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A poesia no Prol : um projeto de literacia emergente em jardim-de-infância

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ABERTA

A poesia no PROL

Um Projeto de Literacia Emergente em

Jardim-de-Infância

Ana Isabel Gonçalves

Mestrado em Arte e Educação

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- 1 -

Mestrado em Arte e Educação

A poesia no PROL

Um Projeto de Literacia Emergente em

Jardim-de-Infância

Ana Isabel Gonçalves

Dissertação apresentada para a obtenção do Grau de Mestre

Em Arte e Educação

Orientadora: Professora Doutora Glória Bastos

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- 2 - Resumo

O presente trabalho compreende as áreas da educação, da literatura e das artes e integra um conjunto de atividades desenvolvidas no âmbito de um programa de desenvolvimento da literacia emergente, o PROL. Trata-se de um programa que decorre em contexto de Jardim-de-Infância, dirigido a crianças entre os três e os cinco anos e dinamizado por um mediador. Com uma periodicidade semanal e a duração aproximada de 45 minutos, através da literatura e de outras expressões artísticas procura-se diversificar e ampliar a linguagem da criança.

Pretende-se com esta investigação estudar o contributo do texto poético na promoção da literacia emergente partindo da descrição e análise de um conjunto de atividades realizadas no âmbito do referido programa.

De cariz descritivo e interpretativo, o projeto de investigação-ação foi realizado segundo uma metodologia qualitativa. Para a análise, recolheram-se elementos do diário pessoal do mediador e dos inquéritos por entrevista às educadoras de infância que acompanharam o projeto.

Os resultados evidenciam os benefícios da utilização do texto poético na promoção da linguagem e da comunicação da criança. A diversidade do repertório literário e a intervenção do mediador, com uma forte componente criativa e artística, contribuem para os bons resultados obtidos em poucos meses.

Palavras-chave: Desenvolvimento da literacia emergente; Prol; Texto poético; Jardim-de-Infância; Investigação-ação.

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- 3 - Abstract

The following dissertation evolves around the areas of education, literature and the arts. It comprises a set of integrated activities included in a programme for the emergent literacy development – PROL. This programme was conceived for kindergarten and it is aimed at children aged between three and five years old, under the orientation of a literacy trained and education specialised mediator or reading mentor. Once a week, during 45 minutes sessions, through literature and other artistic expressions, the programme seeks to diversify and expand children’s language skills.

The ,main purpose of this research is studying the contribution of the poetic text for the promotion of emergent literacy, based on the description and analysis of a set of activities proposed under the above mentioned programme, PROL. Due to its descriptive and interpretative nature, the present research-action project was based upon a qualitative methodology. Thus, in order to accomplish the necessary analysis, we have collected data from the mediator’s personal jornal entries and throught a set of interviews to the nursery teachers

The results obtained underline the benefits of poetry based activities in the promotion of language and communication skills in children attending kindergarten. The diversity of the chosen literary repertoire, as well as the intervention of the mediator, with a strong creative and artistic profile, contributed to the good results obtained in a short time span of only a few months

Keywords: Emergent literacy develoment; PROL; poetry; kindergarten; action research study.

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- 4 - Agradecimentos

À Professora Doutora Glória Bastos, pelo apoio assertivo e pragmático, aliado ao conhecimento e à dedicação à literatura para a infância.

Aos professores e aos colegas do MAE, nomeadamente ao Professor Doutor Amílcar Martins, cujo percurso profissional e académico tanto admiro.

Às instituições onde decorreu o projeto, em particular às educadoras de infância e às auxiliares de ação educativa, enquanto mediadoras comportamentais dos seus grupos, por contribuírem para a existência de um ambiente criativo, de concentração e respeito pelo outro.

À equipa do PROL, especialmente à Paula por saber estar sempre por perto e aguardar.

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ÍNDICE

Resumo ... 2 Abstract ... 3 Agradecimentos ... 4 Lista de Abreviaturas ... 8 INTRODUÇÃO ... 9 PARTE I – ENQUADRAMENTO ... 13

1. Literatura Infantil e Mediação da Leitura ... 14

1.1. Uma Aproximação ao Conceito de Literatura Infantil ... 14

1.2. O Papel do Mediador da Leitura ... 18

1.3. A Literatura Infantil e o Desenvolvimento da Literacia Emergente ... 26

2. A Poesia e as Expressões Artísticas Integradas em Educação ... 32

2.1. O Discurso da Poesia e a Criança ... 32

2.2. As Expressões Artísticas e a Promoção da Literacia Emergente ... 41

PARTE II – ESTUDO EMPÍRICO ... 48

1. Contextualização do Estudo Empírico: A Poesia no PROL - Um Projeto de Literacia Emergente em Jardim-de-Infância ... 49

1.1. Apresentação do Projeto ... 49

2. Aspetos Metodológicos ... 52

3. Apresentação e Análise das Atividades Desenvolvidas ... 56

3.1. Descrição Geral dos Procedimentos ... 56

3.2. Descrição das Atividades... 59

3.3. Análise Comparativa dos Grupos ... 121

4. Apresentação e Análise das Entrevistas às Educadoras ... 123

4.1. Caracterização da Entrevista e das Entrevistadas ... 123

4.2. Análise dos Dados ... 123

CONCLUSÕES ... 134

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- 6 -

Bibliografia Teórica... 152

Corpus do Projeto ... 157

ANEXOS ... 160

Anexo I: Matriz para as Entrevistas às Educadoras de Infância ... 161

Anexo II: Entrevista à Educadora de Infância do Grupo A ... 163

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- 7 - ÍNDICE DE IMAGENS

Imagem 1 – Logotipo do PROL – Programa de Literacia Emergente ... 49

Imagem 2 – Pormenor de ilustração do livro “O Homem da Lua”, de Tomi Ungerer ... 65

Imagem 3 – Capa do livro “Será… um Caracol”, de Guido Van Genechten ... 68

Imagem 4 – Capa do livro “Vira e Combina – na Selva”, de Axel Sheffer 69 Imagem 5 – Capa do livro “O Riscas”, de Sónia Borges ... 70

Imagem 6 – Capa do livro “Aldo”, de John Burningham ... 75

Imagem 7 – Pormenor de ilustração do livro “Oh!” de Josse Goffin ... 78

Imagem 8 – Pormenor de ilustração do livro “Oh!” de Josse Goffin ... 79

Imagem 9 – Capa do livro “O Sapato do Coração”, de Pedro Alvim ... 81

Imagem 10 – Pormenor de ilustração do livro “A escada vermelha”, de Rafael Pérez Hernando ... 84

Imagem 11 – Diálogo com a educadora de infância sobre a sessão, durante o momento de manipulação livre de materiais ... 90

Imagem 12 – “A Promessa”, de René Magritte ... 95

Imagem 13 – Capa do livro “A sereia e os Gigantes”, de Catarina Sobral 96 Imagem 14 – “Jogos Infantis”, de Bruegel ... 98

Imagem 15 – Pormenor de “Jogos Infantis”, de Bruegel ... 103

Imagem 16 – Manipulação livre de materiais ... 107

Imagem 17 – Educadora de Infância em interação com algumas crianças na fase de manipulação livre dos materiais ... 107

Imagem 18 – Pormenor do desdobrável da Bienal Internacional de Ilustração para a Infância Ilustrarte ... 108

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- 8 - Lista de Abreviaturas

EB – Ensino Básico

EEA – Educação Estética e Artística JI – Jardim de Infância

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- 9 - INTRODUÇÃO

O trabalho de investigação-ação que realizámos resulta, num primeiro momento, do nosso percurso profissional como educadora de infância, como contadora de histórias e mediadora de leitura, percurso esse pautado sempre por uma visão integradora das várias expressões artísticas e por uma perspetiva holística da aprendizagem. Mas resulta também de um trabalho desenvolvido mais recentemente em equipa. Do encontro entre duas profissionais1 e uma livraria especializada em literatura infanto-juvenil, surgiu a necessidade de criar um programa assente, por um lado, nas experiências de sensibilização para a linguagem literária e para a literacia, e por outro, nos diversos estudos que demonstram os benefícios de atividades de promoção do livro e da leitura durante a primeira e a segunda infâncias.

