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FUNDAMENTOS ÉTICOS PARA UMA POLÍTICA POPULACIONAL ATIVA

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Academic year: 2021

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FUNDAMENTOS ÉTICOS

PARA UMA POLÍTICA POPULACIONAL ATIVA

Jacques Ribemboim1

1 INTRODUÇÃO

A questão do crescimento tem se constituído em um pro-blema sério para os países hoje em desenvolvimento. Num mundo finito em seus recursos naturais, o crescimento populacional e o crescimento do consumo tornam-se os grandes desafios para os plane-jadores sociais que almejam o desenvolvimento sustentável e o bem-estar das futuras gerações. Como veremos a seguir, um crescimento populacional rápido, sobretudo nos países menos desenvolvidos e em desenvolvimento (onde vivem cerca de 80% da população mundial) pode se tornar no principal obstáculo ao desenvolvimento.

Desde a sua origem, a espécie humana levou entre 3 e 4 milhões de anos para atingir uma população global de 1 bilhão de habitantes. Isto ocorreu na primeira metade do século passado. Daí então, em pouco menos de 100 anos a população humana atingiu seu segundo bilhão. Hoje a população cresce em torno de 1 bilhão por década! De uma forma geral, observando-se o passado e o presente, pode-se dizer que o crescimento populacional acelerado além de gerar sérios problemas de congestionamentos e de poluição, induz processos migratórios e contribui enormemente para o inchamento das grandes cidades. Observe-se por exemplo o fato de que a maior parte das cidades superpopulosas e congestionadas encontra-se em países do Terceiro Mundo. Atualmente, 10 dentre as 12 maiores cidades encon-tram-se em países não desenvolvidos. A Cidade do México com quase 26 milhões de habitantes concorre com a Grande Tóquio para o título da maior região metropolitana do mundo. No caso brasileiro, as regiões metropolitanas de São Paulo, com cerca de 16 milhões de habitantes, e do Rio de Janeiro, com 10 milhões, são exemplos deste

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processo de urbanização rápida e desorganizada que caracterizou o crescimento brasileiro dos últimos trinta anos.

Embora não haja dúvidas de que o processo de urbanização induza aquilo que Marshall2 chamaria de “economias externas de

escala”, com conseqüentes ganhos de produtividade, quando se dá de forma rápida e desorganizada, a urbanização faz surgir algumas sérias “externalidades negativas” que denigrem o bem-estar social, e acen-tuam as desigualdades e desagregações tão conhecidas por nós brasi-leiros.

Com efeito, as sociedades já perceberam que crescimento e desenvolvimento são conceitos distintos e que o crescimento de produção e consumo não devem ser vistos como um fim em si mesmos, mas antes como um instrumento para a obtenção de uma sociedade harmonizada com a Natureza e, sobretudo, com ela mesma. Muitas das externalidades negativas do crescimento forçam os indivíduos a gastarem boa parte da sua renda monetária na aquisição de bens e serviços necessários exatamente para se defenderem contra estas externalidades. São as chamadas “defensive expenditures”, e pode-se

citar como exemplos, a contratação de seguranças e vigias noturnos, a despoluição de cursos d’água, o tratamento de doenças respiratórias decorrentes da poluição atmosférica etc.

Portanto, sofismas à parte, e deixando de lado a discussão sobre os verdadeiros vilões da depredação ambiental e da desagregação social, consumo ou população em excesso, o “modelo dos crescimen-tos” parece estar completamente superado pelo modelo de desenvol-vimento sustentável que incorpora proteção ambiental e justiça social.

Crescer menos para desenvolver mais.

2 A TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA E O PARADIGMA NEOCLÁSSICO

A questão do crescimento populacional vem preocupando economistas e planejadores sociais a muito tempo. Dentre eles, o economista e religioso Thomas Malthus permanece sendo como o mais

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emblemático. Em 1798, ele propôs a sua famosa teoria segundo a qual a produção de alimentos não aumentaria em escala semelhante à da população humana, e isto resultaria em inexoráveis processos de autocontrole, tais como mortandades por fome, pestes e guerras. A única forma para se evitar tais conseqüências indesejáveis seria mudar os padrões reprodutivos por meio do comprometimento moral e da abstinência sexual, adiando-se os casamentos, por exemplo, de forma a reduzir o tamanho da prole.

