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Hassan al Banna: o redespertar da identidade islâmica

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RAGDA AHMAD SALAH AL ASSAR∗ Esse artigo é parte de minha pesquisa de Mestrado em história social da cultura no departamento da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. O mesmo tratará por apresentar uma pequena reflexão da vida e obra do intelectual muçulmano, Hassan al Banna. Este fundou o movimento social e político islâmico, que conta nos dias de hoje com milhões de membros e se estende pelo mundo muçulmano e com variadas ramificações (as três principais são salafi, sufi e xiita), chamado de A Irmandade Muçulmana ou Os Irmãos Muçulmanos (ا نا أ - al Ikhwan al Muslimin), o qual buscava e busca o resgate da identidade islâmica.

O estudioso Benedict Anderson define em seu livro denominado Comunidades

Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo que o nacionalismo ou

sentimento nacional é ou pode ser discursos identitários construídos ou narrativas identitárias imaginadas no campo do convívio social, em que não é falso e nem irreal a forma de construí-los ou imaginá-las. Desse modo, em determinados lugares, a identidade nacional poderá ter como fundamento a língua e o passado histórico, enquanto em outros locais seria a etnia, os costumes ou o temperamento de um grupo. logo, em cada localidade ou povo foi possível imaginar uma proposta ou projeto de identidade nacional ou local, que se modifica no tempo e espaço de acordo com as necessidades e experiências humanas vividas.

É importante ressaltar que existem fronteiras finitas, as quais pressupõe relacionar-se com e em um vasto pluralismo, pois indivíduos ainda que sejam desconhecidos uns dos outros em sua maioria, compartilham signos, símbolos, referências e experiências sociais e culturais em comum, que os identificam e os fazem reconhecer-se como membros de um mesmo espaço imaginário, em outras palavras, sentem-se o pertencidos a mesma comunidade identitária.

Nesse sentido, Anderson apresenta três formas ou casos de nacionalismos ou sentimento nacional possíveis de acordo com mudanças particulares ocorridas em cada contexto histórico e sócio -cultural estudado. O primeiro, o nacionalismo na América latina, ocorreu pelo surgimento do sentimento ou consciência nacional oriundo das comunidades

Mestranda do curso de pós-graduação em História Social da Cultura da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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crioulas, que antes vinha da Europa; e também se diferencia dos demais nacionalismos por essa consciência ter sido dirigida pela elite crioula e não a letrada, além do mais o idioma não teve tanta significação, uma vez que as colônias partilhavam a língua comum das metrópoles imperiais.

O segundo, os nacionalismos europeus, caracterizou-se pelo papel da imprensa letrada em idiomas considerados nacionais, pela própria importância dada na língua nacional e pelos problemas políticos que decorreram da existência de diversos reinos dinásticos do século XIX, os quais nada tinham de comum com qualquer noção de nacionalismo moderno.

O terceiro caso descrito pelo estudioso, é o nacionalismo semelhante aos movimentos nacionalistas e os conflitos políticos e sociais vivenciados nos continentes asiático e africano, decorridos da administração colonial tutelar partilhada entre os europeus e nativos durante os séculos XIX e XX. Esses movimentos caracterizaram-se pela emergência de uma intelectualidade local, bilíngue e como acesso aos modelos de nações e de nacionalismos; em que esta copiava, adaptava e aprimorava com as experiência anteriores (os primeiros movimentos europeus e americanos) e acima de tudo negociava os princípios e valores do seu projeto de nação ou identidade nacional com os dos pertencentes dos colonizadores1.

Os Irmãos Muçulmanos ou a Irmandade Muçulmana percebido como um movimento social e político que buscou a revivência da identidade islâmica, a partir de um projeto de nação fundamentado em valores islâmicos ( أ - Umma Muslimah), na história da civilização islâmica consequentemente a consolidação de um Estado islâmico, compartilhando um mesmo espaço imaginário no interior do mundo muçulmano, o qual se encontrava asfixiado e dominado culturalmente pelo Ocidente no contexto do colonialismo na África e Ásia, encaixar-se-ia assim no terceiro tipo de nacionalismo possível, segundo a reflexão de Benedict Anderson.

Numa conjuntura de enfraquecimento das comunidades muçulmanas asfixiadas pela dependência e influência cultural em relação ao Ocidente (secularização e ocidentalização do mundo árabe islâmico derivadas da dominação estrangeira), especialmente após o fracasso vivenciado pelos países árabes e muçulmanos que compunham o Império Otomano na sua libertação da dominação europeia posterior a Primeira Guerra Mundial, em que este terminou sofrendo a desagregação dos seus territórios; e no Tratado de Sévres (1920), o mesmo cedeu

1 Pois segundo o pensador Jonathan Friedman, a construção de um identidade é caracterizada por ser um processo histórico com suas continuidades, descontinuidades e transformações de acordo como o contexto político, social e cultural vivido, tanto em âmbito local quanto global. Logo, a composição de uma identidade ocorre no espaço da negociação de princípios, valores e interesses entre os indivíduos participantes.