Denominado PROL – Programa de Literacia Emergente, o programa teve início no ano letivo de 2015/2016 em três instituições educativas. Em cada uma dessas instituições desenvolveram-se semanalmente, durante o horário curricular, as nossas atividades, em grupos de jardim-de-infância. Ao longo de cerca de 45 minutos, linguagem e literatura eram apresentadas num contexto lúdico e surgiam interligadas com a música (ou o simples som), com as artes visuais, com a expressão dramática (ou o simples movimento).

A equipa artístico-pedagógica era então constituída por duas mediadoras, as autoras do programa e responsáveis pela sua avaliação: uma com formação e experiência em educação de infância e mediação leitora; e outra, docente de ensino superior (nas áreas de línguas, literaturas, música e didática). A implementação, a coordenação geral do programa e os recursos utilizados (livros, brinquedos, instrumentos musicais, material de suporte informático e outros materiais indispensáveis) estavam a cargo dos proprietários da livraria Cabeçudos – Cabeças com Ideias.

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- 10 - À equipa do PROL interessava avaliar o impacto das atividades desenvolvidas. Contudo, reconheceu-se a complexidade de um estudo pormenorizado de impacto num programa que envolve atividades diversas, não obstante todas se centrarem no livro e na literatura. Assim, e no cruzamento entre os interesses da equipa e os interesses pessoais de desenvolver um projeto de investigação-ação no âmbito do Mestrado em Arte e Educação, optámos por nos debruçar apenas sobre a utilização do texto poético.

Sempre presentes em cada sessão, os momentos em que a poesia está presente podem durar entre cinco e quinze minutos, dependendo da proposta por nós preparada e da reação das crianças, e podem incluir outros recursos além do texto. Excertos vários ou um texto integral, tradicional ou de autor (escrito, ou não, para a infância), são alguns exemplos com os quais fazemos um alinhamento. Entendemos por alinhamento o desenho, ou o esquema das ações a realizar, que tanto pode ser de natureza temática, fonológica, morfossintática, ou outra. Além da expressão verbal, o alinhamento compreende outras formas de comunicação, tais como o gesto, a expressão corporal e a expressão vocal.

Por aquilo que verificamos ser a reação das crianças, sabemos que estas atividades são apreciadas e que provocam momentos de verdadeira interação e criatividade no grupo. Sabemos também que vários estudos fundamentam os benefícios de experiências que desenvolvam competências de literacia emergente. Interessa-nos, agora, no âmbito de um trabalho académico, refletir de forma mais consistente e estruturada sobre algumas das nossas intervenções. Assim, apontamos como pergunta de partida saber quais as repercussões da nossa intervenção a nível do desenvolvimento da literacia emergente.

A reflexão irá remeter para uma análise do processo de seleção, recriação e dinamização de textos poéticos no contexto das atividades do PROL dirigidas a crianças dos 3 aos 5 anos e ajudar-nos-á:

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- 11 -  a refletir sobre as potencialidades do texto poético na promoção da literacia emergente, com crianças de jardim-de-infância, numa perspetiva integradora das expressões artísticas;

 a identificar possíveis benefícios da nossa intervenção;

 a desenvolver práticas mais sistematizadas de intervenção artístico- pedagógica na área da literacia emergente, com crianças de jardim-de-infância.

Identificamos, à partida, a dificuldade de isolar efeitos da nossa intervenção no desenvolvimento de competências; e não ousamos estabelecer uma relação de causa/efeito, porque são inúmeros os fatores que influenciam o desenvolvimento da criança. Mas, ao estudarmos o processo que começa na recolha, seleção e recriação dos textos e termina na fase de retroação das crianças e com uma apreciação sobre o trabalho desenvolvido, podemos descobrir os momentos em que as nossas intervenções ecoam e melhorar a nossa metodologia de trabalho.

Assim, apontamos como objetivo principal do projeto a descrição e análise de atividades planeadas e dinamizadas no PROL, com recurso a produções poéticas. Este objetivo decompõe-se em três objetivos específicos:

 descrever e justificar a concepção e implementação de algumas das atividades a realizar em dois grupos de jardim-de-infância onde decorreu o PROL, tendo como suporte o texto poético;

 refletir sobre essas mesmas atividades;  analisar o processo e os resultados obtidos.

O presente trabalho organiza-se em duas partes centrais, seguidas de uma conclusão.

A primeira parte, um enquadramento teórico, reúne o conjunto de conceitos, metodologias e autores que têm inspirado o nosso percurso profissional e, particularmente, este trabalho. Por uma questão de organização, dividimos a componente teórica em diferentes temáticas, mas que na realidade

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- 12 - se cruzam e são interdependentes. Começamos por nos debruçar sobre alguns aspetos inerentes ao conceito de literatura infantil e traçamos um perfil do mediador da leitura, para depois relacionarmos estes temas com a literacia emergente. Ainda na componente teórica, apresentamos um outro momento com reflexões relativas à poesia e à infância e com uma descrição de como as expressões artísticas se têm integrado na educação em geral, no ensino em particular e do contributo das artes na formação do indivíduo e, mais concretamente, no desenvolvimento de competências literácitas.

A segunda parte do trabalho é dedicada ao projeto “A poesia no PROL”. Começamos por apresentar o PROL – Programa de Literacia Emergente, no qual assenta o nosso projeto. Referimos o percurso, a equipa, os principais objetivos, metodologia e estratégias pedagógicas artísticas e didáticas, duração e periodicidade e, ainda, alguns dos recursos materiais. Seguimos com um enquadramento metodológico no qual assenta o presente projeto de investigação-ação, com indicação de instrumentos de observação.

Iniciamos a apresentação e análise das atividades desenvolvidas com uma caracterização dos grupos e dos procedimentos, para depois descrevermos as atividades. Finalizamos esta segunda parte com uma análise comparativa dos dois grupos com os quais trabalhámos e com as entrevistas realizadas junto das educadoras de infância titulares dos grupos.

Nas conclusões, além de analisarmos os dados conducentes a respostas para a questão de partida, elencamos uma série de outros elementos. Referimos algumas descobertas relativas às nossas metodologias e estratégias, o levantamento de novas questões como ponto de partida para outras investigações e refletimos sobre o processo de execução do presente trabalho.

