva a busca de uma maior liberdade de seus membros, e assim se inclui a luta pela.

(19) 19. dignidade da mulher, à procriação responsável e à educação dos filhos. Logo, se deve desenvolver uma consciência do quanto há necessidade de novas relações entre as famílias e a Igreja. No entanto, ela reafirma o valor da família, pai e mãe, da indissolubilidade, da fidelidade entre o casal, da prática necessária do perdão e da união dos pais em prol da educação dos filhos, pois esses serão no futuro, família também. Serão pais e mães e deverão repetir o amor incondicional, a exemplo do que vivenciaram com seus genitores. Os deveres da família cristã consistem na missão de “guardar, revelar e comunicar o amor, externando nesta prática, a forma viva e real do amor de Deus pela humanidade e do amor de Cristo pela Igreja, sua Esposa” (FC p. 12). Apresentam assim quatro deveres gerais da família: “a formação de uma comunidade de pessoas; o serviço à vida; a participação no desenvolvimento da sociedade; a participação na vida e na missão da Igreja” (FC, p. 12). O amor é o princípio de tudo, sem ele, não se pode aperfeiçoar-se em nada. Nesse sentido, o amor deve ser o propósito da indissolubilidade em razão de ser o plano de Deus e por um amor maior pelos filhos e filhas. Afirma-se haver igual dignidade entre homem e mulher diante das tarefas públicas e a elas se deve dar o direito de ascender na vida profissional pública, porém adverte que não se pode constranger a mulher que queira realizar a função materna e familiar, ao contrário, deve-se ajudar essa família a prosperar em seu lar. Fica claro em todo documento o enfoque na dinâmica Deus, Igreja e família, sendo essa a célula que move a sociedade e que a compõe com direitos e deveres cristãos, entre os cônjuges e para com os filhos. Tudo para um bom desenvolvimento de toda a sociedade. Outro aspecto importante é o dever da Igreja em salvaguardar esses valores da família e garantir seu crescimento saudável, seja no âmbito espiritual e material, portanto, cabe à Igreja cobrar dos órgãos responsáveis: político-social, econômico e educacional a sobrevivência dessa estrutura nuclear da sociedade. Tudo deve estar a serviço da vida. Redemptoris Mater (RM), de 1987, documento escolhido por se tratar da Bemaventurada Virgem, modelo de mulher à Igreja Católica. A carta trata das dimensões teológicas ao plano de salvação, no qual Maria faz parte irrevogavelmente, uma vez que, o seu sim abre a possibilidade para a salvação da humanidade, na pessoa do Filho Jesus. Ela faz parte no mistério de Cristo. Ao Papa João Paulo II, essas ênfases teológicas, reforçam a sua participação efetiva no plano da salvação, o seu sim amoroso, a sua obediência como mãe do Filho de Deus; como aquela que realiza o dom em si, que vive plenamente o caráter de serva do Senhor, de ser aquela que realiza, por primeiro, a salvação da humanidade em si mesma e que é a nova Eva, por isso traz a vida e não a morte ao mundo. Bem como, dimensões à serva do Senhor é, virtude de destaque, conjuntamente, com sua obediência; essas duas atitudes são enaltecidas nesse.

