• Nenhum resultado encontrado

Poluição do ar e saúde o vulcanismo como fonte natural de poluição

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Poluição do ar e saúde o vulcanismo como fonte natural de poluição"

Copied!
13
0
0

Texto

(1)

o

vulcaNismo

como

foNtE

Natural

dE

poluição

armiNdo saNtos rodriguEsa, b,*& patrícia vENtura garciaa, c

Rodrigues, A. S. & Garcia, P. V. (2014), Poluição do ar e saúde – o vulcanismo como fonte natural de poluição. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 23: 177-189.

Sumário: A degradação crescente da qualidade do ar atmosférico, com relevo para as

activi-dades antropogénicas, é anualmente responsável por cerca de 800 000 casos de cancro e pelo incremento de várias patologias, tais como asma, bronquite, doenças coronárias, baixo peso à nascença e malformações congénitas. A actividade vulcânica, fonte natural de poluição, é uma das principais fontes de emissão de poluentes atmosféricos, de que se destacam a matéria particulada, gases tóxicos e metais pesados. Populações cronicamente expostas a ambientes com atividade vulcânica apresentam um risco superior de genotoxicidade e citotoxicidade, bem como de desenvolver patologias do foro respiratório e vários tipos de cancro.

Rodrigues, A. S. & Garcia, P. V. (2014), Air pollution and health – volcanism as a natural pollution source. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 23: 177-189. Summary: The increasing loss of indoor and outdoor air quality, mainly consequential of human activities, yearly contributes to approximately 800 000 cancer cases and to the signifi-cant increase of several health problems, like asthma, bronchitis, coronary diseases, low birth weight and congenital malformations. Volcanic activity is a natural source of pollutants, particularly of the air, such as particulate matter, toxic gases and heavy metals. Human popula-tions that are chronically exposed to volcanically active environments have a higher risk for genotoxicity and cytotoxicity of the upper respiratory tract tissues, as well of developing other respiratory pathologies and several types of cancer.

a Departamento de Biologia, Universidade dos Açores, Rua da Mãe de Deus, 58, Apt. 1422,

9501-855 Ponta Delgada, Portugal.

b Centro de Vulcanologia e Avaliação de Riscos Geológicos (CVARG), Universidade dos

Açores, Ponta Delgada.

c Centro de Investigação em Tecnologias Agrárias dos Açores (Grupo de Biodiversidade dos

Açores), Universidade dos Açores, Angra do Heroísmo. * Autor correspondente: rodrigues@uac.pt

Palavras-chave: Poluição do ar, Saúde, Vulcanismo, Poluentes, Doenças respiratórias.

(2)

O início da poluição do ambiente coincide com o aparecimento da pró-pria espécie humana e com as suas atividades. A descoberta e o controlo do fogo iniciam uma série de práti-cas que marcaram profundamente o desenvolvimento da espécie Hommo sapiens mas também a sua relação com o ambiente, quer o ambiente exterior quer o do interior das habi-tações que, ao longo dos tempos, foi ocupando desde as primeiras cavernas até às construções que hoje conhecemos. De acordo com Borsos et al. (2003), as cavernas do Homem do Paleolítico apresentavam espessas camadas de fuligem nos tetos e pare-des, resultado da queima de material vegetal para aquecimento e confeção de alimentos e, da deficiente venti-lação. Os mesmos autores fazem refe-rência ao facto de, frequentemente, os pulmões dos corpos mumificados do Homem do Paleolítico se apresenta-rem fortemente enegrecidos, como consequência da intensa e prolongada exposição a ambientes interiores for-temente poluídos.

Na idade média a queima massiva de carvão nas grandes cidades euro-peias foi responsável por um forte incremento nos níveis de poluição atmosférica, baixando drasticamente a qualidade do ar que se respirava em cidades como Londres.

A escalada do uso de carvão culmi-nou com a revolução industrial nos séculos XVIII e XIX, particularmente no Reino Unido. As descrições sobre as nuvens de fumo (smog) que se for-mavam sobre a cidade de Londres são a clara evidência da enorme dete-rioração da qualidade do ar naquela época.

