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Marcio Bonifácio Moraes* 1- Introdução

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Academic year: 2021

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1- Introdução

“A crise nos Bálcãs teve início em 1389 com a Batalha do Kosovo e

deverá terminar no Kosovo”. A frase é repetida pela maioria do povo iugoslavo, em uma referência à complexidade do problema daquela região balcânica. No entanto, não se sabe qual será o fim desse problema. Os pos-síveis desfechos incluem autonomia, divisão ou independência, ou retorno do território à Sérvia, por meio de negociações pacíficas ou de uma guerra em larga escala, abrangendo outros países balcânicos.

Muitos habitantes de países do Ocidente desconhecem dois pontos importan-tes da história da Iugoslávia. O primeiro é a própria criação da Iugoslávia, que teria ocorrido após a Segunda Guerra Mundial, por obra do Marechal Tito.

Isso não procede, pois, na realidade, o Estado já existia oficialmente desde primeiro de dezembro de 1918. Naquela data – atendendo aos anseios de intelectuais e líderes políticos que, no espírito da “nacionalni identitet”, ou seja, o de unir os povos eslavos da região balcânica –o Rei Alexandre Karadjordevic criou o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos que foi, posteriormente, denominado de Reino da Iugoslávia (1929). Essa união também servia para prover uma defesa das nações balcânicas contra as ameaças externas.

O segundo ponto refere-se aos conflitos ocorridos de 1991 a 1995 na Eslovênia, na Croácia e na Bósnia-Herzegovina, e que resultaram na inde-pendência dessas Repúblicas e na dissolução da República Federativa Socialista da Iugoslávia (RFSI). Muitos acreditam que esses conflitos teriam sido causados, primordialmente, por questões étnicas e religiosas.

A desintegração da RFSI ocorreu em razão de interferência externa e de disputas políticas entre ex-companheiros de partido do Marechal Tito, fruto do vácuo de liderança política que se instalou no país após a morte daquele presidente. A própria constituição vigente à época já previa, em um de seus

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artigos, que, a qualquer momento, as Repúblicas que compunham a Iugoslávia (“terra dos eslavos do sul”) poderiam optar por sua saída da Federação. As alegadas diferenças étnicas e religiosas serviram apenas para inflamar e sublevar o povo.

Agora, como entender o conflito entre sérvios e albaneses no Kosovo? À primeira vista, esse parece ser um genuíno caso de conflito étnico. Na Croácia e na Bósnia, em sua esmagadora maioria, os habitantes eram eslavos, falavam a mesma língua (servo-croata) e possuíam cultura semelhante. Por outro lado, sérvios e albaneses são lingüisticamente diferentes, possuem cul-turas e religiões distintas. Assim, todas as condições para um conflito estariam presentes. Entretanto, após examinar detalhadamente as causas da questão do Kosovo, podemos constatar que, mais uma vez, que a componente política se faz presente.

Em muitas das guerras ocorridas na região do Kosovo, sérvios e albaneses foram aliados. Como exemplo, poderíamos citar a própria Batalha do Kosovo ocorrida em 1389, quando muitos albaneses – que então eram cristãos orto-doxos – lutaram ao lado dos sérvios contra a invasão dos turcos otomanos. Trezentos anos mais tarde, ou mais precisamente em 1737, quando os austríacos iniciaram a expulsão dos otomanos, sérvios e albaneses estiveram do mesmo lado.

Isso não significa que o Kosovo foi sempre uma região onde predominou a tolerância mútua. Durante o domínio otomano, albaneses apoderaram-se de propriedades sérvias, assim como, após a retomada da região (em 1912), os sérvios iniciaram um processo de reocupação do Kosovo, durante o qual novas regras foram impostas aos albaneses que haviam apoiado os otomanos durante o seu período de dominação. Na Primeira Guerra Mundial, albaneses fustigaram o exército sérvio, que se retirava para o Adriático perseguido pelos invasores alemães, austro-húngaros e búlgaros.

No período seguinte de ocupação alemã (1941-1945), os albaneses lutaram contra os sérvios, chegando a constituir uma Divisão das SS, a 21ª Waffen Gebirgsdivision der SS – Skanderbeg ou Albanische n.º 1.