Apesar da enorme crítica que recebeu, principalmente por menosprezar o papel do progresso tecnológico, o pensamento malthu-siano recebeu alguns tratamentos que lhe conferiram maior robustez. Ao contrário da ingênua teoria original, o modelo neo-malthusiano passou a incorporar os elementos dinâmicos de análise, indispensáveis para a análise de longo prazo. De qualquer forma, poder-se-ia dizer que Malthus foi o primeiro a identificar, de forma inequívoca, a diferença entre crescimento e desenvolvimento, tão facilmente reco-nhecível nos dias de hoje.

A questão que parece ser consensual é a seguinte: dado um estoque inicial de recursos naturais grande mas finito, mais cedo ou mais tarde o crescimento populacional persistentemente alto irá exau-rir este estoque. No caso dos recursos naturais não-renováveis, tais como os depósitos minerais, este seria o resultado óbvio, ainda que houvesse crescimento populacional zero (ZPG). Para este caso, econo-mistas como El Serafy, Sollow, Hartwick, dentre outros, propõem reinvestir a renda gerada pela extração mineral em outras formas de capital, tais como em capital humano e em infra-estrutura, como meio de se conseguir um consumo sustentável e garantir o bem-estar das futuras gerações.

Por outro lado, no caso dos recursos naturais renováveis, tais como em florestas, peixes, biodiversidade, água limpa etc.,

exaus-tão e extinção ocorrerá sempre que a população e o consumo, coeteris paribus, excederem a capacidade regenerativa do meio ambiente (car-rying capacity).

Postas estas questões, cabe argüir sobre a “desejabilidade” ou não das altas taxas de crescimento populacional encontradas nos países menos desenvolvidos.

A explicação para as altas taxas de crescimento podem ser encontradas na teoria neoclássica de planejamento familiar que dá

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suporte ao fenômeno da transição demográfica conforme sumariado a seguir.

O processo de transição demográfica baseia-se na observa-ção empírica de que praticamente todo país desenvolvido passou por um estágio inicial de baixas taxas de crescimento populacional, seguin-do-se uma fase de altas taxas que são concomitantes com os primórdios do desenvolvimento do país, e finalmente estabiliza, no último estágio, estas taxas em percentuais relativamente baixos, próximos a zero e algumas vezes até mesmo negativos.

Portanto, observam-se baixas taxas de crescimento popu-lacional antes de se iniciar a transição assim como depois de concluída a mesma. Só que as baixas taxas iniciais são devidas a uma combinação de taxas de natalidade altas com taxas de mortalidade também altas. Por outro lado, após concluída a transição demográfica as baixas taxas de crescimento populacional são o resultado da combinação de baixas taxas de natalidade com baixas taxas de mortalidade.

Durante a transição ocorrem as altíssimas taxas de cresci-mento populacional (que alguns demógrafos costumam chamar de explosão populacional) porque, nesta fase, as condições alimentares e de saúde pública, sobretudo de cuidados materno-infantis, reduzem substancialmente o índice de mortalidade infantil. Nesta fase, há ainda a persistência de altas taxas de natalidade que só com o decorrer do tempo passam também a declinar.

Em suma, se antes de iniciar o processo de desenvolvimen-to o país combinava altas taxas de natalidade com altas taxas de mortalidade – resultando em um baixo crescimento populacional -, uma vez concluído este processo, o país ainda apresentará taxas de crescimento populacional baixas, só que desta vez com um perfil etário bem melhor distribuído e envelhecido, resultado das taxas baixas tanto de natalidade quanto de mortalidade (lembrando que, “grosso modo”, o crescimento vegetativo seria o resultado da diferença entre estas duas taxas).

A teoria microeconômica do planejamento familiar, um desdobramento da teoria neoclássica da decisão racional à moda Beckeriana3, vem a dar o suporte teórico à constatação empírica.

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Segundo a teoria, os indivíduos avaliam os custos e os benefícios de terem cada filho, e a partir daí tomam uma decisão racional.

É de se esperar, portanto, que numa sociedade rica, onde as mulheres conseguem boas oportunidades de trabalho e percebem rendas elevadas, o custo de oportunidade de ter mais uma criança é relativamente alto, pois a mulher teria que se afastar da alternativa de gerar renda para dar à luz e criar os filhos.