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PARTE I - ENQUADRAMENTO

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- 14 - 1. Literatura Infantil e Mediação da Leitura

1.1 Uma Aproximação ao Conceito de Literatura Infantil

A literatura infantil surgiu perante o reconhecimento das especificidades do desenvolvimento da criança e o seu conceito tem acompanhado a evolução do próprio conceito de infância. Assim, tem recebido diferentes influências. Se recordarmos que foi em meados do século XVIII que o mundo ocidental passou a olhar a criança, não como um pequeno adulto, mas como um ser com necessidades específicas e um modo de pensar único, então a história da literatura para a infância é muito recente relativamente à história ocidental da humanidade. Em contrapartida, tem tido uma evolução muito rápida e, atualmente, uma diversidade estilística bastante rica: “Ao lado da literatura para adultos, a literatura para crianças participa também de um processo complexo comunicativo, onde se interpenetram elementos diversos, como o ideológico, o económico, o político, etc.” (Bastos, 1999: 21)

Só a sua teorização nos permite compreender essa evolução, as razões e as influências que recebeu e melhor explicitar o conceito, a natureza e os objetivos de uma literatura dedicada a um público tão particular. As várias reflexões que iremos referir dar-nos-ão uma visão ampla e geral. Mas também nos farão compreender que não se anulam umas às outras; antes se completam.

A literatura para a infância deve cumprir duas funções básicas e complementares: por um lado, deve exercer um papel globalizador, para que nada que se considere literatura infantil fique de fora; por outro lado, deverá atuar como seletora para garantir que seja literatura (Cervera, 2004:11). Das respostas resultantes de diferentes estudos “derivam consequências decisivas para a conformação de uma teoria da literatura infantil” (Cervera, 2004: 9). Redutor será considerar que esta vertente literária existe porque a criança não

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- 15 - tem ainda a experiência de vida, a maturidade intelectual, comunicacional e linguística de um adulto. Sabemos há muito que a criança não é um adulto em ponto pequeno: é antes um ser como um modo particular de pensar e sentir o mundo. A este propósito, lembremos novamente Cervera (2004: 9, 10) quando diz que, sobre a visão dinâmica e cambiante da literatura, parece normal que a capacidade criativa e vivificadora seja maior naquela que se dedica à infância, já que o quadro de referências com que conta a criança é reduzidíssimo, dada a sua escassa experiência vital.

Poderemos afirmar que existem várias literaturas para a infância, quer porque existem várias infâncias, quer porque existem vários estilos literários. Por várias infâncias entendemos, não só os diferentes estádios de desenvolvimento, mas igualmente a multiplicidade cultural em que cada um de nós nasce e cresce e que nos torna tão diferentes uns dos outros.

Assim como a literatura é um sistema aberto (Silva, 1988:31), também aquela que é consagrada às gerações mais jovens vive em constante construção e reconstrução, porque existe, afortunadamente para nós leitores, liberdade de escrita. Tal como é difícil cingirmo-nos a uma definição de literatura, inevitavelmente, o mesmo acontece com aquela que se dedica à criança.

À literatura juntam-se diferentes atributos, que marcam um determinado estilo, ou uma corrente estética, como é o caso da literatura policial, ou do teatro. Contudo, como aponta Raquel Villardi (1997: 2), “o atributo infantil extrapola a natureza do texto, ancorando-se no seu exterior – o público a quem, em princípio, o texto se destina”. Mas apenas em princípio, já que aqueles que atribuem ao texto esta categoria são adultos: escritores, editores, teóricos, pais, educadores. Cada um analisa, à sua maneira conteúdo narrativo, ou qualidade estética, de acordo com a sua formação; todos o fazem em nome daquele que é o leitor final - a criança, ou o jovem, que ainda não reúne condições para o fazer. Não tendo maturidade nem autonomia para fazer as suas escolhas, deixa de ser o destinatário, para ser o recetor. É recetor, não

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- 16 - só por estes motivos, mas também porque aquilo que lhe interessa não lhe é necessariamente destinado.

O adulto que elege os livros para a criança, deve fazê-lo preferencialmente situando-se na posição da criança. Significará isto que o escritor, durante o processo criativo, procura agradar à criança leitora? Ou será antes ao adulto selecionador? Da análise de Shavit a diferentes obras e escritores (2003: 132) verificam-se duas respostas a este dilema dos destinatários adulto ou criança. Numa encontramos aquilo que o autor denominou de textos ambivalentes e que Cervera (2004: 18) identifica como literatura “ganha” e Glória Bastos literatura “anexada” (é o caso de As Viagens

de Gulliver); noutra a literatura para crianças não canonizada, em oposição

àquela em que o escritor se serve dos códigos do mundo adulto como modelo, quer seja de conteúdo narrativo, quer seja de qualidade estilística.

Vendo o atributo infantil de ordem externa, por ser exterior ao texto, à sua estrutura, teremos um género literário que se opõe à literatura para adultos? Sim, mas não é pelo reconhecimento destes polos que chegamos a bom porto na busca do melhor conceito. Aliás, esta questão tem sido o argumento que sustenta a negação de uma literatura dedicada à infância.

Partilhamos a opinião de Cervera (2004: 11), ao considerar que o conceito tem que reunir a dimensão de arte, o atrativo lúdico e o interesse da criança. Reconhecem-se aspetos particulares no texto escrito para a criança, que direcionam a criatividade do escritor. Por exemplo, a aproximação da linguagem, dos temas, um enredo simples e um certo vocabulário. Ainda assim, reconhecemos que considerar a existência de uma linguagem com propriedades próprias fica muito aquém de defini-las. Cervera (2004: 52) diz mesmo que nem sequer os diversos e criteriosos estudos levados a cabo nos últimos anos são suficientes para se “concluir que existe uma linguagem específica da literatura infantil válida e compartilhada pelos distintos géneros e manifestações”.

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- 17 - A propósito das obras adaptadas para a infância ou juventude, também Shavit (2003: 103) afirma faltar-nos ainda “informação credível quanto ao modo como as crianças realizam de facto os textos e de que maneira é que este é diferente da dos adultos. A maior parte da informação disponível é demasiado especulativa e carece de uma base científica sólida.”

Sobre este assunto, referenciamos Jesualdo Barbosa, citado por Raquel Villardi (1997: 3), para percebermos o quão complexo pode ser:

A criança gosta do que é belo, pelo simples sentido da beleza, o que se afasta, definitivamente, de um padrão de escrita que nada tem de infantil, mas que carrega a marca de um adulto pseudo-infantilizado e que desdenha a própria capacidade intelectual da criança.

Independentemente da preocupação do autor em se fazer entender pelos seus destinatários, textos como o que segue têm valor literário de per si. Nele podemos identificar a contemplação estética sublinhada por Jesualdo Barbosa.

Frutos

Pêssegos, pêras, laranjas, morangos, cerejas, figos, maçãs, melão, melancia, ó música de meus sentidos, pura delícia da língua; deixai-me agora falar do fruto que me fascina, pelo sabor, pela cor, pelo aroma das sílabas: tangerina, tangerina.

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- 18 - O adulto pode ler e apreciar o texto escrito para a criança, quer seja por já ter sido criança, quer seja por conviver regularmente com esse mundo. Conhece os temas, compreende o imaginário infantil e domina o vocabulário. Pelo contrário, a criança raras vezes consegue compreender um texto literário que foi escrito para um adulto leitor.

No presente trabalho, iremos expor algumas propostas em que o texto para adultos foi lido à criança, com resultados considerados por nós positivos. Reconhecemos, e verão em algumas destas intervenções, um desvio parcial ou total do tema, do enredo original, ou uma adaptação do vocabulário, afastando eventualmente aquelas que terão sido as intenções do escritor. Passam a prevalecer as intenções daquele que medeia. Porque somos mediadores de leitura, mediamos a quantidade e qualidade daquilo que queremos fazer chegar.

