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O PENSAMENTO APOCALÍPTICO DO APÓSTOLO PAULO NA PRIMEIRA CARTA DE TESSALONICENSES

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O PENSAMENTO APOCALÍPTICO DO APÓSTOLO PAULO NA

PRIMEIRA CARTA DE TESSALONICENSES

Silvia Domingos de Oliveira (UEL-PG)122

Resumo:

O objetivo desse trabalho é analisar o pensamento apocalíptico do apostolo Paulo. O estudo é realizado através da narrativa do autor na primeira carta aos Tessalonicenses que esta inserida no cânon do Novo Testamento. A visão apocalíptica de Paulo foi recebida através da herança de suas raízes judaicas e moldada ao longo de seu ministério. Impulsionado pela convicção de que o Jesus de Nazaré, aceito como Messias voltaria para buscar os que receberam seu evangelho, Paulo se empenha em levar essa crença para todos quantos conseguisse alcançar. Os temas apocalípticos desenvolvidos pelo apóstolo permeiam a esfera do “já” e o “ainda não”. A redenção desses primeiros cristãos é o principal tema da mensagem apocalíptica de Paulo para a comunidade de Tessalônica. Palavras chave: Apóstolo Paulo. Visão apocalíptica. Tessalonicenses. Vinda de Cristo.

No primeiro século da era cristã, o cristianismo surge como uma das muitas vertentes religiosas que faziam parte do império romano e que convivia com muitas culturas distintas, principalmente nas províncias do mediterrâneo. A diversidade cultural presente nesse contexto permite que o apóstolo Paulo seja enxergado dentre as heranças recebidas do judaísmo, do helenismo ou do próprio movimento cristão nascente. Os elementos dessas crenças foram adaptados e ressignificados dando posteriormente autonomia para a teologia paulina.

O cristianismo surge por intermédio do judaísmo e, no século I d.C ainda não é possível enquadrá-lo na categoria de religião autônoma. John Dominic Crossan entende que o cristianismo surge como mais uma das várias tendências interpretativas da tradição judaica e por isso neste primeiro momento as palavras cristão e cristianismo podem ser perfeitamente trocadas por judeu-cristão e judaísmo cristão (CROSSAN, 2004, p.38 APUD MENDES, 2011, p.9).

Os ensinamentos de Paulo foram disseminados através de suas cartas123 enviadas

às comunidades sobre as quais o mesmo exercia autoridade espiritual. Essas comunidades são frutos da obra missionária do apóstolo ou de seus colaboradores. Para entender melhor

122Graduada em História pela Universidade Estadual de Londrina e Especialista em Religiões e

Religiosidades também pela UEL. Atualmente aluna de mestrado do Programa de Pós-Graduação em História Social na UEL sob a orientação da prof.ª. dr.ª Monica Selvatici. E-mail para contato: silvia86@bol.com.br.

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257 este cenário histórico no qual se inserem as comunidades paulinas nas províncias

romanas, se faz necessário descortinar a postura política de dominação que o Império Romano impunha aos territórios que lhe interessava conquistar. Pela força de seu poderio militar, Roma conquistou uma vastidão de espaços e povos mantendo sob seu domínio.

Segundo a historiadora Norma Musco Mendes, é possível entender o Império romano como “... um ambiente que se caracteriza pela heterogeneidade socioeconômica e de diferenças sociais, capaz de criar mecanismos para manter a integração sob uma nova ordem global”. Para a autora esta postura de globalização do Império romano permite reproduzir e estruturar oposições e dicotomias e possibilita aos estudiosos do mundo romano utilizar o termo romanização (MENDES, 2011, p. 427).

Mendes ainda afirma que, desde a Roma republicana, a cultura romana deve ser entendida como um produto da interação de uma verdadeira constelação de culturas existentes no mundo mediterrâneo e que esse caráter plural assumido pelo império esteve em constante transformação (MENDES, 2011, p. 429). O conceito de romanização não é entendido pela autora como associação das ideias de progresso e aculturação, pois o termo foi ideologicamente forjado e construído e que não alcançou todos os espaços submetidos ao domínio romano (MENDES, 2011, p.427).

