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RECONSTRUÇÃO DE ÁREAS AGRÍCOLAS NO SEMIÁRIDO PARAIBANO: UM ENFOQUE HISTÓRICO AMBIENTAL

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RECONSTRUÇÃO DE ÁREAS AGRÍCOLAS NO SEMIÁRIDO PARAIBANO: UM ENFOQUE HISTÓRICO AMBIENTAL1

RESUMO

Na década de 1960 difundiu-se na Europa o conceito de Ecologia. Resultado de vários “movimentos verdes” que ocorreram naquela década. Na época estava surgindo uma preocupação com a Natureza, com o fim dos recursos naturais e com maneiras alternativas para os seres humanos sobreviverem em áreas difíceis do planeta. A Agroecologia tem suas origens na década de 1980 e é um desdobramento desta discussão. Especialmente no Nordeste do Brasil, no qual a população sofria com a seca e a falta de ações políticas eficientes para resolver os problemas da região, era comum que as pessoas migrassem para região Sudeste, escapando deste fenômeno natural, tentado garantir sua sobrevivência. A Caatinga, o único bioma exclusivamente brasileiro, era vista como uma área inóspita para os humanos. Essa idéia tem mudado desde 1980 com a sensibilidade criada no que concerne ao Ambiente e, em conseqüência, muitas leis e ações que se preocupam com a proteção da Natureza e dos recursos naturais do país e do Planeta tem sido criadas. Na região Nordeste, por causa do clima quente e seco, e da acessibilidade aos recursos hídricos, o desenvolvimento de maneiras de sobreviver no semiárido é um discurso apropriado não apenas por ONGs, mas também pelo Governo, que estimula as pessoas a ficarem na área através de projetos que usam técnicas simples, mas eficientes responsáveis por manter uma boa qualidade de vida na região e pelo acesso aos recursos hídricos. Tais ações permitem que os habitantes locais tenham uma melhor relação com a Natureza e garantem os recursos quem precisa para sobreviver sem exaurir o Ambiente. A Agroecologia aparece como uma das soluções para manter os habitantes do Nordeste na sua Região respeitando o seu bioma e extraindo dele os recursos necessários. Dando a essas pessoas a possibilidade de viver em harmonia com o Ambiente no qual está inserida.

Palavras chaves: Agroecologia, Caatinga, recursos naturais, Semiárido. ABSTRACT

In the 1960s in Europe spread the concept of ecology. Results of several "green movements” that occurred in that decade. At the time was an emerging concerning about Nature, about the end of the natural resources, and about alternative ways for the man to survive in difficult areas of the planet. The Agroecology has its origin in the 1980´s decade as a development of this discussion. Specially in Northeast of Brazil, in which the population suffers with the drought and the lack of efficient political actions to solve the problems of the region, people were used to migrate to the Southeast region escaping from this natural phenomenon in order to survive. The Caatinga, the only biome that is exclusively Brazilian, was seen as a very inhospitable area for the man. This idea has changed since 1980 with the sensibility created concerned to the Environment and, in consequence, a lot of laws and actions that cared about the protection of the Nature and of the natural resources of the Country and of the Planet has been created. In Northeast region, because of the dry and hot weather, and the difficult access of the population for the water, the development of alternative ways to survive in the semiarid is a discuss appropriated not only by the ONGs, but also by the Government that stimulates the people to stay in the area throught projects that use simple but efficient techniches responsible for keeping a good quality of life in this Region and for the access of the water for the people. Such actions permit the man to have a better relation with the Nature and guarantee the sources he needs to survive, but they do not explore the nature in an exhausting way. The Agroecology appears as one of the solutions for keeping the Northeast man in his region, respecting its biome and extracting of it the resources he needs. It gives the man the possibility of living in harmony with the Environment in with he is inserted in.

Key words: Agroecology, “Caatinga”, natural resources, Semiarid.

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Rozeane Albuquerque Lima (Licenciada em História, Letras e Direito – UEPB; Mestranda em História – UFCG).

rozeanelima@hotmail.com; Cristian José Simões Costa (Licenciado em Ciências Biológicas – UEPB; Cursando Especialização em Geografia e Gestão Ambiental na FIP/Faculdades integradas de Patos-PB). cristiancosta@hotmail.com; Edson Silva (Doutor em História Social –UNICAMP; Leciona no Programa de Pós-Graduação em História – UFCG - e no Centro de Educação/Col. de Aplicação-UFPE).edson.edsilva@hotmail.com.