Por outro lado, numa sociedade pobre, o custo de ter e de criar uma nova criança é relativamente baixo para os pais, haja visto que a mulher (sobretudo) quase não possui alternativas de geração de renda. Nos países menos desenvolvidos a criança é enxergada muitas vezes como uma defesa contra as adversidades do porvir e servem aos pais como fonte de renda direta e indireta e como seguro contra velhice, uma vez que o estado não provê seguro social adequado para os pobres.

A relação entre o tamanho da população e a qualidade de vida e bem-estar da mesma a nível regional foi investigada por diversos pesquisadores. Coale e Hoover propuseram a teoria da população ótima segundo a qual haveria um nível populacional onde a renda per capita real seria a maior possível. Neste caso poderia ser justificada a

existência de uma política populacional ativa.

Uma população relativamente pequena utilizaria inefi-cientemente seus recursos por não ter um número suficiente de trabalhadores. Por sua vez uma população muito grande assim o faz porque tem trabalhadores em excesso e pode estar passando por problemas de congestão. No Gráfico 1 estão desenhadas duas curvas representando a variação da renda per capita com a população, para

dois momentos da história de um país. A linha tracejada corresponde a um momento posterior onde acumulação de capital, novas descober-tas de recursos naturais ou o progresso tecnológico permitiram uma expansão da curva. É de se esperar que tanto a população quanto a renda possam aumentar. Uma política ótima seria aquela que indu-zisse o caminho A → B.

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Gráfico 1

Baseados na teoria da população ótima, Coale e Hoover realizaram um trabalho empírico para a Índia em 1958, e concluíram que uma taxa de crescimento populacional reduzida teria de imediato dois efeitos positivos e superpostos para a economia do país. Primeiro porque reduziria a razão de dependência4 e, conseqüentemente,

au-mentaria a razão poupança/consumo (assumindo que a propensão marginal a consumir era decrescente com a renda para a grande maioria dos habitantes daquele país) e, segundo, porque seria possível para o setor público proporcionar um aumento de investimento por habitante, aumentando a qualidade de seus investimentos, com resul-tantes benefícios gerais para a população5.

Como apontado pelos autores acima, a razão de dependên-cia é uma variável da mais alta importândependên-cia na análise populacional,

renda per capita

y

2

*

B

y

1

*

A

P

1

P

2

população

A

4 A razão de dependência é convencionada como sendo o número de habitantes com idade menor que 15 anos e maior que 65 anos dividido pelo número de habitantes com idade entre 15 e 65 anos (em idade de trabalhar). Quanto maior a razão de dependência maior é a sobrecarga sobre os trabalhadores para sustentar a popu-lação fora da idade de trabalhar.

5 Segundo o Conselho Norte-americano de Pesquisa (National Research Council) reunido em 1986 para avaliar o crescimento populacional nos países em desenvol-vimento, não se poderia afirmar uma relação estatística comprovada entre a poupança pública ou privada e a taxa de crescimento populacional (em que pese estudos mais recentes terem reincidido nesta hipótese).

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evitando uma sobrecarga excessiva em determinados coortes em idade economicamente ativa (na maioria dos países, considerada entre 15 e 64 anos), e para manutenção e equilíbrio nas contas da previdência e seguridade social. Uma interessante reflexão sobre as mudanças do perfil etário e da razão de dependência intergeracional é feito por Fishkin (1992) que conclui pela constância destas variáveis como forma de se conseguir justiça entre as gerações presentes e as futuras.

3 RÁPIDA URBANIZAÇÃO NOS PAÍSES

EM DESENVOLVIMENTO: “EXPULSIONISMO” AMBIENTAL OU “ATRATIVISMO” ECONÔMICO?

Como apresentado no modelo de Lewis6, o êxodo do campo

para as cidades dar-se-á até o momento em que os salários urbanos (ou, utilizando-se um conceito mais moderno, remuneração-sombra) não mais exceder o produto médio do campo acrescido dos custos da transferência campo para a cidade.