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grande parte de seus domínios para as potências europeias: Inglaterra e França. As quais implantaram o seu sistema de mandatos, que lhes davam o controle sobre países árabes como Egito, Iêmen, Palestina e Transjordânia para os ingleses e Síria, Líbano e Marrocos para os franceses.

Em frente a um sentimento de fracasso, de sufocamento ou/e de insatisfação consigo próprio e com o mundo ao seu redor em relação a proteção e preservação dos países contra o domínio político, econômico e a assimilação cultural ocidental começaram a surgir organizações políticas das diversas camadas da população com o desejo de mudança e de defender a autossuficiência islâmica contra a secularização e a ocidentalização cultural; as quais causavam seus efeitos em quase todas as partes do mundo árabe. Dentro dessas organizações pode-se citar al Ikhwan al Muslimin (os Irmãos Muçulmanos) fundada no Egito em 1929, no período em que este se encontrava sobre o repressivo comando britânico, pelo intelectual islâmico Hassan al Banna, após diagnosticar o enfraquecimento das comunidades muçulmanas, inclusive de sua pátria, o Egito, asfixiadas pela dependência e influência cultural em relação ao Ocidente, onde as potências europeias partilhavam os países sob seu domínio em esferas de influência de acordo com seus interesses, principalmente após abolição do Califado2 na Turquia em1924).

Desse modo, ao criar a Irmandade Muçulmana, Hassan al Banna propõe o resgate ou a revivência dos valores sociais, políticos, morais e culturais islâmicos na sociedade egípcia e no mundo muçulmano, a partir da elaboração de um projeto de nação fundamentado na teoria e história da civilização islâmica e tendo com fontes primárias o Corão(

ناا

)3 e os

hadiths(

ا

)4; e consequentemente a consolidação de um Estado islâmico.

O fundador da Irmandade Muçulmana, filho de relojoeiro, nasceu na pequena cidade egípcia de Mahmudiya em 1906. Este teve uma educação baseada em princípios islâmicos,

2 Palavra em língua árabe referente ao governo fundamentado em princípios islâmicos, em que o seu líder é denominado de Califa, o sucessor do profeta Muhammad (Que as benções e paz estejam sobre ele). O Califado iniciou-se no ano 634 d.c, logo após a morte do profeta. Os primeiros califas foram Abu Baker, Omar, Othmen e Ali, conhecidos como os califas bem guiados.

3 Livro sagrado para os muçulmanos, o qual é considerado por estes, o último livro revelado por Deus como guia de vida para toda humanidade. Ele foi revelado em língua árabe e é composto de 114 suratas (capítulos), nas quais se encontram histórias dos povos passados; leis que regulamentam a vida do muçulmano; fatos científicos; previsões, que mostram como será a vida futura; histórias e também dá ao crente conhecimento acerca de seu Criador. E a palavra Corão na língua árabe significa leitura, recitação, lembrança, discernimento e entre outras, que sugere ao leitor realizar essas ações quando tiver lendo o livro sagrado.

4 Dominação dada pelos muçulmanos para o conjunto dos dizeres, da prática, da concordância e descrição do profeta Muhammad (Que as benções e paz de Deus estejam sobre ele). Seu estudo forma uma ciência islâmica, a qual serve de referência para a regulamentação da vida do muçulmano.

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focando seus estudos no al Tauhid (

 أ

)5 – crença na Unicidade de Deus; na

Shaaria(

ا

)6 – jurisprudência islâmica ou o Direito do muçulmano; literatura árabe; e

ideologia moderna islâmica. No período da infância, Hassan al Banna desde de sempre recebeu o incentivo de seu pai e de seus professores em direção à leitura e o desejo de buscar o conhecimento, principalmente de seu professor cego Sheikh Zaharan, o qual por sua cegueira leva o pequeno al Banna a biblioteca da cidade, fazendo-o ler os livros para ele. É nessas sessões de leitura que o líder do Ikhwan al Muslimin adquire o sentimento de amor pela busca do conhecimento e também a compreensão da importância do respeito e carinho do aluno por seu mestre.

No tempo dos estudos universitários no Cairo de 1923 à 1927, Hassan al Banna escolheu estudar na faculdade denominada Dar al Ullum - A casa da Ciência – esta é um instituto de programa diversificado com ênfase no estudo da língua árabe e no considerado ensino moderno em oposição ao tradicional e quase exclusivamente religioso da Universidade de al Azhar7. Na casa da Ciência, o jovem al Banna teve contato com grandes clássicos da literatura islâmica, tendo uma inclinação para o trabalho do intelectual islâmico Abu Hamid al Ghazali, o qual será uns dos grandes influenciadores no pensamento de al Banna, especialmente na ideia que apenas deveria partir para ação propriamente dita, após ter o conhecimento religioso e o conhecimento profano (obtenção do sustento) estabelecidos ou garantidos. Pois de acordo com al Ghazali as duas formas de conhecimento são de igual importância na vida do homem, estabelecendo assim, o equilíbrio entre o religioso e o mundano.

