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O valor da capoeira na educação: uma análise através da produção acadêmica brasileira (2002-2014)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – CCHLA

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

JEFFERSON PEREIRA DA SILVA

O valor da capoeira na educação: uma análise através da produção acadêmica brasileira (2002-2014)

Natal – RN 2017

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JEFFERSON PEREIRA DA SILVA

O valor da capoeira na educação: uma análise através da produção acadêmica brasileira (2002-2014)

Monografia apresentada ao Departamento de História – DEHIS/UFRN, como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em História, sob orientação da Profa. Dra. Margarida Maria Dias de Oliveira.

Natal – RN 2017

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JEFFERSON PEREIRA DA SILVA

O valor da capoeira na educação: uma análise através da produção acadêmica brasileira (2002-2014)

Monografia apresentada ao Departamento de História – DEHIS/UFRN, como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em História.

Natal, ____ de ______________________ de 2017.

Banca Examinadora

______________________________________________________________ Dra. Margarida Maria Dias de Oliveira

Professora do Departamento de História da UFRN

______________________________________________________________ Dra. Juliana Teixeira Souza

Professora do Departamento de História da UFRN

______________________________________________________________ Dr. Francisco das Chagas Fernandes Santiago Júnior

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AGRADECIMENTOS

Acredito que nenhum trabalho é feito de maneira totalmente individual, e este, com certeza, não se tornaria possível sem a ajuda e apoio de uma série de pessoas que de forma direta ou indireta contribuem com meu crescimento pessoal e profissional. Dessa forma, em primeiro lugar agradeço aos meus familiares, em especial aos pais, José Jailson da Silva, pedreiro, e Vera Lúcia Pereira da Silva, costureira. Pai, obrigado por todo apoio e por sempre me dizer: “meu filho, em tudo o que você for fazer, capriche!”. Espero que eu tenha caprichado neste trabalho pai. Mãe, obrigado por toda preocupação e por ser meu maior exemplo de fazer o que faz por amor e não somente por obrigação. Ao irmão Jadilson Pereira da Silva por me mostrar o que é ter coragem e lutar por seus sonhos. A minha irmã Emy Caroline da Silva pelo carinho e afeto de sempre.

À minha companheira e esposa Ana Cláudia Nascimento de Oliveira Silva, por todo seu amor, incentivo, por chorar comigo nos momentos mais difíceis e por sorrir e gargalhar quando temos a oportunidade. Seu Ariomar de Oliveira e Dona Rita Rosa, obrigado por me acolherem com tanta afeição. Ana Paula e Breno Amorim, obrigado por tudo, me sinto irmão de vocês.

Sou muito grato à professora Margarida Dias de Oliveira, também filha de costureira. Professora, obrigado por me permitir ser seu orientando e seu amigo. Com a senhora percebi mais ainda a importância da luta por uma educação pública e de qualidade. Espero seguir na luta em prol da melhoria do ensino de História e ser digno de dizer que sou seu aprendiz.

Agradeço a todos os professores do Departamento de História por contribuírem com minha formação. Em especial à Juliana Teixeira, minha eterna coordenadora do PIBID, por contribuir em minha formação na condição de ser um profissional de História atento às causas sociais; e a Francisco Santiago Jr., meu professor de Memória e Patrimônio Histórico, também por me inspirar e ser um profissional competente no que faz.

Agradeço também aos amigos da Linha de Pesquisa História e Espaços do Ensino, pelos encontros e discussões sempre edificantes. Em especial a Matheus Oliveira, por estar nos últimos dias na 808 me ajudando com minhas hipóteses e no trabalho com a Análise de Conteúdo; Wendell Oliveira e Jandson Bernardo pelas conversas sobre tudo e por, sempre que necessário, apontarem meus erros e acertos há alguns anos.

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Agradeço ainda aos amigos da capoeira, em especial, aos mestres Irani e Ataulfo, pelos ensinamentos sobre essa manifestação cultural e pelos seus trabalhos junto ao Grupo de Capoeira Cordão de Ouro de Natal. Aos professores Pitoco (Lucas Costa) e Babuge (Pablo Pereira), graduados Renato e Pastilha (Matheus Farias) e aos colegas de treino da CDO-Neópolis pelo incentivo de sempre aos meus estudos sobre a capoeira.

Por último, e não menos importante, agradeço à sociedade brasileira, por financiar meus estudos e minha vivência na universidade. E em especial, aos movimentos sociais, por sua militância e por lutarem desde muito tempo, para que pessoas como eu, pudessem ter acesso a uma série de benefícios que anteriormente eram restritos à uma minúscula parcela da população.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 7 CAPÍTULO I – O RACISMO E AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO ESPAÇO ESCOLAR: RAÇA, MOVIMENTOS SOCIAIS E A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL... 12 CAPÍTULO II – AS PESQUISAS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A CAPOEIRA E A EDUCAÇÃO NO BRASIL: ELABORANDO UM PANORAMA GERAL (2002 – 2014)... 22 CAPÍTULO III – CAPOEIRA, QUAL É O SEU VALOR NO ENSINO? OS RESULTADOS DA ANÁLISE A PARTIR DA PRODUÇÃO ACADÊMICA (2002-2014)... 32 3. 1 FORMAÇÃO HUMANISTA... 32 3.2 PLURALIDADE DOS VALORES E POTENCIALIDADES... 37 3.3 MANIFESTAÇÃO DA CULTURA CORPORAL OU POTENCIALIDADE MOTORA... 43 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 46 REFERÊNCIAS... 48

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INTRODUÇÃO

Você não sabe o valor que a capoeira tem Você não sabe o valor que a capoeira tem Ela tem valor demais Ê se segura rapaz Você não sabe o valor que a capoeira tem (Mestre Burguês)

A proposta de que seja formulada e que se coloque em prática uma Base Nacional Curricular Comum no Brasil, ou seja, de que exista uma definição clara a respeito de quais conteúdos devem obrigatoriamente fazer parte do currículo escolar brasileiro, está prevista desde a Lei de nº 9.394 do ano de 1996, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), mas, infelizmente, até o presente momento, não se chegou a uma conclusão desta elaboração1. Atualmente, por lei, no componente curricular escolar de História, os únicos conteúdos obrigatórios que devem ser trabalhados nas salas de aula de todos os estabelecimentos educacionais, sejam elas privadas ou públicas, dizem respeito ao ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena2.

Responder ao questionamento: qual África e qual Brasil negro devem ser ensinados aos alunos da Educação Básica é um dos grandes desafios que essa demanda apresenta. Acreditamos que a resposta varia de acordo com os contextos nos quais a questão é lançada, uma vez que os critérios utilizados no processo de selecionar conteúdos são múltiplos, cabendo ao docente a tarefa de diagnosticar qual a necessidade da turma que ele está atuando ou do grupo com o qual ele esteja trabalhando.

De acordo com Kabengele Munanga, se o conteúdo mínimo sobre a história e cultural da África e dos afro-brasileiros não for definido com clareza, os riscos de se mutilar e reduzir a África permanecerão, podendo a luta contra os preconceitos e o processo de construção da identidade negra no Brasil serem prejudicados (MUNANGA, 2013).

1 No Portal da Base é possível ter conhecimento de todo o processo atual de produção da BNCC, além do cronograma de sua elaboração, que no momento tem a última versão da BNCC em fase de avaliação pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Para isso, basta acessar: http://basenacionalcomum.mec.gov.br. 2 Essa legitimação veio por meio da Lei de nº 11.645 de 10 de março de 2008, que altera a LDB de 1996 e ressalta no Art. 26-A o seguinte: “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”. Cabendo uma atenção especial a serem ministrados nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.