Este modelo, apesar de ter sido construído em 1955, é ainda hoje apresentado no curso básico de economia devido a sua simplicidade e capacidade de síntese. Contudo, assume aprioristica-mente a hipótese do “atrativismo urbano”, relevando a questão do “expulsionismo rural”, tão freqüente nas zonas rurais do Nordeste brasileiro, sujeitas a ciclos de estiagem prolongada.

Este menosprezo ao expulsionismo não invalida, contudo, o modelo, pois sua hipótese fundadora permanece qualquer que seja a situação. Na verdade, uma investigação maior sobre as causas dos fenômenos migratórios regionais do Brasil ocorridos nas décadas de sessenta, setenta e oitenta se reveste da maior importância, desta feita incorporando o conceito de sustentabilidade ambiental. Talvez, assim, possamos averiguar até onde os vetores migratórios foram causados pelo expulsionismo do semi-árido ou até que ponto estes vetores foram acarretados pelo atrativismo da cidade grande, consoante o modelo lewisiano, ou ainda como um destes efeitos se superpôs ao outro.

6 Sir Arthur Lewis, economista britânico nascido nas Índias Ocidentais. Prêmio Nobel de Economia de 1979.

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O autor deste trabalho é levado a crer que uma ampla maioria da transumância regional destas décadas, assim como a mi-gração campo-cidade, foi muito mais o resultado das forças atrativas da dinâmica industrial e comercial urbana do que de forças expulsio-nistas sejam elas climáticas ou de reorganização da estrutura produ-tiva rural (ainda que estas também tenham contribuído, sem dúvidas, para o abandono do campo).

O termo “êxodo rural” seria portanto inadequado para retratar uma realidade abrangente, devendo ser intercambiado pelo termo “chegada urbana”.

De qualquer forma, qualquer que tenha sido a causa do deslocamento, uma vez instalados na cidade grande o migrante en-frenta algumas vezes uma realidade bastante diversa daquela que era esperada. É mantido numa armadilha. Sem meios para retornar à sua cidadezinha ou rincão, vê-se obrigado a viver em condições piores do que antes.

Isto pode ser devido ao fato de que o migrante, ao deixar o campo, conhece apenas o salário monetário da cidade (e se deslumbra com ele). Não conhece o salário real, descontadas as externalidades e custos indiretos que irá incorrer.

Os brasileiros somos profundos conhecedores das tristes condições de vida nas grandes favelas de periferia e morros. Assim como nos demais países do Terceiro Mundo, o fenômeno da urbaniza-ção rápida não foi seguido por um aumento proporcional do emprego e das oportunidades de negócios.

Migração campo-cidade e crescimento populacional rápi-do, eis a chave para a desagregação social por que estivemos passando. Seria troppo tardi para uma política populacional e migratória ativa?

4 FUNDAMENTOS ÉTICOS

PARA O INTERVENCIONISMO ESTATAL

Embora fonte de muitos dos problemas da cidade grande, a migração não pode explicar sozinha, como foi visto, o crescimento vertiginoso do número de habitantes das metrópoles dos países em desenvolvimento. Com efeito, ela responde por apenas 36% do cresci-mento populacional urbano no Brasil.

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Os problemas de inchamento das periferias das cidades vem antes das altas taxas de crescimento populacional existentes, principalmente entre os pobres, explicadas, como já foi visto, pela transição demográfica sob o paradigma neoclássico de planejamento familiar.

Classes sociais diferentes possuem quase sempre taxas de crescimento diversas7, acentuando o problema da distribuição de

renda numa sociedade já tão desigual. Os ricos têm menos crianças e acumulam capital ao longo do seu ciclo de vida, pois têm menor propensão marginal a consumir, e, “de quebra”, transferem ativos para seus herdeiros, fazendo com que cada geração seja, mutatis mutandis, tão rica ou mais do que a anterior.

Os pobres, ao contrário, têm muitos filhos e não deixam herança positiva, crescendo cada vez mais a parcela de pobres entre a população em geral e a urbana em particular, haja visto que a maioria dos migrantes são igualmente pobres.

De uma forma geral, pode-se dizer que existem sim funda-mentos éticos para o controle populacional, sejam eles de caráter intra ou intergeracional, pois além das considerações já feitas, observa-se que, na ausência de imposições sociais e legais, os indivíduos tendem a agir como “free-riders”, i.e., maximizando seus benefícios privados

sem prestar qualquer atenção aos efeitos externos que suas ações podem causar em terceiros.