Implantadas no contexto mediterrâneo das províncias romanas, as comunidades de crentes em Jesus, frutos da obra missionária de Paulo, se desenvolvem conquistando cada vez mais adeptos. Mergulhados nesse universo cultural heterogêneo esses núcleos cristãos do primeiro século ficavam submetidos à intensa prática de negociação cultural entre os romanos e os demais habitantes dessas localidades. O autor Ray Laurence afirma que o império romano não exigiu que indivíduos ou comunidades adotassem a identidade romana em exclusão de qualquer outra (LAURENCE, 1998, p.22 APUD MENDES, 2011, p. 429).

Diante dessa postura do império romano, havia no interior de tais espaços a oportunidade de vivenciar a própria identidade cristã e não exclui-la. Paulo se preocupava em exortar as pessoas que faziam parte de suas comunidades a manterem sua identidade cristã. Para isso o apóstolo sempre faz referência em suas cartas ao catálogo de virtudes para estimular a obra de santificação, pois para Paulo a geração a qual pertencia era

corrompida e depravada (Fl 2:15)124. Essa atitude visava preparar a igreja para a segunda

vinda do Messias. Mas Paulo não se preocupava somente em exortar a comunidade à

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258 santificação, outra condição da pregação paulina para os que criam em sua mensagem era

o desapego em relação às coisas mundanas.

Para começar a falar do posicionamento do autor da carta de I Tessalonicenses em relação à visão apocalíptica é necessário “definir” quem era o apóstolo. Paulo era um judeu natural da cidade de Tarso, capital da província romana da Cilícia. Tarso era uma colônia romana e a maior cidade da Cilícia e estava desde o ano de 67 a.C. sob o domínio dos romanos. Esta cidade tinha autonomia local e se caracterizava como uma cidade livre. A narrativa de Lucas registrada no livro Atos dos Apóstolos (At 22: 27-29) afirma que Paulo era cidadão romano.

Era extremamente zeloso na observância da lei e segundo suas próprias palavras em Filipenses 3:6, perseguia ferozmente os cristãos. Por muito tempo exegetas e estudiosos do cristianismo tentaram desenraizar a herança judaica do apóstolo afirmando que, ao converter-se a Jesus no caminho de Damasco, o mesmo teria rompido com a crença na Torá. No entanto, o novo modelo interpretativo acerca do cristianismo primitivo não concebe esse entendimento.O próprio apóstolo Paulo se identificava como judeu em algumas de suas cartas. Em Filipenses, ele afirma ser “hebreu dos hebreus” (Fl 3:5), ele também se identifica “também sou israelita” (Rm 11:1).

O autor Martinus De Boer afirma que Paulo não se tornou um missionário cristão por se sentir insatisfeito com sua identidade judaica. O que fez o apóstolo a levar a cabo sua alienação em relação a seu passado farisaico foi a “revelação” (apokalypsis) de Jesus a ele. (DE BOER, 2001, p.19).

Ao acreditar que Jesus de Nazaré era o Messias, a apóstolo torna-se anunciador dessa fé, principalmente aos gentios (Rm 11:13), afinal esta foi, segundo ele, a missão para a qual foi designado no caminho de Damasco, “... quando porém, aquele que me separou desde o seio materno e me chamou por sua graça, houve por bem revelar em mim o seu filho, para que eu evangelizasse entre os gentios, não consultei carne, nem sangue...”. (Gl 1:5-16). Helmut Koester afirma que o êxito da missão de Paulo deve-se ao conjunto de conhecimento que o mesmo adquiriu entre os gentios e que esse conhecimento é revelado em suas epístolas, as habilidades da língua grega, ideias filosóficas e o uso da retórica, permitiam-lhe executar sua missão evangelística (KOESTER, 2005, p.114).