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8 Por trás dessa discussão do ensino da história e cultura afro-brasileira existe uma preocupação com a formação do cidadão. Utilizando como referência Emília Viotti da Costa no que diz respeito à relação sociedade/escola, Margarida Dias de Oliveira – em sua tese de doutoramento defendida em 2003 –– dá ênfase ao “caráter intrinsecamente educativo da História”. Segundo a autora, é esse caráter que dirige o trabalho do professor de História, uma vez que, essa discussão é definidora, a partir da relação entre a sociedade e a escola, “[...] do que todo cidadão tem o direito e o dever de saber sobre História para entender seu mundo, ler sua realidade e nela atuar” (OLIVEIRA, 2003, p. 188). Neste sentido, cabe a disciplina de História um importante papel, o de contribuir de forma objetiva com a formação cidadã.

De acordo com Itamar Freitas, os valores fazem parte da aprendizagem histórica, quer queiramos ou não, pois eles fazem parte do nosso cotidiano, estão postos. E mais, “esse valor é também conteúdo histórico” (FREITAS, 2016, p. 109). Eles perpassam ainda documentos que de forma direta ou indiretamente direcionam as ações a serem executadas na educação, tais como as declarações universais, a constituição, as leis de diretrizes e bases, os parâmetros curriculares etc. o que torna mais necessário ainda suas problematizações nos ambientes escolares.

A epígrafe que inicia este trabalho é o coro de uma música bastante cantada nas rodas de capoeira. Escrita e gravada por Antônio Menezes, conhecido no cenário capoeirístico como Mestre Burguês, a canção fala a respeito de um valor presente na capoeira que poucas pessoas conhecem, capaz de mudar a vida das pessoas e de ajudá-las nos momentos de dificuldade.

A capoeira é fruto da vivência e experiência sociocultural dos africanos e seus descendentes em território brasileiro. Juntamente com outras manifestações resultantes dessa experiência, tais como o samba e o jongo, esta manifestação hoje se configura em um dos ícones representantes da identidade nacional.

Reconhecida em 2008 pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)3 como patrimônio cultural imaterial brasileiro, e em 2014 como patrimônio cultural imaterial da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a

3 O IPHAN – criado em 13 de janeiro de 1937, por meio da Lei nº378 – é a autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura responsável por responder pela preservação de todo o patrimônio cultural brasileiro. Cabe a ele proteger e promover os bens culturais do país, assegurando sua permanência e usufruto para todas as gerações. Para saber mais acessar: http://portal.iphan.gov.br.

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9 Ciência e a Cultura (UNESCO), a capoeira possui uma série de elementos capazes de valorizar a cultura afro-brasileira. E mais, é possuidora de um conjunto de fundamentos e situações em que diversos princípios universais são desenvolvidos.

Através do trabalho com músicas cantadas nas rodas de capoeira, por exemplo, é possível perceber o elemento do respeito à diversidade. Na música “Quem vem lá sou eu”, escrita e gravada pelo Mestre Suassuna4, encontra-se a seguinte estrofe: “Pega derruba e levanta ligeiro / só entra na roda quem é mandingueiro / capoeira é pra homem, menino e mulher / pra entrar nessa roda tem que ter axé”. Ou seja, qualquer pessoa pode entrar na roda de capoeira, não importa seu gênero, cor, ou lugar social, a única exigência é a energia e a vontade (o axé).

Sendo assim, pelo que já foi apresentado até aqui, podemos atestar que pode ser atribuída sim uma relação entre a prática da capoeira, a educação brasileira e o ensino de História. E mais, a capoeira é uma das alternativas nas quais as problemáticas que se referem à história e cultura afro-brasileira possam ser levadas para a escola.

Portanto, seguindo essa linha de desenvolvimento, que leva em consideração uma demanda social e do Estado brasileiro – o de trabalhar em sala de aula a história e cultura afro-brasileira – e que, debater sobre critérios para selecionar conteúdos é também pensar em valores e na formação do cidadão, esta monografia teve como fundamento a seguinte problemática: dentro da produção acadêmica do Brasil, qual ou quais os valores que são atribuídos a prática da capoeira no que diz respeito a sua relação e contribuição com a educação brasileira e o ensino de História?

No Capítulo I, intitulado O racismo e as relações étnico-raciais no espaço escolar5: raça, movimentos sociais e a implementação de políticas públicas no Brasil, discutimos sobre a necessidade de se discutir o racismo e as relações étnico-raciais no espaço escolar, passando pelos debates sobre raça, o papel dos movimentos sociais e sua relação com a

4 Reinaldo Ramos Suassuna, conhecido na capoeira como Mestre Suassuna, é natural de Itabuna/BA e o fundador e presidente do Grupo Cordão de Ouro, grupo que em 2017 completa cinquenta anos e que conta com academias de capoeira em todos os continentes do mundo.

5 A categoria de espaço escolar é entendida por nós a partir da definição dada por Margarida Maria Dias de Oliveira, significando o “conjunto das relações construídas entre espaço físico das instituições de ensino, seus sujeitos diretos (docentes e discentes), a comunidade composta por pais, vizinhança, legisladores, gestores, etc., e os resultados dessas relações: leis, prescrições curriculares, materiais didáticos, metodologias de sala de aula, estratégias de relacionamento, etc. e que, por meio deste entendimento, objetiva produzir reflexões teóricas específicas no que diz respeito ao conceito de espaço escolar” (OLIVEIRA, 2013, p. 235). Ou seja, ultrapassa o constructo físico, sua formação e delimitação aparecem em relações sociais distintas e possui diferentes significados.

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10 implementação de políticas públicas voltadas para superação da discriminação racial no Brasil.

Na busca por resposta a problemática desta monografia, adotamos como fonte central em nossa pesquisa, as teses de doutoramento e dissertações de mestrado que de forma direta ou indireta discutem a relação existente entre a prática da capoeira, a educação brasileira e o ensino de história.

Na fase de seleção e levantamento destes trabalhos, utilizamos os bancos digitais de teses e dissertações da CAPES6 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do IBICT7 (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia)8.

O recorte temporal adotado nesta pesquisa resultou da seleção dos trabalhos nos bancos digitais de teses e dissertações mencionados anteriormente. 2002 é o ano de defesa do primeiro trabalho que relacionada capoeira e ensino, e 2014, o ano de defesa do último. Entretanto, não podemos esquecer que a partir de 2003, o Estado brasileiro – notadamente através dos trabalhos desenvolvidos pela Secretaria de Educação Básica (SEB) por intermédio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) –, esteve em constante diálogo com os movimentos sociais na busca de atender as suas demandas.

Para analisar o conjunto de teses de doutoramento e dissertações de mestrado, utilizamos como metodologia de investigação das fontes a análise de conteúdo proposta por Laurence Bardin, e definida como:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens (BARDIN, 2011, p. 48).

A quantidade de fontes que foram investigadas – dezesseis ao todo – nos forneceu condições de realizarmos uma análise qualitativa do material, nos dando assim, a possibilidade de elaborarmos deduções e interpretações específicas sobre o que pretendíamos encontrar, bem como nos trouxe a oportunidade de conjecturar uma variável de inferência precisa, ao invés de inferências gerais.

6 Para ter acesso ao Banco de Teses & Dissertações da Capes, ver: http://bancodeteses.capes.gov.br. 7 Disponível em: http://bdtd.ibict.br/vufind/.

8 A relação das teses e dissertações utilizadas como fonte nesta pesquisa será trabalhada de forma detalhada no capítulo 2, a partir da página 22.

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11 O quadro geral dessas pesquisas poderá ser visto no Capítulo II, intitulado As pesquisas sobre a relação entre a capoeira e a educação no brasil: elaborando um panorama geral (2002 – 2014).

Os argumentos apresentados pelos autores em uma possível resposta a nossa pergunta – qual ou quais os valores que são atribuídos a prática da capoeira no que tange a sua relação e contribuição com a educação brasileira, e se possível, com o ensino de História? – nos deu base para realizarmos nossas inferências e interpretações. Para Bardin, na análise de conteúdo, estes argumentos são nossas unidades de registro, parte de fundamental importância na continuidade da pesquisa.