Durante o século XX o fumo dos veículos automóveis veio contri-buir fortemente para o aumento da poluição atmosférica, embora a sua importância para a saúde, humana e ambiental, não tivesse sido reconhe-cida durante várias décadas. Só após alguns episódios graves de poluição do ar que ocorreram em meados do século XX no norte da Europa e na América do Norte, resultando em milhares de mortes, é que se tornou evidente que a exposição a ar poluído era responsável por graves efeitos na saúde e pelo aumento da mortalidade (KatsouyaNNi et al., 2011). Um dos

episódios mais simbólicos ocorreu em dezembro de 1952 na cidade de Londres e ficou conhecido como The Great London Smog, tendo-lhe sido atribuídas mais de 4000 mortes. Em resposta, e reconhecendo os graves efeitos na saúde das populações, o governo inglês produziu legislação para regular o uso de carvão com vista à redução dos níveis de poluição

(3)

atmosférica, particularmente de dió-xido de enxofre.

Hoje, a exposição à poluição do ar é quase uma inevitabilidade da vida moderna em áreas urbanas densa-mente povoadas, constituindo uma das principais preocupações em saúde pública. A combustão nos motores dos veículos automóveis liberta para a atmosfera partículas de várias dimensões [(PM10, <10µm) e (PM2.5, < 2,5µm)], compostos orgâ-nicos voláteis (COVs), metais, nitra-tos e sulfanitra-tos. Embora todos estes compostos sejam reconhecidamente prejudiciais à saúde humana e dos ecossistemas, a matéria particulada é assumida como o mais perigoso de entre os vários poluentes atmosfé-ricos, sobretudo as partículas de menor dimensão (PM2.5) devido à sua capacidade para atingir e se depo-sitarem nos alvéolos pulmonares e, daí, se distribuírem para outras partes do organismo através da corrente san-guínea (CoNway et al., 1998).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) refere no seu relatório de 2003

que a exposição aos poluentes do ar é diretamente responsável por cerca de 800 000 casos de cancro e pelo incre-mento de várias patologias, tais como asma, bronquite, doenças coronárias, baixo peso à nascença e malforma-ções congénitas (CoHEN et al., 2004).

As fontes de poluição do ar podem classificar-se em naturais e/ou antro-pogénicas. Nem toda a poluição é imputável e diretamente atribuível à ação humana e, portanto, classifi-cável como antropogénica. As fontes de poluição natural são, no seu con-junto, de bem maior dimensão do que as antropogénicas. Destas fontes naturais fazem parte os incêndios florestais de causas naturais, as tem-pestades de poeiras, os poluentes bio-génicos e a atividade vulcânica, entre outras.

O principal objetivo deste trabalho é contribuir para o (re)conhecimento da atividade vulcânica como fonte natural de poluição do ar e das suas implicações para a saúde das popula-ções e dos ecossistemas.

v

ulcõEscomofoNtEdEpoluENtEsdoar

Embora os vulcões ocorram em todos os continentes e oceanos, a sua distri-buição está associada à dinâmica das placas tectónicas, localizando-se a maioria dos vulcões ativos no Oceano

Pacífico, numa faixa denominada Anel ou Círculo de Fogo. O Homem tem, desde tempos imemoriais, uma relação bivalente com os vulcões e a sua atividade – uma relação de

(4)

medo, face aos riscos impostos pela atividade eruptiva, tantas vezes catas-trófica, e uma relação generosa que decorre do aproveitamento da enorme fertilidade que carateriza os solos vulcânicos. Por esta razão muitas são as populações humanas que se localizam nas imediações de vulcões ativos, particularmente na Ásia e na América do Sul, mas também na Europa. Estima-se que mais de 10% da população mundial viva nas ime-diações de um vulcão ativo ou com atividade histórica, o que nos dá uma ideia da importância deste fenómeno quer em termos ambientais quer do ponto de vista da saúde.

Porém, o vulcanismo não tem sido objeto da necessária atenção por parte da comunidade científica, particular-mente no que respeita ao facto de se constituir como uma fonte de poluen-tes que afetam a saúde e a qualidade ambiental. Se é verdade que a aten-ção das populações e da investigaaten-ção científica se tem centrado quase exclusivamente nas erupções e fenó-menos a elas associados, não é fenó-menos verdade que pouco tem sido feito em relação aos efeitos produzidos na saúde pelos gases e partículas que, durante e após as erupções, são liber-tados pelos vulcões. Esta falta de pro-dução de conhecimento, particular-mente dos efeitos sobre os sistemas biológicos resultantes da exposição crónica a gases tóxicos e micropar-tículas libertados por campos

fuma-rólicos e pela desgaseificação difusa dos solos, um vulcanismo menos espectacular, leva muitas vezes a uma subavaliação dos riscos para a saúde. Assim, neste domínio é difícil definir uma relação causal entre a libertação de um contaminante vulcanogénico, o grau de exposição, e a produção de um efeito na saúde de um indivíduo ou de uma população.