Analisando o cânon do Novo Testamento pode-se dizer que a missão de Paulo foi bem sucedida pelas cartas que lá estão inseridas. Segundo Wayne Meeks, o evangelho

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259 anunciado por Paulo era centrado em Cristo e alcançou, além de Roma, pelo menos quatro

províncias do Império romano: Galácia, Acaia, Ásia e Macedônia (MEEKS, 1992, p.71). Paulo, sempre que teve a oportunidade, se valeu de suas experiências místicas para procurar legitimar seu apostolado. Por não ter sido chamado por Jesus como os doze discípulos, o mesmo procurou tornar legítima sua pregação em toda comunidade para a qual destinava suas mensagens. Para os Coríntios ele afirma [...] não vi eu o Senhor? [...] (I Co 9:1 e 2), para os Gálatas ele afirma que a mensagem que ele pregava fora revelada pelo Senhor (Gl 1:12).

As convicções teológicas de Paulo, que hoje são concebidas como escatológicas e que faziam parte de sua visão apocalíptica, mostra que ele acreditava que o mundo em que vivia estava à beira do fim. Essa crença na consumação dos séculos aparece de forma latente no discurso para os tessalonicenses. No entanto, segundo Martinus De Boer, a escatologia apocalíptica presente nas narrativas do Novo Testamento não pode se limitar à expectativa futura, ou seja, a parousia de Cristo, mas deve abarcar o Reino de Deus que se manifestou na obra de Jesus (DE BOER, 2001, p.89).

Nessa perspectiva, a apocalíptica para predizer as coisas futuras procura entender primeiro o tempo presente em que os indivíduos estão inseridos. Essa dualidade temporal esta inserida na linguagem das duas eras, “esta era” e a “era vindoura”. Para James Dunn, a “era presente” esta cheia de males e encontra-se sob o domínio de Satanás e de poderes hostis, para esse mundo a esperança não é manifesta e essa situação só será compensada no futuro com a nova criação (DUNN, 2009, p.458).

A dualidade entre essas distintas eras, se caracteriza pela tensão entre o “já” e o ainda “não”, tão presentes na teologia paulina e a compreensão das “últimas coisas” tem implicações práticas na relação direta a respeito da vida cristã no “aqui e agora” (NASH, 2004, p.295).

Steven Boyd Nash ainda desenvolve o pensamento de que, para Paulo, o “Já” tinha sido inaugurado na ressurreição de Jesus e quem aceitava esse fato se tornava nele participante da “nova criação” e participante da benção escatológica. É claro que a implantação total do Reino de Deus só se daria com a derrota final de todas as forças maléficas que regem o mundo (NASH, 2004, p. 313).

Ao se apoiar na visão apocalíptica para seus discursos religiosos, Paulo insere nas comunidades a ideia da esperança de redenção como um elemento constitutivo de sua teologia. É importante ter em mente que tanto o apóstolo quanto seus colaboradores sofreram grande influência de tal visão apocalíptica.

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260 O autor Martinus De Boer entende que ser apocalíptico é conceber as revelações

as “revelações dos mistérios” divinos supostamente dados por Deus a um visionário, estas revelações manifestam através de mensagens entregues por anjos, visões sobrenaturais e revelações do futuro (DE BOER, 2001, p.134).

Para entender o pensamento apocalíptico de Paulo, a historiografia contemporânea sobre o cristianismo primitivo, procura investigar a sua herança judaica, por isso parece historicamente muito adequado entender que Paulo se apropria da leitura que já tinha dos profetas escatológicos para moldar sua visão apocalíptica.

Helmut Koester, em sua obra Introdução ao Novo Testamento, afirma que o movimento apocalíptico foi um fator relevante no cenário religioso de Israel no período helenístico e que serviu de ponte essencial entre o Antigo e o Novo Testamento, sendo inclusive usado como mediador da herança de Israel na tradição profética para João Batista, Jesus e seus seguidores (KOESTER, 2005, p.232).

Os profetas escatológicos produtores de literatura apocalíptica da Judéia do final do período do Segundo Templo judaico como Daniel, Isaías, entre outros, abordavam crises específicas nas relações imperiais contínuas entre povos subjugados e regentes imperiais. Essas mensagens contêm sempre a intervenção de Deus para restaurar seu povo e líderes que permaneceram fiéis aos modos de vida nos padrões divinos (HORSLEY, 2004, p.146). Estes profetas propagavam através de suas concepções apocalípticas que esse mundo terreno seria destruído juntamente com seus impérios todos insubmissos à vontade divina através do julgamento de Deus.

