• Nenhum resultado encontrado

Do estigma social à invisibilidade : a pessoa com deficiência física nas políticas públicas voltadas para a redução de desastres

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Do estigma social à invisibilidade : a pessoa com deficiência física nas políticas públicas voltadas para a redução de desastres"

Copied!
109
0
0

Texto

(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA. DÉBORA GERALDI. Do estigma social à invisibilidade: a pessoa com deficiência física nas políticas públicas voltadas para a redução de desastres. SÃO CARLOS 2010.

(2) Do estigma social à invisibilidade: a pessoa com deficiência física nas políticas públicas voltadas para a redução de desastres.

(3) UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA. DÉBORA GERALDI. Do estigma social à invisibilidade: a pessoa com deficiência física nas políticas públicas voltadas para a redução de desastres. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia, como um dos requisitos para a obtenção do título de mestre em Sociologia. Orientação: Profª Dra. Norma Felicidade Lopes da Silva Valencio. Orientadora: Norma Felicidade Lopes da Silva Valencio. SÃO CARLOS 2010.

(4) Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar. G354es. Geraldi, Débora. Do estigma social à invisibilidade : a pessoa com deficiência física nas políticas públicas voltadas para a redução de desastres / Débora Geraldi. -- São Carlos : UFSCar, 2010. 103 f. Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São Carlos, 2010. 1. Sociologia. 2. Sociologia dos desastres. 3. Vulnerabilidade sócio-ambiental. 4. Defesa civil. I. Título. CDD: 301 (20a).

(5)

(6) "Entre o olhador e o olhado há um oceano de condições diferentes. Um, aquele que olha, é soberano, dono do olhar e da direção do olhar. O outro, o diferente, aquele que é olhado, fica na dependência da decisão e da direção do olhar daquele que olha!” (BIANCHETTI, 2002)..

(7) AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço à professora Dra. Norma Felicidade Lopes da Silva Valencio, pela orientação dedicada durante os anos da graduação e mestrado, assim como pelo conhecimento compartilhado, que vai muito além das páginas desta dissertação. Aos professores que participaram da minha banca de qualificação, Rodrigo Constante Martins e Juliano Costa Gonçalves, pelo empenho nas correções e conselhos, que me ajudaram muito na concretização deste trabalho. Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e à Ana Maria Suficiel Bertolo. Aos meus colegas do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres (NEPED) , em especial Victor Marchezini, Mariana Siena e Juliana Sartori, por toda ajuda e companherismo ao longo de todo o processo. E pela constante amizade, que pretendo levar para a vida toda. A todos os amigos e amigas que estavam presentes durante meus anos de mestrado, e que tornaram meus dias muito mais prazerosos. E finalmente, agradeço aos meus pais, Sandra e Ismael, e ao meu irmão Douglas, por sempre estarem ao meu lado. Meu agradecimento à vocês é eterno..

(8) RESUMO A ocupação desordenada das cidades revelam perigos que estavam de certa forma latentes, quando em contato com alguns agentes específicos. As chuvas podem ser consideradas um desses agentes, pois a sua interação com o meio, muitas vezes prejudica as rotinas dos lugares, promovendo inúmeros transtornos à vida das pessoas, inclusive situações de desastres. A Defesa Civil é o órgão responsável pela segurança da população frente a esses eventos, e considera em seus Manuais alguns grupos como mais vulneráveis, entre eles, as pessoas com deficiência física. Nesse sentido, o objetivo desse trabalho foi o de analisar sociologicamente de que forma a pessoa com deficiência física é considerada tanto pelos orgãos da Defesa Civil, quanto pela literatura científica especializada, num contexto de desastre, visto que existe uma lacuna na literatura sociológica no que concerne a análise das pessoas com deficiência e sua interação com o meio biofísico. Para tal, foi realizada uma pesquisa documental a fim de analisar documentos e protocolos disponibilizados pela Defesa Civil brasileira, como também documentos e estudos existentes em plataformas de pesquisa online, que abordam a interação da deficiência física com os desastres, e assim, discriminando os focos predominantes de estudos contemporâneos no tema. O intuito é o de apresentar uma síntese sociológica do conhecimento a respeito do grupo, no contexto de desastres.. Palavras-chave: Desastres. Pessoas com Deficiência física. Vulnerabilidade. Defesa Civil..

(9) ABSTRACT In contact with some specific agents, the disordered occupation of the cities reveals risks that were somewhat dormant. Rain can be considered one of these agents, because your interaction with the environment often affects the routines of places, promoting various disruptions to the lives of people, including a disaster situation. The Civil Defense is the agency responsible for the security of the population in these events and considers in their manuals that some groups are more vulnerable: people with physical disabilities are one of this. Thus, the objective was to analyze sociologically how a person with disabilities is considered by the Civil Defense and by the scientific literature in the context of disaster, seeing there is a gap in sociological literature as concerning the analysis of disabled people and their interaction with the biophysical environment. To this end, we conducted a survey to review documents and protocols provided by the Brazilian Civil Defense, as well as documents and studies available in online research platforms, which analyze the interaction of disability with disasters, and thereby discriminating the foci predominant theme in contemporary studies. The aim is to present a synthesis of sociological knowledge about the group in the context of disasters.. Keywords: Disasters; Person with disabilities; Vulnerability; Civil Defense..

(10) ÍNDICE DE SIGLAS BVC – Biblioteca Mundial de Saúde CRID – Centro Regional de Informações sobre Desastres DFID – Department for International Development EIRD – Estratégia Internacional para La Reddución de Desastres FEMA – Federal Emergency Management Agency IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IFRC – International Federation of Red Cross and Red Crescent Societs OMS – Organização Mundial da Saúde OPAS – Organização Pan Americana da Saúde SEDEC – Secretaria Nacional de Defesa Civil SNPD – Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência SUS – Sistema Único de Saúde.

(11) LISTA DE TABELAS. Tabela 1: Tipos de Deficiência..........................................................................18 Tabela 2: Deficiências X Pessoas com Deficiências........................................18 Tabela 3: Número de enchentes no Brasil (1960-2009)...................................48 Tabela 4: Medidas para o antes, o durante e o pós-desastre..........................79.

(12) LISTA DE FOTOS Foto 1: Rampa de acesso para os pisos superiores da biblioteca....................58 Foto 2: Catraca acessível na entrada da biblioteca..........................................59.

(13) SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................... 1 1.1Procedimentos Metodológicos ................................................................. 14 2. A Deficiência vista de perto....................................................................... 17 2.1 Uma breve história da deficiência ........................................................... 19 2.2 Estudos sobre Deficiência: Do Modelo Médico ao Modelo Social .......... 21 2.3. Do estigma a exclusão social ................................................................ 26 2.4 A pessoa com deficiência física .............................................................. 30 3. Os lugares e a pessoa com deficiência física .......................................... 31 3.1. Conceituando Lugar............................................................................... 31 3.2 A problemática habitacional .................................................................... 32 3.2.1. Os lugares e a Pessoa com Deficiência: O recorte sócio-econômico . 33 3.2.2 A deficiência física e a falta de acessibilidade ..................................... 35 3.3. A casa: Uma “concha” contra as adversidades ..................................... 39 4. Desastres: O encontro da ameaça com a vulnerabilidade ..................... 44 4.1 Introdução aos conceitos de Riscos e Desastres ................................... 44 4.2 Desastres relacionados as chuvas: O caso brasileiro ............................ 46 4.3Os lugares sob ameaça: a vulnerabilidade socioambiental ..................... 49 4.4. A injustiça social .................................................................................... 53 5. As pessoas com deficiência num contexto de desastre: A pesquisa documental ..................................................................................................... 57 5.1. A biblioteca da UFSCar. ........................................................................ 58 5.2 A Defesa Civil ......................................................................................... 60 5.3. A SNPD ................................................................................................. 69 5.4. As plataformas online ............................................................................ 71 5.4.1 Datasus................................................................................................ 71 5.4.2. OPAS .................................................................................................. 72 5.4.3. BVS..................................................................................................... 74 5.4.4. CRID ................................................................................................... 81 5.3. As pessoas com deficiência em situações de desastres: Uma visão internacional ................................................................................................. 87 6.Conclusões e Recomendações .................................................................. 90 7. Referências Bibliográficas ........................................................................ 95.