1.2 O Papel do Mediador da Leitura

Mediador é aquele que está entre dois polos, entre duas realidades e que tem como função aproximá-las. No caso concreto do mediador da leitura o objectivo é aproximar o livro do potencial leitor, promover hábitos de leitura. Para Cerrillo & Yubero (2003: 246) no processo de seleção de um livro deve haver uma intervenção mediadora que, com conhecimento de causa, apresente soluções perante dúvidas e facilite, dentro do possível, a decisão da escolha. A comprovação de que a escolha foi acertada confirma-se quando o leitor desfruta da leitura.

Não é possível abordarmos a mediação leitora deslocando-a do aparelho educativo. Shavit (2003: 197) aponta o sistema educativo como aquele que serve de alavanca para criar e legitimar a literatura para crianças, sendo determinante na evolução da literatura infantil. É ele o responsável pela sua canonização.

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- 19 - É frequente, os departamentos de investigação científica desta área nas universidades, estarem agregados a faculdades de educação, o que denuncia que a influência da educação na literatura infantil é muito superior à influência da própria literatura (Shavit, 2003: 61). Sem menosprezar as vantagens que daí possam advir, reconhece-se que na própria intervenção direta com as crianças a componente educativa é sobrevalorizada relativamente à componente estética.

A divulgação dos vários estudos tem influenciado a formação de professores e educadores, no sentido de se manterem atentos aos perigos vários desta problemática. Contudo, é preciso toda uma experiência geracional para se verificar uma verdadeira mudança de paradigma, em que a literatura para crianças seja parte integrante do sistema literário, tal como é parte integrante do sistema educativo.

O peso moralista que dominou durante séculos dificilmente desaparece. Tendo a igreja, por muitos anos, o domínio das instituições educativas, os livros publicados eram direcionados para a aprendizagem da leitura, em simultâneo com o ensino dos princípios religiosos (Shavit, 2003: 189). A ilustração e a componente lúdica da escrita justificavam-se apenas para tornar o livro mais atrativo; não como uma estratégia de ir ao encontro das necessidades intelectuais e emocionais destes leitores.

A introdução progressiva da literatura popular no sistema educativo, a sua aceitação e aplicação em contexto escolar são, atualmente, sinais construtivos de uma promoção do livro e da leitura mais eclética, livre e construtiva, pois permite a existência de um maior número de elementos inspiradores no processo criativo do escritor e do mediador. Além disso, abre portas à diversidade cultural e a uma imensidão de emoções que o leitor pode desfrutar, porque a preocupação moral não é a dominante em toda a produção literária.

Professores e educadores terem uma influência tão significativa naquilo que se considera boa e má literatura para crianças tem aspetos muito positivos.

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- 20 - Acompanham o desenvolvimento da criança e do jovem, logo, a sua opinião é fulcral para saber o que lhes deve ser oferecido e como deve ser feito. Naturalmente que necessitam de toda uma orientação multidisciplinar: literatura, linguagem e comunicação, artes, pedagogia e didática, psicologia.

Quanto à leitura exclusiva em âmbito escolar, que lamentavelmente ainda ocorre, há que atentar aos perigos que encerra. Não é suficiente para adquirir hábitos de leitura. Alguns autores (Cerrillo & Yubero, 2003: 246) afirmam que, como exercício, pode até impedir a formação futura de leitores assíduos e autónomos. Em contexto escolar, a leitura é obrigatória e tem subjacente outras intenções que não o puro divertimento. O mediador (incluindo o professor que quer estimular o gosto pela leitura) tem que promover a leitura voluntária, autónoma e recreativa, que deve coexistir com a leitura em ambiente escolar.

Neste aspeto consideramos que sendo a literatura uma arte, no que toca à infância a pedagogia e a didática nunca podem prevalecer sobre a componente estética e lúdica e partilhamos os receios de que as primeiras anulem o prazer de ler, assunto que será recorrente em diferentes momentos do trabalho.

A instrumentalização da leitura verifica-se também na educação pré-escolar, com consequências menores. Na seleção de um poema, de uma narrativa, ou de um livro para apresentação ao grupo, é comum o educador ter como critério de seleção o tema que está a ser abordado, que se enquadra no projeto educativo da escola ou da própria sala, ou que esteja associado a uma efeméride. Felizmente, a presença forte da componente lúdica em toda a atividade de jardim-de-infância anula a obrigatoriedade que possa estar subjacente.

O reforço da aprendizagem vivencial, pela brincadeira e o pressuposto de que o educador é antes de mais um facilitador da aprendizagem impedem que outras dificuldades apontadas por Cerrillo se verifiquem já nesta etapa escolar: a tendência para identificar livro com manual escolar e a leitura como

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- 21 - atividade séria, à qual se associa aborrecida (2003: 230). Pontualmente alguns educadores avançam já com os exercícios mecanizados da aprendizagem da leitura e da escrita. Mas como costumam fazê-lo em momentos e espaços distintos da leitura interpretativa, não nos parece que condicione a formação de um futuro leitor autónomo.

Resumindo, o professor, ou educador que também se assume como mediador, tem sempre presente que o seu trabalho é o de promover o prazer pelo livro e pela leitura e atentar aos perigos que encerram a leitura obrigatória. Muito mais do que um processo de descodificação, ler é fundamental para adquirir competências. A lista de benefícios para a formação do indivíduo é quase infindável: cognição, sentido crítico, sensibilidade estética, senso moral, por exemplo. Devolver hábitos de leitura é essencial para o processo de educação para a cidadania, para formar pessoas livres e capazes de se enriquecerem cultural e intelectualmente sozinhas (Gomes, 2007: 5).

Perceber e orientar hábitos de leitura implica múltiplos saberes. Diz Cerrillo (2003: 230) que o mediador deve possuir alguns conhecimentos da língua, da literatura, de pedagogia e didática, de sociologia e de psicologia. Há que ter uma visão interdisciplinar. Do ponto de vista da psicologia, o mesmo autor (2003: 246-247) refere o contributo das perspetivas cognitivas de Piaget e Vygotsky sobre a formação do pensamento.

A atividade que a criança exerce sobre o objeto como chave do pensamento infantil é comum em ambos os autores e pode ser comparada à relação da criança com o livro como parte essencial na sua formação leitora. Contudo, a teoria de Vygotsky, ao considerar as influências do meio, introduz na relação da criança com o objeto livro (as operações cognitivas resultam da ação da criança sobre o objeto) o contexto sociocultural como elemento fundamental. Estudos e experiências comprovam a importância do meio no desenvolvimento de hábitos de leitura.

Um outro aspeto das diferenças entre a teoria piagetiana e de Vygotsky centra-se no que cada um considera ser o sujeito da atividade psicológica.

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- 22 - Para o primeiro, o desenvolvimento faz-se a partir da ação da criança sobre o meio de forma individual ou solitária. Em contrapartida, Vygotsky considera que a inteligência está sujeita a uma socialização; que a atividade psicológica da criança progride mediante a utilização de ferramentas que estejam à sua disposição (Cerrillo & Yubero, 2003: 249). As relações que a criança estabelece com o objeto, que são diretas para Piaget, fazem-se aqui por meio de uma outra pessoa.

Assim, Cerrillo & Yubero (2003: 248) veem nestes dois psicólogos os seguintes contributos:

 As ideias piagetianas ajudam-nos a compreender a existência de diversas etapas de desenvolvimento que a criança atravessa e que em cada uma delas, adquire modos característicos de pensar que nós, adultos, devemos ter em conta no momento de selecionarmos um livro.  À parte dos pontos de vista comuns a Piaget, Vygotsky conduz-nos a

pensar na importância do adulto mediador na relação da criança com os livros.