Nas narrativas inseridas no cânon do Novo Testamento a destruição do mundo se iniciará depois do advento de Cristo na chamada parousia. O termo parousia é um elemento da escatologia apocalíptica que aparece em algumas narrativas paulinas, só em I Tessalonicenses aparece quatro vezes na carta (ITs 2:19; 3:13; 4:15; 5:23). Segundo o autor Helmut Koester, tem-se usado a palavra parousia como termo técnico para a vinda escatológica de Jesus. Contudo, segundo esse autor não há evidências de que na literatura apocalíptica pré-cristã o termo tenha sido usado no sentido que ele assume nas cartas de Paulo.

O autor ainda conclui que esse termo técnico foi introduzido por Paulo nessa carta e que é um termo político estreitamente ligado ao status da comunidade (KOESTER, 2004, p.161). Os autores John Dominic Crossan e Jonathan L. Reed expõem que, no contexto do apóstolo Paulo, essa palavra significava “chegada” ou “retorno” e era usada

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261 especialmente para as visitas que os imperadores romanos realizavam nas cidades

dominadas, fosse a ocasiões de festas ou de guerra (CROSSAN, 2007, p.158).

Seguindo a cronologia mais aceita por estudiosos125 da vida e obra de Paulo, a

primeira carta aos Tessalonicenses é a mais antiga epístola produzida pelo apóstolo, também é o documento cristão mais antigo, foi redigidapor volta de 49/50 d.C. De acordo com a narrativa de Lucas em Atos dos Apóstolos (At 17:19), Paulo esteve em Tessalônica depois de deixar a comunidade de Filipos (COMBLIM, 1993, p.114).Através dessa consideração entende-se o entusiasmo de Paulo e a esperança alimentada na crença da parousia de Cristo.

Na narrativa aos Tessalonicenses, Paulo coloca-se como participante desse evento. O fragmento da carta que mais elucidada essa afirmação narra a esperança do autor da seguinte forma:

[...] Quando o Senhor, ao sinal dado, a voz do os vivos que estivermos lá, seremos arrebatados com eles nas nuvens para o encontro com o Senhor nos ares arcanjo e ao som da trombeta divina, descer do céu, então os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; em seguida nós, e assim estaremos para sempre com o Senhor [...]. (1Ts 5:16) .

Após o que ele acreditava como ressurreição de Jesus, o mesmo se manifestaria novamente, essa segunda vinda seria para levar consigo os fiéis que aceitaram seus ensinamentos para possuir para sempre seu reino o Reino do Messias. O apóstolo Paulo expressa que, “ao som da trombeta” a vinda de Jesus será para a ressurreição dos mortos

e os vivos serão arrebatados126.

Ao que parece, carta foi escrita para dar respostas ao desconforto que a comunidade cristã de Tessalônica enfrentava com a morte de alguns de seus componentes. Para isso o apóstolo responde que tanto os mortos como os vivos serão participantes desse evento, a vinda de Jesus, desde que vivam de forma honrada perante os “de fora” (I Ts 4:9).

125 Ver Comblim, J (1993, p.43); DUNN, J (2009,p.473) e BARBAGLIO, G (1993, p. 214)

126 Termo latino que significa pegar ou capturar, essa palavra é utilizada para descrever a retirada dos

cristãos do mundo no retorno de Cristo (Glossário de termos escatológicos, p.1935 - BÍBLIA DE ESTUDO DA MULHER, 2009).

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262 Para W. Meeks, os cristãos mais antigos influenciados pelas palavras de Paulo

realmente pensavam que o mundo em que viviam estava prestes a chegar ao fim, a morte e a ressurreição do Messias são compreendidas pelo apóstolo como o primeiro ato do cenário escatológico (MEEKS, 1992, p.251).