(14) 1 1. INTRODUÇÃO. Ao contrário das perspectivas que abordam questões de gênero, raça e orientação sexual, pesquisas que dirigem seu olhar para o tema da deficiência ainda são escassas na teoria sociológica. Como afirma Pereira (2008): “surpreendentemente, a sociologia têm contribuído pouco, em termos de pesquisas e teorias sistemáticas, com os estudos sobre deficiência” (TURNER; 2001 apud PEREIRA, 2008, p.20)1. Essa ausência de “olhares” pode demonstrar certo descaso para com as pessoas com deficiência, visto que as “ausências” são ativamente construídas: “o que não existe é, na verdade, ativamente produzido como não existente, isto é, como uma alternativa não-credível ao que existe” (SANTOS, 2003, p.11). Dessa forma, problematizar e tornar mais presente a questão da deficiência na sociologia, seria fundamental para se pensar numa sociedade mais emancipada e livre das diferentes formas de opressão (PEREIRA, 2008). O que temos até então, é uma considerável produção de trabalhos advindos da Sociologia Americana e Inglesa, que vêem a deficiência como uma das formas de estar/viver no mundo, e não como um defeito ou uma variação do. considerado. normal. pela. sociedade. (DINIZ,. 2007).. No. entanto,. circunstâncias diárias envolvendo o grupo ainda estão muito aquém da teoria existente: Continuamos a olhar para elas e não as vemos. Quando as vemos, tendemos a aceitar as narrativas hegemônicas que sobre elas se produzem: que são pessoas com um problema individual aportado no seu próprio corpo, que é uma tragédia e um infortúnio pessoal, que a sociedade e a organização social nada têm a ver com isso (PEREIRA, 2008, p.12).. O preocupante com relação a esse panorama é o fato das pessoas com deficiência estarem entre os que mais precisariam de estudos e políticas públicas. No Brasil, segundo dados do IBGE (2000), 30% das pessoas com deficiência estão entre os mais pobres, e logo, propensos a habitar regiões periféricas, favelas, cortiços, etc., lugares que podem possuir condições adicionais de exclusão urbana, como a exposição a riscos ambientais 1. Tradução livre. No original: “Sociology has contributed surprisingly little in terms of systematic theory and research to the study of disability” (TURNER, 2001 apud PEREIRA, 2008, p.20)..

(15) 9 (TORRES & MARQUES, 2001), o que é reiterado por Mendonça & Leitão (2008).. As populações menos favorecidas, devido a problemas decorrentes da especulação imobiliária, são, muitas vezes, impelidas a ocupar irregular e ilegalmente locais de grande fragilidade ambiental, como os mananciais de abastecimento, porções muito íngremes das vertentes, beiras de rios, áreas inundáveis, terrenos adjacentes a lixões etc., fato recorrente nas regiões metropolitanas brasileiras (MENDONÇA & LEITÃO, 2008, p. 150).. Entre os possíveis riscos ambientais aos quais esses lugares estão sujeitos, temos os relacionados às chuvas que, quando em contato com o meio sociocultural, acarretam os mais diversos tipos de danos e prejuízos, em decorrência de enchentes, enxurradas e deslizamentos de encostas, demonstrando problemas causados ou “camuflados” pelo ordenamento territorial,. cuja. capacidade. de. suporte. ambiental. é. flagrantemente. desrespeitada. Quando tais riscos se concretizam, surgem os chamados desastres “forma de interação entre a construção social e um acontecimento físico, ou seja, uma confluência entre determinados fenômenos da natureza e a insustentabilidade do meio construído” (VALENCIO et. al, 2006, p.98) -, cada vez mais presentes em nossa realidade:. No contexto das mudanças climáticas, neste início de século XXI e nas próximas décadas, com cenários de aumento da intensidade e freqüência de eventos extremos como tempestades, furacões, enchentes e secas, as situações de vulnerabilidade socioambiental nas cidades e metrópoles tendem a aumentar de maneira significativa, principalmente nos países pobres e em desenvolvimento (ALVES, 2006, p. 75).. A fim de mensurar a situação no caso do Brasil, temos dados da Secretaria Nacional de Defesa Civil (SEDEC), segundo a qual durante o período de 2003 a 2006, 5.777 municípios brasileiros tiveram o reconhecimento do Ministério da Integração Nacional de sua situação de emergência ou de estado de calamidade pública, sendo 1.517 desses reconhecimentos relacionados às chuvas. Em 2003, 7.476.596 pessoas foram afetadas;.

(16) 10 enquanto em 2006 este número saltou para 12.548.701 pessoas, ou seja, um aumento aproximadamente de 68% (BRASIL, 2007b). No ano de 2009 o número de afetados foi de 5.288.969 pessoas, enquanto em 2010, considerando apenas o primeiro semestre, temos 10.154.385 pessoas afetadas. Por fim, contabilizando os últimos sete semestres no Brasil – que abrange o primeiro semestre de 2007 até o primeiro semestre de 2010 – temos como número total de afetados 22.089.804 pessoas (VALENCIO, 2010). Dessa forma, as chuvas não se apresentam como um entre os vários fatores de ameaças naturais que mobilizam os órgãos constituintes do Sistema Nacional de Defesa Civil, mas constitui-se – tanto na concentração da precipitação pluviométrica, como na escassez –, na maior ameaça natural, devido suas interações com processos de territorialização atuais, a ser enfrentada no país (VALENCIO et al., 2006). As pessoas com deficiência neste contexto estão entre os grupos considerados mais vulneráveis. Primeiro, por fazerem parte dos estratos populacionais mais pobres, e, consequentemente habitarem locais mais vulneráveis à esses desastres2. Mas também, devido as especificidades do próprio grupo (VALENCIO et al., 2006), pois, para que a pessoa com deficiência possua uma vida digna e tenha sua distinção tornada não-evidente, faz-se necessário, além da existência de um mínimo de acessibilidade, o acesso a uma série de direitos previstos3.. A sua vulnerabilidade, ou seja, o quanto frágil o grupo é, nesse caso está diretamente ligada com as especificidades do grupo, pois a possibilidade deles sofrerem danos na sua interação com o evento físico, no caso, as chuvas, é maior (VALENCIO et al., 2006, p.98).. 2. Dessa maneira, a vulnerabilidade está primeiramente relacionada com o modo de ocupação do território, normalmente seguindo a equação: classes mais pobres ocupando áreas ambientalmente mais suscetíveis (VALENCIO et al., 2006). 3 Entre muitos, estão os previstos pelo Programa Nacional de Direitos Humanos (2009), elaborado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, que abordam pressupostos como a “garantia ao grupo de igual e efetiva proteção legal contra a discriminação”, a “garantia a serviços básicos de saúde diferenciados”; “assegurar o cumprimento do decreto a respeito da Acessibilidade (Decreto n.5.296/2004)” etc. (BRASIL, 2010)..