Como pode ser observado, a região do Kosovo esteve durante séculos sob o controle de diferentes potências. Apesar disso, é inquestionável a soberania sérvia sobre o Kosovo, núcleo geohistórico da Sérvia, onde estão localizados os mosteiros que abrigam as relíquias mais antigas e importantes

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da Igreja Ortodoxa. A região do Kosovo sempre foi parte integrante do território sérvio, e isso pode ser comprovado por intermédio de consultas a mapas e a documentos históricos.

A idéia de transformá-la em província autônoma foi do Marechal Tito, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, resultante de sua política de agradar as minorias étnicas. Essa postura adotada por Tito era coerente com a sua maneira de conduzir os destinos da Federação: uma de suas principais regras era dividir para poder melhor governar. Com as reformas e alterações constitucionais ocorridas durante o período de governo de Tito, o Kosovo foi obtendo maior autonomia, a ponto de possuir polícia e administração albanesas, escolas e universidades onde o idioma falado era o albanês, em lugar do servo-croata, língua oficial.

Finalmente, cabe aqui uma outra pergunta. Como teriam os albaneses se fixado no Kosovo, a ponto de constituírem a maioria étnica na região?

Registros históricos mencionam que, após a invasão dos otomanos de 1389, algumas tribos albanesas leais aos turcos teriam migrado para a região do Kosovo, onde receberam terras para ocupar.

A segunda grande imigração ocorreu no período da Segunda Guerra Mun-dial, quando a Albânia se aliou à Alemanha e à Itália contra os sérvios. É interessante mencionar que a Albânia tinha sido anexada ao Reino da Itália, em 1939.

A mais recente leva de albaneses chegou ao Kosovo durante o período da “Guerra Fria”. Para um melhor entendimento, deve ser ressaltado que a Albânia manteve boas relações com a Iugoslávia até 1948, quando ocorreu o afastamento deste País da órbita soviética. Com o rompimento das relações entre Tito e Stalin, a Iugoslávia passou a ter uma postura de não alinhamento, afastando-se da União Soviética e mantendo boas relações com os países do Ocidente. Possuía uma economia estável e seu povo desfrutava de um elevado padrão de vida, se comparado ao das demais nações do Leste Europeu. Descontentes com a falta de liberdade, característica do duro regime comunista de linha stalinista praticado pelo ditador Enver Hoxha, muitos albaneses fugiram para a Iugoslávia.

O último fator a apontar é a elevada taxa de natalidade da população albanesa. Conforme dados estatísticos, os albaneses na Iugoslávia numeravam 750.431 em 1948 (em sua maioria concentrados no Kosovo). Em 1981,

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passaram a ser 1.730.364, ou seja, um crescimento populacional de mais de 100%. No período considerado, as outras nacionalidades (croatas, sérvios eslovenos), e outras minorias étnicas (húngaros, eslovacos, ucranianos etc.), não tiveram aumentos maiores do que 30%.

2 – A Iugoslávia pós Tito

Ocorrida em 1980, a morte de Tito deixou a Iugoslávia “órfã” e sem herdeiro político que desse andamento ao seu trabalho. Dentre os fatores que contri-buíram para a desintegração da Iugoslávia, o autor destaca:

- estagnação econômica;

- aumento das desigualdades regionais; - envelhecimento do modelo político; - ausência de uma liderança nacional;

- lideranças políticas baseadas nas diferenças culturais (ideologia x etnia e ateísmo x religião);

- o esfacelamento da União soviética; e - ressurgimento dos nacionalismos.

A instabilidade política veio agravar a tensão latente entre sérvios e albaneses. Entre os anos de 1981 e 1983, ocorreram distúrbios étnicos na região do Kosovo, que teriam se constituído no primeiro sinal de uma crise que já minava os alicerces da ex-Iugoslávia. Em março de 1981, milhares de estudantes albaneses da Universidade de Prístina (capital do Kosovo) ocuparam as ruas da cidade, em manifestação por melhores alojamentos e contra a nomeação de um reitor sérvio. O comício não tardou a degenerar em um conflito de rua e depois numa verdadeira batalha entre sérvios e albaneses. Os confrontos logo se estenderam por toda a região. Milhares de sérvios e montenegrinos fugiram do Kosovo. Foram registrados assassinatos, violações, ataques às propriedades sérvias e profanação de templos e cemitérios ortodoxos. Essas notícias, rapidamente disseminadas em Belgrado, geraram uma reação de repúdio contra albaneses.