(20) 20. documento. Maria está a serviço do mistério da encarnação e também permanece a serviço do mistério de adoção como filhos, mediante a graça que lhe foi conferida de mãe de todos nós. Com efeito ela coopera com seu amor de mãe para a regeneração dos filhos e filhas da Igreja. De modo singular, a feminilidade de Maria e seu modo de ser e agir, é condição feminina à outras mulheres. “Aqui desejaria somente salientar que a figura de Maria de Nazaré projecta luz sobre a mulher enquanto tal, pelo facto exatamente de Deus no seu sublime acontecimento da Incarnação do Filho, se ter confiado os bons préstimos, livres e activos da mulher” (RM pp. 39-40). Mulieris Dignitatem (MD), de 1988, o único documento que trata exclusivamente da mulher, do seu papel e do seu espaço social. Esta Carta Apostólica é sobre a dignidade e a vocação da mulher, segundo João Paulo II, é evento chave da humanidade, como plenitude dos tempos, o sim de Maria. A dignidade de toda mulher passa a ser conferida a partir desse evento, como arquétipo de todo gênero humano. Insere-se no serviço messiânico de Cristo, constituindo o fundamento o qual servir é a essência do reinar, por isso, homem e mulher são dotados de racionalidade, permitindo que possam “dominar” as outras criaturas do mundo visível. O Papa expressa-se por várias vezes no documento sobre a unidade dos dois, que significa ser a superação da solidão originária, aquela que o homem não encontra uma “auxiliar” que lhe seja semelhante. Quando há esse encontro, deverá haver reciprocidade. Ambos são a imagem e semelhança de Deus e providos do livre-arbítrio. Maria é apresentada como o modelo de mulher, assim como teria sido querido desde a criação. A dignidade das mulheres foi mais enaltecida com Jesus, pois, elas estão em seu itinerário, tornam-se discípulas e assumem a missão juntamente com os demais. A partir disso, comprova-se a verdade da igualdade entre homem e mulher, há uma paridade essencial, ambos susceptíveis de receber a dádiva divina e, do amor no Espírito Santo. O ponto central do documento é quanto à vocação da mulher. Na visão do Papa, essa vocação se compreende na maternidade e ou, na virgindade. A mulher que se casa, há a maternidade implícita e, as mulheres que não se casam, há a virgindade que, na maioria das vezes, se estende à vida religiosa. Com o amor conjugal, eleva-se o dom de si, uma expressão máxima da relação, pois, um é para o outro, dom originário da complementaridade, o qual se irrompe pelo desejo do homem de tornar-se “senhor” da sua esposa. A mulher que dá à luz revela o maior dom de si mesma. A maternidade tem compreensão sagrada, pois o Filho de Deus é a Palavra encarnada, que penetrou no gerar humano. Na questão da submissão da mulher ao marido (Efésios 5,25-32), o Papa refere-se à Igreja como Esposa de Cristo, e que essa Esposa seria então submissa a Ele, por ser Ele a cabeça da Igreja. Cristo e a Igreja.

(21) 21. formariam também a comunhão da unidade dos dois. Portanto, segundo o Papa, o amor do homem pela mulher precisa passar por essa dimensão que, amando-a até o fim, entrega-se por ela, sem que haja contradição na submissão, uma vez que, esta tradição deve ser entendida e atuada de um modo novo, como uma submissão recíproca no temor de Cristo. Logo, na relação marido-mulher, ser submisso não é unilateral, mas atitude recíproca. Ordinatio Sacerdotalis (OS), de 1994, faz parte das fontes primárias deste trabalho, por se tratar da negação às mulheres à participação no clero oficial da Igreja e com isso a sua não ascensão à cargos de poder. Desde o início, a Igreja manteve a tradição de ordenar somente homens ao sacerdócio, tradição também mantida pelas Igrejas Orientais. Quando a Igreja Anglicana admitiu a ordenação das mulheres, o Papa Paulo VI fez questão de relembrar os irmãos anglicanos a posição da Igreja Católica: conforme a Sagrada Escritura, Cristo “escolheu os seus Apóstolos só de entre os homens; a prática constante da Igreja, que imitou Cristo ao escolher só homens; e o seu magistério vivo, o qual coerentemente estabeleceu que a exclusão das mulheres do sacerdócio está em harmonia com o plano de Deus para a sua Igreja” (OS p. 1). João Paulo II remete-se a sua própria carta, Mulieris Dignitatem, e diz que tendo Jesus chamado somente os homens, teria-o feito de maneira livre e soberana. Da mesma maneira que pôs em destaque a dignidade e a vocação da mulher, mostrando sua inconformidade com a tradição e a legislação do seu tempo. O mesmo fez os Apóstolos, quando escolheram os seus colaboradores, que lhes sucederam no ministério, haveriam de prosseguir a missão dos Apóstolos de representar Cristo Senhor e Redentor. Embora ainda hoje, em diversos lugares esse assunto volte a ser discutido, o Papa declarou que “a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considera como definitiva por todos os fiéis da Igreja”. (OS p. 3) Carta Às Famílias, datada de 1994. Nesse documento pontifício, o ponto central é o amor vivido e externado no seio familiar, que é o núcleo da sociedade e a célula base das relações no mundo da cultura, da política e da economia. Seu grande destaque está para a civilização do amor que, recorda toda a criação da humanidade, do homem e da mulher, em igualdade e como imagem e semelhança de Deus. A coletividade humana está marcada pela dualidade, homem e mulher, no recíproco complemento das pessoas. A aliança conjugal, onde o homem deixará a casa paterna e unir-se-á a sua mulher e os dois serão uma só carne (Gn 2,24), representa para a Igreja a constituição da família mediante o matrimônio. É na união dos dois, que juntos, formam um. Essa constituição dá origem a primeira comunidade da sociedade que, na compreensão da Igreja é plena, exercendo o dom de si, a maternidade e a paternidade, como.

