• Nenhum resultado encontrado

Queriam que ficássemos caladas com tudo aquilo que estava a acontecer”. Um estudo descritivo sobre a discriminação e violência de género com vista à intervenção.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Queriam que ficássemos caladas com tudo aquilo que estava a acontecer”. Um estudo descritivo sobre a discriminação e violência de género com vista à intervenção."

Copied!
147
0
0

Texto

(1)

Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro

“Queriam que ficássemos caladas com tudo aquilo que estava a

acontecer”.

Um estudo descritivo sobre a discriminação e violência de género com vista à intervenção.

Trabalho de Projeto de Mestrado em Serviço Social

Katarina Alexandra Machado Da Silva Prof. Dr.ª. Luzia Oca González

(2)
(3)

Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro

“Queriam que ficássemos caladas com tudo aquilo que estava a

acontecer”.

Um estudo descritivo sobre a discriminação e violência de género com vista à intervenção.

Projeto de Mestrado em Serviço Social

Katarina Alexandra Machado Da Silva Prof. Dr.ª. Luzia Oca González

(4)
(5)

Este trabalho foi expressamente desenvolvido como projeto original para efeito de obtenção do grau de Mestre em Serviço Social, sendo apresentado na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e as ideias que nele constam são da inteira responsabilidade da autora.

(6)
(7)

II

Agradecimentos

Ao Daniel, pelo papel fundamental que desempenhou ao longo de todo este tempo. Obrigada pelas noites perdidas a ler cada palavra que escrevi, por cada crítica pertinente e objetiva e por todo o apoio que me permitiu terminar este projeto. Foste, e és, a luz que me guia por entre a escuridão e serás sempre o meu maior pilar.

À minha mãe, que diariamente se supera com uma força imensurável e inacreditável. Por todas as vezes que me incentivou a seguir os meus sonhos, e por todo o esforço e dedicação que me têm permitido alcançar tudo aquilo a que me proponho.

Aos meus avós, que serão sempre donos do meu maior sorriso. Pela paciência, o amor, o carinho e o orgulho tão puro e honesto, que nunca se coíbem de demonstrar dia após dia.

À minha irmã, que me protege, me estima e me compreende como ninguém. Pela vida partilhada que nos leva ao entendimento único de que “só quem sente é que sabe”. I love you, no matter how far apart.

À minha família que, para lá do Atlântico, nunca deixa o nosso amor esmorecer. Pelo apoio incondicional, o orgulho permanente e a felicidade sentida após cada conquista, como se vossa se tratasse. Quero que saibam que esta vitória é vossa também.

Às minhas amigas, a cada uma delas sem exceção, pelo sentimento de partilha, validação e compreensão que me transmitiram ao longo deste tempo. Obrigadas pelas conversas de café até “às tantas”, que várias vezes terminavam neste mesmo tema, e que me brindavam sempre com uma força e vontade renovadas.

Às alunas e ao alunos que se disponibilizaram para participar na recolha de dados, em particular aos e às 8 estudantes que integraram o grupo de discussão. Sem a vossa colaboração, nada disto seria possível!

À Prof. Drª. Luzia González, à qual sinto não conhecer palavras proporcionais ao mais profundo agradecimento, pela disponibilidade permanente, espírito crítico, perfecionismo, perspicácia e companheirismo. Mais ainda, agradeço do fundo do coração por ter espicaçado o meu fervor feminista e me ter direcionado para o rumo certo da minha vida pessoal e profissional.

(8)

III

pensamento, memórias e coração. Ao meu irmão, que partiu tão inesperadamente que me deixou sem oportunidade de lhe relembrar o quanto o amo. Obrigada por me mostrares, ainda que de forma tão dura, a importância de nunca deixarmos nada por dizer, nem nada por fazer. É uma lição que levo para a vida, tal como o amor e a saudade que sinto por ti. I love you, carequinha.

(9)

IV

Resumo

Elaborado sobre as luzes da teoria feminista, o presente projeto de mestrado tem como principal objetivo analisar a prevalência e natureza da discriminação e da violência de género em estudantes da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), com vista à intervenção. Mais concretamente, procura compreender se os/as alunos/as da referida instituição são, ou se sentem, alvo de discriminação ou agressão com base no género, analisando as discrepâncias entre homens e mulheres, bem como sob que formas a violência é praticada.

A investigação prendeu-se, essencialmente, com a aplicação de inquéritos por questionário e a realização de um focus group, sendo que os dados obtidos através deste processo servem como base para o diagnóstico da atual conjuntura de discriminação e violência de género na UTAD. Neste sentido, os dados obtidos mostram uma elevada prevalência de violência de género entre estudantes da universidade, com ocorrências superiores entre o género feminino, em quase todos os domínios e formas de violência. Ademais, o projeto UTAD Rima com Igualdade (URI), desenvolvido em 2016, evidencia as discriminações a que docentes (mulheres) e funcionárias são sujeitas, no que diz respeito à remuneração salarial e acesso a cargos hierarquicamente superiores.

Assim, face à atual conjuntura de discriminação e violência de género, constatada na universidade, verificou-se a necessidade de implementar um conjunto de políticas e ações que promovam práticas institucionais igualitárias. Sendo a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro uma instituição pública de prestígio, com forte influência na comunidade da cidade de Vila Real, deve promover uma prática não-discriminatória, tornando-se um local onde, tanto homens como mulheres, se sintam valorizados/as, protegidos/as e seguros/as.

Neste sentido, propõe-se a implementação do 1º Projeto para a Igualdade, cuja missão assenta na promoção de práticas institucionais igualitárias e na erradicação da violência de género. O presente projeto compreende todas as fases de construção necessárias, desde o diagnóstico ao acompanhamento e avaliação da ação. Ademais, sendo este estudo realizado no âmbito do mestrado em Serviço Social, foi feita uma breve reflexão sobre qual o papel que o Assistente Social poderá desempenhar ao longo da implementação e execução do referido projeto.

(10)

V

Palavras-chave: Violência; Género; Violência de Género; Sexismo; Patriarcado; Trabalho Social Feminista.

(11)

VI

Abstract

Elaborated on the theories of femininity theory, the present Masters project has as its main objective the analysis of the prevalence and nature of gender based discrimination and violence against students of the University of Trás-os-Montes and Alto Douro (UTAD), viewing intervention. More specifically, it seeks to understand if the students of this institution are, or feel like, targets of gender based discrimination or aggression, analyzing the differences between men and women, as well as the form of violence used.

The research done was essentially based on a questionnaire survey and a focus group, with the information being the basis for the diagnosis of the current conjuncture of gender based violence in UTAD. In this sense, the obtained data reveal a high prevalence of gender based violence among university students, with higher occurrences between women, in almost all domains and forms of violence. In addition, the UTAD Rima com Igualdade (URI) project, developed in 2016, shows how women teachers and other employees are discriminated, in regard of salary remuneration and hierarchically superior careers.

Thus, in the view of the current conjuncture of gender based discrimination and violence, in the university, it should be ensured that a set of equal policies and actions are taken institutionally. Being a prestigious public institution, with a strong influence on the community of the city of Vila Real, the university should promote a non-discriminatory practice, becoming a place where both men and women feel valued, protected and safe.

In this sense, the current project proposes the implementation of the 1st Project for Equality, whose mission lays on promoting egalitarian practices and eradicating gender based discrimination and violence. This project combines all the steps necessary for its construction, from diagnosis to monitoring and evaluating its action. In addition, since this study has been developed to obtain a Master's degree in Social Work, it contains a brief reflection on the role of Social Workers in the implementation and execution on the project.