Após a seleção destes argumentos em tipologias temáticas, foram identificadas três categorias gerais, que nos auxiliaram a compreender quais são os atributos dados à capoeira no que diz respeito sua relação e auxílio no cumprimento dos deveres da educação no Brasil e do ensino de História.

O exame detalhado dos trabalhos de acordo com as categorias mencionadas acima será visto no Capítulo III, denominado Capoeira, qual é o seu valor no ensino? Os resultados da análise a partir da produção acadêmica brasileira (2002-2014).

Ao final, espera-se que o leitor possa ter encontrado um panorama geral das pesquisas que relacionam capoeira, educação e, se possível, ensino de História, assim como consiga constatar os valores que são atribuídos a esta manifestação cultural no que diz respeito sua contribuição com as demandas sociais e do Estado que a escola tem a tarefa de atingir.

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CAPÍTULO I – O RACISMO E AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO ESPAÇO ESCOLAR: RAÇA, MOVIMENTOS SOCIAIS E A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL

Não é uma tarefa difícil encontrar notícias ou casos de atitudes racistas nos mais variados espaços e áreas. Nas escolas isso também não é diferente. Em uma matéria publicada no g1.globo.com9 em novembro de 2015 temos a seguinte manchete: “Menina sofre racismo em escola do Acre e não quer mais ir à aula, diz tia”. A matéria fala que uma menina de 10 anos de idade, perdeu a vontade de ir para a escola após supostamente ter sofrido ofensas racistas das colegas de classe na cidade de Rio Branco. Segundo a tia da criança, a menina teria sido chamada de “preta imunda e suja” por várias vezes. Segundo o diretor da escola, que confirmou o ocorrido, as duas meninas que teriam falado as ofensas comentaram que estavam brincando, além disso, afirmou que sempre orienta que “as crianças não podem destratar os colegas”10

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O racismo se expressa na sociedade brasileira das mais variadas formas. Mas quais são as justificativas que explicam a presença desta perspectiva nos dias de hoje? Porquê em pleno século XXI nos deparamos ainda com situações deste tipo?

Antes de nos debruçarmos sobre estes questionamentos, faz-se necessário uma explanação a respeito de quais os referenciais que estamos partindo ao discutir e tratar sobre o racismo. Para que assim, posteriormente aos esclarecimentos, possamos retomar a discussão sobre as justificativas. Desse modo, passamos agora à pergunta: o que é o racismo?

Em uma busca no dicionário Aurélio, o racismo – seja na versão impressa, seja em um portal via internet, destinado a um público mais amplo e de consulta rápida –, é caracterizado tendo como referência a sua conceituação considerada clássica, ou seja, “dominado por uma temática da hierarquia das raças” (WIEVIORKA, 2007, p. 38)11

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9

O g1.globo.com foi utilizado por se tratar de um portal de informações de grande visibilidade na internet. Segundo algumas informações, mesmo com algumas variações, se encontra entre os cinco sites mais acessados do Brasil, e quando o assunto é notícias, ocupa o primeiro ou segundo colocado. Disponível em: <http://www.canaltech.com.br/notícias> Acesso em 22 de setembro de 2016.

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A matéria na íntegra pode ver ser visualizada em: http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2015/11/menina-sofre-racismo-em-escola-do-ac-e-nao-quer-mais-ir-aula-diz-tia.html. Acesso em 22 de setembro de 2016.

11 No Novo Aurélio Século XXI encontramos algumas definições bem avançadas se comparadas com a versão disponível na internet – haja vista que são elaboradas para situações diferentes –, como estas: “Qualquer teoria que afirma ou se baseia na hipótese da validade científica do conceito de raça e da pertinência deste para o

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13 Uma acepção mais complexa que esta clássica, é posta por Antônio Guimarães na obra Racismo e Antirracismo no Brasil, na qual o racismo é “uma forma bastante específica de ‘naturalizar’ a vida social, isto é, de explicar diferenças pessoais, sociais e culturais a partir de diferenças tomadas como naturais” (GUIMARÃES, 2009, p. 11). E que a atitude na qual se baseia o racismo encontra-se presente, nas palavras do autor, “quando se considera que alguém, portador de uma certa identidade racial ou regional [...] deva reagir a condições climáticas ou sociais de uma certa maneira ‘predita’ por sua identidade social” (idem, p. 11-12). Ou seja, o racismo é entendido aqui na condição de pré-julgamento posto a determinados grupos no intuito de tornar naturais as diferenças sociais que estes grupos pré-julgados sofrem diariamente.

Concordamos com esta definição, entretanto, esta é ainda uma significação ampla e que não iremos utilizar como referência única neste estudo. Estamos partindo do pressuposto de que existe uma variedade conceitual no que diz respeito às categorizações sobre o racismo, e que estas categorizações devem obedecer às particularidades de cada contexto e situação, em outras palavras, não podemos dizer que existe um único racismo, mas sim racismos.

Para termos uma ideia das ramificações que a categoria de racismo pode alcançar, vejamos alguns exemplos apresentados por Michel Wieviorka. Para além do racismo em sua conceituação clássica, já posta em parágrafos anteriores, podemos elencar o racismo científico, que propõe “uma pretensa demonstração da existência de ‘raças’, cujas características biológicas ou físicas corresponderiam às capacidades psicológicas e intelectuais, ao mesmo tempo coletivas e válidas para cada indivíduo” (WIEVIORKA, 2007, p. 25). Essa concepção de racismo traz consigo o argumento do determinismo, na qual se pretendia explicar não apenas as atividades desenvolvidas nas sociedades e comunidades, mas também seus funcionamentos.

Outra vertente é o chamado racismo institucional, que remete a algo que mantém os negros em uma situação de inferioridade através de mecanismos não tão perceptíveis socialmente. Nesta concepção, diferente da científica, o que está em pauta é a insistência nas práticas que asseguram a reprodução e a dominação. Nas palavras de Wieviorka, o racismo

estudo dos fenômenos humanos. [...] Qualquer doutrina que sustenta a superioridade biológica, cultural e/ou moral de determinada raça, ou de determinada população, povo ou grupo social considerado como raça” (FERREIRA, 1999, p. 1696). Na versão da web que dizer “sistema que afirma a superioridade de um grupo racial sobre os outros, preconizando, particularmente, a separação destes dentro de um país (segregação racial) ou mesmo visando o extermínio de uma minoria (racismo antissemita dos nazistas)”. Disponível em: https://dicionariodoaurelio.com/racismo.

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14 institucional “constitui uma propriedade estrutural inscrita nos mecanismos rotineiros, assegurando a dominação e a inferiorização dos negros”, apresentando-se como um sistema generalizado de discriminações. E mais, se faz presente a ideia de “uma dissociação do ator e do sistema, e sugere que o racismo pode muito bem funcionar sem que preconceitos ou opiniões racistas estejam em causa” (WIEVIORKA, 2007, p. 30-31).

Neste trabalho, buscamos o diálogo também com esta categoria, uma vez que a principal utilidade do racismo institucional é a de pleitear para que se ouçam aqueles que sofrem a discriminação e a segregação, e que ainda pedem por mudanças políticas e institucionais na tentativa de retificar as injustiças das quais são vítimas. É um convite para o debate (Wieviorka, 2007). E como tratamos aqui de políticas públicas que resultaram das ações diretas dos movimentos sociais, a conversa com esta categorização de racismo se faz presente.

Entendemos ainda que o racismo deva ser compreendido na condição de fruto de mudanças ou de situações nas quais acompanha ou fundamente as relações sociais, assim como nos aponta Michel Wieviorka sobre o fato de que o racismo:

Não é apenas um fenômeno puramente ideológico, político ou doutrinário, um conjunto de modos de pensar que depende da história das ideias e da filosofia política. Deve ser compreendido como um componente de condutas entre grupos humanos, as quais tomam a forma do preconceito, da discriminação, da segregação [...], mas também o da violência (WIEVIORKA, 2007, p. 41-42).