Ou seja, de Piaget recebemos informação para selecionarmos os livros de acordo com as etapas de desenvolvimento da criança; em Vygotsky vemos justificada a importância da presença do adulto como mediador na relação da criança com o livro e podemos, assim, traçar um perfil profissional.

Sobre as teorias de Vygotsky, importa, ainda, acrescentar o conceito de zona de desenvolvimento próximo. Esta define-se pela

distância entre o nível de desenvolvimento, determinado pela capacidade de resolver um problema autonomamente, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da resolução de um problema mediante a orientação de um adulto ou em colaboração com um companheiro mais capaz.2 (Vygotski 1978 apud Cerrillo & Yubero, 2003: 248).

2“Distancia entre el nivel real de desarrollo, determinado por la capacidade de resolver

independientemente un problema, y el nivel de desarrollo potencial, determinado a través de la resolución de un problema bajo la guía de un adulto o en colaboración con un compañero más capaz." (Tradução livre da autora).

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- 23 - É precisamente aqui que vemos reforçada a importância do mediador. Ao mediador a quem é atribuída esta função de guia, torna-se essencial não só conhecer o nível real de desenvolvimento, como aproximá-lo do nível potencial, pelo que a seleção de leituras e a abordagem ao leitor requerem um cuidado extremo e uma sensibilidade particular. Quanto mais eficaz for o papel do mediador, mais estamos a atuar e a estreitar esta zona de desenvolvimento próximo.

Relativamente aos estádios de desenvolvimento intelectual de Piaget, no caso do presente trabalho, apenas precisamos centrar-nos nos dois primeiros estádios.

Sobre o estádio sensório-motor (do nascimento aos 2 anos), escusado será descrevê-lo ao pormenor, uma vez que não trabalhamos com esta faixa etária neste trabalho. Mas importa atentar ao aparecimento do interesse pela rima. Uma vez conquistado, ele não desaparece nas fases seguintes; adapta-se às necessidades específicas da aprendizagem da língua. A associação entre movimento, ritmo, som e palavras permanece, enriquece-se e torna-se complexa, porque as necessidades e os interesses são, também eles, mais complexos.

Além disso, os momentos em que a rima esteve presente na vida do bebé, quando associada a situações compensatórias e gratificantes, ficarão presentes na memória da criança. Por exemplo, o bebé deixa-se encantar pela melodia, pelo ritmo, pela beleza dos movimentos e do som. Mais tarde, já no estádio pré-operatório, procurará reproduzir verbalmente a rima, com precisão, e progressivamente atribuir-lhe-á um significado subjetivo, impelida pelo desejo de entender o seu verdadeiro significado. O menino de 5 anos aprecia a canção de embalar, porque evoca emoções agradáveis.

O estádio pré-operatório é aquele no qual predominantemente se incluem as crianças do presente projeto. É uma etapa de preparação e de aprendizagem dos mecanismos de leitura e escrita, que acontecem graças ao aparecimento da função simbólica, antecedida em fase anterior pela

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- 24 - representação mental do objeto. A possibilidade de representar simbolicamente o objeto vai permitir ao futuro leitor: primeiro, relacionar a imagem com o objeto; segundo, representar graficamente o objeto; terceiro, relacionar a palavra ouvida com o objeto; quarto, relacionar a palavra escrita com o objeto. Além disso, a representação mental do objeto permite o aparecimento da imitação diferida.

Quer o período pré-conceptual (dos 2 aos 4 anos), quer o período intuitivo (dos 4 aos 7 anos), ambos no estádio pré-operatório, devem ser considerados nesta relação entre os interesses de leitura e o desenvolvimento psicológico. O primeiro, porque se caracteriza pela noção ainda não conceptual dos signos verbais que a criança adquire; o segundo, porque o modo intuitivo de se chegar ao conhecimento deve ser enriquecido por outros mais objetivos e experimentais (Cervera, 2004: 24).

Egocentrismo, animismo e artificialismo caracterizam a personalidade da criança deste estádio e constituem elementos importantíssimos para o mediador. O primeiro leva a criança a considerar a sua perspetiva como absoluta “tendendo à coisificação dos seus pensamentos, sentimentos e sonhos” (Bastos, 1999: 35); o segundo leva a criança a atribuir vida a objetos; finalmente, mais do que atribuir vida aos fenómenos naturais, a criança acredita que resultam da ação explícita de um criador, o chamado artificialismo. A imitação diferida conduz ao jogo dramático, e o animismo ao prazer pelo conto e pela fábula, uma vez que nestes existe personificação e antropomorfismo. São de interesse para a criança que se encontra neste estádio um leque vasto de temáticas e de abordagens, pois trata-se de uma idade de grande curiosidade e abertura para o mundo. É uma fase muito vasta que vai da aquisição da linguagem, em que a criança é ainda pré-leitora, para se tornar uma futura leitora. Não desenvolve apenas os mecanismos de leitura, mas igualmente a possibilidade de formular ideias e juízos de valor e assim, fazer uma leitura interpretativa da realidade.

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- 25 - A imagem deve estar presente nos livros, acompanhada de texto, que pode ser cada vez mais extenso. Para além da parte visual, também é de interesse para a criança deste período a leitura com acompanhamento musical. Segundo Cerrillo (2003: 240) os textos devem ser escassos em carga conceptual, breves e claros. Deve, portanto predominar a prosa e a poesia pouco adjetivada, com poucas descrições, como veremos mais à frente.

Appleyard (1991 apud Bastos, 1999: 33-34) apresenta uma classificação que denominou de “papéis” que assumimos enquanto leitores, ao longo das nossas vidas. Interessa-nos, em particular o primeiro papel, onde se encontra a criança pré leitora - “leitor como player” . A palavra player não tem equivalente no português, por estar simultaneamente associada à ideia de jogador e de ator. Trata-se de um leitor ouvinte e simultaneamente ator, ou participante, na medida em que se identifica com as personagens e “vive” a narrativa. Através da narrativa, recria a realidade de um modo simbólico e fantasista, para conseguir ultrapassar as dificuldades reais.

Interessa-nos também atentar aos outros “papéis”, porque muitas vezes utilizamos excertos de obras, textos e livros que não foram escritos para crianças de idade pré-leitora. Partindo desta terminologia, poderemos questionar o que leva um leitor Player a apreciar um texto que se enquadra em características psicológicas de um leitor que assume outro “papel”.

Cada um destes momentos é caracterizado em função dos laços que o indivíduo estabelece com a leitura, laços esses dependentes não só de características psicológicas, mas também de todo um conjunto de fatores que influenciam a leitura (Bastos, 1999: 34). Não só é considerada a componente intelectual, através da relação que se estabelece entre a leitura e as fases o desenvolvimento cognitivo do modelo de Piaget, mas também os aspetos sociais e afetivos. É no conjunto destes fatores que o mediador atua, identificando os interesses específicos do leitor. Descobrir as exigências literárias da criança de acordo com o seu desenvolvimento psicológico não é fácil. Mas é bom tentar conhecê-las, mesmo que seja no quadro de aproximação e de hipóteses.