Keywords: Violence; Gender; Gender Based Violence; Sexism; Patriarchy; Feminist Social

(12)
(13)

VIII

Índice

Agradecimentos ... II Resumo ... IV Abstract ... VI Índice ... VIII Lista de gráficos e tabelas ... X Abreviaturas e siglas ... XII

Introdução ... 2

Capítulo 1: Enquadramento conceptual ... 4

A categoria de Género integrada num sistema social Patriarcal ... 4

A subjugação da Mulher à cultura Sexista ... 5

A Violência de Género como elemento central da desigualdade ... 9

O Movimento Feminista na conquista dos Direitos da Mulher ... 12

Enquadramento legal da Discriminação e Violência de Género em Portugal ... 23

Práticas preponderantes do Serviço Social na Violência de Género ... 25

Enquadramento Institucional ... 32

Capítulo 2: Metodologia de investigação ... 34

Estruturação da investigação ... 34

Objetivos da investigação ... 35

Abordagem metodológica ... 36

Instrumentos e processo de recolha de dados ... 38

Caracterização da amostragem ... 42

Capítulo 3: Apresentação e discussão dos resultados ... 46

Apresentação dos dados quantitativos ... 46

Apresentação dos dados qualitativos ... 64

Discussão de resultados ... 73

Capítulo 4: O 1º Projeto para a Igualdade ... 78

A construção do Projeto de Intervenção ... 79

O contributo do Serviço Social para o 1º Projeto para a Igualdade ... 93

(14)

IX

Bibliografia ... 104 Webgrafia ... 110

Anexo I - Inquérito por questionário piloto aplicado a estudantes da UTAD.

(15)

X

Lista de Tabelas, Gráficos e Esquemas

Tabelas Tabela 1 ... 42 Tabela 2 ... 43 Tabela 3 ... 43 Tabela 4 ... 43 Tabela 5 ... 83 Tabela 6 ... 85 Tabela 7 ... 87 Tabela 8 ... 87 Tabela 9 ... 88 Tabela 10 ... 88 Tabela 11 ... 90 Tabela 12 ... 90 Gráficos Gráfico 1 ... 47 Gráfico 2 ... 48 Gráfico 3 ... 49 Gráfico 4 ... 50 Gráfico 5 ... 50 Gráfico 6 ... 51 Gráfico 7 ... 52 Gráfico 8 ... 52 Gráfico 9 ... 53 Gráfico 10 ... 53 Gráfico 11 ... 54 Gráfico 12 ... 55 Gráfico 13 ... 56 Gráfico 14 ... 57

(16)

XI Gráfico 15 ... 58 Gráfico 16 ... 60 Gráfico 17 ... 62 Gráfico 18 ... 62 Gráfico 19 ... 63 Esquemas Esquema 1 ... 89

(17)

XII

Abreviaturas e Siglas

APSS ... Associação dos Profissionais de Serviço Social CCF ... Comissão da Condição Feminina CIDM ... Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres CIG ... Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género DRE ... Diário da República Eletrónico ENIND ...Estratégia Nacional para a Igualdade e Não Discriminação OMS ... Organização Mundial da Saúde ONU ...Organização das Nações Unidas RCSNU ...Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas S.S. ... Serviço Social TRP ... Tribunal Relacional do Porto UBI CES ... Centro de Estudos Sociais da Universidade da Beira Interior UMAR ... União de Mulheres Alternativa e Resposta UTAD ... Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

(18)
(19)

2

Introdução

A discriminação e violência de género são temas cada vez mais presentes na agenda política nacional e internacional, ainda que esta preocupação crescente por parte dos órgãos governativos não se traduza, necessariamente, na garantia de uma estrutura social igualitária. De facto, estudos recentes constatam a presença de desigualdades com base no género em vários domínios, nomeadamente no emprego/desemprego, conciliação de vida pessoal, familiar e profissional, política e violência.

A violência tem sido, ao longo do presente ano, o âmbito que tem captado a atenção da população portuguesa e dos meios de comunicação no que concerne às questões de género. Lembremos que a meados de fevereiro de 2019, Portugal já registava 11 mulheres assassinadas pelas mãos de um homem, em contexto de violência doméstica (Ferreira, 2019). Por esse motivo, o Estado e as entidades competentes têm sido chamadas à responsabilidade, evidenciando a necessidade de promover políticas sociais igualitárias, de forma a permitir às mulheres os mesmos direitos, poderes, oportunidades e sensação de segurança que os homens.

As instituições de ensino superior podem assumir um papel essencial na quebra das estruturas e práticas patriarcais, uma vez que incorporam um conjunto de competências e serviços que podem impulsionar o desenvolvimento regional. Ademais, a possibilidade destas instituições integrarem práticas igualitárias de género poderá influenciar os valores e comportamentos dos/as estudantes, docentes, investigadores/as e funcionários/as, pelo que se poderá alcançar efeitos multiplicadores pela sua atuação.

Contudo, segundo pesquisas realizadas no âmbito de Planos de Igualdade em contexto universitário, em Portugal, verificou-se a existência de apenas um em funcionamento, sendo este localizado na Universidade da Beira-Interior. Em 2016, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro definiu um plano de igual natureza, designado UTAD Rima com Igualdade, conquanto este nunca tenha sido efetivamente implementado.

Neste sentido, e dada a atual conjuntura de violência contra as mulheres, tornou-se necessário estudar a prevalência e natureza da violência de género entre alunos/as da UTAD, de forma a compreender a realidade da universidade e analisar o grau de necessidade de acompanhamento e intervenção neste domínio. O presente projeto contempla uma pesquisa

(20)

3

bibliográfica sobre as questões de género, um diagnóstico com base numa investigação empírica e a construção do designado 1º Projeto para a Igualdade, desenvolvido de acordo com toda a informação recolhida e analisada ao longo do presente estudo.

(21)

4

Capítulo 1: Enquadramento Conceptual

1.1. A categoria de Género integrada num sistema social Patriarcal

O conceito de género foi desenvolvido no âmbito das ciências sociais, quando a “busca pela legitimidade académica levou as estudiosas feministas, nos anos 1980, a substituir o termo de mulheres por género” (Lisboa, 2010, p. 72). Refere-se à construção social do sexo anatómico, servindo para designar as relações entre homens e mulheres. Assim, embora existam características biológicas de machos e fêmeas - nomeadamente no domínio dos aparelhos reprodutores de cada espécie que se prendem com a noção de “sexo” -, os diferentes sistemas de género resultam das relações e construções sociais de poder entre homens e mulheres (Cabral e Diaz, 1998; Lisboa, 2010). Stoller (1968, cit. Montaño e Ramiro, 2016) considera o género uma complementaridade do sexo, uma vez que permite a análise das relações complexas produzidas com base no sexo e aquelas que, a partir do nascimento, acontecem em contexto psicossocial.

As relações de género são inconstantes e alteráveis, dado que evoluem conforme o contexto sociocultural onde estão inseridas. Vários autores (Cabral e Diaz, 1998; Pascoto, 2006; Pomar, Balça, Conde, García, García, Nogueira, Vieira, …, 2012) afirmam que o papel que cada pessoa assume é estipulado ainda antes do nascimento, sendo o exemplo mais flagrante a atribuição do cor-de-rosa às meninas e do azul aos meninos. Após o nascimento e a identificação do sexo, o bebé começa a “receber mensagens sobre o que a sociedade espera da menina ou menino, (…) e por ter genitais femininos ou masculinos, eles são ensinados pelo pai, mãe, família, escola, media, sociedade em geral, diferentes modos de pensar, de sentir, de atuar” (Cabral e Diaz, 1998, p. 142). Contudo, Dejours (2005, cit. Montaño e Ramiro, 2016) defende que o género não é atribuído antes nem no momento do nascimento, ainda que seja estabelecido muito cedo em crianças, sendo uma variável precoce e multidimensional, constituída por um conjunto de papéis, valores, funções e expetativas atribuídas aos indivíduos em função do seu sexo.

Assim, as imposições colocadas aos indivíduos, com base no sexo, são produto de um processo socialização de género que começa desde muito cedo e se prolonga por toda a vida. As atribuições dadas em função do sexo funcionam numa lógica de poder e dominação, onde a ação simbólica coletiva privilegia essencialmente os homens (Lamas, 2008 cit. Lisboa,

(22)

5

2010). As relações de poder possibilitam a dominação, sendo esta uma forma de violência simbólica uma vez que é exercida sobre a mulher com a sua cumplicidade e consentimento (Lisboa, 2010).

A lógica de género está inscrita “na objetividade das estruturas sociais e na subjetividade das estruturas mentais” e “a ordem social masculina está tão profundamente arraigada que não requer justificação: impõe-se a si mesma como autoevidente, e é tomada como natural” (Bordieu, 1999 cit. Lisboa, 2010, p. 72). Esta manifestação e institucionalização do domínio masculino sobre as mulheres é designada de patriarcado, sendo este identificado como a origem direta das desigualdades de género, bem como da sua continuidade (Montaño e Ramiro, 2016).