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1. INTRODUÇÃO

As astúcias que o ser humano utiliza para burlar as instituições e estruturas sociais (CERTEAU, 1998), não podem ser usadas na sua relação para com o Ambiente. A Natureza tem tido um tempo de resiliência muito pequeno, e as consequências são sentidas nas formas de ocupar o Planeta e em muitos dos problemas socialmente enfrentados.

A relação de exploração humana para com a Natureza se intensificou com o desenvolvimento da agricultura e a domesticação de animais. “A agricultura intensiva possibilitou todo tipo de males modernos. Rasgou a terra para alimentar populações cujas demandas (por necessidade ou por luxo) provocaram mais inovações tecnológicas que, por sua vez, ao exaurir os recursos naturais, impulsionaram mais e mais o ciclo exasperado de exploração ao longo de toda a história do Ocidente” (SCHAMA, 1996, p. 23-24). Some-se a esses fatores uma sociedade sedentária, produtora de resíduos orgânicos e inorgânicos, e tem-se a origem de um desequilíbrio ambiental.

Pensar a história do ser humano enquanto ser social implica em pensar a utilização dos recursos naturais finitos, ou não renováveis em curto prazo, para atender às demandas da sociedade. No mundo contemporâneo, no ano de 2011, de acordo com a Global Footprint Network (ONG que mede a pegada ecológica2), desde o dia 27 de setembro, a humanidade superou todos os recursos que a Natureza é capaz de oferecer de forma sustentável no período de um ano.

O Brasil se insere neste contexto de uma forma mais intensa desde a chegada dos colonizadores portugueses que, já em seu primeiro ato simbólico para com a Natureza, derrubaram uma árvore para com ela fazer a cruz da Primeira Missa. A forma de colonização à qual o Brasil foi submetido fez com que os ciclos econômicos brasileiros fossem marcados pelo aumento na devastação do Ambiente (DEAN, 1996).

Em um recorte mais contemporâneo, a década de 1960 traz uma construção nova para o discurso histórico: o conceito de Ecologia, surgido com os “movimentos verdes” e com a preocupação com a poluição causada pelo crescimento das cidades, provocado pela

2A expressão Pegada ecológica é uma tradução do Inglês ecological footprint e refere-se, em termos de divulgação ecológica, à

quantidade de terra e água que seria necessária para sustentar as gerações atuais, tendo em conta todos os recursos materiais e energéticos gastos por uma determinada população.

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explosão demográfica e pelo êxodo rural intensificados neste período. Esse adensamento populacional desordenado trouxe problemas de impactos ambientais causados pela urbanização de novas áreas: “(...) Como resultado dessa expansão, processos geomorfológicos são alterados, e, em consequência, cheias, ravinas, voçorocas e desabamentos passam a constituir problemas afetando toda a comunidade” (DEL GROSSI, 1991, p.109).

Como citado anteriormente, com o surgimento do conceito de Ecologia aflorou a preocupação com vários aspectos da Natureza: A utilização dos recursos naturais, inicialmente atrelada ao discurso de exploração de riquezas naturais das nações, no Brasil demonstrada através da preocupação do primeiro Código Florestal, em 1934 em gerir o uso destes recursos ao largo de todo o Território Nacional, é agora vista como uma preocupação pela sua possibilidade de finitude. Para tanto se escreve um novo Código Florestal em 1965, com a sensibilidade de preservar e proteger Ambiente.

Nas duas décadas que se seguem, 1970 e 1980, surgiu a preocupação no que toca à sustentabilidade do Planeta. Iniciou-se então debates em torno da redução, da reutilização e da reciclagem de produtos na perspectiva de reduzir o consumo e preservar os recursos naturais. Aliado a esses debates, surgiu uma preocupação em gerir o crescimento econômico de forma que haja uma política de preservação dos biomas, garantindo a convivência das populações locais com o Ambiente em uma relação de simbiose.