(22) 22. obra e desejo do criador. Para salvar essa obra é preciso que haja fidelidade entre ambos, diante desse projeto; a família é célula vital da sociedade. A indissolubilidade do matrimônio é apresentada como essência de tal dom: dom da pessoa a pessoa. Essa comunhão de pessoas, já presente no recém-nascido, é o bem comum da família, o cumprimento do amor esponsal é concretizado, preservando a genealogia da família. A prole é dom. Como dom de Deus não pode ser interrompida. A família é a base da civilização do amor e por ter recebido das mãos do Criador deve humanizar o mundo, deixando de lado o individualismo e seguir cultivando o personalismo, que é mais altruísta, pois leva a pessoa a ser dom para o outro, encontrar-se na alegria do doar-se! Junto a importância da família está o trabalho da mulher, que deve ser reconhecido e valorizado profundamente. Em especial à maternidade, o dar à luz, amamentar, até o cuidado pessoal, com a nutrição, a educação da prole, gera canseira à mulher, que segundo o Papa deve ser, um trabalho digno e de valor, como qualquer outro trabalho, inclusive com reconhecimento econômico. Dessa forma, a família, precisa ser reconhecida em seu papel primordial, como soberana e espiritualmente eficaz na construção da sociedade, tendo em mente que a sua degradação causaria um grave dano a humanidade. Carta Às Mulheres, de 1995, é importante documento pontifício proferido em razão da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pequim3, uma vez que passaram sete anos após Mulieris Dignitatem, dessa forma é fundamental analisarmos a linguagem da Igreja à mulher. Nessa carta, a preocupação se detém à realidade e aos problemas das mulheres em relação à sua dignidade no conjunto do mundo contemporâneo, com objetivo de uma máxima difusão. O Papa, já no início, faz uma série de agradecimentos pela mulher mãe, esposa, filha e irmã; à mulher trabalhadora em todos os âmbitos da vida social, econômica, cultural, artística, política, e por suas mais vastas contribuições, edificando as estruturas da sociedade; agradece também pela mulher consagrada e pura, e simplesmente, pelo fato de ser mulher. Reconhece que agradecer não basta, mas que ela foi ao longo do tempo marginalizada e escravizada, ignorando sua dignidade e isso empobreceu a humanidade. Reconhece também, que em períodos da história, a Igreja foi participante desse fato e diz: “lamento-o sinceramente”. E se pergunta: “em que medida a sua mensagem foi recebida e posta em prática”? Ele afirma que a mulher foi submetida à inferiorização, ao anonimato e até mesmo ignorada em sua produção intelectual. Foi sepultado os seus vestígios documentais. Urge o direito à igualdade entre os sexos, a retribuição salarial igualitária, pois, direitos e deveres se fazem presentes num regime. 3. Se houver interesse no resultado dessa Conferência é só acessar http://www.onumulheres.org.br/wpcontent/uploads/2014/02/declaracao_pequim.pdf.