O patriarcado assume-se como um sistema de organização social histórico, onde as instituições e estruturas de poder se desenvolvem em torno da figura masculina. A oposição binária dos géneros (Lisboa, 2010) dita a dominação imposta e naturalizada do homem e fomenta as desigualdades de poder, sendo que estas giram, essencialmente, em torno de quatro eixos - sexualidade, reprodução, divisão sexual do trabalho (laboral e doméstico) e âmbito público e cidadania (Cabral e Diaz, 1998).

1.2. A subjugação da Mulher à cultura Sexista

Historicamente, a mulher é inferiorizada em relação ao homem, sendo que o seu papel na sociedade passa sobretudo pela organização do espaço doméstico e responsabilidades no seio familiar. Lisboa (2010, p. 69) refere que as situações sociais de mulheres e homens são desiguais em três domínios:

em termos biológicos, institucionais e sociopsicológicos (...); as mulheres têm menos recursos materiais, status social, poder e oportunidades para sua autorrealização pessoal e profissional do que os homens em idêntica posição social (…); as mulheres em sua maioria são oprimidas, subordinadas, sofrem violência e são usadas como objeto sexual e de abuso (...).

Estas diferenças evoluíram, ao longo do tempo, para desigualdades sociais, estando inseridas num sistema social patriarcal onde o agente ativo da opressão é o homem (Lisboa, 2010).

(23)

6

Aristóteles, filósofo grego do século IV a.C., afirmou que “no que respeita aos animais, o macho é natureza superior e dominador e a fêmea inferior e dominada” e que “o mesmo deve necessariamente aplicar-se ao mundo humano” (cit. Sherman, 2017, p 116). Na época do Renascimento, assiste-se a uma evolução quanto à valorização da mulher, embora em domínios que não permitissem a sua emancipação. Destarte, elas eram “tidas como a mais nobre criação do Senhor (…) numa situação paradoxal, entre a musa e a venerada e o ser imperfeito e inacabado, digno de ser apenas o outro”, sendo evidente “a indissociação entre os conceitos de maternidade e de mulher, e a sua articulação com a questão da vida sexual feminina, o valor da virgindade e o conceito de honra” (Fávero e Mello, 1997, p. 131).

Os filósofos Iluministas subscreveram o pensamento renascentista, e consideram que a mulher tem uma razão inferior à do homem, sendo que o seu papel na sociedade se limitava à função reprodutora e cuidadora (Nogueira, 2001). Assim, “a cidadania das mulheres vem-lhes do facto de serem esposas de cidadãos, o que representa dizer que a cidadania feminina - reduzida à esfera privada - está excluída de qualquer realidade política” (Amâncio, 1998 cit. Nogueira, 2001 p. 3).

É apenas no final do século XIX que surge a primeira onda de reivindicação feminista, “quando as mulheres, primeiro na Inglaterra, organizaram-se para lutar pelos seus direitos, sendo que o primeiro deles que se popularizou foi o direito ao voto” (Pinto, 2010, p. 15). As mudanças sociais derivadas da ocorrência da Primeira e Segunda Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945) também contribuíram de forma significativa para a mudança da posição que a mulher ocupa na sociedade, tal como veremos mais adiante.

As alterações na estrutura e dinâmica familiares conduziram à entrada da mulher no espaço público, pelo que o papel e estatuto desta se tem aproximado cada vez mais da do homem. Ainda assim, o reconhecimento da igualdade de direitos, deveres, capacidades e poderes não foi suficiente para modificar de raiz a estrutura patriarcal (Montaño e Ramiro, 2016). Subsiste uma significativa diferença de poderes com base no género, que se prende com a noção de sexismo. Este conceito refere-se ao prejuízo dirigido à mulher, “englobando as atitudes, crenças e condutas dos indivíduos, assim como as práticas organizacionais, estruturais e culturais pejorativas (...) fomentando a dicotomia de status” (Montaño e Ramiro, 2016, p. 3).

(24)

7

Assim, a igualdade plena de géneros está longe de ser atingida globalmente e, em particular, em Portugal. Um estudo realizado em 2017, pela Comissão de Igualdade de Género (CIG)1, mostra a presença de discriminação e violência de género nos mais diversos domínios da sociedade.

No domínio da educação, em cada 100 pessoas sem qualquer nível de ensino, 71 são mulheres e apenas 29 são homens. Todavia, a cada 100 pessoas com ensino superior completo, cerca de 60 são mulheres, estando estas “duplamente representadas em maioria em dois grupos (...), o que poderá traduzir a falta de escolarização da população feminina mais idosa” e habilitação superior da “camada mais jovem da população feminina” (CIG, 2017, p. 3).

Relativamente às situações de emprego/desemprego, verifica-se que existem mais homens empregados (74,2%) que mulheres (67,4%), embora o nível de desemprego entre ambos seja igual (11,2%). Contudo, a remuneração salarial revela particular preocupação dada a grande discrepância entre valores (16,7%), sendo que os homens ganham, em média, 990,05€ mensalmente enquanto as mulheres auferem, em média, apenas 824,99€ por mês. Esta diferença está “estreitamente relacionada com os níveis de qualificação: à medida que aumenta o nível de qualificação, maior é o diferencial salarial entre homens e mulheres, sendo particularmente evidente entre os quadros superiores”, onde “o gap é de 26,4% na remuneração base” (CIG, 2017, p. 7).

No que diz respeito à conciliação de vida pessoal, familiar e profissional, em 2015 a “cada 100 crianças que nasceram, houve 85,4% de mulheres que gozaram a licença de parentalidade e 27,5% de homens partilharam essa licença” (CIG, 2017, p. 8). Além disso, os homens dedicam mais tempo ao trabalho remunerado (em média, 9h02 por dia, contra os 8h35 afetas às mulheres), contrastando com a realização das tarefas domésticas e de cuidado, onde as mulheres trabalham em casa, em média, mais 1h45 que os homens. Deste modo, “no total do trabalho pago e não pago, as mulheres continuam a trabalhar mais 1 hora e 13 minutos por dia do que os homens” (CIG, 2017, p. 9).

O sector da política mostra uma evolução significativa, quanto à presença das mulheres na Assembleia da República, desde o 25 de abril de 1974. Embora, em 2005, a

(25)

8

presença feminina estivesse em apenas um quinto do total de lugares, a Lei da Paridade de 2006 permitiu um aumento considerável para 33% da representação total (dados de 2015). Ainda assim, apenas 23 das 308 Câmaras Municipais têm na sua presidência mulheres (CIG, 2017). Os cargos de alta importância denotam, também, desigualdade uma vez que “a presença de mulheres nos conselhos de administração das empresas do PSI 20, em Portugal, é ainda de 14% e a dos homens é de 86%” (CIG, 2017, p. 14), sendo a média da União Europeia de 28% para as mulheres.

Por fim, no âmbito da violência em contexto doméstico, em 27.005 denúncias, 80% das vítimas eram mulheres e 84% dos agressores homens. Em questões relacionadas com abuso sexual de menores ou pessoas dependentes, 81,3% das vítimas eram mulheres, e nos casos relacionados com violação 90,5% das vítimas eram, também, mulheres. Acresce-se a estes dados um estudo realizado em 2017 pela União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), relativo ao feminicídio2 na forma consumada ou tentada, em território nacional. Neste domínio, foram registados “um total de 48 feminicídios: 20 consumados e 28 na forma tentada, numa média de 4 mulheres vitimadas por mês” (UMAR, 2017, p. 36), sendo que num período de 13 anos (entre 2004 e 2017) ocorreram 1.037 feminicídios: 475 consumados e 562 tentados.

Face a este contexto, verifica-se que as mulheres ainda se encontram em situação de vulnerabilidade e discriminação, pelo que as suas vidas continuam em conflito aberto e permanente com a sociedade (Lisboa, 2010). Contudo, não há um fator único que exponha o risco de violência, pois esta é “o resultado da complexa interação dos fatores individuais, relacionais, sociais, culturais e ambientais” (Dahlberg e Krug, 2007, p. 1172).