A partir de então foi promulgada uma ampla legislação com esse foco em nível nacional e internacional: a Declaração de Estolcomo -1972, a Política Nacional do Meio Ambiente - Lei 6.938/81, a Agenda 21 - Rio-92, a Política Nacional dos Recursos Hídricos – Lei 9.433/97, as resoluções do CONAMA e a Política Nacional de Resíduos Sólidos - Lei 12.305/2010 estão entre os principais aparatos legais que exemplificam a preocupação brasileira com a gestão de seus recursos, a proteção de seu Ambiente e o desenvolvimento de projetos com foco na sustentabilidade. É nesse contexto que se desenvolve a Agroecologia.

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A ocupação portuguesa no Brasil se deu inicialmente no espaço atualmente conhecido como Nordeste. O lugar foi palco, dentre outras degradações ambientais, da derrubada da Mata Atlântica para a introdução da monocultura da cana de açúcar. A distribuição da terra foi feita, em grande medida por troca de favores, em grandes latifúndios, necessários para a lavoura canavieira. A imagem desta área criada até o século XVIII é a de um espaço agrário próspero, capaz de produzir para exportação e alinhado com os principais interesses de mercado da época. O intenso comércio de escravos, que mantinha a oferta de mão de obra na região em alta, e o envio do açúcar para Portugal, garantia o crescimento econômico das terras dos senhores de engenho.

Foi a necessidade de terras para a expansão da pecuária, desenvolvida de forma extensiva, necessitando também de grandes espaços, longe das lavouras de cana de açúcar, que fez com que o europeu lentamente adentrasse o território brasileiro (ANDRADE, 1986, p.147) rumo ao Sertão e se deparasse com uma paisagem completamente diferente da existente no litoral: um clima mais quente, uma vegetação caducifólia, um solo arenoso e impermeável e um regime de chuvas irregular.

Abre-se aqui um parêntese para a análise da expansão da criação dos rebanhos bovinos, antes situados na Mata Atlântica, nunca em quantidade expressiva, mas, que foram, sendo substituídos pela monocultura da cana e, assim, expelidos para o interior. Outro fato importante e talvez polêmico na contemporaneidade, pela justificativa da geração de renda e pela própria cultura do couro, é a criação de caprinos, animais perfeitamente adaptados a este ambiente quente e seco, mas que contribuiu para o aumento da degradação ambiental. Calcula-se que dos 9,5 milhões de caprinos existentes no Brasil em 2003 cerca de 8,5 milhões estariam na região Nordeste. (PÁDUA, 2009, p.139).

O processo de ocupação desse espaço impulsionado pela criação de rebanho bovino e caprino, têm causado grande devastação na região. Calcula-se que a vegetação do bioma sobreviva em apenas 32% da área original, mesmo assim em condições de forte fragmentação. Cerca de 35% da área encontra-se extremamente modificada, enquanto outros 17% são classificados como muito modificados (PÁDUA, 2009, p.139).

Quando a lavoura da cana de açúcar brasileira entrou em declínio e o eixo de interesse econômico passou para o Sudeste, com as plantações de café, a paisagem do Nordeste

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mudou: O espaço não foi mais pensado como um extenso campo de plantação de cana, visto com prosperidade pela elite local e pelos estrangeiros. Com a decadência dos engenhos e no âmago de encontrar soluções econômicas para viabilizar a sobrevivência na região, expandiu-se de forma mais acelerada a ocupação em direção ao Sertão. Ao longo do Século XIX o europeu ocupou e explorou mais intensamente esse espaço, modificando a sua paisagem. O Nordeste vai, aos poucos, sendo construído como discurso que será, mais adiante, institucionalizado e manipulado.

3. A INVENÇÃO DO NORDESTE: DAS OBRAS CONTRA A SECA AO SEMIÁRIDO SUSTENTÁVEL

Pensar o recorte geográfico do Nordeste brasileiro implica fundamentalmente em discorrer sobre a construção cultural que se deu em torno do tema e as diferentes implicações que ela teve para os que habitam este espaço. Um olhar mais cuidadoso permite distinguir realidades bem específicas em torno das quais o discurso acerca do Nordeste foi moldado e a construção de uma identidade forte foi feita a partir da homogeneização forçada de determinados aspectos cotidianos de uma parcela mínima da população da Região.