(23) 23. democrático. Revela a barbárie dos abusos no campo da sexualidade ocorridos ao longo da história e que está na hora de condenar, vigorosamente, pois, não raro revela a mulher como objeto. Enaltece a coragem de mulheres que para defenderem sua dignidade, assumiram corajosamente suas lutas, chegando até a serem consideradas transgressoras, anti-feminilidade, como um ato exibicionista e, talvez, um pecado. Equipara a igualdade na criação homem e mulher, que os dois estão no mesmo nível de direitos, uma vez que são feitos a imagem e semelhança de Deus. Segundo o Papa, a mulher como “auxiliar” do homem refere-se não só ao âmbito do agir, mas do ser, portanto, há no homem e na mulher o caráter de complementaridade. Esse auxílio é recíproco, porém, não estático e nivelador, comportam diferenças entre ambos, que na sua relação mais natural, conforme quis Deus, formam a unidade dos dois, ou seja, uma unidualidade, a qual os enriquece e os responsabiliza perante tudo e todos. Retoma Maria como serva obediente, mediante ao seu amor por Deus, por isso, há um eterno reinar de Maria. Sua maternidade como dom para o seu Filho, para toda a humanidade e nisso consistiu seu dom de si mesma. Nesse horizonte do serviço, lembra o fato peculiar de que as diferenças são próprias do ser masculino e ser feminino e que isso se aplica no seio da Igreja. Por isso, não teria culpa por ter, Cristo, escolhido de maneira livre e soberana, confiado ao homem o exercício do sacerdócio ministerial e, nem por isso as mulheres estariam em diminuta diante dos homens. Ao “gênio feminino” confere-se o ser para o outro, no serviço aos mais pobres e necessitados. O talento feminino estaria para o serviço aos outros. Por último, A colaboração do homem e da mulher na Igreja e no Mundo4. Esse documento é de 2004, faz se importante nessa análise sobre o papel da mulher na sociedade e na Igreja, no penúltimo ano do Pontificado de João Paulo II, todavia, com a atuação do Cardeal Ratzinger na elaboração dessa carta5. A carta começa dizendo que está em curso uma rivalidade entre os sexos e que o papel designado a um tem sido assumido pelo outro, afetando o modelo familiar. Na luta pela igualdade sexual, desconsideram o caráter biológico, questionam a família. 4. No ano de 2004, aos 31 dias do mês de março, esta carta foi redigida pelo então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Card. Ratzinger, por ocasião da reunião ordinária desta Congregação. O Sumo Pontífice João Paulo II, no decurso da Audiência concedida, aprovou a presente carta e mandou que fosse publicada. Fonte:http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_200. 40731_collaboration_po.html acesso realizado em 05/03/2018 5. Quanto a sua atuação durante todo o pontificado de João Paulo II pode-se ler no artigo publicado pelo Instituto Humanas Unisinos, João Paulo II: os anos de terror na Igreja, Mauro Lopes descreve esses anos de perfeita condução da Igreja Católica por esses dois prelados. Ratzinger governava não só a Congregação para a Doutrina da fé, mas também a Igreja de Roma com plenos poderes, conferidos por Karol J. Wojtyla. O artigo encontra-se disponível em http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/568973-joao-paulo-ii-os-anos-terror-na-igreja acesso realizado em 01/09/2018.