Ainda assim, diversos estudos apontam para a pobreza familiar, o baixo nível de escolaridade, a dependência económica face ao homem, o desemprego masculino e o abuso de substâncias como fatores de risco para a violência (Kronbauer e Meneghel, 2005; OMS. 2012; Dahlberg e Krug, 2007; Miranda, de Paula e Bordin, 2010). Ademais, a Organização Mundial de Saúde (2012) considera que a existência de normas sociais que viabilizam a violência como uma forma aceitável na resolução de conflitos, a ineficácia judicial e inexistência de sanções comunitárias exponenciam a violência de género. Dahlberg e Krug

2 Refere-se ao “assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres, definindo-o como uma forma de terrorismo sexual ou genocídio de mulheres. O conceito descreve o assassinato de mulheres por homens motivados pelo ódio, desprezo, prazer ou sentimento de propriedade” (Meneghel e Portella, 2017, p. 3079).

(26)

9

(2007, p. 1173) afirmam que “um alto nível de mobilidade residencial (em que as pessoas não permanecem por muito tempo numa mesma residência), heterogeneidade (população altamente diversificada, com pouco do adesivo social que mantém as comunidades unidas) e alta densidade populacional” têm sido, de igual modo, frequentemente associadas à violência.

Do mesmo modo se pode considerar que ser homem constitui um fator de risco dado que “a socialização do homem (…) assenta na soberania masculina e na subjugação do outro, contrariando o princípio de igualdade e a condição de liberdade das pessoas” (Alves, Pinto, Silveira, Oliveira e de Melo, 2012, p. 8). A violência assume-se como instrumento de dominação e controlo, fazendo parte da socialização do homem e da sua afirmação identitária (Schraiber, Barros, Couto, Figueiredo e de Albuquerque, 2012). O “ser macho - atributo pautado na valentia e na soberania do homem, seja sobre a mulher ou sobre outras pessoas - é o principal requisito para afirmação do ser homem” (Alves et al., 2012, p. 8) e a masculinidade “ancora-se na heterossexualidade, na racionalidade e no privilégio de poder infligir a violência” (Nascimento, Gomes e Rebello, 2009, p. 1152).

No que concerne, particularmente, à mulher e à sua relação com a violência, torna-se evidente que esta se encontra mais suscetível às diversas formas manifestas de agressão, sobretudo quando integrada num contexto de relações desiguais de poder entre géneros (Rangel e Oliveira, 2010). Ainda hoje, a violência exercida sobre as mulheres mantém-se “intrínseca e estreitamente associada a relações assimétricas de poder (…) e ao predomínio do modelo dominador/dominado, próprios de um sistema patriarcal”, que ainda subsiste na maioria das sociedades ocidentais (Lisboa, Barroso, Patrício e Leandro, 2009, p. 66). Assim, a violência de género funciona como um instrumento de ampliação e reatualização do poder masculino, quando ameaçado, com repercussões nefastas para a mulher, restringindo-a em todos os domínios da sua vida (Barroso, 2007 cit. Lisboa et al., 2009; Miranda et al., 2010).

1.3. A Violência de Género como elemento central da desigualdade

Tal como foi visto anteriormente, o género assume-se como uma variável multidimensional que se pode “definir como o conjunto de papéis, valores, funções e expectativas atribuídas de maneira diferente a homens e mulheres no imaginário coletivo” (Montaño, 2015, p. 26), determinando posições sociais e poderes diferentes para cada grupo. Esta desigualdade funciona em torno de um sistema essencialmente patriarcal e sustenta o

(27)

10

conceito de sexismo, sendo que este se dirige de forma pejorativa e quase exclusiva às mulheres, sob forma de violência de género.

A violência de género é definida como “todo o ato de violência sexista que tem como resultado possível ou real um dano físico, sexual ou psíquico, incluindo as ameaças, a coerção ou a privação arbitrária de liberdade, seja na vida pública ou privada” (ONU, 1995, cit. Expósito, 2011, p. 20). A mulher é, historicamente, o principal alvo da violência e das assimetrias de poder em relação ao género, pelo que se poderá falar também de violência contra a mulher. Este conceito, introduzido pelas feministas radicais dos anos 70, é definido como

qualquer ato de violência, baseado no género do qual resulte, ou possa resultar, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para as mulheres, incluindo as ameaças de tais atos, a coação ou a privação arbitrária de liberdade, que ocorra, quer na vida pública, quer na vida privada (ONU, 1993, p. 3).

Assim, a violência de género surge indissociada do patriarcado, sistema social que coloca primazia no homem e que ainda hoje é responsável pela organização das relações sociais. Os mais poderosos têm o direito de dominar os menos poderosos, sendo que a violência constitui uma ferramenta válida e necessária para a perpetuação do controlo (Expósito, 2011).

Na sociedade portuguesa, a violência doméstica é o termo mais recorrente para tratar a violência de género, mascarando a natureza sexista da violência contra a mulher e, embora existam outros conceitos, nenhuma faz referência à genderização da violência. Por esse motivo, a violência de género continua a ser tida como assunto privado, que não vai para além da família, espaço doméstico e relações amorosas (Oca, 2019).

Neste sentido, pode-se estabelecer duas conceções opostas relativas à violência de género, sendo elas a patriarcal e a feminista. A primeira interpretação considera a violência de género como algo normal e necessário, justificando-se com a natureza dos sexos. Por outro lado, a conceção feminista entende a violência de género como um problema estrutural, sendo o papel do feminismo descobrir e desarticular as múltiplas, e por vezes contrapostas, formas de legitimação enraizadas na sociedade (Álvarez, 2005).

(28)

11

Bordieu (2000 cit. Cuesta, 2016, p. 8) explica “a reprodução e permanência de relações de dominação, dos seus privilégios e das suas injustiças pela violência simbólica que se exerce sobre os dominados e que faz parecer como aceitáveis condições de existência absolutamente intoleráveis”. O uso da força e coerção perpetua as relações hierárquicas históricas entre homens e mulheres, conquanto a desigualdade não implique a concentração absoluta de poderes na figura masculina.

De acordo com Calle (2013) e Cuesta (2016), a violência de género, tida como questão de saúde pública, pode contemplar cinco tipos de práticas diferentes:

• Física: utilizada contra o corpo, provocando dor, lesão ou possibilidade de uma e qualquer outra forma de abuso ou agressão que afetam a sua integridade física. • Psicológica: aquela que causa danos emocionais, baixa autoestima, interfere com o

desenvolvimento normal da mulher e com os seus comportamentos, crenças e decisões.

• Sexual: ações que envolvem violação em todas as suas formas, com ou sem acesso genital, e o direito da mulher de tomar decisões sobre a sua vida sexual e reprodutiva. • Económica e patrimonial: implica danos no domínio financeiro ou económico das

mulheres.

• Simbólica: aquela que, através de estereótipos, linguagem, hábitos e valores reproduz a dominação, desigualdade e discriminação nas relações sociais entre homens e mulheres.

Segundo Cuesta (2016) a violência de género pode ainda ser praticada sob diversas modalidades, tais como:

• Violência doméstica, exercida contra as mulheres por parte de alguém que integra o mesmo grupo familiar, independentemente do espaço físico onde a agressão ou abuso ocorre, e que provoca dano na dignidade, bem-estar ou integridade física, psicológica, sexual, económica ou patrimonial.

• Violência institucional, aquela praticada por funcionários/as, profissionais e órgãos ou agentes públicos que tem como finalidade atrasar ou dificultar o acesso da mulher às políticas públicas e ao exercício dos direitos previstos nas leis.

• Violência laboral, que discrimina as mulheres no âmbito do trabalho, dificultando o acesso ao emprego, à contratação, promoção e estabilidade no mesmo.

(29)

12

• Violência contra a liberdade reprodutiva, aquela que viola o direito de as mulheres decidirem de forma livre e responsável sobre o número de e espaçamento entre gravidezes.

• Violência obstétrica, exercida sobre os profissionais de saúde sobre o corpo e processos reprodutivos das mulheres, expressando-se através de tratamentos desumanos e negligentes.

• Violência mediática, aquela que publica ou dissemina mensagens e imagens estereotipadas através dos media e que promove a exploração da mulher ou da sua imagem.