Para termos uma ideia da dimensão do vulcanismo como fonte de polui-ção do ar, atentemos nos cerca de 540 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) vulcanogénico que anualmente são emitidas para a atmosfera (BurtoN et al., 2013).

Apesar de tudo, uma pequena fração ao pé da quantidade produzida pelas actividades humanas. Mais de 70% dos gases vulcanogénicos é vapor de água. No entanto, para além do vapor de água e do CO2, durante e após as erupções, os vulcões libertam outros gases e aerossóis, tão ou mais noci-vos para a saúde, tais como dióxido de enxofre (SO2), ácido sulfúrico (H2SO4), sulfureto de hidrogénio (H2S), cloreto de hidrogénio (HCl), fluoreto de hidrogénio (HF), radão (Rn), arsénio (As), mercúrio (Hg), alumínio (Al), rubídio (Rb), cádmio (Cd), chumbo (Pb), magnésio (Mg), cobre (Cu) e zinco (Zn), entre outros (dElmEllE & stiX, 2000; duraNd et al., 2004).

As 9 ilhas do arquipélago dos Açores devem todas a sua origem à atividade

(5)

vulcânica, num complexo contexto tectónico que resulta da junção tripla das placas Eurasiática, Africana e Norte-Americana.

Atualmente, a atividade vulcânica no arquipélago dos Açores é caracteri-zada por manifestações hidrotermais que consistem em campos fumaró-licos ativos, nascentes frias e termais gasocarbónicas, e áreas de desgasei-ficação difusa do solo (FErrEira et al., 2005; VivEiros et al., 2009). De

acordo com estes autores, a maior área de desgaseificação difusa dos solos nos Açores situa-se na Vila das Furnas (figura 1). A este respeito,

VivEiros et al. (2010) referem que

o vulcão das Furnas é responsável pela emissão diária de cerca de 1000 toneladas de CO2, 75% das quais na

área intracaldeira e os restantes 25% na vertente Sul, correspondente à Ribeira Quente. Já no que concerne ao gás radão (222Rn), os trabalhos realizados por Silva et al. (2007)

indi-cam que os valores deste gás, na área de desgaseificação difusa da caldeira das Furnas, estão maioritariamente associados às áreas de libertação de CO2. O mesmo trabalho revela que nas campanhas de monitorização foram registados elevados valores deste gás radioativo dentro de várias habita-ções das Furnas, com uma média de 6702 Bq m–3, mas atingindo valores máximos, em certos casos, de 110 kBq m-3, valores muitas vezes supe-riores aos valores de referência pro-postos pela OMS (200-400 Bq m–3) para o ar interior.

(6)

Dos poluentes emitidos pela ativida-de vulcânica acima elencados, mere-cem particular destaque, no que aos efeitos na saúde diz respeito, os gases CO2, H2S, HCl, HF,222Rn, e alguns metais pesados.

O dióxido de carbono (CO2), um gás incolor e inodoro, embora seja um gás que faz parte do ar respirável (330-350 ppm), quando em elevadas concentrações pode tornar-se particu-larmente perigoso para a saúde, uma vez que altera a abundância relativa dos restantes gases, especialmente a quantidade de oxigénio (O2) disponí-vel para a respiração. Quando as con-centrações de CO2 no ar interior das habitações ou dos locais de trabalho atingem valores próximos de 10 vol% ocorre asfixia por insuficiência de oxigénio (duraNd, 2006). Porém, a

exposição a valores bastante inferio-res (>3 vol%) já é associada a sinto-mas como dores de cabeça, náuseas, tonturas, sonolência, apatia e dispneia. Segundo a Norma Portuguesa de saú-de e segurança no trabalho n.º 1796, de 2007, os valores limite de expo-sição são de 5000 ppm (0.05 vol%) para um período de 8 horas e, de 30000 ppm (3 vol%) para um período de curta duração que não pode ultra-passar 15 minutos.