(17) 11 Nesse sentido, em situações de desastres envolvendo as chuvas, nas quais suas casas estão suscetíveis a inundações ou a desabamentos, pessoas com deficiência podem ter suas limitações e dependências intensificadas, visto que são obrigadas a se retirarem de suas casas – lugar que acaba possuindo o siginificado de “concha” contra as adversidades para o grupo (BACHELARD, 1993). E assim, ao ter sua casa afetada tem potencializada a sua idéia de inferioridade, tornando-se desalojada, ou desabrigada. Desalojado é o termo utilizado para aquele que teve sua habitação atingida e consegue receber apoio de algum parente, vizinho, amigo, etc. No caso das pessoas com deficiência, isso pode resultar em uma série de contratempos, pois provavelmente a casa em que será acolhida não deverá possuir uma infra-estrutura adequada, principalmente para os casos das pessoas com deficiência física ou visual, que necessitam de uma existência mínima de acessibilidade na casa: como rampas, facilidade de acesso aos cômodos da casa, etc. Para um cadeirante, por exemplo, é necessária a existência de rampas com ângulos corretos, os móveis presentes nos cômodos devem propiciar que a cadeira de rodas passe normalmente, etc. Já para uma pessoa com deficiência visual, o processo de conhecimento dos “caminhos” da casa ocorre de forma lenta, e até que ela consiga se locomover adequadamente. pelo. local,. os. donos. da. casa. deverão. auxiliá-la. constantemente (GERALDI, 2009). Dependendo da situação, o vínculo outrora existente pode acabar se deteriorando, pois, por um lado, a pessoa com deficiência pode se constranger, ao ter que receber ajuda em sua locomoção e alterar a rotina do local, enquanto por outro lado, da perspectiva de quem a está acolhendo, o hóspede pode se tornar um peso, atrapalhando seus afazeres diários, etc. Na outra situação, quando a pessoa não recebe auxílio de amigos, parentes, etc., ela torna-se desabrigada, sendo transferida, normalmente, para um abrigo temporário. A pessoa com deficiência nessa circunstância pode passar pelos mais desconfortáveis tipos de situações, pois, novamente, encontrará rotinas diferentes e locais pouco acessíveis, como rampas com ângulos inadequados, banheiros não adaptados, difícil acesso aos locais mais importantes, como cozinha, banheiro etc. Também em alguns casos, elas precisam de cuidados médicos especiais, atendimentos, remédios, ou seja,.

(18) 12 necessidades que nem sempre serão consideradas e atendidas (GERALDI, 2009). Atualmente já existe um aparato legal prevendo o respaldo necessário para as pessoas com deficiência frente os desastres, a “Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”, um documento elaborado pela ONU em 2006 e que foi ratificado pelo Brasil em 2008, e no qual existe a preocupação com esse contexto, mais especificamente no artigo 11, entitulado: “Situações de risco e emergências humanitárias”.. Em conformidade com suas obrigações decorrentes do direito internacional, inclusive do direito humanitário internacional e do direito internacional relativo aos direitos humanos, os Estados Partes deverão tomar todas as medidas necessárias para assegurar a proteção e a segurança das pessoas com deficiência que se encontrarem em situações de risco, inclusive situações de conflito armado, emergências humanitárias e ocorrência de desastres naturais (BRASIL, 2007a, p.22).. No entanto, assim como os estudos teóricos já existentes, essa base legal nem sempre se transforma em orientações práticas para o grupo. Assim, muitos questionamentos podem ser suscitados a partir dessa interação entre pessoas com deficiência física4 e os desastres envolvendo as chuvas. Dessa forma, o intuito deste estudo foi o de analisar sociologicamente de que forma a pessoa com deficiência física é considerada tanto pelo orgão da Defesa Civil5,, quanto pela literatura científica específica em desastres. Para tal: 1. Descrevemos e analisamos os documentos e protocolos disponibilizados pela Defesa Civil brasileira que abordavam a questão da deficiência física em uma situação de desastre.. 4. A vulnerabilidade também está relacionada ao tipo de deficiência, logo, neste estudo focou-se a deficiência física apenas, visto que cada tipo de deficiência acarreta diferentes situações e desdobramentos. 5 A Defesa Civil é orgão nacional responsável por ações de prevenção para emergências de desastres, de resposta a esses desastres e também da reconstrução..

(19) 13 2. Descrevemos e analisamos os documentos e estudos existentes em plataformas online e na Biblioteca da Universidade Federal de São Carlos, que abordavam a interação da deficiência física com os desastres,. discriminando. os. focos. predominantes. de. estudos. contemporâneos no tema.. O intuito é o de apresentar uma síntese sociológica do conhecimento a respeito do grupo, no contexto de desastres. Além deste capítulo inicial introdutório, cujo objetivo foi realizar uma breve introdução do tema para o leitor, têm-se mais cinco capítulos, a saber: O Capítulo 2, intitulado “A deficiência vista de perto”, no qual procurouse realizar a caracterização do grupo de estudo deste trabalho, abordando a deficiência ao longo da história e também, no panorama atual, principalmente com os avanços dos Direitos Humanos. Também foi apresentado o debate existente na Sociologia da Deficiência. O Capítulo 3, “Os lugares e a pessoa com deficiência física”, consiste na discussão sobre a interação entre o lugar e a pessoa com deficiência física, abordando brevemente como ocorreu o desenvolvimento dos lugares periféricos, e os constituintes destes lugares, como as péssimas condições de acessibilidade existentes e o significado que a casa adquire para o grupo. No Capítulo 4 “Desastres: o encontro da ameaça com a vulnerabilidade” serão apresentados as discussões no campo da Sociologia que envolvem os conceitos de risco e de desastres, principalmente os desastres envolvendo as chuvas – ameaça recorrente no panorama brasileiro. Também serão abordados o conceito de vulnerabilidade envolvendo os desastres e a idéia de desigualdade ambiental. No Capítulo 5, “As pessoas com deficiência física em um contexto de desastres: a pesquisa documental”, apresentou-se a análise comparativa das plataformas e documentos encontrados através das buscas, procurando interações que contemplem o tema da deficiência física e o de desastres envolvendo as chuvas. Consiste na síntese dos resultados encontrados através da pesquisa documental. Por fim, no Capítulo 6 “Conclusões e Recomendações”, foi realizada uma compilação de todo material apresentado ao longo do trabalho,.

(20) 14 procurando fazer a união da teoria e dos resultados encontrados através da pesquisa documental.. 1.1Procedimentos Metodológicos. Para a construção desse estudo foram utilizados procedimentos metodológicos de base qualitativa: a pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica abrangeu a leitura, análise e interpretação de livros, periódicos, textos legais, documentos xerocopiados etc., e teve por objetivo orientar a seleção de conceitos a serem utilizados nesse trabalho. Assim, para a introdução ao tema da Sociologia da Deficiência utilizaram-se principalmente as contribuições de Diniz (2007), que procurou diferenciar o modelo social da deficiência – para o qual a deficiência não está no indivíduo, mas sim, nas barreiras criadas pela sociedade – da segunda geração desse modelo, que enfatiza as noções de cuidado, dos cuidadores, da dor, da lesão etc. Também foram utilizados o conceito de estigmatização, de Goffman (1988), tendo em vista que o ponto que norteia esse trabalho é o fato das pessoas com deficiência serem “oprimidas socialmente, a todos os níveis, por uma sociedade que as discrimina, exclui e invisibiliza, do emprego, à escola, da arquitetura ao espaço público, dos meios de comunicação social à família” (PEREIRA, 2008, p.12), o conceito de violência simbólica de Bourdieu (2003), e a idéia das “ausências” tratada por Santos (2003), visto que elas são construídas ativamente pela sociedade. A fim de analisar a relação da pessoa com deficiência com o lugar em que reside, utilizaremos principalmente as noções de lugar presente no trabalho de Haesbaert (2002), e os estudos de Torres e Marques (2001) a respeito da idéia de hiperperiferia. Para a análise do debate sociológico a cerca dos desastres, foram utilizados principalmente Quarantelli (1998) e Mattedi & Brutzke (2001), e no que concerne os desastres envolvendo as chuvas, utilizou-se principalmente Valencio (2005; 2006; 2009a; 2009b; 2010). Por fim, temos os conceitos de vulnerabilidade e de injustiça social, auxiliando na análise das relações existentes entre a pessoa com deficiência e o meio no qual ela vive (ACSELRAD, 2002; 2006; 2009)..