A cidade de Tessalônica foi fundada em 315 a.C por Cassandro, oficial de Alexandre Magno, situava-se no golfo de Salônica. Quando os romanos tomaram a região da Macedônia e a dividiram em quatro partes, Tessalônica tornou-se capital de uma e depois assumiu o posto de capital de toda a província da Macedônia. O autor Willian Hendriksen expõe que, por ser extremamente helenizada, a maioria de sua população era de gregos, mas que havia muitos cidadãos romanos, orientais e judeus que foram atraídos pelas oportunidades de trabalho no comércio (HENDRIKSEN, 1998, p.12).

Assim como muitas outras cidades sob o domínio de Roma, Tessalônica também adorou como divindade a figura dos imperadores. O evangelho de Jesus chegou nesta cidade conquistando alguns de seus cidadãos. K. Donfried afirma que os magistrados locais de Tessalônica eram responsáveis pela administração do juramento de fidelidade ao imperador e por lidar com a violação dele. Esse procedimento assegurava a lealdade e obediência a todas as decisões de César, inclusive o culto imperial (DONFRIED, 2004, p.214).

Levando em consideração a mensagem de Paulo na carta endereçada a essa comunidade, a qual expõe que os tessalonicenses se converteram à mensagem de Deus e deixaram os ídolos (I Ts 1:9), percebe-se a preocupação de Paulo com um possível retorno de tais discípulos a prática do politeísmo. Por isso o apóstolo se adianta em exortar a todos para que estes continuem firmes no proposito de manterem-se monoteístas como pede a fé cristã.

A mensagem de Paulo para a comunidade de fiéis em Cristo situada nessa cidade cosmopolita era de santificação, ou seja, de separação de práticas que eram consideradas abomináveis a divindade dos cristãos. No caso dessa comunidade a mensagem de exortação era contra o culto aos ídolos. O repúdio ao culto aos ídolos e ao imperador visava santificar esses cristãos tessalonicenses para que os mesmos fossem participantes da parousia de Cristo.

Paulo apela para que os tessalonicenses se santifiquem em tudo, no espírito, alma e corpo (1Ts 5:23) a fim de que sejam conservados íntegros e irrepreensíveis para o arrebatamento da igreja. A mensagem do apóstolo no âmbito espiritual é de vigilância para seus destinatários “[...] quando as pessoas disserem: paz e segurança!então, lhes virá

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263 repentina destruição [...]” (1Ts 5:3). Nesse contexto, os dizeres “paz e segurança” estavam

associados à chamada pax romana e seriam um sinal de Deus de que o fim iminente estava às portas.

Para os autores Crossan e Reed o discurso paulino aos tessalonicenses denota o caráter antiimperialista do apóstolo. A carta contém vários dizeres que seriam entendidos naquele momento histórico como afronta à ordem do imperador e os temas mencionados nela poderiam ser interpretados por leitores da época como mensagens subversivas. Os autores ainda argumentam que nesse texto paulino encontram-se palavras como “senhor” (Kyrios), empregada a Cristo.

É sabido que essa palavra era usada por escravos em relação aos seus proprietários e que, neste contexto, sendo usada em relação à outra pessoa que não fosse o imperador poderia acarretar o crime de alta traição com severa penalidade (CROSSAN E REED, 2007, p. 157). Outra palavra que aparece nesta narrativa paulina é ekklésia, hoje traduzida por igreja, mas que na Tessalônica deste período assumia uma conotação de assembleia reunida, para tomar decisões sobre seu autogoverno, ou seja, mantinha um caráter subversivo ao domínio imperial (CROSSAN E REED 2007, p. 156).

Ainda segundo Crossan e Reed, a frase mais incendiária de Paulo na sua postura antiimperialista expressa nesta carta é “quando as pessoas disserem: paz e segurança então lhes sobrevirão repentina destruição, como as dores sobre a mulher grávida; e não poderão escapar” (I Ts 5:3). A Pax Romana era o que império permitia e dava às províncias conquistadas. Crossan e Reed asseguram que Paulo previa a ameaça da calamidade iminente à serenidade do governo romano. Paulo através desse escrito zomba declaradamente da complacência imperial (CROSSAN; REED, 2007, p. 157).