O sulfureto de hidrogénio (H2S) é um gás incolor, inflamável e asfixiante,

possuindo um odor característico a ovos podres, detetável pelo olfato a partir de concentrações superiores a 30 ppm. Este é o odor que deteta-mos quando nos aproximadeteta-mos das caldeiras das Furnas. A exposição a baixas concentrações (até 50 ppm) pode causar irritação dos olhos e estados depressivos, ao passo que em concentrações mais elevadas pode provocar irritação das vias respirató-rias, causando faringites e bronquites. A exposição prolongada a concen-trações elevadas pode promover o desenvolvimento de edema pulmonar (Iwasawa et al., 2009; Amaral &

RodriguEs, 2011).

O cloreto de hidrogénio (HCl) é um gás tóxico. A exposição a este gás pode provocar danos ao nível do tracto respiratório e ainda promover processos erosivos nos dentes, bem como irritação da pele. Por outro lado, a exposição crónica ao fluoreto de hidrogénio (HF) pode conduzir ao desenvolvimento de fluoroses dentá-rias nas crianças e a fluoroses esque-léticas no adulto (Amaral & Rodri -guEs, 2011).

Todos estamos permanentemente ex-postos a radiação natural. De acordo com Louro et al. (2012), uma das

principais fontes de radiação natural é o 222Rn, um descendente direto do rá-dio-226 (226Ra), e ambos

pertencen-p

oluENtEsvulcaNogéNicosEEfEitosNasaúdE

(7)

tes à série radioativa do urânio-238 (238U). Quando os átomos de radão se desintegram emitem partículas α. Quando as habitações são construídas sobre formações e estruturas geoló-gicas ricas em radão, as partículas α podem atingir o interior das constru-ções, penetrando através de poros e fendas existentes na laje/pavimento e através das tubagens e canalizações. O radão é um gás radioativo, incolor, inodoro e mais denso do que o ar e, portanto, tende a acumular-se prefe-rencialmente nas caves e nos pisos inferiores das construções e, nestas, junto ao pavimento.

De acordo com o Relatório da Quali-dade do ar para a Europa produzido pela OMS (WHO, 2000), as concen-trações médias de radão registadas no ar interior na Europa variam entre 20 Bq/m3 e 100 Bq/m3, valores muito inferiores aos registados para várias regiões de Portugal continental (Louro et al. 2012) e para as Furnas

(Silva et al. 2007). O mesmo

relató-rio da OMS estima que a uma exposi-ção média de 100 Bq/m3 possa corres-ponder um aumento de cerca de 2 700 a 5 100 mortes por cancro de pulmão em cada milhão de pessoas expostas, constituindo-se na 2.ª causa de morte por cancro do pulmão a nível mun-dial, depois do tabaco. Recentemente, TurNEr et al. (2011) através de um

estudo epidemiológico de grande es-cala realizado nos EUA,

demonstra-ram que a cada incremento de 100 Bq/m3 na concentração de radão no interior das habitações, corresponde um aumento de 15% na mortalidade resultante de cancro de pulmão. Os metais pesados também se cons-tituem como importantes poluentes atmosféricos, quer tendo origem an-tropogénica, a partir de várias ativi-dades industriais, quer tendo origem em fontes naturais, poeiras dos solos e atividade vulcânica. Quando lança- dos no ambiente, os metais pesados persistem, não se degradando, e quando biodisponíveis acumulam-se na cadeia alimentar. A exposição cró-nica aos metais pesados resulta na sua contínua bioacumulação nos tecidos e órgãos dos seres vivos, produzindo efeitos mutagénicos, teratogénicos, carcinogénicos e, podendo também interferir no funcionamento de enzi-mas e outros processos fisiológicos. Em 2004, um trabalho desenvolvido por DuraNd et al. (2004)

demons-trou, através da análise à urina de 10 voluntários, que uma exposição durante 20 minutos aos vapores das fumarolas em White Island (Nova Zelândia) se traduzia num aumento significativo das concentrações de vá-rios metais pesados. Esta experiência contribuiu decisivamente para pro- var a importância da inalação como via de entrada de metais pesados em ambientes com atividade vulcânica secundária (desgaseificação difusa do

(8)

solo e fumarolas), mesmo em casos de exposição aguda.