Em 1982, foi criado na Suíça um grupo denominado “Movimento Popular do Kosovo”, congregando marxistas-leninistas albaneses que tinham o pro-pósito de lutar pela independência daquela região.

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Em 1987, Slobodan Milosevic tornou-se presidente da Sérvia e, logo após sua posse, fez uma visita ao Kosovo. Nessa ocasião, realizou um discurso político de fundo nacionalista, exaltando a presença sérvia na região. Em 1989, durante os eventos comemorativos dos seiscentos anos da Batalha do Kosovo, novas manifestações nacionalistas sérvias ocorreram.

Em Trepça, junto à cidade de Kosovska Mitroviça, no extremo norte do Kosovo, está instalado o maior centro mineiro da região e um dos mais im-portantes da Sérvia. Em 20 de fevereiro de 1989, cerca de 1300 operários albaneses da mina de carvão de Stari Trg entraram em greve, realizando a sua ocupação. Inicialmente, os mineiros alegavam falta de segurança nas galerias. Com a continuidade do movimento, as reivindicações se transformaram em protesto político, com exigência de reformas constitucionais e mais autonomia para o Kosovo. Iniciou-se, assim, uma crise entre as lideranças sindicais e Belgrado. Os dirigentes da mina foram detidos sob acusação de cumplicidade com os grevistas. A população albanesa regressou às ruas de Prístina e novos conflitos ocorreram, exigindo a ação enérgica de forças federais para pôr fim à desordem. Estava deflagrado o processo que iria culminar com o início dos debates na Assembléia Federal, visando a promover uma emenda constitucional que retiraria do Kosovo o status de província autônoma.

Finalmente, em junho de 1990, a tensão atingiu o seu limite máximo. A Assem-bléia de Belgrado aprovou a nova Constituição, retirando a autonomia do Kosovo. A região do Kosovo, possuía então cerca de 1.700.000 habitantes, com maioria étnica de albaneses. Segundo pesquisas, a proporção havia chegado a 85% de albaneses contra 15% de sérvios.

Em setembro de 1991, um “referendum” firmado em Prístina proclamou a “República do Kosovo”, sendo formado um parlamento clandestino. Ibrahim Rugova foi declarado presidente e Bujar Bukoshi, primeiro-ministro. A Re-pública não teve reconhecimento internacional, mas seu “Governo” permaneceu no exílio na Alemanha.

Eram os principais objetivos políticos de Rugova:

- negar, sistematicamente, a legitimidade do governo iugoslavo na região, boicotando todos os seus atos; e

- internacionalizar a questão do Kosovo obtendo, assim, apoio de países simpáticos à questão.

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Em 27 de abril de 1992, ainda dentro do processo de desintegração da antiga Iugoslávia, foi formada a nova República Federativa da Iugoslávia, composta pela Sérvia e Montenegro. Slobodan Milosevic foi reeleito Presidente da Sérvia.

Nesse mesmo ano, foi identificado um grupo guerrilheiro denominado

Exérci-to de Libertação do Kosovo - ELK (Ushtria Clirimtare Kosoves – UCK).

Em junho de 1996, o ELK assumiu a responsabilidade por diversos atentados e ações de sabotagem realizados contra policiais sérvios na região do Kosovo.

No início, as ações do ELK se limitavam a incursões partindo de bases localizadas em território albanês. Com o passar do tempo, e com o apoio da população local (fator primordial de sucesso para qualquer movimento guer-rilheiro), os militantes do ELK estabeleceram bases no Oeste do Kosovo. Seus alvos prioritários eram os integrantes das forças policiais sérvias.