Era comum a população do Nordeste do Século XX se aventurar em direção a outras regiões do Brasil para “escapar” da seca. Como exemplo tem-se a migração para o Centro-Oeste no período da construção de Brasília: Os paus-de-arara, caminhões abertos, cobertos com lona e adaptados para o transporte de pessoas durante vários dias, na poeira e calor, conduziam não só indivíduos, mas sonhos de uma vida melhor. A imagem construída através do discurso, do Polígono das Secas, se (con)fundia com a do Nordeste brasileiro e impulsionava essa migração. Imagens de um Nordeste pobre, atrasado, rural, arcaico, com clima hostil à sobrevivência humana eram difundidas interna e externamente à região (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011).

Se o eixo de migração Nordeste- Sul ou mesmo o eixo interior-capital já era acentuado na região, fato semelhante acontecia nas propriedades rurais. O êxodo campo-cidade acelerou o crescimento dos centros urbanos, acompanhado pela explosão demográfica intensificados neste período.

Alguns habitantes de várias localidades no Nordeste insistiam em continuar sua vida em uma Região considerada pobre e que não apresentavam políticas de desenvolvimento

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satisfatórias, apenas paliativas em época de estiagem, não ofereciam segurança ao longo do tempo. Programas federais e instituições públicas como o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), organizado em 1945 e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) fundada em 1959, foram criados em uma perspectiva desenvolvimentista e tinham projetos fomentados pelo Governo Federal tendo como um dos objetivos para a região Nordeste resolver o “problema da seca”. A seca era tratada então como um problema a ser combatido, sem que se observasse que a região semiárida apresenta características típicas de um bioma (a Caatinga) que poderiam ser transformadas em outras formas de crescimento e desenvolvimento compatíveis com o seu Ambiente.

A perspectiva de possibilidade de convivência com o semiárido é inaugurada a partir do trabalho de ONGs e associações comunitárias frente à falência do modelo desenvolvimentista, através da utilização de saberes múltiplos, onde são consideradas as expressões socioculturais do povo dessa Região, as características do solo, o regime irregular de chuvas, a biodiversidade local, entre outros. Posteriormente, o próprio Governo incorporou os discursos e práticas dessas ONGs e organizações comunitárias.

O discurso da sustentabilidade surgiu atrelado aos questionamentos feitos sobre o conceito de desenvolvimento, geralmente medido pela renda per capita e pelo PIB de cada nação, sem considerar outros fatores tais como a distribuição de renda e a qualidade de vida da população. A Organização das Nações Unidas estipula então o Índice de Desenvolvimento Humano, baseado em fatores qualitativos de uma determinada nação para melhor definir o que seria um desenvolvimento sustentável (VEIGA, 2008).

Alinhado a esse discurso da sustentabilidade em nível mundial, a EMPRABA inaugura aqui no Brasil pesquisas com o intento de provar que é possível conviver com o Semiárido. O discurso sobre o Nordeste brasileiro tomou outra dimensão. Já não se fala mais em migração para o Sul como redenção aos problemas que afetam a população nordestina. Criam-se condições para que a população conviva bem no espaço onde mora.

A criação do Instituto Nacional do Semiárido – INSA e da Articulação do Semiárido – ASA, reforçam a idéia de convivência e sustentabilidade nesta região, buscando alternativas para resolver os problemas que afetam a população, em que pese também as decisões do Programa de Aceleração do Crescimento/PAC do Governo Federal que,

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através de suas obras, fomentam projetos dessa natureza. Um novo discurso sobre o Nordeste brasileiro aflora e convive como uma alternativa ao discurso criado e institucionalizado anteriormente. Perceba-se que um discurso não é excludente do outro, são perspectivas e visões diferentes sobre o mesmo Espaço.

O desenvolvimento sustentável para a Região Nordeste é pensado a partir da perspectiva do ecorregional e do hidrográfico. Do ponto de vista das grandes bacias hidrográficas em que a Transposição do Rio São Francisco é apontada como a solução para um dos grandes problemas que afetam a população do Semiárido, que é a irregularidade do regime pluviométrico e a consequente escassez hídrica. Muitas são as críticas aos impactos dessa Transposição e aos reais beneficiados a serem alcançados com esse projeto governamental faraônico.