Assim sendo, torna-se fundamental denunciar as suposições que a sociedade toma como naturais, desenvolvendo uma prática política e cultural que visam a mudança das estruturas de poder. O movimento feminista surge na necessidade de lutar pela justiça e equidade nas relações entre homens e mulheres, e tem como “inimigos comuns (…) o patriarcado, o sexismo, a exploração, a discriminação, homofobia e outros” (Lisboa, 2010, p. 69), assumindo um papel preponderante na conquista dos direitos das mulheres.

1.4. O Movimento Feminista na conquista dos Direitos da Mulher

O Movimento feminista no mundo ocidental

O feminismo consiste num “movimento de procura da compreensão das condições sociais das mulheres, tendo como objetivo melhorá-las” (Gordon, 1986, cit. Ferreira, 1988, p. 94). Lisboa (2010, p. 69) acrescenta que é um movimento sociocultural que “luta para garantir os direitos humanos, principalmente o das mulheres em função do alto nível de violência e discriminação que padecem”, ao transformar as condições sociais destas.

O feminismo teve origem na época do Iluminismo, quando “a reestruturação do pensamento histórico no século XVIII trouxe, pela primeira vez, a ideia de que as mulheres, assim como os homens, têm uma história, e que (…) elas também mudam com o tempo” (O'Brien, 2009 cit. Gomes, 2011, p. 32). Contudo, o aparecimento das primeiras reivindicações ligadas à opressão da mulher devido à superioridade e dominação do homem não surgiram associadas diretamente ao movimento feminista. O movimento feminista surgiu nas Revoluções Francesa e Americana, onde a “luta pelos direitos de cidadania contra o poder de elites” e a “luta contra a escravatura”, respetivamente, estavam associados à emancipação

(30)

13

feminina (Nogueira e Silva, 2003, p. 10). Olympe de Gouges foi a grande impulsionadora do movimento feminista francês, ao publicar a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, em 1791, que defendia a igualdade de género e desafiava a autoridade masculina (Bate, 2018), tendo como consequência dos seus atos e atitudes pioneiras uma condenação à guilhotina (Cutrufelli, 2009).

Em Inglaterra, o início do movimento feminista está associado a Mary Wollstonecraft e à sua obra de filosofia feminista “Uma Reivindicação pelos Direitos das Mulheres”. No seu livro, escrito em 1792, Wollstonecraft expressa o desejo em “ver a mulher em uma posição a partir da qual avance, em vez de ser refreada, para o progresso desses gloriosos princípios que dão substância à moralidade.” (Wollstonecraft, 2016, p. 19). Embora ela coloque em tónica a igualdade de género em domínios como a moralidade e participação na vida política e social, ela não considera homens e mulheres exatamente iguais, apenas advoga uma justa atribuição de direitos e poderes.

Este foi o começo de uma luta contra a discriminação de género, que perdurou durante séculos e se entende até aos dias de hoje. Ao longo da história do mundo ocidental, existiram sempre mulheres conscientes do seu papel e estatuto social, dispostas a lutar pelos seus direitos e pela melhoria da sua condição, apesar de todas as represálias inerentes a esta batalha (Pinto, 2010).

Não obstante todo o caminho percorrido até o século XIX, referenciado por várias autoras como a primeira fase do feminismo, ao longo da minha pesquisa bibliográfica verifiquei que vários/as autores/as assumem a existência de três fases no movimento feminista, com início em meados do mesmo século (Kaplan, 1992, cit. Nogueira e Silva, 2003; Fraser, 2007; Scavone, 2008; Narvaz e Koller, 2006; Tavares, 2008). A literatura tem, recentemente, incluindo uma quarta fase, sendo esta a que vigora na atualidade (Rocha, 2017; Bate, 2018).

Na primeira vaga do feminismo assistiu-se a uma intensificação na luta pela igualdade de direitos políticos e autonomia económica, conquanto tenha sido marcada essencialmente pela extensão do sufrágio pelas mulheres. As sufragetes, como ficaram conhecidas aquelas que lutavam pelo direito ao voto, organizaram grandes manifestações em Inglaterra e fizeram greves de fome, tendo sido presas inúmeras vezes por provocar desordem social. Em 1913, “na famosa corrida de cavalo em Derby, a feminista Emily Davison atirou-se à frente do

(31)

14

cavalo do Rei, morrendo” (Pinto, 2010, p. 15), episódio que constituiu um marco fulcral na batalha que as mulheres estavam dispostas a travar pela erradicação das desigualdades de género.

O primeiro país a garantir o sufrágio feminino, em 1893, foi a Nova Zelândia, porém, este direito apenas foi conquistado na Europa 13 anos depois, na Finlândia. Apesar da luta antiga na Inglaterra, apenas se alcançou o direito ao voto em 1918, para mulheres com mais de 30 anos e um valor mínimo de posses, sendo que só no ano de 1928 foi promulgado o direito ao voto a todas as mulheres maiores de idade (Doepk, Tertilt e Voena, 2011).

A primeira fase de emancipação feminina teve como objetivos centrais “a luta pela melhoria das condições materiais de vida das mulheres, a cruzada por direitos civis, tratamento igual na lei, cidadania e direitos sociais e no trabalho” (Nogueira e Silva, 2003, p. 11). Indubitavelmente, a Primeira e Segunda Guerras Mundiais e a crise do Estado Providência desempenharam um papel fundamental na conquista da autonomia social e económica da mulher e na intensificação da luta pelos direitos da mulher, respetivamente (Probst, 2005; Ferreira, 1988).

As guerras mundiais implicaram a partida de milhares de militares, pelo que as mulheres assumiram o papel e responsabilidades dos homens. “Mas a guerra acabou. E com ela a vida de muitos homens (…) Alguns dos que sobreviveram foram (…) impossibilitados de voltar ao trabalho.” (Probst, 2005, p. 2). Foi neste contexto que as mulheres deixaram a sua casa e os seus filhos para exercer as funções que outrora eram desempenhadas pelos homens. Tal situação promoveu a autonomia da mulher, uma vez que a integração desta no mercado de trabalho permitiu a quebra dos laços de dependência económica face à figura masculina.

Por outro lado, a crise do Estado Providência e das ideologias coletivas fomentaram o distanciamento aos ideais do bem-estar comum e, consequentemente, a procura pela satisfação dos interesses individuais. Neste sentido, “onde anteriormente existiam no discurso necessidades básicas e essenciais à condição humana (…) temos agora um discurso que fala do sujeito descentrado em múltiplas superfícies, que vive para satisfazer necessidades sincrónicas de imagem” (Jameson, 1984 cit. Ferreira, 1988, p. 95). Fala-se então da diferença, da valorização individual e, no domínio feminista, da autonomização da mulher enquanto pessoa e parte da esfera social.

(32)

15

A segunda vaga do feminismo iniciou por volta da década de 60 e estendeu-se até meados dos anos 80 (Kaplan, 1992 cit. Nogueira e Silva, 2003), sendo caracterizada pela sua natureza diferencialista e essencialista, uma vez que lutou pela “afirmação das diferenças e da identidade” (Scavone, 2008, p. 177). Esta época retrata uma intensificação do desenvolvimento do feminismo, graças à “explosão económica posterior ao pós-guerra e o rápido e consequente aumento dos padrões de vida em alguns países, (que) deu às mulheres e ao seu trabalho, uma imagem completamente diferente” (Nogueira e Silva, 2003, p. 11).

Embora Simone de Beauvoir não possua a natureza radical deste feminismo, o seu livro, “O segundo sexo” (escrito em 1949), foi considerado o precursor da segunda fase, uma vez constitui uma rutura com o feminismo baseado em reivindicações de carácter legislativo, ao refletir sobre questões do corpo e sexualidade (Nogueira e Silva, 2003; Tavares, 2008). É neste livro que se pode ler “One is not born, but rather becomes, woman” (Beauvoir, 2011, p. 330), talvez a frase mais emblemática da autora, denotando a recusa da existência de um destino biológico, físico ou económico que prediga o papel que a mulher desempenha na sociedade. Neste sentido, a autora refere a dissociação entre a eterna figura feminina e a sua vocação enquanto mulher e feminista, dizendo que ser feminina é mostrar-se como fraca, fútil, passiva e dócil (…) Qualquer autoafirmação tira da mulher a sua feminilidade e sedução (Beauvoir, 2011).