Entre os meses de maio e junho de 1998, os guerrilheiros do ELK passaram a realizar ações de maior envergadura, com o objetivo de formar uma “zona liberada” no Oeste da região (eixo compreendido entre as cidades de Peç e Djakoviça). O Governo iugoslavo enviou tropas federais ao Kosovo, para reforçar o efetivo já existente e dar combate ao movimento guerrilheiro.

Dotados de armamento moderno e de origem estrangeira, e com uma linha de suprimento bem estruturada, os guerrilheiros do ELK iniciaram uma luta armada contra o Exército Federal Iugoslavo. Os habitantes das vilas envolvi-das no conflito começaram a abandonar suas casas, fugindo para a Albânia, Macedônia e Montenegro. Ao final de 1998, o ELK já mantinha o controle de cerca de 40% do território do Kosovo.

Os recursos financeiros do ELK seriam provenientes:

- do narcotráfico (a Albânia é uma das principais áreas de entrada de drogas para a Europa Central e do Leste); e

- de recursos enviados por cerca de 500.000 albaneses que vivem na Europa ou nos Estados Unidos.

Os quadros do ELK seriam formados por:

- ex-membros do Exército Federal Iugoslavo, de origem albanesa; - albaneses que lutaram nos exércitos croata e bósnio durante a guerra civil (1991-1995); e

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No final de 1998, a OTAN estabeleceu conversações com a República Federal da Iugoslávia para solucionar a crise no Kosovo. Foram realizadas várias rodadas de negociações em Rambouillet - França. Os principais pontos defendidos pela OTAN eram:

a - governo democrático.

Seria estabelecido um governo democrático, com o propósito de gerenciar matérias de interesse para os habitantes do Kosovo, tais como: educação, saúde e desenvolvimento econômico. O Kosovo teria um presidente, assembléia, tribunais e um governo local;

b - segurança.

Seria garantida por forças internacionais dos países membros da OTAN, posicionadas no terreno.

Os habitantes do Kosovo teriam polícia própria, para garantir a segurança na região. As forças armadas da Iugoslávia, bem como suas forças policiais, deveriam deixar o Kosovo, limitando suas ações na fronteira entre o Kosovo e a Sérvia; e

c - retorno dos refugiados.

Uma reunião internacional dos membros da OTAN seria realizada para determinar os mecanismos para o retorno dos refugiados e seu reassentamento na área.

As negociações em Rambouillet se prolongaram até março de 1999, sem que as partes chegassem a um acordo. Os iugoslavos aceitavam o retorno dos refugiados, e até mesmo a transformação da região em província autônoma, como nos moldes anteriores. No entanto, não admitiam a presença de forças da OTAN em seu território, pois consideravam a questão do Kosovo um problema interno do país, e que essa intervenção iria ferir a soberania nacional e o direito à autodeterminação.

Na noite de 24 de março de 1999, esgotados todos os esforços diplomáticos, e desconsideradas as alegações do Governo iugoslavo, sem a prévia autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a OTAN desencadeou a operação “Allied Force - Oplan 10601”, com ataques aéreos à Iugoslávia. A ação militar se concentrou, inicialmente, contra alvos militares. Posteriormente, a ação foi ampliada e os ataques passaram a ser dirigidos contra as principais cidades da República.

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Em 9 de junho, depois de 78 dias de bombardeios (cerca de 37.000 ataques aéreos), que danificaram significativamente a infra-estrutura do País, o Governo iugoslavo finalmente cedeu às pressões da OTAN, aceitando os termos de um acordo de paz.

No dia 12 de junho, a região do Kosovo foi ocupada militarmente pela OTAN, tendo ocorrido a retirada das forças militares e policiais sérvias, que até então mantinham o controle da área.

3 - A Participação da Comunidade

Internacional na questão

A Resolução n.º 1244, de 12 de junho de 1999, do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), marcou o fim das hostilidades entre a OTAN e a República Federal da Iugoslávia (RFI) e o retorno da questão do Kosovo para o âmbito da Organização das Nações Unidas. A Resolução, após ressaltar que o Kosovo é parte integrante do território da RFI, estipula que a província gozaria de “autonomia substancial e autogoverno”. Para implementar suas decisões, o Conselho criou, com a concordância da República Federal da Iugoslávia (RFI), a United Nations Interim

Administration Mission in Kosovo (UNMIK) e a Força de Segurança do Kosovo (KFOR). O mandato da UNMIK, previsto para 12 meses, foi renovado automaticamente em 13/6/2000.