Com esse apontamento percebemos que o preconceito, a discriminação, a segregação e a violência aparecem aqui na condição de formas elementares do racismo, embora suas formas de apresentação variem em muitos outros âmbitos, no social, econômico ou nas discussões de gênero por exemplo.

Retornando a busca das respostas aos questionamentos referentes às justificativas do racismo se fazer em nossa sociedade ainda nos dias atuais, vamos aos aspectos que merecem destaque.

A discussão chave que paira sobre estas indagações é em torno da ideia de que o racismo foi, até recentemente na sociedade brasileira, um tabu. E mais, os brasileiros se imaginavam vivendo numa democracia de raças, tornando-se até fonte de orgulho nacional e prova, frente aos outros países, de nosso status de nação civilizada (GUIMARÃES, 2009).

As afirmações de que nossa identidade é mestiça, que brancos e negros viviam em harmonia e da existência de uma democracia racial, escondiam o princípio de superioridade

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15 do branco com relação ao negro. Fundamentado no racismo científico – já explicado aqui –, o que se tentou esconder foi uma espécie de racismo explícito, a tese do “embranquecimento” social.

Durante muito tempo no Brasil, afirmou-se que, do ponto de vista étnico, juntamente com a crença da possível existência de civilizações superiores e inferiores, a nacionalidade brasileira – devido a sua mescla de etnias - aparecia como uma espécie de elo fraco da corrente. Para os adeptos deste ideal, o quadro de inferioridade poderia ser superado, desde que o país conseguisse acelerar o seu processo de evolução, a partir de um processo de branqueamento da sociedade brasileira (VELLOSO, 2010).

A tese do “embranquecimento” social, segundo Antônio Guimarães (2009), é aquela que, com certeza, especificava parte do pensamento racial brasileiro no final do século XIX e, principalmente, as primeiras décadas do século XX. Nas palavras do brasilianista Thomas Skidmore, esta tese se baseava

no pressuposto da superioridade branca – às vezes minimizada por ficar em aberto a questão do quão “inata” seria essa inferioridade e pelo emprego de eufemismos como raças “mais adiantadas” e “menos adiantadas”. Primeiro, a população negra estava se tornando menos numerosa do que a branca por motivos que incluíam uma taxa de natalidade supostamente menor, uma maior incidência de doenças e a desorganização social. Segundo, a miscigenação estava produzindo, “naturalmente”, uma população mais clara, em parte porque os genes mais brancos eram mais fortes em parte porque as pessoas escolhiam parceiros mais claros que elas (SKIDMORE, 2012, p. 111).

Infelizmente, este ideal alcançou muitos adeptos, tanto de brasileiros quanto de estrangeiros. Para se ter uma ideia, após a publicação da sistematização da tese do branqueamento pelo até então diretor do Museu Nacional, João Batista de Lacerda – que chegou a apresentá-la no Primeiro Congresso Universal de Raças em Londres no ano de 1911 –, o ex-presidente americano Theodore Roosevelt elogiou sem meias palavras as afirmações de Batista de Lacerda que, dentre outras coisas, apontava uma estimativa de que até o ano de 2012, a população branca teria supostamente se elevado a 80%, enquanto a negra teria caído à zero e a mestiça para 3%. Os outros 17% estaria distribuído para os indígenas12 (SKIDMORE, 2012).

12 Para termos uma noção da porcentagem de negros atualmente no Brasil e do insucesso que foi esta previsão, trazemos o seguinte dado. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNDA), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2014, os brasileiros que se autodeclararam negros ou pardos somaram 53,6% da população. Para consultar a pesquisa completa, basta acessar:

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16 O chamado mito da democracia racial é inaugurado no Brasil através do conhecido sociólogo Gilberto Freyre que, no início dos anos de 1930 afirmava que as três raças presentes no território brasileiro – negros, índios e brancos –, viviam de forma totalmente harmoniosa, sendo a miscigenação a particularidade maior de nossa nacionalidade. Em termos literários, este ideal foi seguido posteriormente por Donald Person, Franklin Frazier, Charles Wagley e todo um campo de estudos da antropologia social até, pelo menos, os anos de 1970. Fazendo com que o “embranquecimento” passasse, portanto, “a significar a capacidade da nação brasileira (definida como uma extensão da civilização europeia, em que uma nova raça emergia) de absorver e integrar mestiços e pretos” (SKIDMORE, 2012, p. 55).

Nilma Gomes nos mostra que na condição de discurso, este mito da democracia racial elege alguns negros considerados “bem sucedidos” na tentativa de aliviar o racismo que está sendo escondido. Nas palavras dela, é muito comum ouvirmos que “no Brasil não existe racismo e desigualdade racial, pois caso contrário alguns negros(as) nunca teriam ascendido socialmente” (GOMES, 2005, p. 58).

Dessa forma, o que encontramos aqui no Brasil é um racismo que se manifesta de forma bem particular, no caso, afirmando-se por meio da sua própria negação. Ou seja, é um racismo ambíguo e contraditório, pois ao mesmo tempo em que é negada de forma insistente a existência tanto do racismo no geral, quanto do preconceito racial em especial, pesquisas atestam que, no cotidiano, nas mais diversas relações sociais (de gênero, no mercado de trabalho, etc), os negros ainda são discriminados e continuam vivendo em uma situação de profunda desigualdade racial se comparados a outros segmentos étnico-raciais do país. E no campo educacional não é diferente, atingindo desde a Educação Básica até o Ensino Superior (GOMES, 2005).

Ao mesmo tempo em que é vítima, a escola é uma das principais frentes de combate ao racismo, pois cabe a ela o objetivo de formar o cidadão. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (a LDB), promulgada em 1996 por meio da Lei de nº 9.394, a educação básica tem por finalidades “desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, 1996, Art. 22).

A Lei de nº 10.639/03 é outro indício claro a respeito da importância do papel da escola no combate ao racismo. Foi por meio dela que a obrigatoriedade do ensino de história

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17 e cultura da África e dos afro-brasileiros na Educação Básica pôde ser efetivada. Em seu parágrafo segundo, a lei estabelece que: “Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras” (BRASIL, 2003). Desse modo, cabe à disciplina de História uma atenção especial para a efetivação e cumprimento desta lei.

A lei merece destaque neste trabalho por tratar diretamente de questões relacionadas ao ensino para as relações étnico-raciais, além de ser uma das maiores conquistas dentre um conjunto de demandas sociais que foram apresentadas pelos movimentos negros existentes no Brasil desde o século XIX, entre eles, os movimentos abolicionistas, irmandades religiosas, revoltas sociais, etc. Porém, nossa atenção será voltada para o século XX, momento em que após a inserção da população negra no sistema educacional – mesmo em pequenos números inicialmente – a partir da década de 1930, sistematizou-se de forma mais coordenada as discussões e indagações a respeito dos preconceitos e estereótipos que essa parte significativa da população sofria (CONCEIÇÃO, 2010).

Segundo Luiz Gonçalves e Petronilha Silva, quando realizamos o esforço de reler as críticas lançadas à atual situação educacional dos negros brasileiros, encontramos dois eixos sobre os quais elas foram estruturadas: exclusão e abandono. No caso, a exclusão quase que total da população negra nos ambientes formais de ensino por muito tempo de um lado, e por outro lado, a exclusão e abandono no sentido de não colocar em discussão um ensino que valorizasse de forma positiva a cultura e identidade afro-brasileira (GONÇALVES; SILVA, 2000).