Kate Millet introduziu, também, pressupostos teóricos fundamentais no desenvolvimento do feminismo radical ao afirmar que “o sexo é uma categoria social, incluída na política” (Millet, 2017, p. 68). A autora, que redigiu a primeira tese de doutoramento feminista em 1969, evidencia a natureza da relação recíproca que os sexos ocupam no decurso da história e da atualidade, onde o poder (e consequentemente a política) se concentra de forma quase exclusiva na figura masculina. A progressiva opressão sobre grupos sociais, com base no seu sexo, raça ou etnia torna-os enfraquecidos devido à reduzida representatividade nas estruturas políticas (Millet, 2017), fomentando o privilégio masculino do acesso ao poder.

O movimento feminista radical focou-se nas políticas de reprodução e na identidade da mulher no seio familiar e círculo social, sendo que “aquilo que começou por ser um movimento igualitário de libertação expandiu para a inclusão do reconhecimento do género como elemento básico das estruturas” (Rafter e Heidensohn, 1995 cit. Matos e Machado,

(33)

16

2012, p. 34). O processo de emancipação passou a funcionar em torno das políticas de reprodução, contraceção e aborto, da identidade, das questões ligadas à objetificação do corpo da mulher, do sexo e prazer sexual, e de todas as formas de violência sexual e doméstica (Nogueira e Silva, 2003).

No que diz respeito à terceira fase, que vai desde meados da década de 80 até 2010, há quem advogue que esta corresponde a uma época pós-feminismo (Kaplan, 1992 cit. Nogueira e Silva, 2003). Os ideais feministas começam a ser postos em causa, sendo que se considera que os objetivos deste movimento já tenham sido atingidos e que não existe mais nada pelo qual lutar, ou ainda que “a luta pela igualdade trazia prejuízos e perda de qualidade de vida para as mulheres” (Nogueira e Silva, 2003, p. 14).

Ainda assim, a terceira onda de feminismo foi conduzida por “um grupo de mulheres que rejeitou narrativas, categorizações e uma noção única daquilo que o feminismo deveria fazer e o modo como se deveria apresentar, acreditando que ainda existia a necessidade de um movimento feminista” (Bate, 2018, p. 118). Esta fase centrou-se fundamentalmente em torno das diferenças entre géneros (que devem ser reconhecidas e aceites, sem nunca se tornarem justificação para as desigualdades), da alteridade, diversidade e subjetividade (Narvaz e Koller, 2006). O feminismo atravessou uma fase de reestruturação e redireccionamento da sua ação, ao assumir um “processo de política transnacional (…) que poderia tornar possível integrar os melhores aspetos das duas fases anteriores em uma nova e mais adequada” (Fraser, 2007, p. 293-294).

A terceira vaga de feminismo constituiu efetivamente um desafio, uma vez que visava a igualdade de géneros e, simultaneamente, o reconhecimento das suas diferenças. Por esse motivo, o feminismo envolveu-se de forma mais intensa com a academia, criando em diversas universidades centros de estudo sobre a mulher, o género e o feminismo (Narvaz e Koller, 2006) de forma a denunciar e questionar todas as certezas científicas sobre o movimento feminista e os seus efeitos.

A quarta fase do feminismo teve os seus inícios no ano 2011 e está associada à massificação da internet e das redes sociais (Bate, 2018). Após um período de reformulação, os ideais feministas difundem-se pelas plataformas sociais online, onde as mulheres sentem validadas as suas experiências relativas ao sexismo e recuperam as suas vozes como um todo. Foram criadas comunidades e projetos e lançadas campanhas e publicações de natureza

(34)

17

feminista, emergindo numa altura em que se acreditava que o movimento desaparecera (Bate, 2018), como por exemplo a Marcha Mundial das Mulheres (realizada anualmente a 8 de março).

Criado o impulso para a mudança, o feminismo coloca em agenda temas já conhecidos mas ainda pouco explorados, ligados à raiz do patriarcado. Assim, os principais objetivos do movimento feminista na atualidade passam por erradicar, reajustar ou apoiar questões relacionadas com

a representação em locais de poder, a intersetoralidade, direitos dos transgéneros, direitos reprodutivos, violência contra a mulher, apoio à mulher refugiada, empoderamento, independência económica da mulher, igualdade na licença de paternidade, violência sexual em contexto universitário, não binaridade e mudanças climáticas (Bate, 2018, p. 151).

O Movimento Feminista em Portugal

O Movimento Feminista em Portugal foi tardio, quando comparado com outros países do mundo ocidental, e existem autores que afirmam, inclusivamente, que não houve qualquer movimento feminista no nosso país (Tavares, 2008). As mulheres portuguesas, até ao início do século XX, estavam confinadas ao papel de esposas, mães, irmãs ou filhas e eram legalmente, socialmente e culturalmente consideradas inferiores ao homem (Esteves, 2001).

O feminismo português foi marcado pelo lançamento do livro “Às Mulheres Portuguesas” de Ana de Castro Osório em 1905, que abordou as questões ligadas com o estatuto legal, a igualdade de género e o direto à educação e ao trabalho em condições iguais às dos homens (Esteves, 2001). Três anos depois, em 1908, foi fundada a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, num período que coincidiu com a “efervescência política que se vivia em Portugal e a intensificação da propaganda republicana” (Esteves, 2001, p. 92).

A queda da monarquia ocorreu em outubro de 1910 e, consequentemente, foi redigida pela primeira vez a Constituição da República Portuguesa, em 1911. Nela incluía-se a Lei Eleitoral que “considerava eleitores os que, desde que tivessem mais de 21 anos à data de 1 de maio e soubessem ler e escrever ou fossem chefes de família, considerados como tais os que vivessem em comum há mais de um ano com qualquer ascendente ou descendente e provessem aos seus encargos” (Esteves, 2014, p. 479). Carolina Beatriz Ângelo, feminista e

(35)

18

sufragete portuguesa, verificou que a lei não negava expressamente o voto feminino pelo que, encontrando-se nas circunstâncias descritas na lei eleitoral, tornou-se a primeira mulher a depositar um voto feminino, em 1911 (Esteves, 2014). Porém, o Governo retificou a lei em 1913 e estabeleceu que

são eleitores dos cargos políticos e administrativos todos os cidadãos portugueses do sexo masculino, maiores de 21 anos, ou que completem essa idade até ao termo das operações de recenseamento, que estejam no gozo dos seus direitos civis e políticos, saibam ler e escrever português e residam no território da República Portuguesa” (DRE, 1913, p. 2445).

Em 1931, a Ditadura Militar atribuiu o direito ao voto às mulheres “apenas para as juntas de freguesia, desde que fossem chefes de família, viúvas, divorciadas tendo família a cargo e às mulheres casadas, desde que o marido estivesse ausente nas colónias ou no estrangeiro” (Tavares, 2008, p. 100), pelo que o sufrágio feminino só era exercido caso o marido não estivesse presente. Em 1932, este direito “(…) foi alargado para a Assembleia Nacional e para a Câmara Corporativa, de novo, às chefes de família e às casadas com formação secundária ou que pagassem contribuição predial e, ainda, às solteiras com mais de 21 anos com família e reconhecida idoneidade moral” (Tavares, 2008, p. 100).

Em 1933, foi instituído o Estado Novo, um regime político autoritário, tradicional e centralista que vigorou em Portugal até 1974. A ideologia Salazarista, de carácter antifeminista, “mascarou o seu interesse pelas mulheres em torno de uma valorização segundo a sua função biológica” (Tavares, 2004 p. 5). A estima pela mulher passava, essencialmente, pelo domínio doméstico onde “como Mãe de Família, como Espoza ou como Irmã, tem o cuidado de filhos e criados, e até de vizinhos e amigos” (Vicente, 2007 cit. Tavares, 2008, p. 106).

Neste sentido, o regime ditatorial propagou uma falsa valorização da figura feminina, onde lhe reconhecia a importância do papel que esta desempenhava no lar e família, conquanto não se lhe legitimasse qualquer direito político, social ou cultural. O feminismo ameaçava a ordem social do Portugal salazarista, uma vez que constituía uma afronta à “natureza da mulher, à instituição familiar, à natalidade, aos bons costumes (…) considerado como um inimigo ideológico” (Tavares, 2008, p. 111).