(24) 24. composta por pai e mãe, equiparando a homossexualidade à heterossexualidade, como um novo modelo de sexualidade polimórfica. A libertação da mulher comporta a crítica de que os textos Sagrados transmitem a concepção patriarcal de Deus, alimentada por uma cultura essencialmente machista, desconsiderando a importância de que o Filho de Deus assumiu a natureza humana masculina. O homem e a mulher são criados em igualdade por Deus, conforme sua imagem e semelhança, à humanidade conforma-se macho e fêmea. A solitude de Adão não significa o caráter de subalternidade, mas sim seria vital para sua vida, que formaria uma relação não estéril. A auxiliar não seria tão somente para dominar, mas para ser por toda vida, por isso, o homem deixaria pai e mãe unindo-se a ela para formar uma só carne. Querida por Deus, essa união de pessoas não pode ser modificada, pois deterioraria o acesso ao rosto de Deus. A unidualidade relacional é interrompida pelo pecado do domínio de um sobre o outro. A concupiscência, presente na história humana, reproduz tais situações, a concupiscência da carne, dos olhos e da soberba da vida. Nessa trágica situação, perdem-se a igualdade, o respeito e o amor, que no plano originário de Deus, a relação do homem e da mulher exige. Na visão da Igreja, os valores femininos são pautados na sua capacidade para o outro, sem desconsiderar certo discurso feminista que reivindica as exigências para ela mesma. A mulher é o despertar do outro, a proteção, o crescimento. Isso lhe confere uma intuição profunda acerca da vida, pois, a sua capacidade física de dar a vida, forja-a para o outro, permitindo alcançar muito cedo a maturidade. A mulher é chamada para transformar o outro, numa tal perspectiva que abarque a esfera familiar e a social, ou seja, que envolva relações humanas e o cuidado do outro. Para tal é necessário que ela aja com firmeza na família, primordial e, soberana, é nessa comunhão de pessoas que se forma a sociedade, é na família que se plasma o rosto de um povo, que se adquiri ensinamentos fundamentais. Portanto, ela deve estar no mundo do trabalho, da organização social e que tenha acesso a locais de responsabilidade, podendo inspirar as políticas das nações e promover soluções inovadoras para os problemas econômicos e sociais. Chama a atenção para a legislação em harmonizar e conciliar o trabalho público com o privado. O trabalho realizado pela mulher na família, precisa ser valorizado, a fim de que não fique em desonra em relação às outras mulheres. Com Maria encontra-se a feminilidade, por isso ela é fundamental. Nela há o que Deus espera e há a revelação de sua vida em Cristo. De acordo com esses documentos do Papa João Paulo II, é interessante perceber a visão ampla que a Igreja tem diante dos fatos que ocorrem na sociedade e que, na visão da Igreja, ameaçam a família. Por outro lado, a visão fechada de que essa ameaça passa pela mudança do.

(25) 25. papel da mulher é nítido, ou seja, só parece ser possível a sociedade se sustentar, se a mulher for esse único modelo definido pela Igreja. De uma mulher obediente e a serviço dos planos de Deus, que no momento da criação, é marcada pela maternidade e essa não teria outro objetivo na vida: casar e ter filhos. Diz-se rapidamente, de mulheres que conquistaram outros espaços, mas não se considera a escolha de ter ou não filhos. Não abre o discurso para gravidez indesejada, uma vez que a mulher possa ser submetida a um ato sexual proveniente de estupro, do sexo sobre o efeito de um entorpecente, e muito menos a condição social, econômica e familiar da gestante. De toda forma, homem e mulher estão marcados um para o outro e não há possibilidade de outra forma de amor, fora dessa que é binária. Ser feminino e ser masculino são representações naturalizadas e sacralizadas de acordo com estes textos pontifícios.. 1.2 Relevâncias na ótica do catolicismo, sobre a representação da mulher. Na perspectiva do que é primordial ou relevante ao cristianismo, sobretudo católico, há duas mulheres: Eva, a “mulher da queda” e “Maria, a mulher que inaugura a nova geração da humanidade”, sendo a segunda, o correto modelo feminino aos olhos de Deus. Há tantas outras mulheres, contempladas nos textos bíblicos, porém, quando oficialmente, a Igreja vai dizer sobre a mulher é tão somente equiparada, a Maria. Isso ocorre, não só nos documentos pontifícios, mas também nas homílias, nas canções e ou liturgias, é a mulher Maria que surge em cena. É a mulher-maria que é coroada, por uma fila de meninas, vestidas de anjo; é Maria de Nazaré que é rainha do céu. Claro que, na perspectiva religiosa e popular, ela é muitas marias, porém é sempre, a mãe de Jesus. Portanto, para o catolicismo ela é a máxima feminina, a quem se deve toda honra, devoção e consagração. No entanto, pensar que é a partir dessa única imagem feminina, que Jesus acolhe e cura mulheres, pode ser reducionista, uma vez que tantas outras fizeram parte do seu itinerário. Há outros rostos e ações femininas no movimento de Jesus. Ao longo da história, o conceito de que Eva foi a mulher da queda e por onde o pecado teria entrado na humanidade, faz oposição à Maria, uma vez que ela venceu o pecado pelo seu sim, tornando-se um feito testemunhal para a salvação de toda humanidade, “Assim o ensinam os Padres da Igreja, especialmente Santo Irineu, citado da Constituição Lumen gentium: o nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria; e aquilo que a Virgem Eva atou, com a sua incredulidade, a Virgem Maria desatou-o com a sua fé”. (RM, p. 15-16)..