No I Congresso do Negro Brasileiro, promovido pelo Teatro Experimental do Negro13 (TEN), realizado entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 na cidade do Rio de Janeiro, já eram incluídas entre as reivindicações dos movimentos sociais negros junto ao Estado brasileiro no que tange à educação, dentre outras coisas, o estudo da história do continente africano, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na

13 Fundado em 1944, por Abdias Nascimento, o Teatro Experimental Negro, configurou-se como uma das entidades do movimento negro que mais articulou a ação cultural e política da população negra no Brasil. Dentre as ações importantes que o TEN desenvolveu para o povo negro, podemos destacar: a organização do Conselho Nacional das Mulheres Negras, em 1950, que ofereceu cursos de educação primária para crianças e adultos, bem como serviços sociais; a fundação da Associação dos Empregados Domésticos, por Elza de Souza Aparecida, em 10 de maio de 1950, cuja preocupação com essa categoria deveu-se ao fato de muitos dos atores em formação pelo TEN pertencerem a essa categoria profissional; a organização da Semana de Estudos Negros e o Concurso de Belas Artes, em 1955, além do Curso de Introdução ao Teatro Negro e às Artes Negras, com mais de 300 participantes, no qual teve como conferencistas Florestan Fernandes, Grande Otelo, Alceu Amoroso Lima, Edison Carneiro, Nelson Pereira dos Santos e o próprio fundador do TEN Abdias Nascimento (SILVA, 2011).

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18 formação da sociedade nacional brasileira (SANTOS, 2005). Ou seja, o que só pôde ser efetivado em 2003, no que diz respeito a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira, já era pautado pelos movimentos sociais negros meio século antes. Posteriormente a década de 1950, os debates e a agenda de demandas dos movimentos negros parecem intensificar as reivindicações na esfera educacional somente após o ressurgimento dos movimentos sociais negros em 1978, com destaque ao Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (hoje Movimento Negro Unificado – MNU).

Fundado em 1978 – em reação à discriminação de 4 atletas negros pelo clube Tietê, de São Paulo, e à tortura e assassinato do operário Robson Silveira da Luz –, o MNUCDR é um dos que mais se destacaram e contribuiu ao longo do segundo quartel do século XX e início do século XXI com a implementação das políticas públicas voltadas para o combate ao racismo. Contando com uma atuação em diversas frentes, desde blocos carnavalescos, grupos e oficinas de teatro, até a atuação em universidades por todo o Brasil, este movimento alcançou importantes conquistas, dentre elas: a articulação dos conceitos de raça e classe, identificando a raça como determinante da classe social no Brasil; demonstração, em grande parte, do mito da democracia racial brasileira e da ideologia do branqueamento; instituiu a discussão sobre racismo e discriminação racial, em instituições, como a Igreja, os partidos políticos, os sindicatos e as escolas; evidenciou, para todo o Brasil, a data de 20 de novembro, data da destruição do Quilombo dos Palmares, como Dia Nacional da Consciência Negra, criado pelo grupo “Palmares” do Rio Grande do Sul, data que posteriormente passou a fazer parte do calendário escolar; desenvolveu uma ação educativa junto a escolas e universidades, com uma pedagogia paralela à oficial, repondo os conteúdos históricos/culturais do povo negro, invisibilizados ou minimizados nos currículos (SILVA, 2011).

Tratando especificamente da demanda da obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira na educação brasileira, ela não foi apresentada na década de 1950 e depois deixada de lado. A Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, realizada em Brasília-DF, em agosto de 1986 – com representantes de sessenta e três Entidades do Movimento Negro, de dezesseis estados brasileiros –, reivindicou aos dirigentes do país, e em especial aos membros da Assembleia Nacional Constituinte, a obrigatória inclusão nos currículos escolares de primeiro, segundo e terceiro graus, o ensino da história da África e da História do Negro no Brasil (SANTOS, 2005).

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19 Sendo demandas como estas postas ao Estado brasileiro mais uma vez na primeira metade da década de 1990 em um dos eventos mais importantes realizado pelas entidades negras do país. A Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, Pela Cidadania e a Vida, realizada em 20 de novembro de 1995 em Brasília-DF. Neste dia, os organizadores do evento foram recebidos pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso no Palácio do Planalto. Além de, mais uma vez, as lideranças dos movimentos negros denunciaram a discriminação racial e condenarem o preconceito sofrido pelos negros do Brasil, na oportunidade, entregaram ao chefe de Estado brasileiro o Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Racial que, dentre as propostas, no que diz respeito à educação podemos citar o monitoramento dos livros didáticos, manuais escolares e programas educativos controlados pela União14 (SANTOS, 2005).

Antes da efetivação da obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira em todo o território nacional no ano 2003, diversos estados e cidades ao longo da década de 1990 aprovaram medidas que criavam disciplinas específicas para tratar de temas relacionados aos afro-brasileiros ou apontavam sobre a necessidade de pautar discussões que buscassem valorizar o papel do negro na sociedade brasileira. São os casos, por exemplo, da Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte, promulgada em 21 de março de 1990 e que apontava como dever do Poder Público “a inclusão de conteúdo programático sobre a história da África e cultura afro-brasileira no currículo das escolas públicas municipais” (Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte, 1998, Art. 182, VI). No estado do Rio Grande do Sul, a Lei de nº 6.889, de 5 de setembro de 1991, do município de Porto Alegre, incluiu “nas escolas de 1º e 2º graus da rede municipal de ensino, na disciplina de História, o ensino relativo ao estudo da Raça Negra na formação sócio-cultural brasileira” (Lei de nº 6.889, de 5 de setembro de 1991, do município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Art. 1º). Outro exemplo é a Lei nº 2.251, de 31 de março de 1995, do município de Aracaju/SE, que além de incluir conteúdos programáticos relativos ao estudo da raça negra, na formação sociocultural e política (Art. 1º), aponta que “a rede municipal de ensino deverá adotar conteúdos

14 No caso específico desta demanda seu atendimento de certa forma aconteceu. Os livros e manuais didáticos dos anos 1990, se comparados aos distribuídos na década anterior, no que diz respeito a representação do negro de forma estereotipada – na condição de subservientes, racialmente inferiores, entre outras características negativas –, apresentam um avanço considerável. Para ver o caso dos livros de Língua Portuguesa por exemplo, ver: SILVA, Ana Célia Da. A representação social do negro no livro didático: o que mudou? Porque mudou? Salvador: EDUFBA, 2011. Com o início das publicações dos Editais nos anos 2000 é que o Programa Nacional do Livro Didático pôde, de fato, combater de forma direta e explícita a presenta de estereótipos e preconceitos relacionados ao negro nos materiais didáticos.

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20 programáticos que valorizem a cultura e a história do negro no Brasil” (Lei nº 2.251, de 31 de março de 1995 do município de Aracaju/SE, Art. 2º)15.

Mesmo a capital federal – Brasília – aprovando também uma lei sobre a obrigatoriedade do “estudo da raça negra” na condição de conteúdo programático dos currículos escolares de 1º e 2º graus do Distrito Federal16, não foi suficiente para que em nível nacional uma decisão fosse tomada. O que só veio acontecer no ano de 2003, quando o até então Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, reconhecendo a importância das lutas dos movimentos sociais negros, por meio da Lei de nº 10.639 alterou a LDB de 1996 e estabeleceu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira em todos os estabelecimentos de ensino fundamental e médio, sejam eles particulares ou públicos. Segundo Renísia Filice,

as mudanças mais visíveis na orientação governamental, no que se referem às políticas de ações afirmativas, deram-se a partir do primeiro mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2002 – 2006). (FILICE, 2011, p. 109).

Parte da justificativa sobre esta afirmação recai também, para além da implementação da Lei nº 10.639 – que como vimos pode ser considerado um dos principais avanços no combate ao racismo e à discriminação racial no âmbito escolar –, por causa da criação da SECADI (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão), criada em julho de 200417.

O objetivo da SECADI é contribuir com o desenvolvimento inclusivo dos sistemas de ensino, voltando suas ações à valorização das diferenças e da diversidade, à promoção da educação inclusiva, dos direitos humanos e da sustentabilidade socioambiental, visando assim, a efetivação de políticas públicas de forma transversal e intersetorial.