(21) 15 A outra parte da pesquisa bibliográfica, procurou encontrar outros estudos na área acadêmica em uma biblioteca, a fim de verificar a existência de material que relacionasse de alguma forma o tema de desastres com pessoas com deficiência física. A biblioteca escolhida foi a da Universidade Federal de São Carlos, UFSCar, por tratar-se de uma Biblioteca Comunitária presente em uma grande Universidade Brasileira que, além de prezar pela acessibilidade, possui muitos cursos relacionados com a área da saúde e deficiência, a saber: O curso de educação física, que está vinculado com o Departamento de Educação Física e Motricidade Humana, o curso de Fisioterapia, de Terapia Ocupacional e também por contar com um dos melhores Laboratórios de Fisiologia do Exercício (Departamento de Fisiologia) no país. A pesquisa documental abrange a busca por documentos: “qualquer informação sob a firma de textos, imagens, sons, sinais etc., contida em um suporte material (papel, madeira, tecido, pedra), fixados por técnicas especiais como impressão, gravação, pintira, incrustação etc.” (CHIZZOTTI, 2009, p.109). Dessa forma, embora a biblioteca seja um dos lugares mais propícios para se encontrar documentos, elas não arquivam todos os tipos de documentos que foram necessários para essa pesquisa, a chamada literatura cinzenta: Denomina-se literatura cinzenta os documentos não convencionais e semipublicados, que são produzidos no âmbito governamental, acadêmico, comercial e industrial, em cuja origem o aspecto comercial não é levado em conta, e que, portanto, não são normalmente encontrados nos circuitos de distribuição comercial e nas bibliotecas (MATTAR, 2008, p.169).. Utilizamos para a pesquisa a internet, que oferece alguns recursos de busca sobre tópicos atuais que seriam difícil ou impossível encontrar em bibliotecas. Todo e qualquer tipo de material pode ser encontrado através dela:. Os objetos encontrados, durante essas buscas, são bastante diversificados: websites, trabalhos de referência (como dicionários, enciclopédias, atlas, etc.), textos eletrônicos (livros, poemas, etc.), artigos (jornais acadêmicos, populares,.

(22) 16 comércio), documentos governamentais, relatórios, imagens, emails, etc. (MATTAR, 2008, p.179).. Sendo. assim,. a. pesquisa. documental. abrangerá. os. seguintes. procedimentos, no sentido de verificar quais são as interfaces possíveis entre os assuntos abordados. Primeiramente foram feitas tentativas com as palavraschaves nas bases dos periódicos científicos, seis basicamente: o CRID – “Centro. Regional. de. Información. sobre. Desastres”;. o. DATASUS. –. “Departamento de Informática do SUS“; a BVS – Biblioteca Virtual em Saúde; e a OPAS/OMS – Organização Pan-Americana de Saúde. As palavras chaves utilizadas para a busca foram DEFICIÊNCIA FÍSICA e DESASTRES (a fim de encontrar a interface entre elas). Em plataformas internacionais, as palavras utilizadas foram “disasters”, “disability”, “people with disability”, “discapacidad” e “discapacitados”. Além disso, foram analisados também a fim de obter uma comparação com o material encontrado nessas plataformas, os documentos existentes para download no site da Defesa Civil – visto que ela é orgão responsável pela ação em situações de desastres e na SNPD (Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência) – por ser o orgão do governo responsável por amparar a pessoa com deficiência, e estar vinculado a Secretaria de Direitos Humanos. Todo material recolhido foi submetido a uma triagem, a partir da qual foi possível estabelecer um plano de leitura. Tratou-se de uma leitura sistemática, que se fez acompanhar de anotações e fichamentos, os quais puderam servir à fundamentação teórica do estudo..

(23) 17 "Todas as formas de racismo e de exclusão constituem, em última análise, maneiras de negar o corpo do outro. Poderíamos fazer uma releitura de toda a história da ética sob o ângulo dos direitos dos corpos, e das relações de nosso corpo com o mundo.". (Umberto Eco). 2. A Deficiência vista de perto. Primeiramente, cabe uma explicação sobre o termo utilizado nesse estudo: pessoa com deficiência. Ao longo da pesquisa, percebeu-se que a discussão envolvendo a designação correta é longa e ainda não obteve um consenso geral. Segundo Sassaki (2003), nunca existiu e talvez nunca existirá um consenso, pois em cada época utiliza-se a designação que corresponde melhor aos valores do panorama vigente – sendo sempre uma conseqüência do quanto aquela determinada sociedade ampliou a sua forma de se relacionar com pessoas que possuem este ou aquele tipo de deficiência. Inúmeros termos já foram usados na história brasileira, como “inválidos” no começo do século XX, “incapacitados” ou “incapazes” até aproximadamente 1960, “defeituosos”, “deficientes” e “excepcionais” até 1980, “pessoas deficientes” até o fim de 1980 e “pessoas portadoras de deficiência” até aproximadamente 1993 (SASSAKI, 2003). Da década de 1990 até os dias atuais são mais recorrentes: “pessoas com necessidades especiais”, “portadores de necessidades especiais” e “pessoas com deficiência”, sendo este último, segundo o autor, o preferido pelo grupo em questão. Primeiro, porque “pessoas com necessidades especiais” englobam outras pessoas, não só as pessoas com deficiência, e segundo, porque eles não são “portadores” de deficiência. O termo “portar” só pode ser utlizado em uma situação na qual a pessoa tenha opção de escolher a ação de “não – portar”, o que não é o caso. Sendo assim, neste trabalho utiliza-se o termo pessoa com deficiência, por ser da preferência do grupo – mas sempre tendo em mente que as pessoas com deficiência são diferentes entre em si, e essa designação não as diferencia. Também é utilizado aqui o termo deficiência, por ser um conceito que abrange diversas vertentes, incluindo a cultural: que é mutável e não.

(24) 18 naturalizável, além de dar ao termo um ponto de vista mais político (PEREIRA, 2008). No Brasil, de acordo com os dados do último censo feito pelo IBGE em 2000, existiriam aproximadamente 24 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, resultando em 14,5% da população. Tabela 1: Tipos de Deficiência. Tipos de. Visual. Motora. Auditiva. Mental. Física. TOTAL. Homem. 7.259.074. 3.295.071. 3.018.218. 1.545.462. 861.196. 15.979.021. Mulher. 9.385.768. 4.644.713. 2.716.881. 1.299.474. 554.864. 18.601.700. TOTAL. 16.644.842 7.939.784. 5.735.099. 2.844.936. 1.416.060. 34.580.721. deficência. ( Fonte: IBGE, 2000).. Tabela 2: Deficiências x Pessoas com Deficiências. Deficiências (A). Pessoas com. Def. Multiplas (A e B). deficiências (B) Homem. 15.979.021. 11.420.544. 4.558.477. Mulher. 18.601.700. 13.179.712. 5.421.988. TOTAL. 34.580.721. 24.600.256. 9.980.465. (Fonte: IBGE, 2000).. Esses dados, no entanto, resultaram em uma série de problemas devido a forma como foram colhidos em 2000: por amostragem a cada 10 residências. Em 2010 está sendo realizado um novo censo, e as polêmicas surgiram novamente, pois o mesmo método será utilizado, correndo o risco de não saber exatamente qual é a porcentagem real de pessoas que tem algum tipo de deficiência. Portanto, ainda não existem dados confiáveis a respeito de quantos são, quantos são com cada tipo de deficiência, quais são as condições sócioeconômicas etc., já que muitos deixam de ser contabilizados. (Deficiente. Ciente, 02/05/2010). Estima-se que se fosse realizado o censo de casa em casa, o número seria muito maior, algo em torno de 30 milhôes de brasileiros (Deficiente Ciente, 04/06/2010), ainda mais devido ao aumento da expectativa de vida e da violências urbana..