A UNMIK é composta de quatro setores: a administração civil (por conta da ONU); a reabilitação econômica (a cargo da União Européia); a recuperação institucional (sob a responsabilidade da Organização de Cooperação para Segurança Européia - OCSE) e a assistência a refugiados (coordenada pelo UNHCR). A KFOR é integrada por cinqüenta mil homens (42.500 no Kosovo e 7.500 nos países vizinhos), que atuam sob a liderança da OTAN, com o mandato de supervisionar a retirada das tropas sérvias da província, ajudar no regresso dos refugiados/deslocados internos (um total estimado de 850 mil pessoas, 90% das quais já retornaram ao Kosovo), monitorar a desmilitarização do Exército de Libertação do Kosovo (ELK) e velar pela segurança.

Os mais importantes desafios à autoridade da ONU dizem respeito não apenas à criação de uma nova estrutura de governo para a província, envolvendo a recuperação das instituições e a realização de eleições, mas também a necessidade de estabelecer uma sociedade multiétnica e pluralista.

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Essa tarefa torna-se complicada ainda diante da imprecisão da expressão “autonomia substancial” constante da Resolução n.º 1244 e da falta de uma definição mais clara das atribuições da UNMIK (ONU) e da KFOR (OTAN), algo que vem suscitando áreas de atrito entre as duas entidades.

As dificuldades das Nações Unidas para levar adiante o processo de re-conciliação no Kosovo revelam os limites que se impõem à comunidade in-ternacional em sua tentativa de dar ordem, estabilidade e prosperidade a um ambiente marcado por rivalidades arraigadas e pela intolerância. Em última instância, expõe as limitações e conseqüências da denominada “intervenção humanitária”.

A UNMIK vem adotando um conjunto de medidas, que, segundo seu chefe Bernard Kouchner (um dos fundadores e organizador da ONG francesa “Mé-dicos sem Fronteiras”), se destinaria a assegurar à população “kosovar” (nome dado aos albaneses que vivem no Kosovo), o mesmo nível de autonomia usufruída pela Província até 1990. No entanto, algumas das medidas implementadas, aliadas à criação da “Kosovo Protection Force” (iniciativa destinada a facilitar o desmantelamento do ELK, mediante o emprego de seus militantes em uma espécie de força policial civil, nos moldes da “Securité

Civile”francesa), estão gerando muitas controvérsias tanto no Conselho de Segurança, quanto na Província.

No Conselho de Segurança, há uma nítida cisão entre os representantes da União Européia e dos EUA, que ressaltam que todas as atividades da UNMIK se encontram amparadas pela Resolução n.º1244, e o representante da Rússia, para quem “a situação no Kosovo mostra que a Província está caminhando para a independência”, encorajada pela complacência dos países da OTAN. Entre outras medidas que indicam essa tendência, estariam a introdução do Marco Alemão como moeda local, o fornecimento de carteiras de identidade, a emissão de “documentos de viagem” (equivalentes a passaportes) e a coleta de impostos sobre a circulação de mercadorias nas fronteiras do Kosovo com a Albânia e a Macedônia.

No terreno, a situação é tensa. Prosseguem os constantes choques entre integrantes da KFOR e a população “kosovar”, além de haver relatos de assassinatos, agressões e banditismo perpetrados por “kosovares” contra minorias não-albanesas. A parte sérvia da cidade de Mitroviça e o Norte do Kosovo são praticamente os únicos pontos da província onde os sérvios continuam residindo em número expressivo. Caso não seja controlada, a

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violência acabará por criar uma tendência à partição de facto do Kosovo, consagrando uma divisão étnica da província. Há também um novo foco de tensão no Vale de Precevo, na fronteira tríplice Kosovo-Macedônia-Sérvia, onde a população de maioria albanesa tem-se mobilizado na esperança de separar-se da Sérvia e anexar-se ao Kosovo. As informações disponíveis indicam que estaria atuando dentro do território sérvio o “Exército de

Libertação de Bujenovac, Presevo e Medvedja (UCBPM)”.