De entre os metais pesados, aqueles que merecem destaque na legislação europeia e nacional, pela sua peri-gosidade para a saúde humana e dos ecossistemas, são o cádmio (Cd), o chumbo (Pb) e o mercúrio (Hg). A exposição ao cádmio está geralmen-te associada ao dano quer no rim quer no tecido ósseo, uma vez que com-pete com o ião cálcio em processos fisiológicos que decorrem nestes ór-gãos/estruturas. Entre os efeitos mais comuns encontra-se a osteoporose e o dano do revestimento epitelial dos túbulos contornados proximais do nefrónio, provocando a excessiva excreção de proteínas na urina. As suas propriedades carcinogénicas estão também amplamente divulga-das, estando a exposição crónica a este elemento associada ao aumento de risco de desenvolver cancro do pulmão (WHO, 2007).

O chumbo (Pb) é um elemento neuro- tóxico, afetando em particular as crianças, durante a fase de desenvol-vimento do sistema nervoso. Assim, quer a exposição durante a gravidez

(vida in utero) quer durante os pri-meiros anos de vida deve ser objeto de particular preocupação. Devido à retirada do Pb dos combustíveis no final dos anos 80 do século XX, os níveis de chumbo no ar na Europa ocidental caíram cerca de 70%, o que se refletiu nos níveis deste metal no sangue das populações e, consequen-temente, numa drástica redução dos efeitos na saúde.

O mercúrio (Hg) no ar atmosférico pode ter origem em fontes antropogé-nicas ou naturais e ocorrer na forma inorgânica ou orgânica.O mercúrio inorgânico é convertido a metilmer-cúrio pelos microorganismos, sendo depois incorporado em quase todas as espécies e, consequentemente, na cadeia alimentar. Embora as concen-trações de mercúrio no ar na Europa estejam bem abaixo daquelas capazes de produzir efeitos nefastos na saúde, o metilmercúrio é um potente neuro-tóxico e, por essa razão, exige redo-brada atenção em termos de monito-rização ambiental. No entanto, a via mais comum de intoxicação por metil- mercúrio é a ingestão, em particular de peixes e mamíferos marinhos.

furNas E ribEira QuENtE – um caso dE Estudo Nos açorEs

O controlo da qualidade do ar interior

ou exterior pode fazer-se através de duas abordagens – a monitorização

e a biomonitorização. Os programas de monitorização restringem-se, em regra, à quantificação de cada um dos

(9)

poluentes previstos na legislação em vigor. Esta abordagem, embora indis-pensável, apresenta algumas lacunas, sendo uma delas o facto de não levar em linha de conta os efeitos sinergís-ticos das misturas, mesmo quando cada um dos componentes não ex-cede os limites impostos pela legis-lação. Acresce, ainda, que a monito-rização dá-nos apenas uma medida indireta do grau de exposição a que as pessoas estão sujeitas, não fornecen-do dafornecen-dos da carga de poluentes exis-tente no interior do nosso organismo e, muito menos, dos efeitos nefastos que estão a ocorrer. Assim, contra-riando a prática das últimas décadas, e centrando-se nos efeitos na saúde, a tendência dos atuais programas de monitorização ambiental aconselha a integração da utilização de biomarca-dores de exposição e de efeito (bio-monitorização) com a determinação da concentração de cada um dos po-luentes, pondo especial cuidado na potenciação sinergística das misturas, mesmo quando cada um dos poluentes se apresenta em concentrações bem abaixo dos limites impostos por lei. A biomonitorização consiste na pes-quisa e utilização de respostas bioló-gicas – biomarcadores moleculares, celulares, fisiológicos, entre outros – para avaliar o impacte dos fatores ambientais (e.g. poluentes do ar) so-bre a saúde das populações, humanas ou não.

O Grupo de Investigação em Saúde Ambiental e Ecotoxicologia do Depar- tamento de Biologia da Universidade dos Açores tem vindo a desenvolver investigação científica com vista à identificação e determinação de novos biomarcadores de exposição e de efeito relacionados com a exposição a poluentes do ar, com particular en-foque nos de origem vulcanogénica. Grande parte destes trabalhos tem decorrido em estreita colaboração com as populações das localidades das Furnas e da Ribeira Quente, na ilha de São Miguel, edificadas sobre a maior área de desgaseificação difusa dos solos nos Açores. Um dos pri-meiros trabalhos foi realizado em 2006 por Amaral et al. e consistiu