(25) 19 Por fim, outro fator que não se pode deixar de mencionar é a vinculação entre pobreza e deficiência. Segundo Vital (2008) a deficiência é tanto causa, como consequência da pobreza: alguns cálculos mostram que a cada cinco pessoas pobres, uma apresenta deficiência. Essa pobreza pode ser demonstrada pelo alto índice de desemprego entre as pessoas com deficiência, que nos países da América Latina corresponde a algo em torno de 80% a 90%. No entanto, deve-se ficar claro que não se trata somente da questão de gerir renda, mas sim de uma distribuição equitativa de bens sociais, culturais e políticos, que apesar de produzido, não é de forma alguma repartido (MARTINS, 2002). Dado essa primeira contextualização, nesse capítulo faremos um retrato da deficiência, com relação a sua história no mundo e com os avanços que foram obtidos, tanto legalmente, como socialmente, focando ao final a pessoa com deficiência física, deficiência que esse estudo pretende se debruçar.. 2.1 Uma breve história da deficiência. Na antiguidade as pessoas com deficiência eram totalmente excluídas da vida em sociedade: em Esparta, as crianças que nasciam com algum tipo de deficiência eram mortas ou então, abandonadas ao relento por sua família, pois eram tidas como seres inúteis, sub-humanos. Este tipo de atitude era congruente com os ideais morais da época, nos quais a eugenia e a perfeição do indivíduo eram por demais valorizadas. Na Idade Média, esse panorama demonstrou melhoras: muitos ainda as consideravam como sendo filhos do demônio, mas devido a influência da Igreja, a deficiência passou a ser concebida como um fenômeno metafísico e espiritual, e portanto passaram de abandonadas para acolhidas por instituições de caridades. Nota-se que a postura da sociedade nessa época ainda era permeada por uma ambivalência ente caridade e castigo (SILVA & DESSEN, 2001). Com o Iluminismo e a Revolução Industrial, a concepção de deficiência sofreu alterações, grande parte devido ao avanço da medicina e da ciência. A razão e o conhecimento tornaram-se altamente valorizados a ponto de substituírem as superstições das épocas passadas, e assim surgiu o modelo.

(26) 20 médico de deficiência, que considerava a deficiência como uma variação normal da espécie humana, do saudável, do chamado “corpo padrão” (DINIZ, 2007). A discriminação continuou mesmo com esses “avanços”, e chegou ao ápice na Segunda Guerra Mundial, onde aproximadamente três milhões de pessoas com deficiência física foram assassinadas pelos nazistas (DALLASTA, 2006). Após esse fato, foi assinada em 1948 a “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, mostrando um maior avanço nos direitos humanos, e como conseqüência, surgiram melhorias principalmente no campo da reabilitação. Alguns ainda permaneceram nas instituições, das quais muitas possuiam como objetivo o afastamento das pessoas com lesões do convívio social ou o de normalizá-las para depois retornarem à sociedade (DINIZ, 2007). Em contrapartida também começaram a ser encarados como potencial para o trabalho produtivo (DAKUZAKU, 2001), e em decorrência disso surgiram leis que se preocupavam com a reabilitação e principalmente com a legislação, caso acontecessem acidentes durante o trabalho que “incapacitasse” alguém inserido na atividade. No Brasil, segundo Dakuzaku (2001), foi somente a partir de 1940 que apareceram os primeiros serviços de reabilitação, assim como as primeiras instituições formadas por pessoas com deficiência. Na década de 70, elas próprias começaram a organizar-se em movimentos sociais com o intuito de intervir politicamente na sociedade, falando por si mesmas, e exigindo seus direitos de cidadania. Em 1986, foi criada a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, a CORDE, com o intuito de coordenar as ações interministeriais em torno do grupo. Dessa maneira nota-se cada vez mais crescente a preocupação em se criar regulamentações, associações, e programas cujo intuito seria o de ampliar a sua cidadania no país. Em 2009 a CORDE foi elevada para SNPD, “Subsecretaria Nacional de Promoção dos direitos da Pessoa com Deficiência6”, uma secretaria vinculada 6. Nota-se que o termo sofreu alterações. Quando CORDE, era utilizado “pessoa portadora de deficiência”, agora como SNPD, já foi incorporado o termo preferido pelo próprio grupo em questão, “pessoas com deficiência”..

(27) 21 a Secretaria de Direitos Humanos, e que é responsável pela articulação e coordenação de políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiência. Essa mudança foi realizada, principalmente, após o ratificar a “Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência” em 2008, tido como um marco mundial legal na história das pessoas com deficiência, e que foi responsável, entre outros, por assinalar a mudança da assistência para os direitos, reconhecer a autonomia com o apoio para as pessoas com deficiência e, principalmente, tornar a deficiência uma parte da experiência humana (BRASIL, 2007a). Essa Convenção, feita graças a abertura que a ONU possibilitou para a sociedade civil organizada, se preocupa com os direitos civis e políticos, econômicos, sociais e culturais do cidadão com deficiência. Ou seja, vai muito além do que apenas a definição do que seria uma pessoa com deficiência:. Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas (MAIOR, 2008, p. 21/22).. 2.2 Estudos sobre Deficiência: Do Modelo Médico ao Modelo Social. Estudos abrangendo o tema da deficiência não são muito freqüentes na Sociologia Brasileira. A grande concentração dos trabalhos a respeito encontrase na Sociologia Americana e Inglesa, cada qual com as suas especificidades. Tendo isto em vista, embora o intuito desse trabalho não seja o de analisar esse debate acadêmico, por tratar do tema da deficiência faz-se necessário inserir o leitor nesse campo, e assim será realizada a seguir uma breve retrospectiva a respeito do desenvolvimento desses estudos. A concepção da deficiência como sendo uma variação do considerado normal pela sociedade – visto que o corpo com deficiência somente se delineia ao ser contrastado com uma idéia do que seria um corpo sem deficiência – foi, segundo Diniz (2007), uma criação discursiva do século XVIII. Era vislumbrada como um problema individual, uma expressão de uma restrição de funcionalidade ou habilidade. Enfim, uma tragédia pessoal. Essa idéia é.