Em março de 2001, as forças guerrilheiras atuantes no Kosovo iniciaram uma ofensiva contra a cidade de Tetovo, na Macedônia, indicando que existe uma tendência de que a questão se alastre para aquela República. Cabe ressaltar que quase um terço da população da Macedônia é de origem albanesa, concentrada à noroeste do País.

4 - Conclusão

A questão do Kosovo é assunto de complexa solução, especialmente agora que a comunidade internacional optou por uma solução militar para tentar resolver o problema.

Após a desintegração do fechado regime comunista que imperou na Albânia por mais de quarenta anos, seus dirigentes se voltaram às antigas questões nacionais, dentre as quais se destaca a do Kosovo. O País atravessa sérios problemas econômicos, que deram origem a vários distúrbios civis em 1997. No entanto, para que pudesse captar investimentos e receber apoio externo, seria necessário que a Albânia apresentasse alguma recuperação em seu combalido sistema econômico. Uma das saídas seria a anexação do Kosovo, pois a região é particularmente rica em minérios, especialmente carvão, ex-tremamente necessário para geração de energia elétrica. A deflagração de um conflito lhe traria muitos benefícios, fato que realmente ocorreu. Além do mais, é um antigo sonho dos albaneses criar uma “Grande Albânia”, anexando partes de territórios de seus vizinhos, dentre os quais a Sérvia e a Macedônia.

Por outro lado, para os sérvios a manutenção da região do Kosovo é um direito histórico irrenunciável, pois é o seu núcleo geohistórico e o berço de sua cultura. Alberga os mosteiros ortodoxos mais veneráveis e foi cenário da famosa batalha em que o santo príncipe Lazar perdeu a vida, e a nação sérvia cinco séculos de independência.

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Os sérvios – que também são conhecedores do potencial da região e de sua importância estratégica – não aceitaram, tacitamente, os termos iniciais do Acordo de Rambouillet, exigindo que a OTAN optasse pela solução militar. Contrariamente ao esperado pela OTAN, os sérvios vislumbraram nos ataques aéreos um “sinal verde” para que pudessem realizar o que há muito tempo esperavam: tomar posse definitivamente do Kosovo. Os bombardeios realizados na região só serviram para ajudar aos sérvios em sua tarefa: Além do ataque das forças de defesa da Iugoslávia aos guerrilheiros “kosovares”, a população civil albanesa residente no Kosovo tinha nas bombas e foguetes da OTAN mais um “incentivo” para iniciar um êxodo sem precedentes.

Merece atenção e destaque o apoio externo (recursos de pessoal, material e financeiros), que foi dado ao grupo guerrilheiro de orientação albanesa que se denomina Exército de Libertação do Kosovo, cujas ações foram consideradas como deflagradoras da instabilidade na área, fator responsável pelo início da crise.

Ainda no que se refere aos sérvios, a derrota sofrida surtiu um efeito total-mente diferente ao esperado pela OTAN. Embora com grandes perdas ma-teriais e destruição substancial de sua infra-estrutura, o governo de Milosevic soube tirar dividendos políticos do ocorrido. O forte sentimento de naciona-lismo sérvio fez com que o povo se unisse em torno do seu Presidente, colocando em segundo plano os problemas de ordem social e econômica por que passava o País. Foi com muita dificuldade que a oposição conseguiu fazer valer o resultado das últimas eleições, ocorridas em 2000, nas quais se sagrou Presidente Vojslav Kustuniça.

Assim, após dois anos de intervenção, a OTAN, União Européia, ONU e outros organismos envolvidos não conseguiram avanços significativos no pro-cesso de pacificação. Pelo contrário, a tensão e rivalidades parecem haver aumentado entre as partes, existindo o risco de uma escalada do conflito para outros países vizinhos, onde existem minorias albanesas, como são os casos da própria Sérvia e das Repúblicas da Macedônia, e do Montenegro.

*Capitão-de-Mar-e-Guerra (T)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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