Atualmente encontra-se em algumas regiões do Semiárido nordestino, água praticamente o ano inteiro, solo com reserva orgânica, grande diversidade na fauna e na flora e uma melhor qualidade de vida para seus habitantes. Essas características, no entanto, ainda não condizem com o que é presenciado na maior parte da Região. Tal problema é causado por ignorância ou por má gestão, fruto de um processo de colonização que perdura até os dias atuais, em que o caráter exploratório, em detrimento do simbiótico, de uma população têm provocado danos ambientais em escalas globais.

4. NOVOS PARADIGMAS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: A AGROECOLOGIA

Pensar que o ato parasitário humano para com a Natureza é recente é um engano, pois o grego Teosfrasto (372 – 287 a. C.) já apontava a diminuição das chuvas na Grécia relacionando-a à destruição das florestas. Assim, a sociedade capitalista contemporânea não foi a primeira a alterar o meio natural com ações e práticas destrutivas. É claro que ela o faz em uma amplitude nunca antes existente. (DUARTE, 2005, p. 38).

A construção da imagem do Nordeste seco, pobre e com uma vegetação frágil é bastante antiga. O naturalista viajante alemão Carl Von Martius em 1824 já classificava a Caatinga como “terras áridas, pobres em fontes e cujos rios secam durante o verão” (Martius, 1824). No entanto, é importante observar que a Caatinga apresenta belezas e riquezas naturais de um bioma exclusivamente brasileiro, com uma grande biodiversidade na sua fauna e flora

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apresentando 932 espécies (380 endêmicas), além de 185 espécies de peixe, 107 de répteis, 348 de aves e 148 de mamíferos (PÁDUA, 2009 p. 138).

Com o discurso do desenvolvimento sustentável, surgem novos problemas a serem resolvidos na relação humana para com a Natureza, dentre os quais a questão dos agrotóxicos perpassa a discursão da agroecologia de uma forma muito próxima. Vejamos:

Caporal afirma que: “A Segurança alimentar, segundo o conceito adotado no Brasil, supõem não só a oferta e acesso aos alimentos, mas a alimentos de melhor qualidade biológicos, não contaminados, que façam bem à saúde e à nutrição das pessoas. Não obstante, as pesquisas sistemáticas, que vêm sendo feitas pela ANVISA, têm mostrado que estamos comendo alimentos contaminados.” Os cientistas inventaram a história da “dose diária aceitável”, uma quantidade de veneno ao qual o nosso organismo seria tolerante, cientificamente calculada. Como resultados, os problemas de saúde associados à contaminação por agrotóxicos se multiplicam. (CAPORAL, 2004, p.6). Ainda sobre esses novos paradigmas Leff afirmou que:

A problemática ambiental questiona muito mais a fundo a racionalidade da civilização moderna”... “questiona os benefícios e as possibilidades de manter uma racionalidade social fundada no cálculo econômico, na formalização, controle e uniformização dos comportamentos sociais e na eficiência de seus meios tecnológicos, que induzem um processo global de degradação sócio ambiental, socavando as bases de sustentabilidade do processo econômico e minando os princípios de equidade social e dignidade humana. (LEFF, 2006, p.125)

Algumas técnicas tem se mostrado eficientes na relação ser humano-Natureza, levando-se em consideração que a mudança de paradigma requer tempo, inclusive na aquisição de técnicas mais modernas que apresentam impacto menor no Ambiente. A Agroecologia traz um novo enfoque científico, capaz de dar suporte a uma transição para estilos de agriculturas ecoeficientes e, portanto, contribuir para o estabelecimento de processos de desenvolvimento rural menos predatório ao Ambiente. Desenvolvendo princípios que ensinam a ser estabelecido um novo caminho para a construção de agriculturas de base

ecológica ou sustentáveis (CAPORAL, 2004). Então, mais do que uma disciplina

específica, a Agroecologia se constitui num campo de conhecimento que reúne várias “reflexões teóricas e avanços científicos, oriundos de distintas disciplinas” que têm

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contribuído para conformar o seu atual corpus teórico e metodológico (GUZMÁN CASADO et al., 2000, p. 81).