(28) 22 bastante calcada nos pressupostos médicos, portanto, é considerado pelos estudos sobre deficiência como o “modelo médico”. Como anteriormente citado, depois de épocas de condenações e até mesmo violências físicas, ocorreu um processo de substituição dessas práticas –. principalmente devido aos avanços da medicina e da consolidação do. modelo médico – e com isso as pessoas com deficiência passaram a ser designadas à instituições de amparo, cuja função primeira seria a de cuidar. Marques (1998), baseando sua análise em Michael Foucault, observa um segundo papel para essas instituições, um papel mascarado cujo intuito seria o de difundir uma imagem estereotipada da deficiência. A prática de internamento das pessoas com deficiência em instituições filantrópicas representaria, dessa forma, uma espécie de condenação, pois atuaria no sentido de favorecer a identificação do desvio, constituindo-se numa política de isolamento social (MARQUES, 1998). O autor ressalta que a instituição de amparo não deve ser vista somente como um lugar de discriminação e controle, pois, representa uma viabilização para a reabilitação das pessoas com deficiência, que uma vez dentro da instituição não sofrem privações ou necessidades específicas, pois suas necessidades mínimas são garantidas. No entanto, as aspirações humanas ultrapassam esse simples suprimento das necessidades básicas, abrangendo também os níveis de realização afetiva, profissional, de lazer, educação, entre outros, e que a instituição de amparo não supre. Assim, nota-se que a sociedade moderna conseguiu substituir velhas práticas discriminatórias (como por exemplo, condenar a morte as pessoas com deficiência), por práticas menos chocantes, mas que continuam com o mesmo grau de eficiência. É a violênvia simbólica a qual se referia Bourdieu (2003), como sendo uma:. violência suave, insensível, invisível à suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em ultima instância, do sentimento (BOURDIEU, 2003, p.7).. A pessoa com deficiência não deixou de ser vista como um ponto fora da curva de normalidade, apenas passaram a ser utilizados canais mais.

(29) 23 sofisticados e eficazes para tratar as questões relativas ao tratamento dos indivíduos desviantes (FOUCAULT apud MARQUES, 1998). Nesse caso, deuse pela exclusão do indivíduo em instituições, utilizando-se saberes médicos, e, assim, ocultando e separando a pessoa com deficiência da sociedade (FOUCAULT, 1987). Em uma tentativa de contrapor-se a esse modelo médico, surgiu na Inglaterra, por volta dos anos 70, os primeiros esboços do que seria futuramente o modelo social da deficiência, principalmente por conta das idéias de Paul Hunt. Os teóricos envolvidos – todos homens com algum tipo de deficiência física – defendiam a idéia de que a experiência da desigualdade só é vivenciada porque a sociedade é pouco sensível a uma diversidade de estilos de vida. Para eles, por exemplo, a dificuldade de locomoção “não deveria ser entendida como uma tragédia pessoal fruto da loteria da natureza, mas como um ato de discriminação permanente contra um grupo de pessoas com expressões corporais diversas” (DINIZ, 2007, p.19). Articularam, então, uma resistência política e intelectual ao antigo modelo médico, que como já explicitado, atribuía à deficiência um problema apenas de nível individual ao invés de entendê-la como uma questão social. Desse modo as causas da opressão e discriminação não estariam nas seqüelas, mas sim, em barreiras sociais, dificultando ou impedindo diversos fatores da vida da pessoa com deficiência (DINIZ, 2007). Assim, segundo o modelo social, as pessoas com deficiência não estão em desvantagem devido a sua lesão, mas como resultado de limitações impostas a elas pelas barreiras sociais, culturais, econômicas e do meio ambiente. De acordo com esse raciocínio, a deficiência não é uma questão de saúde ou doença, mas sim, relacionada com discriminação e exclusão social. Portanto, seria uma questão político-social (DFID, 2000). Faz-se claro a intenção de retirar do indivíduo a responsabilidade pela opressão até então experimentada e transferi-la para a incapacidade social de prever e incorporar a diversidade existente. O modelo social da deficiência, por acreditar então que as desvantagens estavam mais relacionadas com as barreiras do que com a lesão, deixa claro que a partir do momento em que essas barreiras fossem retiradas, a pessoa com deficiência seria completamente independente. As idéias desse modelo se.

(30) 24 basearam no marxismo, pois quem se beneficia nessa relação é o capitalismo: as pessoas com deficiência cumprem sua função econômica, como parte do exército de reserva, e também uma função ideológica, pois são mantidos numa posição de inferioridade. Logo, de acordo com Diniz (2007), se para o modelo médico o problema era a lesão em si, para o modelo social, a deficiência resultaria de um ordenamento político e econômico do capitalismo, o qual possui um pressuposto de sujeito produtivo ideal. De acordo com DINIZ (2007), princípios como o cuidado ou benefícios compensatórios para a pessoa com deficiência não estavam na agenda de discussões, já que se pressupunha que eles eram pessoas tão potencialmente produtivas como as pessoas sem deficiência, sendo apenas necessária a retirada das barreiras para o seu desenvolvimento. Num segundo momento, o modelo social da deficiência passa por uma reestruturação. Ocorre graças a entrada de abordagens pós-modernas e de críticas feministas nos anos 1990 e 2000, e ficou intitulado como segunda geração do modelo social. Essa segunda geração deixou claro que se forem considerados os papéis de gênero e a experiência do cuidado, muitos pilares do modelo social da deficiência seriam desestabilizados (DINIZ, 2007; SHAKESPEARE & WATSON, 2002). Nesta linha são inseridos debates a respeito do cuidado, da dor, da lesão, da dependência e também da interdependência, todos considerados aspectos chaves para a vida da pessoa com deficiência:. Levantaram a bandeira da subjetividade do corpo lesado, discutiram o significado da transcendência do corpo por meio da experiência da dor, e assim forçaram uma discussão não apenas sobre a deficiência, mas sobre o que significava viver em um corpo doente ou lesado (DINIZ, 2007, p.60).. A abordagem do segundo modelo, mais subjetiva, diferentemente do primeiro, não se embasou apenas nos discursos das próprias pessoas com deficiência, mas também, nas pessoas que possuem o papel de “cuidadoras”. O debate começou a considerar novos aspectos, como a dor, e o que significaria viver em um corpo lesionado. No entanto, não surge no sentido de encerrar as discussões realizadas pelos primeiros teóricos, mas sim, no de.

(31) 25 complementar/aprimorar, pois de acordo com o segundo modelo, são as estruturas sociais que oprimem as pessoas com deficiência (DINIZ, 2007). A autora acredita que a discordância principal com relação a primeira geração é a respeito do argumento de que a eliminação das barreiras permitiria a demonstração de toda a capacidade e potencialidade produtiva, ou seja, uma total independência. Para a segunda geração isso seria ser insensível a diversidade de experiências, pois alguns casos de deficiência jamais terão habilidades para a independência (como é o caso de algumas deficiências intelectuais). É importante analisar subjetivamente, e reconhecer que o corpo lesado impõe dor ou sofrimento, afinal, em algum momento da vida todas as pessoas são dependentes, seja na infância, na velhice ou na experiência de doenças, e, portanto, a idéia da igualdade pela interdependência demonstra-se como um princípio mais adequado para reflexão do que a idéia de independência. Os seus argumentos baseiam-se principalmente na crítica ao princípio da igualdade pela independência, na emergência do corpo com lesões e na discussão sobre o cuidado. Para as feministas, apenas focar na idéia de que os limites são sociais e não dos indivíduos, não representaria a totalidade de demandas por justiça dos diferentes grupos de pessoas com deficiência, a saber: física, visual, auditiva, mental e orgânica. E logo, apenas eliminar as barreiras não seria suficiente para alguns tipos de deficiência: há pessoas com deficiência que jamais terão habilidades para a independência ou capacidade para o trabalho, não importa o quanto as barreiras sejam eliminadas (DINIZ, 2007; DEWSBURY, 2004). O valor importante nesse caso é o da interdependência. O segundo modelo acredita que existem desigualdades de poder no campo da deficiência que não serão resolvidas por ajustes arquitetônicos, e assim: “apenas princípios da ordem das obrigações morais, como o respeito dos direitos humanos, serão capazes de proteger a vulnerabilidade e a dependência experimentadas por muitos deficientes” (DINIZ, 2008, p.69). Tendo essa discussão em vista, este trabalho caminha em conjunto com a idéia de interdependência, proposta pela segunda geração do modelo social, principalmente por estar de acordo de que para algumas formas de deficiência a total independência não seria possível, e logo, não faz razão seguir um.