Umas das grandes frentes desta Secretaria na tentativa de contribuir com a formação continuada dos profissionais que atuam na educação, por exemplo, se refere às inúmeras publicações que podem ser encontradas no seu endereço eletrônico ou em bibliotecas de instituições públicas do país. Para se ter uma noção, a Coleção Educação para Todos, os

15

Outras experiências podem também ser vistas no estado da Bahia (Constituição do Estado da Bahia, promulgada em 5 de outubro de 1989), no município de Belém, estado do Pará (Lei nº 7.685, de 17 de janeiro de 1994) e no município de Teresina, estado do Piauí (Lei nº 2.639, de 16 de março de 1998).

16 Em 13 de setembro de 1996, o então governador Cristovam Buarque sancionou a Lei de nº 1.187 que além de decretar o estudo da raça negra, aponta que este deve valorizar “os aspectos sociais, culturais e políticos da participação do negro na formação do país” (Art. 1, parágrafo 1º), e que é tarefa da Secretaria Municipal de Educação propiciar o amplo debate junto a toda comunidade escolar.

17 O termo que se refere à inclusão foi adicionado na nomenclatura desta secretaria no ano de 2011, antes disso, as referências eram dirigidas à SECAD (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade).

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21 Cadernos Temáticos da SECAD e a produção da categoria Diversidade Étnico-Racial, somam, mais de 50 publicações18.

Recuperar o histórico dessas lutas é fundamental para percebemos como essas discussões foram se desenvolvendo, quais os sujeitos estão e/ou estiveram presentes, como as demandas foram sendo impostas pelos movimentos sociais ao longo tempo, a recepção ou não por parte do Estado brasileiro frente às reivindicações, etc. Pois assim, as reflexões e problematizações poderão ser melhores direcionadas e dificilmente corre-se o risco de não estar dialogando com o que é determinado tanto pelo Estado quanto pela sociedade.

18 Por meio deste link é possível ter acesso à todas as informações e publicações da SECADI disponíveis pelo site do Ministério da Educação: <http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-continuada-alfabetizacao-diversidade-e-inclusao/publicacoes>.

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CAPÍTULO II – AS PESQUISAS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A CAPOEIRA E A EDUCAÇÃO NO BRASIL: ELABORANDO UM PANORAMA GERAL (2002 – 2014)

Neste capítulo, para a elaboração de um panorama geral das pesquisas que relacionam capoeira e a educação no Brasil, serão tocadas e discutidas questões referentes à: 1) distribuição temporal das defesas; 2) disposição espacial de acordo com as regiões do mapa político brasileiro; e 3) ordenação dos pesquisadores envolvidos com os trabalhos aqui analisados.

No quadro abaixo é apresentada a listagem das fontes que foram utilizadas durante a produção deste trabalho. Como mencionado anteriormente, tratam-se das teses de doutoramento e dissertações de mestrado que, de forma direta ou indireta, discutem a relação existente entre a prática da capoeira, a educação brasileira e o ensino de História e que serviram como fonte central para a produção desta monografia. No total, foram localizados 16 trabalhos, entre os anos de 2002 e 2014.

Quadro 1

Pesquisas acadêmicas que relacionam capoeira e ensino (2002 – 2014) Ano de

defesa

Autoria Título Filiação

institucional Orientação 2002 Paula Cristina da Costa Silva A educação física na roda de capoeira... entre a tradição e a globalização. Mestrado em Educação Física na Universidade Estadual de Campinas/SP Lino Castellani Filho 2005 Gilbert de Oliveira Santos Da capoeira e a Educação Física Mestrado em Educação na Universidade Estadual de Campinas/SP Eliana Ayoub 2006 Marco Antonio Santos da Silva Prática da capoeira como espaço de formação Mestrado em Educação na Universidade Federal de Alagoas/AL Sérgio da Costa Borba 2006 Amélia Vitória de Souza Conrado Capoeira Angola e Dança Afro: contribuições para Doutorado em Educação na Universidade Edivaldo Machado Boaventura

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23 uma política de educação multicultural na Bahia Federal da Bahia/BA 2009 Paula Cristina da Costa Silva O ensino-aprendizado da capoeira nas aulas de educação física escolar Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas Eliana Ayoub 2012 Luciana Maria Fernandes Silva O ensino da capoeira na educação física escolar: blog como apoio pedagógico Mestrado em Desenvolvimento Humano e Tecnologias – tecnologias nas dinâmicas corporais na Universidade Estadual Paulista/SP Suraya Cristina Darido 2012 Marcos Cezar Santos Gomes Capoeira emancipatória no ensino da dança: uma proposta emergente dos saberes de mestres na espacialidade da cinesfera Mestrado em Dança na Universidade Federal da Bahia/BA Lenira Peral Rangel 2013 Neuber Leite Costa Capoeira, política cultural e educação Doutorado em Educação na Universidade Federal da Bahia/BA Pedro Rodolpho Jungers Abib 2013 Manoj Geeverghese O valor educativo da capoeira Mestrado em Educação na Universidade de Brasília/DF Patrícia Lima Martins Pedeiva 2013 Giuliano Pablo Almeida Mendonça Capoeira na escola: análise e reflexões acerca de sua

legitimação nas aulas de Educação Física das Escolas Estaduais

da DIREC 13 – Jequié-Bahia Mestrado em Educação Física na Universidade São Judas Tadeu/SP Eliana de Toledo 2013 Vitor Andrade Barcellos Currículo e Capoeira: negociando sentidos de “cultura negra” na escola Mestrado em Educação na Universidade Federal do Rio de Carmen Teresa Gabriel

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24 Janeiro 2013 Lucas Contador Dourado da Silva Proposta pedagógica da Capoeira na Educação Infantil Mestrado em Educação Física na Universidade Estadual de Campinas Ademir de Marco 2014 Daniel da Silva San Gil Preconceito Racial na Escola: Contribuições da Capoeira Angola para uma Educação Física Reflexiva Mestrado em Educação na Universidade Federal do Rio de Janeiro Maria Elena Viana Souza 2014 Núbia Nogueira Cassiano O ser capoeirista e as possibilidades educativas: uma análise à luz da corporeidade Mestrado em Educação Física na Universidade Federal do Triângulo Mineiro/MG Wagner Wey Moreira 2014 Marcos Henrique Educação, arte e cultura: uma práxis

educativa com movimentos de cultura popular afro-brasileira: jongo, capoeira e samba de bumbo Mestrado em Educação no Centro Universitário Salesiano de São Paulo/SP Severino Antônio Moreira Barbosa 2014 Fernando Campiol Placedino Capoeira escolar: a arte popular para uma educação ético-estética Mestrado em Educação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/RS Nadja Hermann

A partir das informações que se encontram presentes na tabela acima, elaboramos o gráfico 1, cujo objetivo é apresentar um panorama quantitativo das pesquisas e de como estas estão distribuídas temporalmente. Aqui, o que merece destaque é a quantidade de trabalhos que foram defendidos entre os anos de 2012 e 2014.

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Gráfico 1 – Distribuição quantitativa das pesquisas por temporalidade (2002 – 2014)

Como pode ser observado, o intervalo dos três anos finais de nosso recorte temporal concentra o número de 11 dos 16 trabalhos aqui analisados, o que significa em números percentuais 68,75% da produção. Acreditamos que este crescimento significativo tenha sido motivado por dois motivos. O primeiro diz respeito ao processo de registro da capoeira na condição de patrimônio cultural imaterial do Brasil no ano de 2008 pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Nossa hipótese é que este acontecimento pode ter provocado um maior interesse por parte dos pesquisadores a este objeto de estudo, haja vista que esta manifestação passou cada vez mais a ser instituída pelo Estado brasileiro enquanto elemento central e representativo da cultura do país. O segundo motivo pode ser justificado pela intensificação de ações governamentais que fizeram com que gradativamente esta prática se fizesse presente nas escolas públicas ao longo do território nacional, o que pode ser ratificado se prestarmos atenção, por exemplo, nas ações desenvolvidas e que foram resultantes do Programa Mais Educação.