Para Lucien Cerfaux, I Tessalonicenses é a carta de Paulo que mais se aproxima dos apocalipses tradicionais e é escrita através da influência do livro veterotestamentário de Daniel, em especial o capítulo quatro da carta paulina (CERFAUX, 2012, p.169). Fica claro no discurso da carta que o principal assunto é a expectativa da vinda do Messias (I Ts 4:16-17) mas também existe a intenção de Paulo de consolar os membros da comunidade que, ao que parece, estavam sofrendo algumas animosidades por parte de seus concidadãos.

Essa afirmação encontra base no capítulo primeiro da carta, a qual Paulo expõe o sofrimento da comunidade, para isso ele expressa: [...] Vós vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, acolhendo a palavra com alegria do Espírito, apesar de inúmeras tribulações [...] (1Ts 1:6). Na carta Paulo vincula a hostilidade sofrida pelos

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264 tessalonicenses a um modelo mais amplo, ele parece exaltar esse problema e, para

torná-lo ainda mais dramático, o mesmo insere neste discurso o sofrimento de outras comunidades de outras localidades (I Ts 1:8) e inclui também o seu sofrimento particular na narrativa (I Ts 2:2).

Não é possível visualizar o grau de severidade das oposições que esses cristãos primitivos sofreram, mas também não há razão para duvidar de que este fato existiu. Na carta Paulo acusa os judeus de serem os perseguidores de seu ministério e das comunidades cristãs da Judéia de seu tempo. O apóstolo acusa os judeus de terem matado Jesus, perseguido os profetas e de se oporem à pregação do evangelho aos gentios (I Ts 2:14-16).

Entretanto não é possível afirmar o conflito entre judeus e cristãos, pois nesse momento as fronteiras mantêm-se indefinidas e o cristianismo paulino pode ser entendido como sendo um movimento religioso judaico (NOGUEIRA, 2009, p.139). Também não se pode falar em perseguição por parte do império, pois não há quaisquer vestígios de perseguição contra os que criam em Jesus.

Segundo Helmut Koester, nesse momento os missionários eram tão livres para pregar quanto qualquer filósofo andarilho, isto valia para qualquer lugar sem sofrerem nenhuma ofensiva por parte da população (KOESTER, 2005, p. 368). Com isso pode-se afirmar que neste primeiro momento do desenvolvimento da fé cristãs nas comunidades pertencentes a provinciais imperiais romanas, assume-se o caráter de negociação cultural, pois o que mais importava era manter garantido o controle político e a exploração econômica garantida (MENDES, 2011, P.429).

É possível perceber que o apóstolo tinha a intenção de estimular os fiéis dessa comunidade a perseverarem firmes na fé em situações de oposição por parte daqueles que não pertenciam ao grupo, buscando legitimar o sofrimento pela causa do evangelho, o mesmo pode ser entendido como sinal de pertencimento a Cristo.

A intenção de Paulo sobre esse assunto é clara, prosélito da maneira que era o mesmo não gostaria de perder nenhum membro da comunidade, mas alcançar cada vez mais fiéis para a fé em Cristo. Uma evidência dessa afirmação encontra-se registrada nessa carta, na qual o apóstolo convoca os tessalonicenses a fortalecerem os covardes: “[...] admoestai os indisciplinados, reconfortai os pusilânimes, sustentai os fracos [...]” (I Ts 5:14).

Diante disso, pode-se dizer que a mensagem apocalíptica de Paulo alcança dois temas que estão ligados intrinsecamente à segunda vinda de Jesus, o sofrimento e a morte,

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265 no entanto Paulo garante à comunidade que aqueles que morreram ou os que estiverem

vivos não sofreram a ira escatólogica de Deus e não serão esquecidos na parousia. Enfim, como bem coloca Karl Donfried, esta relação de estar vivo ou morto é a centralidade desse advento e para o seu pensamento pode ser resumida em I Ts 5:9-19: “[...] portanto, não nos destinou Deus à sua ira, mas sim alcançarmos a salvação por nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu por nós, a fim de que nós, na vigília ou no sono, vivamos em união com ele [...]” (DONFRIED, 2004, p.220).

FONTE

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