(32) 26 modelo que não contemple a todas. No entanto, isso não significa que se deve parar de pensar na eliminação das barreiras (qualquer tipo de barreira), pois a existência destas demonstra que não estão sendo respeitados os diferentes modos e estilos de vida existentes.. O modelo social britânico têm sido uma base excelente para o movimento político, mas hoje é uma fundamentação antiquada para uma teoria social. Esse modelo social foi um projeto moderno, construído em bases marxistas. O mundo, e o modelo social, passou a diante, e nós precisamos aprender com os outros movimentos sociais, e com novas perspectivas teóricas, particularmente as do pós-estruturalismo e do pósmodernismo. Acreditamos que a idéia de que todos temos uma incapacidade, não apenas as pessoas com deficiência, é uma idéia importante e de longo alcance para a sociedade, com maiores implicações para a intervenção médica e social no século 21 (SHAKESPEARE & WATSON, 2002, p.29)7.. 2.3. Do estigma a exclusão social. O termo “estigma” originou-se na Grécia para denominar sinais corporais que evidenciavam algo de ruim sobre o status moral do sujeito, e, portanto, uma pessoa marcada deveria ser evitada, principalmente na vida pública. Atualmente, o termo continua sendo utilizado semelhantemente ao sentido original, com a ressalva de que agora ele se refere mais a própria situação do indivíduo do que a sua evidência corporal (GOFFMAN, 1988). O estigma aparece em público, principalmente com os contatos mistos8, onde há uma relação entre o atributo (sinais) e o estereótipo, resultando em uma depreciação da pessoa estigmatizada frente à sociedade e possivelmente dela consigo mesma. Para o autor, isso acontece porque a sociedade estabelece os meios de categorizar os indivíduos e o total de atributos. 7. Tradução livre. No original: The British social model has been an excellent basis for a political movement, but is now an inadequate grounding for a social theory. This social model was a modernist project, built on Marxist foundations. The world, and social theory, has passed it by, and we need to learn from other social movements, and from new theoretical perspectives, particularly those of post-structuralism and post-modernism. We believe that the claim that everyone is impaired, not just „disabled people‟, is a far-reaching and important insight into human experience, with major implications for medical and social intervention in the twenty-first century (SHAKESPEARE & WATSON, 2002, p.29). 8 Denominados por Goffman (1998) como o encontro entre uma pessoa com estigma e uma pessoa dita “normal”..

(33) 27 considerados comuns e naturais para cada categoria, para assim, ao estabelecer contatos com “outras pessoas” não precisar de atenção ou reflexão particular, pois já são relações previstas. No contato misto, isso não acontece, pois num primeiro momento, surge o problema de muitas vezes não saber como lidar com a pessoa, pois esta foge dos padrões previsíveis de sociabilidade e normalidade, já que os sinais visíveis – o estigma – estão presentes à primeira vista, na maioria das pessoas com deficiência, principalmente na deficiência física. No entanto, logo após esse momento, é criado um novo padrão de como se relacionar, e isso ocorre de uma forma estigmatizadora, transformando essa relação em previsível também. É a própria sociedade quem estabelece os meios de categorizar as pessoas, e quais atributos serão considerados comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias. Ao ver um estranho, se surgir evidências de que ele possui um atributo que o torne diferente – um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem – deixa-se de considerá-lo normal, reduzindo-o e diminuindo-o (GOFFMAN, 1988). Ele possuiu um estigma, uma característica distinta do previsto. Dessa forma, serão as expectativas do meio que determinarão a diferença entre pessoas com deficiência e pessoas sem. Um dos principais problemas decorrentes disso é o risco da pessoa com deficiência tornar-se reduzida a sua deficiência, ou seja, ao interiorizar os padrões dominantes, pode começar a ficar envolta numa idéia de invalidez, esquecendo-se de suas potencialidades individuais, já que sua inclusão na sociedade é comprometida e suas possibilidades de realização através de práticas sociais rotineiras são minimizadas (BOURDIEU, 1998; MARQUES,1998; SAETA, 1999). Há, devido aos avanços conquistados pelo próprio movimento das pessoas com deficiência, um contexto social distinto de épocas passadas, onde podemos notar maior presença delas na vida pública, posto que aprovaram uma série de leis visando garantir direitos na educação, no mercado de trabalho, na saúde, entre outros. Essa mudança se deve em grande parte aos debates que surgiram tanto no Brasil, como no mundo. Contudo, as políticas sociais por muitas vezes se mostram insuficientes ou então são formadas a partir de uma visão bastante parcial com relação às transformações.

(34) 28 necessárias a participação das pessoas com deficiência na vida social (MARTINS, 2004). A inserção no trabalho, por exemplo, é algo difícil a ser alcançado, pois, de acordo Marques (1998) as noções de capacidade e incapacidade norteiam o modo atual pelo qual as pessoas com deficiência são vistas no mundo 9, e estão conectadas à idéia de produção. Por teoricamente não produzirem, são colocadas numa condição de inferioridade e de incapacidade produtiva, fato que gera uma estratificação, com limites claros a respeito das suas possibilidades de realização profissional. Existe nesse caso, uma não dissociação da condição de indivíduo com a condição de produção, logo, ter uma deficiência acaba significando ser não produtivo, ou seja, não adequado: “um inválido e, conseqüentemente, um ser digno apenas de caridades marginalizadoras e humanamente humilhantes” (MARQUES, 1998, p.107). Então, apesar da legislação em vigor determinar percentuais de contratação de pessoas com deficiência, isso ainda está longe de se concretizar. Segundo Teixeira (2007) o mito da limitação precisa ser desconstruído: é necessário pensar no paradigma da diversidade, no qual as pessoas. apresentam. um. potencial. a. ser. desenvolvido,. e. merecem. investimentos. Contudo o autor alerta, que não devem ser pensadas apenas em contratações por obrigação, mas sim em contratações que envolvam postura ética, o exercício das diferenças e de desconstrução do preconceito (TEIXEIRA, 2007). A idéia de Santos (1995) de exclusão e desigualdade permeia esse debate com relação à inserção no trabalho, por se tratar de diferentes processos de hierarquização. Existe uma diferença de significados com relação as duas: No sistema de desigualdade, a pertença dá-se pela integração subordinada enquanto que no sistema de exclusão a pertença dá-se pela exclusão. A desigualdade implica um sistema hierárquico de integração social. Quem está em baixo está dentro e a sua presença é indispensável. Ao contrário, a exclusão assenta num sistema igualmente hierárquico, mas dominado pelo princípio da exclusão: pertence-se pela forma como se é excluído. Quem está em baixo, está fora. Estes dois 9. Há inúmeros debates a respeito da deficiência, e estes variaram de época para época, com “uma infinidade de concepções, que foram se alternando de acordo com as visões de mundo, de homem, de sociedade e de moralidade de cada região e em diferentes intervalos de tempo” (MARQUES, 1998, p.105)..