Criado pela Portaria Interministerial nº 17 no ano de 2007 e, regulamentado pelo Decreto de nº 7.083 do ano de 2010, o Programa Mais Educação se constituiu como estratégia do governo para, dentre outras coisas, induzir a construção de uma agenda de educação integral e contribuir no combate ao trabalho infantil, uma vez que amplia a jornada escolar – para, no mínimo, 7 horas diárias – das instituições públicas em que atua. Esta ação aconteceu por intermédio de atividades optativas localizadas em diferentes macrocampos:

0 1 2 3 4 5 6 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Quantidade de trabalhos

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26 acompanhamento pedagógico; educação ambiental; esporte e lazer; cultura e artes; e outros19.

Segundo Barcellos (2013), as atividades do Programa ainda contribuem e dialogam diretamente com a promoção de uma educação voltada para a formação cidadã, uma vez que “respondem parcialmente a algumas reivindicações feitas pelos movimentos sociais à educação – como a ampliação do tempo escolar, a inserção de atividades diversificadas, de “cultura popular” e de “cultura negra” nas escolas etc.” (BARCELLOS, 2013, p. 46). No caso da capoeira em específico, segundo dados divulgados pelo portal do Ministério da Educação no ano de 201120, a capoeira estaria sendo praticada nas escolas públicas brasileiras por quase 340 mil alunos21.

O gráfico 2 apresenta um demonstrativo a respeito de como as pesquisas estão distribuídas de forma espacial e geograficamente por região ao longo do território brasileiro. Neste caso, o que chama a atenção é a concentração de trabalhos na região Sudeste e a ausência de trabalhos que relacionam capoeira e ensino na região Norte do país.

Gráfico 2 – Distribuição quantitativa das pesquisas por região do país (2002 – 2014)

19 Sobre o Programa Mais Educação consultar: http://portal.mec.gov.br/proinfantil/195-secretarias-112877938/seb-educacao-basica-2007048997/16689-saiba-mais-programa-mais-educacao.

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Informações coletadas em http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/32787?start=40, no dia 02 de maio de 2017.

21 Infelizmente, em agosto de 2016, o MEC – através de uma avaliação assinada pelo então ministro interino da Educação, Mendonça Filho –, ao avaliar diversas políticas educacionais desenvolvidas ao longo dos últimos anos, apontou que o Mais Educação era ineficiente, apresentava graves problemas de gestão, era carente de políticas de avaliação e contava ainda com distorções gritantes. E mais, já que o Programa não contava com recursos no Orçamento de 2016, seu futuro seria reavaliado (Notícia completa disponível em: http://educacaointegral.org.br/reportagens/governo-temer-interrompe-recursos-programa-mais-educacao-em-2016/). 0 2 4 6 8 10 12

Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul

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27 Assim como foi apresentado, de um total de 16 teses e dissertações analisadas neste trabalho, 10 foram desenvolvidas em Programas de Pós-graduação na região Sudeste, o que significa a margem percentual de 62,5% da produção. Para explicar este fenômeno, acreditamos que o fator fundamental que explicite esse dado se refere a uma consequência do processo de “esportivização” que a capoeira passou ao longo do século XX.

O que estamos chamando de “esportivização” da capoeira trata-se de todo um processo pelo qual esta manifestação percorreu e que a retirou da condição de crime – estando presente inclusive no Código Penal brasileiro entre os anos de 1890 e 193722 – e chegasse a ser reconhecida e oficializada como prática desportiva no ano de 1972.

Não é nossa intenção resgatar e pôr em debate toda essa discussão, uma vez que teríamos que nos aprofundar em questões que nos levariam a uma outra problematização do que cabe a este capítulo, como por exemplo: a) o papel das escolas de capoeira regional e capoeira angola, identificadas, respectivamente, nas figuras do Mestre Bimba e do Mestre Pastinha na Bahia na primeira metade do século XX23; b) a contribuição de romancistas e folcloristas na valorização da capoeira e de outras manifestações culturais de matrizes afro-brasileiras; e c) da política cultural implantada pelo Estado Novo e por Getúlio Vargas na busca e elaboração de um conjunto de elementos que fossem representantes da nacionalidade e identidade brasileira24.

Neste caso em específico, a “esportivização” da capoeira dialoga diretamente com a concentração de trabalhos defendidos na região Sudeste brasileira por se tratar de um dos resultados do que aconteceu especificamente nas décadas de 1960 e 1970, notadamente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, quando ocorreu uma grande migração de capoeiristas e mestres baianos. No caso de São Paulo, estado que conta com 7 dos 10 trabalhos defendidos na região Sudeste, Eliane Dantas dos Anjos nos passa as seguintes informações sobre esta migração:

22

“Capítulo XIII – Dos vadios e capoeiras. Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal; Pena -- de prisão celular por dois a seis meses”. (CÓDIGO PENAL DOS ESTADOS UNIDOS DO BRAZIL [sic], Decreto número 847, de 11 de outubro de 1890)

23 Sobre a atuação das escolas de capoeira Regional e capoeira Angola ver: FONSECA, Vivian Luiz. Capoeira Contemporânea: antigas questões, novos desafios. Recorde: Revista de História do Esporte. volume 1, número 1, junho de 2008. p. 1 – 30.

24

Para saber mais sobre a relação entre os intelectuais e a política cultural implantada pelo Estado Novo ver: GOMES, Ângela de Castro. História e historiadores: a política cultural do Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996. Como também o texto da Dra. Monica Pimenta Velloso na obra O Brasil republicano: o tempo do nacional-estatismo, do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo, organizada por Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Delgado (2003).

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28 Migram para São Paulo os representantes da capoeira angola Ananias, Valdemar Algoleiro, Brasília, Silvestre Limão e os da regional Joel, Suassuna, Paulo Gomes, entre outros. Esses capoeiristas vêm para São Paulo em busca de melhores condições de vida, trabalhando em diversos ofícios durante o dia e dando aulas de capoeira durante a noite. Foi assim que Mestre Brasília, pedreiro, e Mestre Suassuna, office-boy, abriram a Academia Cordão de Ouro, localizada no bairro de Santa Cecília. Foi nessa época que começaram a surgir as primeiras academias em São Paulo (DOS ANJOS, 2003, p. 127)

Esta migração impulsionou sua valorização e fez com que a capoeira ganhasse cada vez mais respaldo em nível nacional, principalmente após a regulamentação da capoeira como modalidade esportiva pela Confederação Brasileira de Pugilismo (CBP) no final de 1972, através de uma portaria do Ministério da Educação e Cultura do Brasil.

Neste sentido, o que estamos defendendo é que a escolha da capoeira na condição de objeto de pesquisa dialoga diretamente com o cenário no qual esta manifestação cultural está inserida. No caso de São Paulo, por ter sido um dos estados no qual mais grupos de capoeira surgiram, percebe-se que a popularidade desta prática se faz presente, o que acabou refletindo na amostragem das pesquisas aqui analisadas.

Por outro lado, não podemos deixar de citar – já que estamos tratando da relação entre objeto de pesquisa e lugar de atuação – o que acontece com a Bahia, estado central tanto no surgimento quanto no desenvolvimento da capoeira principalmente na primeira metade do século XX, período no qual por intermédio dos mestres Bimba25 e Pastinha26, a capoeira passa por um processo de sistematização e (re)formulação dos seus princípios.