Citando Giessman (1990), Caporal afirmou que “a agricultura sustentável, sob o ponto de vista agroecológico, é aquela que, tendo como base uma compreensão holística dos agroecossistemas, seja capaz de atender, de maneira integrada, aos seguintes critérios: a) baixa dependência de insumos comerciais; b) uso de recursos renováveis localmente acessíveis; c) utilização dos impactos benéficos ou benignos do meio ambiente local; d) aceitação e/ou tolerância das condições locais, antes que a dependência da intensa alteração ou tentativa de controle sobre o meio ambiente; e) manutenção a longo prazo da capacidade produtiva; f) preservação da diversidade biológica e cultural; g) utilização do conhecimento e da cultura da população local; e h) produção de mercadorias para o consumo interno e para a exportação” (CAPORAL, 2004, p.15).

5. AGROECOLOGIA NO SEMIÁRIDO: UM ESTUDO DE CASO

As observações, questionamentos feitos e respostas obtidas quando de visitas “in loco” à propriedade do Senhor Luis e Sua Esposa Eliete no município de Casserengue localizado no semiárido paraibano a 103 km de João Pessoa. O município apresenta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0.513, segundo o Atlas de Desenvolvimento

Humano/PNUD (2000). O local observado mostra alguns avanços na mudança de postura

quanto à lógica perversa da exploração dos recursos naturais. É uma propriedade que foi por muito tempo superexplorada com práticas de coivara (muito comum no Nordeste brasileiro e praticada desde o período pré-cabralino pelos indígenas), o uso de agrotóxicos e monoculturas de agave, sem observar, no entanto, a capacidade de suporte do ecossistema e que apesar das marcas deixadas, tais como a perda da biodiversidade e a erosão, atualmente já se apresenta como uma nova região com diversas espécies de vegetais, insetos polinizadores como abelhas, mamangavas e uma visível camada orgânica do solo, fruto de um manejo sustentado que chama a atenção por se tratar de uma região seca e quente. Alguns sítios denominados agroecológicos tem se preocupado com alguns princípios básicos da sustentabilidade ambiental, como a prevenção, a responsabilidade e a solidariedade.

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A propriedade do Senhor Luiz Sousa foi dividida em cinco áreas de acordo com a forma de manejo: a)uma primeira foi destinada a culturas relacionada com a alimentação da família e dos animais com o plantio de amendoim (Arachis hypogaea), milho (Zea mays), feijão

(Phaseolus vulgaris), fava (Phaseolus lunatus), jerimum (Cucurbita spp), melancia

(Citrullus lanatus), gergelim (Sesamum indicum), gliricídia (Gliricidia sepium), leucena

(Leucaena leucocephala) e sorgo (Sorghum bicolor ou Sorghum sudanense); b)Na

segunda área é feita um consórcio entre palma e outras espécies vegetais tais como a gliricídia, leucaena o guandu e abóbora forrageira, nesta área são conservadas espécies endêmicas como o Juazeiro (Ziziphus joazeiro), o facheiro (Pilosocereus pentaedrophorus)

e o cardeiro (Cereus giganteus),o que caracteriza aumento da diversidade vegetal; c)A terceira parte do terreno é usada para plantar capim gramão usando na alimentação dos animais; d)A quarta parte do terreno é usada para zona de pasto, onde se determina quanto tempo o animal ficará nesta área para que o pasto e outras plantas possam ser regenerar; e)A última parte do terreno é um antigo campo de agave transformada em uma mata com diversas espécies tais quais Juazeiro, Baraúna (Schinopsis brasiliensis) que crescem naturalmente formando uma região de sombra, segurando o solo, evitando erosão o que era constatado com freqüência em períodos de chuva e que causava a lixiviação do mesmo, acarretando em perda da qualidade. Na mesma área são plantadas ainda sabiá (Mimosa

caesalpiniaefolia), angico (Albizia polycephala), aroeira, cumaru e pau d`arco, além de

cardeiro e facheiro usados em cercas vivas.

Por se localizar no Semiárido trata-se de uma região com baixo índice pluviométrico, com precipitação média anual da ordem de 750 mm. O problema da “falta de água” tem sido

Solo com camada orgânica no sítio agroecológico. Casserengue/PB Foto: Cristian Costa, 17/01/2010.

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tratado com métodos simples e eficazes como a construção de vários modelos de barragens subterrâneas.