na determinação da taxa de inci-dência de vários tipos de cancro no período entre 1991 e 2001, através da análise dos registos médicos dos centros de saúde. Neste trabalho, em que foram comparadas as populações das Furnas e da ilha de Santa Maria (sem atividade vulcânica há cerca de 3 milhões de anos), verificou-se uma taxa muito maior de cancro do lábio, cavidade oral e faringe, em ambos os sexos, e cancro da mama nas mulhe-res das Furnas. Em 2007, Amaral et al. publicaram um trabalho que compara a taxa de incidência de bronquite crónica em ambas as popu-lações para o mesmo período, reve-lando que na população das Furnas, e

(10)

com particular ênfase nas faixas etá-rias mais jovens, a taxa de incidência era muito mais elevada. O mesmo estudo revela que o risco de desen-volver bronquite crónica na popula-ção das Furnas é 3,99 vezes superior nos homens e 10,74 vezes superior nas mulheres, em relação à população de Santa Maria. Já em 2013, Cama -riNHo et al. avaliaram o grau de dano

ao nível dos pulmões de 3 populações de Mus musculus (murganho ou rato doméstico), uma das Furnas (exposta a poluição vulcanogénica), outra de Ponta Delgada (exposta a poluição antropogénica) e uma terceira de Rabo de Peixe (sem fontes de polui-ção aparente). Os indivíduos captura-dos nas Furnas apresentavam maior espessura dos septos, menor períme-tro e menor área dos alvéolos pulmo-nares. Por outro lado, este mesmo grupo também apresentava um grau inflamatório do tecido pulmonar signi- ficativamente superior. Os autores concluem que os indivíduos do grupo exposto ao ambiente com actividade vulcânica apresentam pulmões com um grau de dano significativamente superior, de que resulta um índice funcional significativamente infe-rior. A informação fornecida por esta espécie bioindicadora pode ser de grande utilidade para ajudar a avaliar os riscos para a saúde das populações humanas expostas cronicamente a ambientes com actividade vulcânica.

Em 2008 foi analisada a presença de elementos traço em amostras de cabelo de homens quer da população das Furnas (cronicamente expostos a atividade vulcânica) quer de Santa Maria (Amaral et al., 2008). Este

estudo revelou que as amostras de cabelo dos homens das Furnas apre-sentam maiores concentrações de Cd, Cu, Pb, Rb, e Zn do que as dos homens de Santa Maria. Por outro lado, a comparação feita com dados de estudos realizados com popula-ções residentes em zonas fortemente industriais de outros países, permiti-ram concluir que a exposição crónica a ambientes com atividade vulcânica se pode traduzir num risco similar de acumulação de metais pesados. Estes dados revelam o elevado grau de exposição a metais pesados a que a população das Furnas está sujeita e, poderão ajudar a explicar a maior taxa de incidência de determinadas patologias, particularmente de certos tipos de cancro.

Um dos biomarcadores desenvolvi-dos e utilizadesenvolvi-dos pelo Grupo de Inves- tigação em Saúde Ambiental e Ecoto-xicologia em programas de biomo-nitorização da qualidade do ar, são os defeitos que ocorrem no núcleo das células que revestem a mucosa da cavidade bucal. Estas células têm um tempo de vida de cerca de 10 dias desde a sua origem na zona mais pro-funda do tecido epitelial, até

(11)

morre-rem e se libertamorre-rem à superfície na cavidade bucal. Durante o processo mitótico e posterior diferenciação celular, rumo à superfície, as células estão particularmente susceptíveis à influência nefasta dos xenobióticos (e.g. poluentes do ar), que se mani-festa em vários tipos de anomalias nucleares visíveis ao microscópio. Os tipos de anomalias nucleares e a fre-quência com que ocorrem represen-tam a resposta daquele tecido, e do indivíduo, à exposição a uma deter-minada carga e tipologia de poluentes do ar, constituindo assim biomarca-dores de efeito.