(36)

19

O contexto político vivido em Portugal não estimulava o desenvolvimento de um movimento feminino estruturado e organizado como aconteceu em vários países do mundo ocidental. O acesso à informação era escasso e a taxa de analfabetismo elevada, sobretudo entre mulheres, e a prioridade da oposição prendia-se com a luta social e política, excluindo a luta pela igualdade de géneros (Tavares, 2008).

A segunda onda do feminismo centrou-se na libertação da mulher no domínio laboral, do amor e da sexualidade, contrariando a ideologia do Estado Novo que considerava a “família a célula base da sociedade e a mulher a dedicada e casta esposa” (Pais, 1996 cit. Tavares, 2008, p. 11). Por este motivo, qualquer meio de autonomização da mulher que permitisse a libertação do seu papel como mãe, esposa e cuidadora era tido como imoral e reprimido pelo Estado Novo.

O aparecimento da pílula contracetiva, na década de 60, permitiu às mulheres um controlo da sua sexualidade, dissociando esta da reprodução, evidenciando o sexo como forma de prazer. Contudo, António Salazar, chefe de Estado neste período, considerava “que as mulheres não atingem a felicidade pelo prazer, mas sim pela renúncia” (Tavares, 2008, p. 119) e numa sociedade profundamente cristã e tradicional “o sexo equivalia ao pecado” (Tavares, 2008, p. 119).

A Lei do Estado Novo era profundamente machista, sendo que discriminava as mulheres em diversos domínios da sua vida pessoal e social. Deste modo, a mulher

não podia exercer certas profissões, necessitavam da autorização do marido para celebrar contratos; (…) perpetuavam a discriminação salarial; no Direito da Família, a mulher era completamente subalternizada face à figura do “chefe de família”, ao “poder marital” e ao dever do “governo doméstico”; o Direito Penal previa uma pena de apenas 6 meses de desterro ao marido que matasse a mulher, apanhada em flagrante adultério; dava também ao marido o direito a violar a sua correspondência(Rego, 2010, cit. Monteiro, 2011, p. 154).

A constatação da opressão das mulheres na Lei do Estado Novo era clara, e as práticas sociais extremamente conservadoras e patriarcais, mesmo durante a Primavera Marcelista. A memória histórica do movimento feminista português do início do século XX desvaneceu, devido ao regime ditatorial (Monteiro. 2011), sendo que o pós-25 de abril fomentou a mudança de estruturas e a eliminação da discriminação com base no sexo, na legislatura

(37)

20

nacional. A lei eleitoral de 1979 é aquela que vigora até hoje, e retirou da legislação todas as formas de discriminação que impediam o direito ao voto.

Com o transcorrer dos anos democráticos, Portugal “assumiu o compromisso internacional com a agenda de igualdade e com as políticas de ação positiva e de mainstreaming de género3” (Monteiro, 2011, p. 6). Ainda assim, o movimento feminista no pós-25 de abril não conseguiu grande visibilidade e aderência, devido ao constante afastamento entre elites e população, que dificultava a mobilização em massa (Peça, 2010). Existem autores que afirmam que o ativismo estava ligado a personalidades e eventos isolados, sobretudo de cariz partidário (Ferreira, 2000 cit. Monteiro, 2011), sendo que a conquista dos direitos da mulher encontra-se dissociada ao processo de feminismo. A sociedade não reconhece o papel que os movimentos desempenharam, pelo que as palavras “feminismo” e “feminista” são ainda hoje alvos de estigma (Peça, 2010).

Ainda assim, verifica-se um esforço crescente por parte dos governos democráticos em promover o empoderamento feminino e a libertação das estruturas patriarcais, destacando-se a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) pelo seu papel na luta pela igualdade. Tal como foi referido anteriormente, a CIG é o organismo nacional responsável pela promoção e defesa da igualdade entre mulheres e homens. O seu objetivo primordial é a erradicação de todas as formas de discriminação baseada no género, de forma a construir uma sociedade mais justa e igualitária, numa lógica de cidadania, tolerância e prossecução do interesse público.

O começo da CIG remonta a 1970 e está relacionado com a criação do Grupo de Trabalho para a Participação da Mulher na Vida Económica e Social, seguindo-se a criação da Comissão para a Política Social relativa à Mulher, três anos depois. Em 1975, após a queda do Estado Novo, o organismo foi substituído pela Comissão da Condição Feminina (CCF) por iniciativa de Maria de Lourdes Pintassilgo, coincidindo com uma fase mundialmente marcante no domínio da igualdade de género (CIG, 2013).

A novembro de 1977 é institucionalizada a CCF, que assumiu como objetivo primordial a sensibilização e consciencialização das mulheres portuguesas e a erradicação de todas as formas de discriminação a elas dirigidas. Pretendia-se mudar a mentalidade

3 O conceito de mainstreaming de género refere-se à “integração sistemática em todas as políticas das situações, prioridades e necessidades das mulheres e dos homens tendo em vista a promoção da igualdade entre umas e outros e a mobilização explícita do conjunto das políticas e ações globais para a igualdade (…)” (CITE, 2003, p. 312).

(38)

21

essencialmente patriarcal e promover a co-responsabilidade em todos os domínios da vida social, política e doméstica (CIG, 2013).

Nos anos seguintes, até à primeira metade da década de 80, a Comissão de Condição Feminina procurou conhecer a situação real da mulher, de forma a compreender a efetiva extensão do problema, promover alterações na legislação nos vários domínios onde persistiam desigualdade e a criar serviços públicos direcionados para a igualdade de género. Em 1979 foi criado o primeiro Comité que reflete estas questões, sendo a representação atribuída ao CCF (CIG, 2013).

A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (atual União Europeia), em 1986, foi fundamental na afirmação das questões de igualdade de género e no financiamento comunitário para projetos ligados a este tema. À medida que a Comissão foi cimentando a sua atuação, surgiram novos motivos de preocupação, nomeadamente ligados à violência contra as mulheres e aos usos do tempo, e alargou-se a sua ação a novos públicos (professores, profissionais de saúde, media, autarquias e comunidade académica e científica).

Paralelamente a este progresso, verificava-se em Portugal uma evolução significativa na abordagem da questão do género. O conceito de não discriminação foi substituído pelo de construção de igualdade e a luta passou a prender-se com a paridade efetiva de oportunidades e não apenas com a atribuição de direitos, ao mesmo tempo que se reconhecem e valorizam as diferenças entre homens e mulheres. Já na década de 90, e após uma reavaliação na estratégia e filosofia da CCF, foi criada a Comissão para a Igualdade e para os Diretos das Mulheres (CIDM). A luta pela igualdade de género tornou-se “uma questão de sociedade, de caráter global e multissectorial, uma questão eminentemente política, essencial ao progresso e ao desenvolvimento”, refletindo-se na realização de várias conferências pluridisciplinares por todo o mundo, promovidas pela ONU (CIG, 2013).

Enfatiza-se a ideia de que a desigualdade de género é a génese de muitos dos problemas da sociedade contemporânea, pelo que é necessário averiguar qual o impacto que as políticas adotadas têm sobre homens e mulheres. Surgem conceitos como o gender mainstreaming, partnership e empowerment, sendo que estes vão conduzir toda a ação política, legal e social neste domínio.

Tal como a CIG (2013) afirma, as questões de igualdade possuem um carácter global, pelo que a CIDM foi integrada na Presidência do Conselho de Ministros, de modo a garantir

(39)

22

um tratamento holístico do problema. Em 1997, num novo período da comissão que se prolonga até à atualidade, foi aprovado o Plano Global para a Igualdade de Oportunidades, numa lógica de mainstreaming. Esta terceira fase vem decretar que é da tarefa do Estado assegurar a igualdade de género domínio cívico e político. Portugal demonstrou particular preocupação com as questões ligadas à violência e tráfico de mulheres, promovendo a descentralização dos serviços de apoio às mesmas para as autarquias e a sensibilização e formação de profissionais educativos para a prática de uma pedagogia livre de estereótipos e discriminações. Ademais, a CIG está envolvida de forma intensa no combate à Violência Doméstica, através de campanhas, projetos e protocolos. Neste sentido, verifica-se a existência de várias ações de sensibilização (por exemplo, a #NemMais1MinutodeSilêncio, em 2017) e proteção (tal como o Serviço de Informação às Vítimas de Violência Doméstica), tendo estabelecido acordos com o Instituto de Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P. e a Associação Nacional de Municípios Portugueses com vista à proteção da mulher vítima.