Mas não somente os indivíduos de uma mesma geração podem agir como free-riders. Também as próprias gerações podem

assim fazê-lo entre elas. E isto é válido também, e quem sabe sobre-tudo, para aspectos de planejamento familiar: agindo livremente, as famílias poderão conduzir a sociedade a um estado de subótimo e as gerações presentes poderão legar um mundo depredado para as gera-ções futuras.

Como já foi mencionado, o crescimento populacional dese-quilibrado pode ter conseqüências negativas em termos de distribui-ção de renda, algo indesejável para o caso da já perversa concentradistribui-ção brasileira. Mas não é só isto. Com o crescimento populacional intenso

7 Em que se pese ter sido encontrada por alguns demógrafos brasileiros uma tendência à homogeneização das taxas de fecundidade entre classes e mesmo entre o campo e as cidades.

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é necessário correr atrás dos números em termos de postos de traba-lho, vagas nas escolas, leitos dos hospitais, energia etc. Como foi

detectado pelo estudo de Coale e Hoover para a Índia, é importante investir em quantidade e não somente em qualidade (capital deepe-ning x capital widedeepe-ning).

À parte destas considerações, o mais importante talvez seja o debate em torno da insustentabilidade ambiental, econômica e social que podem advir de um crescimento populacional desequilibra-do. Uma vez que o estoque de recursos naturais é finito e próximo à exaustão em diversos lugares do planeta, cada novo bebê poderá produzir uma externalidade negativa para todos os outros seres hu-manos: uma redução do estoque de recursos naturais per capita. A

idéia que está aí implícita é a de que o produto marginal é menor do que o produto médio, uma hipótese bastante plausível para uma região superexplorada em seus recursos (parte decrescente das curvas do gráfico apresentado).

Por outro lado, levando-se ao extremo oposto, alguém poderia querer afirmar que cada morte iria produzir um efeito externo positivo. Seria esta uma hipótese plausível em nosso sistema de valores, onde a vida é uma espécie de “bem sem-preço” ou com preço “infinito”?8. Na verdade, vida é o mais importante, belo e precioso bem

que pode existir e a perda da utilidade9 gerada por uma morte será

sempre maior do que o efeito externo positivo que poderia ocasionar dentro de um mundo congestionado10. Desta forma, “morte” não tem

nenhuma similaridade econômica com “não ter nascido”. Se um casal decide ter três filhos ao invés de quatro, isto não equivale de forma alguma a, uma vez tido quatro filhos, matar um deles!

De qualquer forma a idéia de coordenação da produção dentro num mundo congestionado e com um estoque finito de recursos naturais não é nova. Ao contrário, é bastante popular na indústria

8 Existe uma enorme controvérsia entre os estudiosos sobre o valor da vida. Alguns afirmam que a vida é um bem com preço positivo infinito enquanto outros afirmam que trata-se de um bem sem-preço. Na prática são inúmeros os casos de preçagem estatísticas da vida e citamos como exemplo os valores dos seguros de vida, dos diferenciais de salários para atividades de risco etc.

9 Utilidade é uma medida da satisfação humana muito utilizada entre economistas. É, em geral tratada como uma grandeza ordinal.

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florestal e de pesca onde a externalidade negativa ocasionada por um novo entrante é muito maior do que o seu produto marginal, inviabi-lizando a entrada (Hartwick, 1986)11. Mais ainda, se o nascimento for

analisado e circunscrito à família é provável e quase certo que o recém-nascido proporcione uma alegria que mais do que compense a diminuição dos recursos naturais per capita12. O número justo de filhos

seria portanto o mesmo para todas as famílias, algo que não ocasio-nasse a exaustão ambiental, nem que fizesse com que famílias nume-rosas impusessem perdas nas famílias menores. Neste caso talvez a cooperação resultasse num número de filhos necessários para posicio-nar a sociedade do ponto de solução ótima de Coale e Hoover.

Além do exposto até agora, que focalizou a solicitude intergeracional, e que tomou um horizonte temporal relativamente curto, existem ainda considerações intergeracionais a serem levanta-das.