(26) 26. A teologia dessas duas imagens é fechada, entre a mulher-má-pecadora, que não se deve seguir e a mulher-boa-exemplar, que se deve imitar, espelhar e assim, ter como modelo. Dessa maneira se constrói uma representação de mulher ideal, que, de alguma forma, não representa todas as mulheres. Essas duas imagens, perpassou a cultura do Ocidente, principalmente, pósreforma, uma vez que as tensões entre católicos e protestantes acirravam-se pelas suas diferenças e crenças, sendo uma delas, Maria. Portanto, uma teologia mariana é mais trabalhada e apresentada, a fim de firmar um modelo de mulher. Esse modelo tem uma relação extremamente singular com a Mãe do Redentor. A mulher, nos documentos do Papa João Paulo II, sinalizam aspectos relevantes, já com a Familiaris Consortio, nos parágrafos de 22 a 24, vemos que o direito da mulher está na dignidade como pessoa, igual ao homem, em conformidade com o que diz o relato da criação: Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra. Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele os criou, o homem e a mulher ele os criou (Gn 1,26-27). Na sequência, diz que deve haver doação recíproca entre ambos e que o direito da mulher se aplica a sua dignidade e à sua vocação, esta, atribuída a função da mulher à família. No entanto, o documento sequer cita as tantas mulheres que na década de oitenta já reivindicavam seus direitos e já ocupavam outros espaços na sociedade. Nesses poucos parágrafos, apenas faz alusão que assim como os homens, elas têm:. o direito de ascender às diversas tarefas públicas, a sociedade deve estruturar-se, contudo de maneira tal que as esposas e as mães não sejam de facto constrangidas a trabalhar fora de casa e que a família possa dignamente viver e prosperar, mesmo quando elas se dedicam totalmente ao lar próprio. Deve além disso superar-se a mentalidade segundo a qual a honra da mulher deriva mais do trabalho externo do que da actividade familiar. Mas isto exige que se estime e se ame verdadeiramente a mulher com todo o respeito pela sua dignidade pessoal, e que a sociedade crie e desenvolva as devidas condições para o trabalho doméstico. (FC, pp. 17-18). Essa exortação revela que a honra da mulher está na família e com isso incentiva, ou condiciona a mulher a assumir esse papel, como o mais importante da sua vida. Claro que o trabalho doméstico: casa e filhos é importante, mas, sobretudo hoje, não é mais aceito como o.