(35) 29 sistemas de hierarquização social, assim formulados, são tipos ideais, pois que, na prática, os grupos sociais inserem-se simultaneamente nos dois sistemas em combinações complexas (SANTOS, 1995, p. 2). (grifo meu). Logo, se pegarmos o caso das pessoas com deficiência, em sua maioria, temos que o grupo sofre mais processos de exclusão: por não participar realmente da vida em sociedade, não estão integrados. Mesmo porque, as relações de desigualdade são calcadas no fenômeno sócioeconômico, e as pessoas com deficiência estão se inserindo somente ultimamente no campo do trabalho, e basicamente devido a presença de cotas nos concursos públicos, ou por leis trabalhistas. Resumindo, as empresas são obrigadas pela legislação a empregar o grupo, logo, eles não são essenciais como mão de obra, são essencias apenas para que as empresas não sofram prejuízos financeiros com as multas advindas do não cumprimento da lei. Dessa forma, se partirmos da ótica de Santos, as pessoas com deficiência estariam mais familiarizadas com as relações de exclusão do que de desigualdade. Martins (2002) vai além, para o autor. Excluído é apenas um rotulo abstrato, que não corresponde a nenhum sujeito de destino: não há possibilidade histórica nem destino histórico nas pessoas e nos grupos sociais submetidos a essa rotulação. Excluídos e exclusão são construções, projeções de um modo de ver próprio de quem se sente e se julga participante dos benefícios da sociedade em que vive e que, por isso, julga que os diferentes não estão tendo acesso aos meios e recursos a que ele tem acesso. O discurso sobre a exclusão é o discurso dos integrados, dos que aderiram ao sistema, tanto à economia quanto aos valores que lhe correspondem (MARTINS, 2002, p.30/31).. Dessa forma, para muitas realidades, não podemos nem ao menos afirmar que a pessoa com deficiência seja excluída, mas sim, possuídora de uma vivência constituída por múltiplas e dolorosas experiências constantes de privações, anulações e também de inclusões enganadoras (Martins, 2002)..

(36) 30. 2.4 A pessoa com deficiência física. Segundo os dados do IBGE de 2000, temos no Brasil algo em torno de 24.600.256 pessoas com deficiência. Entre elas, estima-se que existam 1.416.060 pessoas com algum tipo de deficiência física, como tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente, e 7.939.784 pessoas com algum tipo de deficiência motora, ou seja, com alguma ou grande dificuldade permanente de caminhar ou subir escadas. Neste trabalho serão considerados ambas, tanta a física como a motora, correspondendo a um total de 9.355.844 pessoas, mas nos referiremos a elas principalmente como deficiência física. Assim, serão consideradas pessoas com deficiência física e motora, aquelas que possuem “impedimentos de natureza física, os quais em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas” (MAIOR, 2008, p. 21/22). Entre as causas, o leque de possibilidade é grande, podendo estar relacionadas a problemas genéticos, complicações da mãe na gravidez, doenças infantis, acidentes etc. As pessoas com deficiência física, por possuirem na maioria das vezes, um estigma, uma marca corporal bastante evidente, são umas das que mais sofrem preconceito, principalmente porque vivemos em uma época em que o corpo, e o culto ao corpo escultural e saudável é demasiadamente valorizado. E seu corpo é antagônico ao corpo buscado (FONTES, 2002), com um estigma bastante evidente (GOFFMAN, 1988). Também, são uma das que sofrem na interação com o meio construído, devido ao recorte de classe e a falta de acessibilidade presente na grande maioria do território brasileiro. Vejamos melhor esses argumentos, a seguir..

(37) 31 3. Os lugares e a pessoa com deficiência física. Este terceiro capítulo consiste na discussão a respeito da interação entre o lugar e a deficiência. Para tal, trataremos primeiramente do desenvolvimento desordenado da maioria das grandes cidades: um dos fatores responsáveis para a formação de lugares periféricos – locais aonde a rede urbana e a rede de serviços só são reais para outras pessoas (SANTOS, 1987). Também abordaremos partes constituintes desses lugares, como as condições de acessibilidade existentes na via pública e as casas, com seu significado simbólico e concreto para a pessoa com deficiência física.. 3.1. Conceituando Lugar. O conceito de lugar é um conceito complexo, com inúmeras maneiras de ser analisado. No entanto neste estudo parte-se da noção de que lugar possui uma dimensão mais subjetiva na relação entre homens com o seu espaço, e que em geral implica em processos de identificação e relações de identidade (HAESBAERT, 2002). Seria segundo o antropólogo Marc Augé, uma construção concreta e simbólica do espaço, um princípio de sentido para aqueles que o habitam e um princípio de inteligibilidade para os que o observam (AUGÉ apud HAESBAERT, 2002). Portanto, o lugar não é tratado simplesmente como uma mera questão de escala, pois acaba por traduzir todo um contexto de interação e significado: o que começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e, assim, o dotamos de valor (TUAN apud HAESBAERT, 2002). Portanto, caracterizar o lugar é importante porque as interações ocorrem necessariamente em algum lugar, mas elas próprias o vão modelando, na medida em que fronteiras físicas são classificações que resultam da dominação simbólica e material de grupos e indivíduos. Dessa forma, a disposição do espaço não deve ser entendida como um dado por si só, mas sim, uma relação social hierárquica entre as parcelas da população, decorrendo da distribuição desigual de bens materiais e simbólicos (BOURDIEU, 1997)..

(38) 32 3.2 A problemática habitacional. Bem ou mal, de algum modo, improvisado ou não, todos os 138 milhões de habitantes moram em cidades (Maricato, 2001, p.16).. Variados fatores contribuíram e contribuem para o panorama atual das grandes cidades, e conseqüentemente, para a ampliação das chamadas áreas periféricas e suas conjunturas atuais. Um deles, sem sombra de dúvidas, é a concentração populacional, que se intensificou a partir da segunda metade do século XX. Nesse sentido, se em 1940 tinha-se uma população urbana constituída por 26,3% da população total, em 2000 este número passou para 81,2%, ou seja, em 60 anos a população urbana passou radicalmente de uma minoria para a grande maioria (MARICATO, 2001; 2006). Desse processo, são várias as resultantes negativas. O fato das cidades não desenvolverem de forma suficiente a capacidade para atender a toda população é uma delas, culminando num aprofundamento da desigualdade numa sociedade já desigual, e acentuando aspectos como desemprego, violência e défict habitacional (MARICATO, 2001; 2006) Aos que não conseguem se inserir restam padrões de ocupação que são caracterizados pela:. produção da moradia em sistema de autoconstrução; pela circunscrição em loteamentos irregulares em terrenos susceptíveis em encostas, fundos de vale e varzeas; pela limitação dos equipamentos públicos na localidade, principalmente relacionados ao saneamento, entre outros (VALENCIO et. al 2008, p.4).. Enfim, tem-se que o problema da habitação hoje, provavelmente, seja um dos mais graves nas cidades brasileiras, evidenciando a desigualdade social ao compararmos as áreas mais habitadas pela população pobre com os bairros de elite, que ocupam regiões mais valorizadas. Maricato (2001), ao fazer uma análise geral de todo o processo, conclui que embora a urbanização tenha se constituído como um dos caminhos para a modernização, ela não caminhou na direção contrária do Brasil arcaico, apenas recriou o atraso com.

Referências

Documentos relacionados

As medidas antiparasitárias devem está voltadas principalmente para os animais jovens de até 2 anos de idade, com tratamento a cada 30, 60 ou 90 dias conforme infestações.

Tendo como parâmetros para análise dos dados, a comparação entre monta natural (MN) e inseminação artificial (IA) em relação ao número de concepções e

Após a receção das propostas apresentadas pelos concorrentes acima indicados, o Júri decidiu não admitir a concurso as Propostas do concorrente “Oficina da Inovação, S.A” por

Quanto às suas desvantagens, com este modelo, não é possível o aluno rever perguntas ou imagens sendo o tempo de visualização e de resposta fixo e limitado;

A tendência manteve-se, tanto entre as estirpes provenientes da comunidade, isoladas de produtos biológicos de doentes da Consulta Externa, como entre estirpes encontradas

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

Estudo de caso (ações do coletivo Lupa) Questionários Quanto aos procedimentos Pesquisa Básica Quanto a Natureza Registros fotográficos Quanto ao método

The present study evaluated the potential effects on nutrient intake, when non- complying food products were replaced by Choices-compliant ones, in typical Daily Menus, based on