Para tanto, iremos nos valer da proposta de Rawls13 em

seu “Teoria da Justiça”. Não estaria correto que as gerações presentes exaurissem o meio ambiente e depletassem os atuais recursos naturais pelo simples fato de existirem antes das futuras. Para Rawls, justiça pode ser definida como igualdade de oportunidades e defesa dos mais fracos (no caso, as gerações futuras).

De qualquer forma, como bem aponta Gillis et al. (1992),

a participação da sociedade e a transparência na construção de políti-cas populacionais são imprescindíveis na tomada de decisão:

“The argument for some form of population limitation is strong, but agreement is not universal, and there are im-portant social, political, and moral issues to be weighted. The decision of how many children to have is an intimately personal one. Arguments for conscious policy intervention to limit population growth must depen either on the ratio-11 Considerando um pool de recursos naturais, um novo entrante não captura o produto marginal mas sim o produto médio gerado que, no open access, é maior do que o produto marginal. Assim, um novo entrante impõe um custo externo para cada uma das demais firmas pré-existentes: a diminuição do produto médio. 12 Esta é, na verdade, a idéia que subscreve a hipótese de que as famílias irão agir

como “free-riders” se forem completamente livres para escolher.

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nale that couples do not know how to achieve their desired family size or to find it too expensive to do so, and thus must be helped to achieve it, or else on the belief that individual reproductive choices impose excessive social costs at the national or international levels” (Gillis et al., p. 157).

5 CONCLUSÕES

O debate sobre a necessidade ou não do intervencionismo estatal em questões populacionais tais como de crescimento e migra-ção encontra-se em uma nova fase onde temas como protemigra-ção ambien-tal e desenvolvimento sustentável passam fazer parte das preocupações centrais das sociedades, particularmente nos países menos desenvolvidos onde os problemas decorrentes do crescimento e da urbanização rápida e desequilibrada são mais freqüentes.

Além de implicações negativas que estes fenômenos podem ter sobre a sociedade em termos de acentuação das desigualdades sociais, de carência de infra-estrutura adequada e de sobrecargas em certas gerações, existem ainda outros argumentos éticos a favor da intervenção, pois se forem deixadas agir livremente, as famílias ten-dem a maximizar sua satisfação (utilidade) sem dar muita atenção aos efeitos externos que suas ações podem acarretar em terceiros, agindo como “free-riders”.

Em regiões congestionadas e onde o meio ambiente encon-tra-se sob ameaça constante, sobretudo em áreas metropolitanas e próximas aos cursos de água potável, um número alto de filhos pode comprometer o bem-estar de todos e ser particularmente pernicioso para aqueles que tiverem poucos filhos.

Num cenário de sub ou superpopulação, ameaças ao meio ambiente e à estabilidade social, os governos devem intervir no sentido de induzir padrões sustentáveis de comportamento familiar, incluindo alguma forma de controle populacional e migratório.

Claro, não se está sugerindo aqui nenhum uso coercitivo do poder do Estado, mas sim do uso salutar, democrático e ético de instrumentos legais econômicos, educacionais, informativos e políti-cos que incentivem ou desincentivem a procriação e o planejamento familiar no sentido correto do bem comum.

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6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FISHKIN, J. S. The limits of intergenerational justice. In: LASLETT, FISHKIN (Eds.). Justice between age groups and generations. Yale

University Press, New Haven & London, 1992.

GILLIS, PERKINS, ROEMER, SNODGRASS. Economis of

Develop-ment. New York: W. W. Norton & CO, 1992.

HARTWICK, J. The economics of natural resource use. New York:

Harper & Row, Publisher, Inc. 1986.

MÄLER, K. G. National accounts and environmental resources. In:

Environmental and Resources Economics, v. 1, p. 1-15, 1991.

PEARCE, D. W. Blueprint for a green economy. London: Earthscan

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RAWLS, J. A theory of justice. Oxford: Clarendon Press, 1972.

RIBEMBOIM, J. A. Mudando os padrões de produção e consumo. In: ---. (Org.). Mudando os padrões de produção e consumo. Brasília:

Editora do IBAMA, 1997.

SOLOW, R. M. Intergenerational equity and exhaustible resources.

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TODARO, M. Economic development in the third world. 4th edition.

Referências

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