(27) 27. único e possível papel das mulheres, muito menos exclusividade delas, hoje, os homens são chamados a essa responsabilidade. Quando o Papa convida, a dar o devido valor ao trabalho doméstico, é importante lembrar que a sociedade capitalista determina o valor atrelado ao quanto o sujeito produz e dessa produção, o quanto gera de dinheiro. Dessa maneira, seu trabalho gera um correspondente salarial produtivo, situação esta que não é possível aplicar com equidade às mulheres que trabalham somente em seus lares. O valor da mãe, na casa, passa a ser subjetivo e perde a capacidade de mensurar, por mais que cada mulher saiba o quanto o é grandioso. Dessa forma, pensar na pluralidade de escolhas que a mulher possa fazer, sendo solteira profissional doméstica, solteira profissional pública, casada profissional doméstica, casada profissional pública, solteira com filhos, casada com filhos e tantas outras combinações, sabemos que, o fator primordial capitalista, o valor, choca-se com o humanista, que é a dignidade. Esses estarão sempre atrelados ao sistema. Infelizmente, como bem disse Boff, “dois fatores atingiram o coração da ética: o processo de globalização e a mercantilização da sociedade”. (BOFF, 2018, p. 15). O valor ético é indiferente ao valor monetário. Portanto, na sociedade mercantilista, como valorar uma mulher que dedica toda sua vida ao cuidado do outro: casa, filhos e ao cônjuge, em relação ao processo materialista produtivo? No universo público, isso já está estabelecido por leis do mercado profissional, cada trabalhador ou trabalhadora tem um valor salarial, que lhe confere poder aquisitivo de compra e isso o coloca na dinâmica do mercado. Vale quanto ganha, quem ganha compra, quem compra tem poder e assim se vê inserido nessa lógica. Ao trabalho doméstico, tão enaltecido pelos documentos pontifícios, essa lógica muda e fica a pergunta: como encarar a realidade social e econômica de muitas mulheres que não caberão em posições hierárquicas de poder e de alto nível educacional, sem que se sintam desvalorizadas ao realizar trabalhos não remunerados, como no caso o doméstico? Como valorizar a mulher que sempre foi a base de sustentação material da história pública masculina, mas que ainda hoje fará o trabalho doméstico, para que não só o homem desempenhe seu papel público, mas para que mulheres chefiem uma empesa, um cargo político, uma docência ou direção na Universidade? A Igreja Católica não contempla, nesses documentos, a realidade concreta das mulheres contemporâneas, ao contrário, não há mulheres em seus documentos, há uma mulher modelo chamada Maria, que segundo a imagem criada pelo ocidente, agrava devido ao seu biotipo, bela, branca, agraciada pelo Espírito Santo, que lhe permite permanecer intacta, virgem, pura, sem mácula. As questões de discriminação, marginalidade e exploração da mulher, no tempo.

(28) 28. de Maria, não são referências paralelas ao nosso tempo. A teologia tradicional à mulher, não pensa às mulheres, mas sim, a mulher. A hermenêutica não é para a pluralidade. A construção dos documentos, não obedece ao caráter de transversalidade e transdisciplinaridade, ampliando assim os saberes, muito menos abrange os inúmeros problemas de descriminação de gênero. Não apresentam os de ontem e nem os de hoje. Esta descrição da mulher modelo, fica clara quando se lê o documento Mulieris Dignitatem de João Paulo II do ano de 1988. O segundo capítulo, Mulher – Mãe de Deus já contempla uma incoerência. Como podemos projetar um modelo de mulher que parta de uma mulher que é “mãe de Deus”? A teologia tradicional constrói seu discurso de maneira desencarnada da realidade humana, Maria é divinizada, com isso se afasta das possibilidades humanas. O documento traz uma teologia da união de Maria ao plano salvífico de Deus que na plenitude dos tempos se realiza através do seu sim. Há um esforço em divinizar esse modelo de mulher, com a finalidade de convencer que a obediência a Deus e seu estado de serva do senhor, faz dela a escolhida e por isso agraciada. Que mulher não gostaria de ser escolhida por Deus dentro desses moldes? Ainda mais podendo contar com a ação do espírito em sua vida, preservando suas “dores” e permitindo que ela passe por essa vida incólume? No entanto, a realidade plural de muitas mulheres, diante da classe, raça/etnia e gênero, é desconsiderada e não privilegiada em Mulieris Dignitatem, pois, a dignidade da mulher não é analisada dentro das perspectivas plurais e globais nas quais hoje, qualquer mulher enfrenta. O discurso religioso católico, subestima a racionalidade feminina, quando diz que “a mulher se encontra no coração deste evento salvífico” (MD, p. 13). Isto em que sentido? Salvação implicaria, obediência, servidão e maternidade? Ou ainda virgindade? No sentido de querigma, pergunto, que mensagem traz às mulheres que venham a ler esse documento, uma vez que, a dignidade e a vocação da mulher não passam tão somente pela maternidade e virgindade? Muitas ficarão de fora. É bem verdade que João Paulo II, reconhece que a mulher possa trabalhar fora de suas casas, mas, volta a dizer que o modelo perfeito é daquela que assume o casamento e a maternidade. Portanto, fica claro que, a dignidade e a vocação da mulher, nesse documento, restringe-se ao matrimônio, a maternidade e a virgindade para aquelas que não optam pelo casamento. Como isso é possível, dado a singularidade de cada pessoa, dado a pluralidade de situações sócio-políticas, econômicas, educacionais e culturais? Segundo o Papa, “a ‘mulher’ é a representante e o arquétipo de todo o gênero humano: representa a humanidade que pertence a todos os seres humanos, quer homens quer mulheres” (MD, p. 15). Se há registro originário, há um estado comum entre todas as mulheres, que pode.