Um ponto a ser levado em consideração e que ninguém resolveu com clareza é a polêmica em torno da introdução de plantas exóticas no Ambiente, visto que fazem parte do nosso cotidiano devido a uma transformação do Ambiente ao longo do tempo. Não se imagina sequer desde quando temos contato e quando ocorreu a aclimatação dessas espécies exóticas nos ecossistemas brasileiros. Desta forma os mais desavisados se surpreendem ao saber que frutas como a manga, o caqui, a laranja, o mamão, a melancia e até a banana (quase um símbolo do Brasil, desde que Carmem Miranda usou como enfeite na cabeça um cacho dessas deliciosas frutas!), não são originárias do Brasil. Da mesma forma bois, galinhas, cabras, cavalos, e vários outros animais que passaram a dividir as paisagens brasileiras com os animais autóctones. (DUARTE, 2005).

Trata-se, portanto, de uma propriedade que, através de acertos e erros, minimiza o impacto da própria produção agrícola no Ambiente, considerando também a sua dimensão social: o fim último de alimentar a sociedade, produzindo um alimento de boa qualidade sem que para tal seja necessário poluir a Natureza, degradar ou exaurir os seus recursos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões aqui apresentadas consideram não apenas as observações in loco feitas no local escolhido para um breve estudo de caso, mas também os debates com os vários campos do saber que contribuem para o tema da Agroecologia.

A propriedade em questão, localizada no município de Casserengue, conseguiu resultados ambientais positivos ao restituir parte da biodiversidade, recuperar a matéria nutritiva e evitar a erosão do solo, e encontrar soluções acessíveis para a escassez hídrica. No campo social, foi desenvolvida uma maior sensibilidade, através da educação ambiental, no que toca ao uso e cultivo da terra, pelos trabalhadores envolvidos nesse processo; Foi desenvolvida uma conscientização de que a utilização da terra não dever ser em caráter meramente exploratório, mas deve-se buscar uma simbiose do homem para com a Natureza. Em termos econômicos, a propriedade diversificou a produção, levando para o mercado uma série de produtos diferenciados, que trazem ao consumidor uma

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possibilidade de se alimentar de forma mais saudável e sustentável, contribuindo assim para a preservação da biodiversidade.

A Agroecologia não corresponde a uma nova técnica para conquista de mercado no mundo capitalista como tem sido comum com a difusão dos alimentos orgânicos que atingem um determinado nicho de mercado, cuja produção não respeita a capacidade de regeneração e os custos sociais. Este saber valoriza o aprendizado participativo de diversos grupos sociais e se fundamenta em princípios de sustentabilidade internacionalmente estabelecidos.

Na prática, uma propriedade agroecológica se fundamenta em vários aspectos técnicos que garantem o seu bom funcionamento e fazem com que ela atinja o seu objetivo de produzir um alimento de boa qualidade com o mínimo impacto sobre a Natureza. No entanto não há como ignorar os aspectos teóricos que envolvem o surgimento da Agroecologia e a sua conquista de espaço não apenas no universo acadêmico, mas também na sociedade.

Desenvolvida no âmago do discurso sobre a sustentabilidade a Agroecologia ganhou visibilidade e disibilidade pelo fato de se propor a atender a uma necessidade de consumo humana sem necessariamente participar da lógica do consumo capitalista. A nítida preocupação com o Ambiente e com a minimização de impactos a coloca em um debate muito atual sobre uma nova forma de ocupar o espaço rural.

As experiências de propriedades agroecológicas ainda são pontuais e necessitam de mais estudos e observações para que, em um futuro muito próximo, possam se tornar parte do cotidiano da vida rural do semiárido nordestino, atendendo à perspectiva de convivência com essa região e reforçando os laços dos seus moradores com o bioma onde vivem. Para o semiárido é importante considerar os aspectos do clima quente, do regime pluviométrico irregular, do solo arenoso e impermeável, das relações sócio-culturais existentes entre a população local, dos costumes e tradições, entre outras, antes que seja implantada uma propriedade agroecológica. Assim, ela terá condições de cumprir o papel de facilitar a convivência da população do Semiárido com o seu bioma e, ao mesmo tempo, produzir meios para a sua sobrevivência.

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Referências

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