Contudo, a estrutura patriarcal mantém-se fortemente enraizada na sociedade portuguesa, pelo que “é necessário integrar reformas dentro de uma revolução cultural que consiga abolir essa forma de desigualdade tradicionalmente estabelecida” (Lerner, 1990 cit. Montaño, 2015, p. 27). O website oficial da CIG (2013) refere que ainda há um difícil trabalho pela frente, “porque se trata de contribuir para a mudança social em dimensões onde a mudança é particularmente difícil (…) (sendo) este o desafio mais forte dos mecanismos institucionais”. Ainda que as reformas e avanços legais realizados até ao momento melhoraram em grande parte a condição das mulheres, o hiato entre as políticas formalizadas e aquelas que são efetivamente postas em prática é significativo devido à desarticulação de um sistema político elitista e uma sociedade frágil e passiva face aos movimentos feministas (Monteiro, 2011).

Em suma, a opressão das mulheres na Lei do Estado Novo permitiu uma reflexão sobre as questões ligadas à discriminação de género no período pós-25 de abril (Monteiro, 2011), conduzindo à alteração da legislação. Portugal acompanhou algumas das ações internacionais, uma vez que a democracia fomentou a proliferação de novas perspetivas e ideologias ligadas a um Portugal mais equitativo e progressisto.

(40)

23 1.5. Enquadramento legal da Discriminação e Violência de Género em

Portugal

No domínio do enquadramento legal, é importante referir que não existe qualquer lei que especifique o conceito de violência de género. Ainda assim, no âmbito da não discriminação, destaca-se o art. 13º do Diário da República (2005, p. 4644), onde se prevê que

ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Em agosto de 2017, foi publicada uma lei de não discriminação (lei nº 93/2017), que estabelece um regime jurídico de combate à discriminação com base na origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem, sem fazer referência ao sexo ou género.

Não obstante, verifica-se uma progressiva preocupação com os princípios de igualdade e não discriminação, sendo que o XXI Governo Constitucional reconhece estes “como condição para a construção de um futuro sustentável para Portugal”, pelo que “tem priorizado a intervenção ao nível do mercado de trabalho e da educação, da prevenção e combate à violência doméstica e de género, e do combate à discriminação em razão do sexo, da orientação sexual, identidade e expressão de género, e características sexuais” (Diário da República, 2018, p. 2220-2221). Foi elaborada a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação (ENIND), com início em 2018 e alinhada com a Agenda 2030. A ENIND apoia-se em três planos, que se prolongam até 2021, sendo que a sua ação deve ser revista e redefinida de quatro em quatro anos.

O XXI Governo Constitucional (Diário da República, 2018) considera que, até então, as políticas aplicadas têm consubstanciado os temas da não discriminação em razão do sexo e a igualdade entre mulheres e homens, e mais recentemente na área da orientação sexual e identidade de género. Este planeamento, “assente numa abordagem mais estratégica e ampla, e no compromisso coletivo de todos os setores na definição das medidas a adotar e das ações

(41)

24

a implementar, (…) potencia a colaboração e coordenação de esforços, valorizando uma visão comum” (Diário da República, 2018, p. 2221).

De referir, também, a Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas (RCSNU) sobre mulheres, paz e segurança, em ativo até ao final de 2018. Este documento evidencia as desigualdades que existem no domínio dos conflitos armados, apelando a uma maior integração e participação das mulheres neste sector. Esta resolução tem em perspetiva a “integração da dimensão de género nas atividades diplomáticas, militares, de segurança, da justiça e da cooperação para o desenvolvimento” (CIG, 2018a), nos países em situação de paz, conflito ou recuperação de conflito.

Por fim, Portugal tem assumido compromissos internacionais, sendo que se encontram ainda em vigor o Pacto Europeu para a Igualdade entre Homens e Mulheres (2011-2020), a Estratégia da União Europeia para o Emprego e o Crescimento – Europa 2020, a Convenção de Istambul (2011), a Carta das Mulheres (2010), o Tratado de Lisboa (2007), e a Carta dos Direitos Fundamentais (2000).

Todavia, e apesar dos esforços de entidades nacionais e internacionais em promover a igualdade de género e não discriminação, a jurisprudência portuguesa continua fortemente influenciada por valores machistas e patriarcais. Recorde-se o polémico acórdão do juiz Neto de Moura, no domínio de um crime de violência doméstica, onde se justificou a conduta do agressor pelo adultério praticado pela vítima, dizendo que este

(…) é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte. Ainda não foi há muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 372º) punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse ato a matasse. Com estas referências pretende-se, apenas, acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher (TRP, 2017, p. 19).

Porém, esta situação não surge de forma isolada. Em outubro de 2017, é redigido um acórdão do Tribunal Judicial de Viseu, referente a uma situação de violência doméstica, que

(42)

25

dá conta de mais decisões judiciais com base no preconceito. Neste processo, o juiz Carlos de Oliveira deu como certa a versão do arguido, por considerar a vítima “uma mulher autónoma e com salário proveniente do seu trabalho, não dependente do arguido” (Pereira, 2017a). O juiz não aceitou como justificação da ausência de qualquer queixa ou denúncia por violência doméstica os sentimentos de medo e vergonha da vítima, chegando a alegar, durante um depoimento, que “a senhora não tinha filhos, portanto, a primeira coisa que podia fazer era sair de casa” (Pereira, 2017a).

Assim, apesar dos esforços do XXI Governo Constitucional em reverter a atual situação de discriminação e desigualdade entre géneros, existe uma dificuldade em colocar em prática os princípios consagrados nos documentos nacionais e internacionais. No caso específico da violência em contexto doméstico, uma das questões estatisticamente mais preocupantes da violência de género, em 2016 registaram-se 32.507 participações às forças de segurança, mas apenas 1.984 condenações (Pereira, 2017b). No final do mesmo ano, existiam somente 372 pessoas a cumprir pena de prisão por este mesmo crime (Pereira, 2017b).

A mulher permanece como alvo de vitimização, não só primária (pela mão do agressor), mas também secundária, devido ao sistema legal ineficaz e insuficiente (Correia e Vala, 2003). A dupla vitimização resulta “de ações que abalam os direitos das vítimas ou de omissões de um conjunto de práticas promovidas por instâncias informais e formais,” (Vieira, 2013, p. 103). Torna-se, portanto, necessário criar mecanismos de prevenção e intervenção eficazes e atentos às particularidades e sensibilidade que casos desta natureza requerem e assegurar o cumprimento dos compromissos do Governo, no domínio da discriminação e violência de género.

1.6. Práticas preponderantes do Serviço Social na Violência de Género

O Trabalho Social Feminista

É inegável a importância que o Serviço Social (S.S.) desempenha no combate à violência de género, uma vez que a sua atuação se encontra, predominantemente, ligada à discriminação, exploração, opressão, desigualdade social, relações de poder e violência (Lisboa, 2010). Contudo, a sua prática tradicional não demonstra particular preocupação com as causas estruturais dos problemas ligados à condição das mulheres, sendo que estas

Imagem

Tabela 4: Distribuição dos/as participantes de quantitativo de acordo com o ano de matrícula
Gráfico 1: Acredita em igualdade de género?
Gráfico 2: Considera que as mulheres são tratadas de forma justa em Portugal?
Gráfico 3: Considera que existe desigualdade em que domínios?
+7

Referências

Documentos relacionados

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

A Tabela 3 apresenta os resultados de resistência ao impacto Izod e as caracterizações térmicas apresentadas em função dos ensaios de HDT, temperatura Vicat e a taxa de queima do

A autuada deverá ser informado de que a não interposição de recurso ocasionará o trânsito em julgado, sendo o processo remetido ao Núcleo Financeiro para cobrança da multa.. O

Preliminarmente, alega inépcia da inicial, vez que o requerente deixou de apresentar os requisitos essenciais da ação popular (ilegalidade e dano ao patrimônio público). No

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Os principais tipos de anestesia são: Anestesia geral, Anestesia regional (Raqui ou Peridural), Anestesia local, Sedação moderada, Bloqueio do Plexo Braquial e