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- 26 - 1.3 A Literatura Infantil e o Desenvolvimento da Literacia Emergente

As atividades desenvolvidas no PROL, incluindo aquelas que serão o objeto da nossa investigação, têm como finalidade desenvolver competências literácitas em crianças dos 3 aos 5 anos, através de sessões contínuas e sistematizadas, durante o horário curricular do jardim-de-infância, desenvolvidas por um mediador e acompanhadas pelo educador responsável do grupo.

Do ponto de vista conceptual, há que clarificar a noção de literacia precoce, ou emergente, expressão utilizada nos últimos anos, decorrente das preocupações que envolvem a literacia.

A literacia compreende “a capacidade de usar as competências (ensinadas e aprendidas) de leitura, de escrita e de cálculo” (Benavente, 1996: 4), de forma a desenvolvermos os nossos próprios conhecimentos e potencialidades. Nesta perspetiva, é natural que numa sociedade abundante em informação e em veículos de informação, seja de importância extrema atentar aos níveis de literacia. A leitura e a escrita são instrumentos de trabalho e de lazer que nos fornecem acesso ao conhecimento; são o que melhor nos capacita para nos tornarmos indivíduos informados e ativos.

Em Portugal a expressão ganhou importância quando, em 1995, uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, coordenada por Ana Benavente, apresentou os resultados de um estudo nacional de literacia. Mais tarde publicado no livro A Literacia em Portugal - Resultados de

uma Pesquisa Extensiva e Monográfica, o estudo revelava os níveis

preocupantes de iliteracia dos jovens e adultos de então.

Daqui decorre a necessidade de desenvolver práticas que promovam a leitura e a escrita desde os primeiros anos de vida, ou seja logo no período da educação pré-escolar. Se, conforme afirma Mata (2008: 9), “as crianças

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- 27 - desenvolvem diferentes conhecimentos sobre a linguagem escrita mesmo antes de, formalmente, estes lhes serem ensinados”, ou seja, antes da entrada para o 1.º ciclo do Ensino Básico (EB), então as suas competências são desenvolvidas de acordo com os modelos mais próximas: a família, numa primeira instância, e o Jardim-de-Infância (JI), numa segunda instância. E, se em contexto familiar, existe a possibilidade dos modelos serem limitados, cabe ao JI promover uma abordagem eclética e rica da linguagem, da comunicação e da literatura.

No reconhecimento de que é benéfico agir precocemente perante este e outros problemas de desenvolvimento, surgiram em 1997 as Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar (OCEPE). Atualizadas e reeditadas em 2016, as OCEPE compreendem um conjunto de referências para o educador planear e organizar as aprendizagens – as áreas de conteúdo. Sem descurar a transversalidade do saber (nomeadamente em idades tão precoces), é de salientar o destaque dado, na época, ao domínio da linguagem oral e abordagem à escrita, incluído na área de conteúdo de expressão e comunicação:

Esta abordagem à escrita situa-se numa perspetiva de literacia enquanto competência global para a leitura no sentido de interpretação e tratamento da informação que implica a leitura da realidade, das imagens e de saber para que serve a escrita, mesmo sem saber ler formalmente. (OCEPE, 1997: 66)

É este o campo de atuação da literacia emergente, apresentando-se como uma primeira fase do desenvolvimento da literacia. Não se trata de uma aprendizagem formal, mas orientada, atenta à aquisição natural de certas competências.

Várias investigações levadas a cabo nos últimos anos comprovam os benefícios da implementação sistematizada de práticas de literacia emergente na prevenção de dificuldades futuras da leitura e da escrita. Dos diversos estudos, Cadima, Leal, Peixoto e Silva (2006: 2, 3) resumem os seguintes benefícios:

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- 28 -  o contacto da criança com os livros contribui para um conhecimento significativo das convenções do material impresso (incluem, por exemplo, sinais de pontuação e direccionalidade da escrita);

 o reforço da consciência fonológica, na medida em que esta antecipa a aprendizagem da leitura;

 o conhecimento antecipado das letras, quer seja das correspondências letra-som, quer seja do nome das letras;

 a aquisição de vocabulário ajuda a criança a dar significado às palavras escritas.

Na sequência deste enfoque dado à iniciação à escrita e à linguagem oral na educação pré-escolar, surgiram, em 2008, duas publicações do Ministério da Educação, coordenadas por Inês Sim-Sim:

A descoberta da Escrita – textos de apoio para educadores de infância; Linguagem e Comunicação no Jardim-de-Infância - textos de apoio para

educadores de infância.

Resultam ambas de um conjunto de informações identificadas em estudos anteriores, aos quais se associaram propostas de aplicações práticas em contexto pedagógico.

Em 2010, o Ministério da Educação definiu, em simultâneo com as metas de aprendizagem dos três ciclos do ensino básico, as metas finais de aprendizagem para a educação pré-escolar, com o intuito de contribuir

para esclarecer e explicitar as condições favoráveis para o sucesso escolar indicadas nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, facultando um referencial comum que será útil aos educadores de infância, para planear processos, estratégias e modos de progressão para que todas as crianças possam ter realizado essas aprendizagens antes de entrarem para o 1.º ciclo. (Albuquerque, 2010: 4).

Apesar da polémica gerada em torno das Metas Curriculares, ao ponto de serem retiradas, é relevante ter-se incluído na educação pré-escolar, no domínio da linguagem oral e da abordagem à escrita algumas das referidas competências literácitas:

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- 29 -  a consciência fonológica;

 o reconhecimento e escrita de palavras;  o conhecimento de convenções gráficas;

 a compreensão de discursos orais e interação verbal.

Na continuidade desta preocupação relativa ao desenvolvimento da literacia em educação pré-escolar, de acordo com as novas OCEPE, existem duas componentes básicas na aquisição da linguagem: a comunicação oral e a consciência linguística.

A comunicação oral compreende domínios como o vocabulário e a construção frásica, aos quais se associam muitas aprendizagens como as concordâncias de género, número, tempo, pessoa e lugar, os tipos de frases (afirmativa, exclamativa, interrogativa), a existência de uma ou mais orações, etc.

A diversidade de pessoas com que as crianças contactam e de situações comunicacionais contribuem para melhor se apropriarem das diferentes funções da linguagem. Numa instituição que promova atividades várias fora do estabelecimento e/ou com diferentes agentes educativos, as crianças confrontar-se-ão com diferentes situações comunicacionais. Uma vez que nem todas as crianças vivem experiências comunicacionais ricas fora do espaço do jardim-de-infância, é necessário:

que o contexto de educação pré-escolar forneça ocasiões que motivem o diálogo e a partilha entre as crianças, a partir das vivências comuns. Cabe ao/a educador/a alargar intencionalmente as situações de comunicação, em diferentes contextos, com diversos interlocutores, conteúdos e intenções, que permitam às crianças dominar progressivamente a comunicação como emissores e como recetores. (OCEPE, 2016: 66).

Relativamente à consciência linguística, consideram-se as seguintes dimensões: a consciência fonológica, a consciência da palavra e a consciência sintática.

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- 30 - A consciência fonológica prende-se com a identificação de sílabas, de unidades intrassilábicas (unidades menores que uma sílaba, mas maiores que um fonema) e de fonemas. Existe uma relação de interdependência entre a consciência fonológica e a aprendizagem da leitura: "Tanto a capacidade de análise do oral é importante para o processo de codificação da escrita, como este processo promove o desenvolvimento de níveis de análise fonológica cada vez mais elaborados" (OCEPE, 2016: 68).