(29) 29. ser físico, psíquico ou biológico. De fato, há: a maternidade é um deles. No entanto, na modernidade, às mulheres não compreendem sua existência só a partir da maternidade. Elas podem ser maternais ou não. Elas podem ter filhos e também conquistar carreira profissional. Logo, essa frase maquia a realidade, uma vez que a essa “mulher” é dado um único modelo, Maria de Nazaré; num tempo, e espaço geográfico determinado. É uma mulher a princípio, representada como branca, jovem, oriunda da cultura judaica, posteriormente cristianizada, cujos costumes estariam em oposição as tantas mulheres que nem mesmo professam alguma religião. Essa questão arquetípica universal, soa descontextualizada, dada a pluralidade e a desvalorização da mulher em relação ao homem, que nesse tempo e espaço, na individualidade ou na coletividade, e ainda nas representações sociais, são marcadamente excluídas e violentadas nas mais diversas formas. Há pluralidade cultural e religiosa entre os povos, logo há pluralidade de mulheres. Para a Igreja Ela é, Theotókos, do grego, traduzido “portadora de Deus”. De fato Maria, no plano salvífico, é portadora de Deus, tanto na linguagem metafísica como escatológica, porém, sociologicamente falando, Maria pode ser uma “mercadoria”, parafraseando com Peter Berger6, no Dossel Sagrado (2004 p. 149), mediante uma legitimação ou alienação, ou seja, um modelo ideal de mulher estabelecido com o objetivo de “comercializar um tipo de mulher” que corresponda às expectativas da Igreja. Portanto, submissão, dominação, ou violência, não se aplica à linguagem de Maria. O enfrentamento com as teólogas feministas segue essa lógica, uma vez que elas lutam para descontruir o modelo patriarcal de Igreja e sociedade, fortemente estabelecido em nossa cultura. Essas situações reais e plurais não são elaboradas nos documentos do Papa João Paulo II, em especial no Mulieris Dignitatem. Como libertar as mulheres dentro dessa pluralidade de fatores, parece não ser a preocupação da Igreja Católica. A salvação da mulher não passa por essas perspectivas reais e concretas. Como bem diz Gebara, o presente não é considerado “ao passo que a vida da maioria das mulheres é fundamentalmente uma ocupação e uma. 6. Utilizando-se de Berger o produto a ser “vendido” é o modelo de Maria, cuja “clientela” são os fiéis, de modo especial, às mulheres. Sem saber lidar com a sociedade secularizada e assim, pluralizada, a Igreja segui fixando os papéis, no caso aqui, o papel das mulheres, conforme Maria de Nazaré. O marketing dessa “venda” se desdobra na hipervalorizarão da família e, principalmente, da maternidade e da virgindade. A economia desse mercado é o modelo tradicional de família como o único caminho moral, ético e de valor que, toda sociedade deve seguir. A sociedade modernizada e industrializada, com suas inúmeras transformações sociais e familiares, entende a religião como alienante e ultrapassada. “A submissão é voluntária”, como diz Berger. Maria como mercado da Igreja dos homens, pode ser explorado também, pelo texto de Ivone Gebara em: Maria entre as mulheres. São Leopoldo: CEBI, 2009 pp. 9-26.

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