Neste caso em específico, ainda tomando por base o gráfico 2, dos 4 trabalhos que de forma direta ou indireta discutem a relação entre a capoeira e a educação brasileira na região Nordeste, 3 foram desenvolvidos na Universidade Federal da Bahia (UFBA), o que significa quase a totalidade dos estudos na região. De maneira geral, segundo a biblioteca digital da UFBA, existem 64 estudos (entre dissertações de mestrado e teses de doutoramento) que

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Manoel dos Reis Machado, conhecido como Mestre Bimba, que nasceu na cidade de Salvador no ano de 1900, é considerado um dos mais importantes mestres de capoeira da história. Criador da Luta Regional Baiana, chamada posteriormente de Capoeira Regional, Mestre Bimba foi o primeiro a possuir um alvará de funcionamento para uma academia de capoeira no ano de 1937, logo após a saída da capoeira do Código Penal Brasileiro. Morreu em 1974 na cidade de Goiânia, um ano após ter saído da Bahia por motivos financeiros e por acusar que o “poder público” não teria lhe dado seu devido valor.

26 Vicente Ferreira Pastinha, conhecido como Mestre Pastinha, nasceu na cidade de Salvador em 1889. Assim como o Mestre Bimba, é considerado um dos mais importantes mestres de capoeira da história. Fundou em 1941 a segunda academia de capoeira legalizada do governo baiano, chamada Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA). Foi responsável por sistematizar a chamada Capoeira Angola, modalidade de capoeira que se diferencia da Capoeira Regional em alguns aspectos da sua prática e ritos. Mestre Pastinha morreu no ano de 1981 também na cidade de Salvador.

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29 tratam da capoeira como objeto de pesquisa, nos mais variados programas de pós-graduação e nos mais variados recortes e problemáticas, o que faz da universidade um grande polo de pesquisas quando o assunto é a capoeira27, reforçando assim a nossa ideia de que o objeto dialoga diretamente com o cenário no qual está inserido.

Outro aspecto que podemos citar nesta fase de elaboração do quadro geral das pesquisas aqui analisadas diz respeito a distribuição dos orientadores e participantes das bancas nas quais estas teses de doutoramento e dissertações de mestrado aconteceram. Neste ponto – diferente do que aconteceu quando tratamos sobre a temporalidade e a distribuição por região, em que existe uma superioridade de algum elemento –, o quadro encontrado se refere a uma heterogeneidade clara e na existência de uma rede não muito elaborada com relação aos profissionais que estão produzindo, orientando e/ou contribuindo com as pesquisas que relacionam a capoeira e a educação no Brasil.

Referimo-nos a uma rede não muito elaborada porque mesmo que tenhamos conseguido detectar alguns profissionais que, uma vez ou outra, participam e compartilham trabalhos comuns, não existe aqui uma discrepância que signifique a existência de um conjunto expressivo de pesquisadores que possa constituir um grupo de destaque.

O caso de Paula Cristina da Costa Silva é interessante porque sua participação em nossa pesquisa se fez presente tanto no momento da leitura de sua dissertação de mestrado em Educação Física, intitulada A educação física na roda de capoeira... entre a tradição e a globalização, defendida ainda em 2002 na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), quanto na leitura de sua tese de doutoramento em Educação O ensino-aprendizado da capoeira nas aulas de educação física escolar, defendida em 2009 na mesma instituição. E mais, Paula Silva foi membro da banca de Giuliano Pablo Almeida Mendonça no ano de 2013, na defesa da dissertação Capoeira na escola: análise e reflexões acerca de sua legitimação nas aulas de Educação Física da Escolas Estaduais da DIREC 13 Jequié-Bahia, no Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade São Judas Tadeu, São Paulo.

É ainda em torno dos trabalhos defendidos por Paula Silva que outros profissionais foram identificados durante nosso levantamento. Neste caso em específico estamos nos referindo a Lino Castellani Filho e a Eliana Ayoub, o primeiro foi orientador do trabalho de

27 Para ver em detalhes tais pesquisas acessar:

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30 Paula Silva durante o mestrado e na defesa do doutorado da mesma compôs a banca de avaliação28. No caso Eliana Ayoub, outra pesquisadora que se faz presente nas defesas do mestrado e doutorado de Paula Silva, sua participação se deu na posição de membro da banca do mestrado em 2002 e orientadora no doutorado defendido em 2009. Além dessas participações, Eliana Ayoub orientou ainda a dissertação de mestrado em Educação de Gilbert de Oliveira Santos, Da Capoeira e a Educação Física, defendida em 2005, assim como os trabalhos de Paula Silva, na Universidade Estadual de Campinas29.

Outra pesquisadora que aparece em nossas fontes na condição de autora e de membro de banca é Amélia Vitória de Souza Conrado30. No ano de 2006, Amélia Conrado defendeu sua tese de doutoramento em Educação Capoeira Angola e Dança Afro: contribuições para uma política de educação multicultural na Bahia na Universidade Federal da Bahia (UFBA), e no ano de 2013 compôs a banca do doutorado de Neuber Leite Costa, tese também defendida na mesma instituição.

Na banca de Neuber Costa, além de Amélia Conrado, ainda se fez presente Hélio José Bastos Carneiro de Campos, outro pesquisador que participou e contribuiu com mais de um trabalho dos que foram analisados nesta monografia. Na outra oportunidade, Hélio Campos foi membro da banca de Marco Antonio Santos da Silva, que defendeu a dissertação de mestrado em Educação Prática da capoeira como espaço de formação, na Universidade Federal de Alagoas (UFAL) no ano de 2006.

Para finalizar o quadro destes pesquisadores que aparecem mais de uma vez nos trabalhos aqui analisados temos Luiz Gonçalves Júnior, professor titular do Departamento de Educação Física e Motricidade Humana da Universidade Federal de São Carlos

28 No currículo lattes de Lino Castellani Filho identificamos ainda sua presença em 2011 na banca de qualificação de mestrado de Leandro Madalosso Wielecosseles no trabalho então intitulado A Capoeira como Prática Educativa: O desafio da Transversalidade no currículo escolar, sob orientação de Marina Patrícia Arruda, e que foi defendido em 2013 com o título A Roda de Capoeira na Roda do Conhecimento: O Desafio da Transversalidade, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC). Infelizmente este trabalho – mesmo relacionando capoeira e ensino – não fez parte do corpo de fontes aqui analisados devido a sua inexistência tanto nos bancos de dados pesquisados, quanto na internet de maneira geral.

29 Eliana Ayoub possui produção que relaciona capoeira e ensino em alguns capítulos publicados em livros, artigos científicos publicados em anais de congressos e revistas, assim como apresentações de trabalhos em eventos. O currículo lattes de Eliana Ayoub se encontra disponível na internet através do link: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4700016D5.

30 Dentre os pesquisadores mencionados neste trabalho, sem dúvida, a que possui maior experiência com trabalhos relacionados à capoeira é Amélia Conrado. No currículo lattes dela é possível visualizar toda a sua produção com relação a capoeira, que vai de disciplinas ministradas, projetos de pesquisa e de extensão coordenados, apresentação de trabalhos, participação e organizações de eventos, até publicação de artigos em anais e revistas científicas, livros e outras produções. O currículo lattes de Amélia Conrado pode ser acessado pelo link: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4790834Y3.

(31)

31 (DEFMH/UFSCar). Nas oportunidades, participou da defesa de dissertação de Luciana Maria Fernandes Silva, com o trabalho O ensino da capoeira na educação física escolar: blog como apoio pedagógico, defendida em 2012 pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), e em 2014, na defesa da dissertação O ser capoeirista e as possibilidades educativas: uma análise à luz da corporeidade, de autoria de Núbia Nogueira Cassiano, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

Optamos em produzir este mapeamento por entendermos que no processo de produção do conhecimento – em qualquer área e/ou objeto de estudo – é fundamental a compreensão do quadro geral das pesquisas. Saber onde estão localizadas, quando foram produzidas, quem foram os responsáveis, etc. ajuda a localizar um campo. Trabalho este que será continuado no capítulo seguinte, com uma análise qualitativa destas pesquisas.

Referências

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