Em 2012 RodriguEs et al.

compa-raram amostras de epitélio bucal da popu-lação das Furnas com amos-tras da população de Santo António, ambas na ilha de São Miguel, mas a última localizada numa área sem qualquer manifestação aparente de actividade vulcânica. Este trabalho revelou que a frequência de células com micronúcleos e de células com outras anomalias nucleares por cada

1000 células na população das Fur-nas era significativamente superior à de Santo António. O estudo aponta para um risco 2,4 vezes superior de desenvolver células micronucleadas e 3,1 vezes superior de desenvolver células com outras anomalias nuclea-res nos indivíduos da população das Furnas. Dado que a ocorrência de células micronucleadas no epitélio oral é reconhecida como um biomar-cador preditivo de risco de cancro em populações saudáveis, estas descober- tas poderão contribuir para ajudar a explicar as elevadas taxas de can-cro do lábio, cavidade oral e faringe acima referidas para a população das Furnas.

Estes trabalhos, desenvolvidos pelo Grupo de Investigação em Saúde Ambiental e Ecotoxicologia, têm vin-do a demonstrar a importância de se estudar os efeitos na saúde humana da exposição a poluentes vulcano-génicos, particularmente nas popu-lações cronicamente expostas a este tipo de ambiente.

bibliografia

Amaral, A. F. S., V. RodriguEs, J. OlivEira, C. PiNto, V. CarNEiro, R. SaNbENto, R. CuNHa & A. S. RodriguEs, 2006. Chronic exposure to volcanic environments and cancer incidence in the Azores, Portugal.

Science of the Total Environment, 367:

123-128.

Amaral, A. F. S. & A. S. RodriguEs, 2007. Chronic exposure to volcanic environ-ments and chronic bronchitis incidence in the Azores, Portugal. Environmental

Research, 103: 419-23.

Amaral, A. F. S., M. Arruda, S. Cabral & A. S. RodriguEs, 2008. Essential and

(12)

non-essential trace metals in scalp hair of men chronically exposed to volcanogenic metals in the Azores, Portugal.

Environ-ment International, 34: 1104-1108.

Amaral, A. F. S. & A. S. RodriguEs, 2011. Volcanogenic contaminants: chronic expo-sure. In: J. Nriagu (ed.), Encyclopedia of

environmental health, Vol. 5, pp. 681-689.

Elsevier BV, New York, USA.

Borsos, E., L. Makra, R. Béczi, B. VitáNyi & M. SzENtpétEri, 2003. Anthropogenic air pollution in the ancient times. Acta

climatológica et chorologica, Universitatis

Szegediensis, 36: 5-15.

BurtoN, M. R., G. M. SawyEr & D. Gra -NiEri, 2013. Deep Carbon Emissions from Volcanoes. Reviews in Mineralogy and

Geochemistry, 75: 323-354.

CamariNHo, R., P. V. Garcia & A. S. rodri -guEs, 2013. Chronic exposure to volcano-Chronic exposure to volcano-genic air pollution as cause of lung injury.

Environmental Pollution, 181: 24-30.

CoHEN, A. J., H. R. ANdErsoN, B. Os -tro, K. D. PaNdEy, M. KrzyzaNowski, N. KüNzli, K. GutscHmidt, C. A. PopE, I. RomiEu, J. M. SamEt & K. R. SmitH, 2004. Urban Air Pollution. In: M. Ezzati, A. D. LopEz, A. D. RodgErs & C. J. L. Murray (eds.), Comparative

Quantifica-tion of Health Risks: Global and Regional Burden of Disease due to Selected Major Risk Factors, Vol. 2, pp. 1353-1433. World

Health Organization, Geneva.

CoNway, J., E. MoorE, J. FlEmiNg & S. Hol -gatE, 1998. Three dimensional imaging of lung deposition from nebulizer in mod-erate/severe asthmatics. American Journal

of Respiratory Critical Care in Medicine,

157: A456.

DElmEllE, P. & J. StiX, 2000. Volcanic Gases. In: H. SigurdssoN, B. HougHtoN,

S. McNutt, H. RymEr & J. StiX (eds.),

Encyclopedia of volcanoes, pp. 803-816.

Academic Press, San Diego.

DuraNd, M., C. Florkowski, P. GEorgE, T. WalmslEy, P. WEiNstEiN & J. ColE, 2004. Elevated trace element output in urine following acute volcanic gas expo-sure. Journal of Volcanology and Geother-mal Research, 134(1-2): 139-148.

DuraNd, M., 2006. Indoor air pollution caused by geothermal gases. Buildingand

Environment, 41: 1607-1610.