A consciência da palavra compreende a capacidade de identificar a palavra enquanto elemento da frase. A criança identifica palavras que têm significado para ela. Por isso, começa por nomes e verbos e progressivamente inclui outro tipo de palavras, como adjetivos, preposições, etc.

A consciência sintática refere-se à compreensão e progressivo controle da organização gramatical das frases.

Estes pormenores referidos nas novas OCEPE sobre a linguagem oral, assim como outros relativos à abordagem à escrita, contêm indicações que iremos mais à frente relacionar com as atividades do PROL. Neste capítulo interessa apenas referenciá-los, por serem elementos indicadores de preocupações atuais.

Independentemente de já se desenvolverem há muito tempo estratégias de promoção do livro e da leitura, pensar, em particular, na literacia emergente, ou seja, no conjunto de “competências, conhecimentos e atitudes que antecedem e preparam a aprendizagem formal da leitura e escrita” (Sulzby & Teale 1996 apud Alves & Teixeira, 2012: 1543) tem desencadeado ações diversas que, a seu tempo, poderão dar frutos numa alfabetização mais eficaz.

Em concordância com a opinião de Gomes e Santos (2005: 9) sobre aspetos que devem estar presentes num programa de literacia emergente, na conceção geral do PROL e na planificação regular procuramos sempre manter uma abordagem holística da aprendizagem: atentar ao nível de desenvolvimento físico, motor, cognitivo e psicossocial da criança.

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- 31 - Não só as produções poéticas selecionadas procuram ajustar-se àquilo que acreditamos serem as necessidades da criança, como também o recurso às várias expressões artísticas contempla componentes lúdica e estética, imprescindíveis a um desenvolvimento global saudável. Por esse motivo proceder-se-á a uma pesquisa adequada sobre o papel da poesia na mediação em leitura, bem como sobre o contributo das expressões artísticas em contexto educativo para o desenvolvimento infantil.

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- 32 - 2. A Poesia e as Expressões Artísticas Integradas em Educação

Refletir sobre a poesia em geral e a poesia para a infância em particular é essencial para o nosso trabalho, para melhor determinar o nosso campo de atuação artístico, pedagógico e didático. Esse será o primeiro aspeto que abordamos neste capítulo. Dada a natureza da experiência que desenvolvemos e os objetivos estabelecidos para este trabalho, tentaremos também refletir sobre o papel das expressões artísticas na educação e das articulações que se podem estabelecer nesse âmbito com um trabalho com a poesia.

2.1 O Discurso da Poesia e a Criança

Para conseguirmos identificar o que caracteriza estilisticamente a poesia, temos que enquadrá-la na linguagem literária, ou artística, em oposição à linguagem utilitária. Esta é clara e deve servir de ferramenta para outros fins que não a fruição. Quanto mais for por todos compreendida, melhor cumpre os seus objetivos; não se espera ambiguidade na linguagem utilitária. Em contrapartida, a linguagem literária, desvia-se da norma e provoca ambiguidade no leitor, não no sentido de confundi-lo, mas por ser polivalente, permitindo, assim, diversas interpretações. A linguagem artística faz atuar no leitor o prazer, as emoções, a imaginação, a criatividade.

Para Maria Vitória Sottomayor (2003: 36), a principal diferença entre as duas linguagens é a evocação de imagens, através dos elementos fónico e articulatório das palavras no verso.

Ao contrário da linguagem utilitária, cujo valor informativo está claramente presente e condiciona diferentes leituras, a linguagem literária, ou artística está aberta à subjetividade de cada leitor, porque vive de uma linguagem conotativa.

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- 33 - Como veremos ao longo deste capítulo, a poesia é, por excelência, o campo privilegiado de atuação da linguagem literária. Na poesia as componentes lúdica, estética e criativa prevalecem sobre todas as intenções, compreendendo uma amplitude estilística inesgotável. Além disso, é onde encontramos a maior concentração de recursos expressivos (Sottomayor, in Cerrillo & Yubero, 2003: 36).

Um dos núcleos de reflexões teóricas em torno da poesia é a ambiguidade e pluralidade do discurso poético (Bastos, 1999: 159). Resultam de um sentimento de estranheza, porque aquilo que nos é mais familiar é apresentado de um modo diferente. A poesia parte da nossa experiência de vida como leitores para nos fazer sentir novas experiências; é possuidora de uma linguagem específica que nos faz ver o quotidiano, de um modo diferente. Há, assim, um processo de transformação da realidade.

Será que se opõe à narrativa? Numa primeira impressão pensamos que sim, quer seja pela forma quer seja pela linguagem. Simplificando, na narrativa predomina a linguagem denotativa, enquanto na poesia encontramos a linguagem conotativa.

Do ponto de vista formal, não podemos dizer ser apenas o verso que faz o poema. Reconhecemos a existência de textos em verso paupérrimos em linguagem artística e de narrativas exemplarmente enriquecidas de momentos poéticos.

Mas para chegarmos a bom porto quanto a linhas orientadoras do nosso trabalho não podemos subestimar a riqueza formal do verso e entendemos ser este o ponto de partida para uma melhor compreensão estética da poesia.

Comecemos, então, por referenciar as principais características que diferenciam a poesia narrativa da lírica, apontadas por Cervera (2004: 82-84). Deixamos de parte a prosa poética, apesar de reconhecermos o seu valor inquestionável no contacto com a linguagem poética. Como veremos adiante, no trabalho com crianças desenvolve-se a linguagem poética qualquer que sejam as formas que lhes apresentamos.

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- 34 - Na poesia lírica, quando existe descrição de uma ação, ela faz-se sob um determinado ponto de vista, com uma subjetividade que torna estático todo o conjunto da ação. Em contrapartida, a poesia narrativa toma um carácter mais dinâmico e o elemento fáctico concreto está mais presente. A atenção dada à ação proporciona uma maior objetividade, tornando o elemento lírico, quer seja na forma, quer seja no conteúdo, menos evidente. Nalguns casos (como em fábulas), a ação domina de tal modo, que passamos a ter um conto versificado, em vez de poesia. Daí dizer-se não ser o verso que torna um texto poético. Este pressuposto vem questionar a ideia apresentada no início do capítulo sobre a impressão imediata que temos da poesia se opor, pela forma, à prosa. Para sermos justos e precisos, o verso supõe uma forma de dizer que afeta o que se diz, dando-lhe um significado concreto (Mota & Utanda, 2003: 107).

No caso do poema lírico, a ação aparece para evocar a expressão de sentimentos. A poesia como linguagem redundante é aqui muito notória, acentuando a dimensão emocional deste género. Predomina a primeira pessoa do singular, muitas vezes no presente do indicativo, enquanto na poesia narrativa o discurso faz-se na terceira pessoa do pretérito, onde, por norma, não existe sujeito poético.

Mas Cervera, na sua obra Teoría de la Literatura Infantil distingue ainda um terceiro grupo, que denominou de poesia lúdica, onde “a comunicação sonora com criação e acumulação de sons” (2004: 82) desvia do leitor o interesse pelo significado do texto. Inclui textos tradicionais, que geralmente acompanham canções e jogos infantis, mas também criações novas que, embora ultrapassem as possibilidades da criança as apreciar estilisticamente, respondem ao seu espírito lúdico.

São disso exemplos, a rima tradicional “O tempo perguntou ao tempo”, ou a adivinha da Uva-passa e o poema “Trem de Ferro”, de Manuel Bandeira, textos por nós utilizados nas sessões que iremos relatar mais à frente (vd. sessões PROL de 03 de dezembro e de 27 de junho).

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- 35 - As crianças envolvem-se frequentemente em situações que implicam uma exploração lúdica da linguagem, demonstrando prazer em lidar com as palavras, inventar sons e descobrir as suas relações. (OCEPE, 2016: 67)

A função lúdica da língua está, inevitavelmente, associada ao desenvolvimento da linguagem, porque é jogando que a criança aprende. Ao longo do seu crescimento, as suas necessidades de experimentação e aprendizagem vão mudando. No bebé, o desenvolvimento linguístico resulta, em particular, de exercícios de imitação e de recriação formais. O mesmo já não costuma acontecer com a criança de cinco anos. Se na primeira infância predomina o interesse pela forma da palavra, progressivamente vai-se equiparando ao interesse pelo conteúdo, fase em que começa a surgir o jogo de significados. Entre as atividades descritas na parte II do trabalho, encontramos por exemplo, o jogo de identificação de antónimos, com o prefixo “des” (vd. sessão PROL de 22 de fevereiro), ou as palavras recortadas, com a apresentação das sílabas trocadas gão dra, barão tu, tros mons, xa bru (vd. sessão PROL de 7 de março).

Em qualquer dos casos existe um desafio a ser ultrapassado pela criança. Esta é a estratégia do jogo: apresenta-se uma dificuldade que estimula o(s) processo(s) para resolvê-la.

Cervera (2004: 203) destaca doze atividades lúdicas que se podem converter em educativas: descobrir ou decifrar, prolongar, reduzir, ampliar, transformar, desenvolver, combinar, recordar, completar, inventar, expressar e interpretar (plástica ou dramaticamente).

Quando se reflete sobre a função lúdica da língua na poesia, fala-se, com frequência, da musicalidade, do ritmo e da própria palavra. A musicalidade e o ritmo completam a impressão de jogo, que é notória na poesia de cariz tradicional, quer tenha ou não como destinatário explícito a criança (Bastos, 2005: 61).

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- 36 - Independentemente do leitor a que se destina, na poesia a palavra aparece integrada em combinações que vão desde a forma ao significado. Nestas combinações podemos encontrar uma relação com o jogo e com a criatividade (Cervera, 2004: 81): “O que interessa são as próprias palavras, são elas que detêm a nossa atenção” (Bastos, 1999: 159)

Tendo em conta que o jogo é uma atividade natural para a criança, então ela pode encontrar na atividade poética o jogo que privilegia a palavra - “A poesia apresenta-se à criança como a grande oportunidade para manejar palavras, contemplá-las de ângulos distintos e jogar com elas” (Cervera, 2004: 81).

No tema musical “O meu chapéu tem três bicos”, o desafio é retirar progressivamente as palavras; em todos os jogos em que pedimos um sinónimo ou um antónimo, estamos perante um exercício de ampliação do léxico ou de recordação; a busca de rimas para as palavras são exercícios em que a criança completa, inventa e, de certo modo, interpreta. As aplicações educativas que encontramos nas atividades lúdicas à volta da poesia e da palavra são múltiplas.

A propósito do jogo com a palavra, Cervera começa por evocar o jogo simbólico sem objeto. Ao jogar com a palavra, a criança não tem nenhum objeto para o transformar noutro; pode ter a imagem mental de um objeto, mas atua como se tivesse dito objeto. E esta imagem destaca umas vezes a forma do objeto; outras, o seu som; outras, o seu funcionamento; às vezes associa-a a outra imagem ou a outro objeto (2004: 202). De várias palavras que se apresentam à criança ela pode tentar descobrir uma outra que está contida nas primeiras pela descrição, pela definição, ou pelo som.

Associar jogo com palavra ou jogo com literatura é tomar necessariamente as palavras como se fossem objetos, observá-las (…) e descobrir que, sem deixar

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- 37 - de serem palavras – literatura -, encerram mais quilates do que aparentam.3 (Cervera, 2004: 202)

Outro aspeto a considerar é o recurso à imagem. À leitura de um poema nem sempre se associam imagens. Contudo, a criança, para melhor perceber a realidade, tem que recorrer a imagens. São elas que, vulgarmente, ao serem verbalizadas resultam em metáforas, comparações, personificações.

A metáfora e a comparação não são, a priori, usadas pela criança para enriquecimento; são antes uma necessidade face ao vocabulário ainda pouco extenso. A personificação e o animismo aparecem no discurso da criança graças ao pensamento animista do estádio de desenvolvimento pré-operatório; estão “de acordo com a visão animista do mundo que caracteriza as crianças mais pequenas” (Gomes, 1993: 75)

Os recursos expressivos, para nós ornamento indissociável da literatura, ajudam-nos a estar próximos da criança e jamais deverão ser subestimados perante o argumento de que ela não conseguirá entendê-los. Reiteramos José António Gomes (1993: 74), que rejeita “a ideia de que a criança não se encontra em condições de receber uma poesia de pendor imagístico, ainda que reconheçamos que tais condições são de natureza diferente das do leitor adulto”. E acrescenta ainda, citando Jacqueline Held, que no campo linguístico, enquanto o adulto não impõe definitivamente à criança a linguagem como conjunto de regras a respeitar, esta [a poesia] atrai o pequeno falante “não pelo seu aspeto simples e unívoco”, mas precisamente pela pluralidade e a ambiguidade semântica, pois estas “abrem à exploração um campo sentido como infinito, inesgotável” (Held 1980 apud Gomes 1993: 36-37).

3

“Asociar juego com palabra o juego com literatura estomar necessariamente las palabras como se fueran objetos, observarlas, a veces com atención microscópica, y descubrir que, sin dejar de ser palabras – literatura -, encierran más quilates de los que aparecen a primera vista.” (Tradução livre da autora).

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- 38 - Assim, os recursos expressivos, que predominam por excelência na linguagem poética, despertam o interesse da criança por se elevarem ou se distanciarem de uma intenção meramente informativa.

Tal como usa a metáfora como uma necessidade, também a criança inventa novas palavras quando não consegue encontrar no seu campo lexical a palavra ou as palavras adequadas a uma determinada situação ou representativas de uma certa imagem. Por isso, aprecia o texto com palavras inventadas a partir de palavras que já conhece. A recriação de palavras está associada a invenção de significados, mas também pode ultrapassar o conteúdo semântico, como vimos anteriormente.

À medida que cresce, a criança aumenta o poder de compreensão da leitura. A metáfora espontânea diminui e a necessidade de exercitar a articulação de palavras e sons em jogos verbais cruza-se cada vez mais com o interesse pelo significado das palavras, resultando em descobertas rebuscadas de humor.

Estas associações criativas e originais assumem por vezes particular beleza fónica. Daí, considerar-se muito importante ler poesia em voz alta. A criança é particularmente sensível à componente fono-articulatória que, ao ser lida, produz um efeito-surpresa, ao qual se alia o encantamento pela descoberta. Pode ainda produzir aquilo que Glória Bastos denominou de efeito de comicidade (1999: 159), resultante do contraste entre o real e o imaginário.

Mas para melhor aprofundar esta questão, é necessário responder à questão o que é a poesia de cariz infantil e quem a produz?

Cervera (2004: 84-86) aponta três origens que podemos atribuir à formação da poesia para crianças: a poesia tradicional, a poesia que o autor escreve para a criança e a poesia produzida pela própria criança.

A poesia tradicional, muitas vezes não direcionada para a criança, conquistou o seu interesse por recorrer frequentemente a jogos de palavras e a

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