FErrEira, T., J. L. Gaspar, F. VivEiros, M. Marcos, C. Faria & F. Sousa, 2005. Monitoring of fumarole discharge and CO2

soil degassing in the Azores: contribution to volcanic surveillance and public health risk assessment. Annals of Geophysics, 48: 787-96.

Iwasawa, S., Y. kikucHi, Y. NisHiwaki, M. NakaNo, T. MicHikawa, T. Tsuboi, S. TaNaka, T. UEmura, A. IsHigami, H. NakasHima, T. TakEbayasHi, M. AdacHi, A. Morikawa, K. Maruyama, S. Kudo, I. UcHiyama & K. OmaE, 2009. Effects of SO2 on respiratory system of adult

Miyakejima resident 2 years after return-ing to the island. Journal of Occupational

Health, 51: 38-47.

KatsouyaNNi, K., A. Gryparis & E. Samoli, 2011. Short-Term Effects of Air Pollution on Health. In: J. Nriagu, J. (ed.),

Ency-clopedia of environmental health, Vol. 5,

pp. 51-60. Elsevier BV, New York, USA. Louro, A., L. PEralta, S. SoarEs, A. PErEira, G. CuNHa, A. BElcHior, L. FErrEira, O. moNtEiro gil, H. Louro, P. PiNto, A. S. RodriguEs, M. J. Silva & P. TElEs, 2012. Human exposure to indoor radon: a survey in the region of Guarda, Portugal.

(13)

Radiation Protection Dosimetry, 154(2):

237-244.

RodriguEs, A. S., M. Arruda & P. V. Garcia, 2012. Evidence of DNA damage in humans inhabiting a volcanically active environment: a useful tool for biomonitor-ing. Environment International, 49: 51-56. Silva, C., T. FErrEira & F. VivEiros, 2007.

Radon (222Rn) soil gas measurements at

Furnas Volcano (S. Miguel Island, Azores).

Geophysical Research Abstracts, 9: 08372.

TurNEr, M. C., D. KrEwski, Y. CHEN, C. ardEN popE III, S. susaN gapstur & M. J. THu, 2011. Radon and lung cancer in the American Cancer Society Cohort.

Cancer Epidemiology, Biomarkers & Pre-vention, 20: 438-48.

VivEiros, F., C. CardElliNi, T. FErrEira, S. Caliro, G. CHiodiNi & C. Silva, 2010. Soil CO2 emissions at Furnas volcano

(São Miguel Island, Azores archipelago) – volcano monitoring perspectives, geo-morphologic studies and land-use plan-ning application. Journal of Geophysical

Research, 115: B12208.

VivEiros, F., T. FErrEira, C. Silva & J. L. Gaspar, 2009. Meteorological factors controlling soil gases and indoor CO2 con-centration: A permanent risk in degassing areas. Science of the Total Environment, 407: 1362-1372.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO), 2000. Air quality guidelines for Europe.

Second edition, pp. 273. WHO Regional

Publications, European Series, Nº 91, Copenhagen, Denmark.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO), 2007. Health risks of heavy metals from

long-range transboundary air pollution,

pp. 130. WHO Regional Office for Europe, Copenhagen, Denmark.

Referências

Documentos relacionados

Embora não tenha encontrado uma associação entre os casos diagnosticados recentemente de DII e os níveis de poluição do ar em geral, ele descobriu que a doença de Crohn era

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

Sequência de operação: Um sistema de monitoramento de gás duplo para a cozinha comercial usa um sensor de detecção de gás combustível como uma fonte de monitoramento remoto

Brocas Drills FTO-5D Concorrente Competitor 40 20 60 80 100% (m) 200% Concorrente Competitor FTO-5D Ferramenta Tool FTO-5D Ø3.4 Material a ser usinado Work Material S50C DIN CK50

1) Centralização na tecnologia, tendo sua origem marcada na Administração Científica de Taylor com um elevado número de estudos sobre tempos e movimentos, tarefas do enfermeiro. A

3 RONALDO ANDRADE ROCHA 46 SPORT CLUB

Sem prejuízo do disposto nos parágrafos seguintes, os Clientes não terão o direito de exigir da TVI a execução específica das Ordens de Publicidade nem qualquer

Freqüência de MCN (%) em plantas expostas (24h) nos locais de monitoramento em Porto Alegre.(2. Unidade de Saúde Glória, 7. 8º Distrito de Meteorologia, 8. Capivari do Sul)..