Depois de obter seu diploma na Dar al Ullum, al Banna foi enviado em 1927 para a cidade de Ismaailiyya como professor de escola primária. Nessa cidade, al Banna percebe a intensidade da presença estrangeira, pois em efeito, Ismaailiyya é onde se encontra a agência mundial para o Canal de Suez e os acampamentos do exército colonial inglês. A influência dos modos europeus é particularmente visível e uma grande parte da população vivia sob o encanto e a sedução da dita cultura moderna do Ocidente.

5 Al tauhid é crença na Unicidade de Deus, um dos pilares que compõem a fé islâmica. É a coluna mestra da fé islâmica e se divide em três partes: a Unicidade do Criador que significa acreditar que Deus criou, mantém e é Senhor de tudo e de todos; a Unicidade da Divindade, que expressa que Deus é o Único a quem os ser humano deve adorar e a quem se deve dirigir suas súplicas, sem que haja intermediários entre os homens e Ele; e a Unicidade dos Nomes e Atributos de Deus, que dizer que a Deus pertencem todos os Nomes e Atributos da perfeição.

6 Código de conduta contendo os meios e modos de adoração, os padrões da moral e a vida, as leis que permitem ou proíbem e que julgam entre o lícito e o ilícito. E em que as fontes da Shaaria são o Corão e os hadiths. 7 Universidade – mesquita fundada em 971 d.c Possui esse nome em homenagem a Fatimah Azahraa, filha do profeta Muhammad. Trata-se de uma Instituição egípcia de ensino superior reconhecida internacionalmente, a mais prestigiada entre os sunitas, referência no ensino de Jurisprudência Islâmica e Língua Árabe.

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Por outro lado, Hassan al Banna aprende a conhecer sua nova cidade e visitar mesquitas, onde ele se torna consciente da ignorância do povo e sobretudo das divisões e disputas entre as interpretações religiosas entre as escolas islâmicas, que atormentavam e separavam os muçulmanos de Ismaailiyya. Apesar de toda a energia gasta pelos líderes religiosos locais nas mesquitas, nada acontecia, a negligência, a ignorância e os conflitos persistiam. Como o intuito de se afastar desses conflitos, al Banna decide reiniciar pequenos sermões s, como havia feito na sua época universitário no Cairo, em cafés, lugares onde a população egípcia frequentava com uma constante frequência nesse período, talvez mais que as mesquitas. Os temas eram sobre a interpelação dos corações reconfortantes sem culpa; o chamamento para responsabilidade; o retorno da prática dos valores islâmicos e entre outros. Eram expostos de modo simples, com formulação acessível aos ouvintes e levava não mais que quinze minutos. O método dará frutos e mais e mais indivíduos irão aos cafés para escutar o jovem professor islâmico.

Nesse cenário, nos seus 22 anos de idade, o intelectual al Banna funda os Irmãos Muçulmanos em 1929, em que eram compostos por trabalhadores, estudantes, pequenos comerciantes e de indivíduos das mais diversas religiões (muçulmanos, judeus, católicos, copotas, etc). Estes juntamente com seu líder eram capazes de diagnosticar um enfraquecimento de sua sociedade asfixiada pela dependência e influência cultural em relação ao Ocidente; e de transformar um sentimento nacionalista anticolonial em uma ideia de restauração da comunidade muçulmana, a partir de um resgate dos valores islâmicos8. Isto representava elaborar caminhos alternativos para organização e modernização da sociedade egípcia, aos quais deveriam ser conduzidas pelo Islam, revitalizando socialmente e politicamente e o Egito e o mundo muçulmano.

Portanto é possível dizer que houve uma recuperação do conceito de nação, nesse caso, de Nação islâmica ( أ- Umma Muslimah), esta genericamente significa uma única nação muçulmana sem distinções de etnias ou classes; um Estado centralizado e intervencionista que fosse capaz de garantir o cumprimento dos princípios islâmicos; um indivíduo socialmente comprometido; uma justiça social fundamentada numa fiscalidade progressiva. Pois a restauração do Califado não ocorre por uma lógica instrumental de etapas (reislamização do indivíduo muçulmano; da família muçulmana; da sociedade muçulmana; do Estado muçulmano e por último da Nação islâmica). E sim, por uma reislamização que pretendia aperfeiçoar a conduta muçulmana, a qual era baseada na releitura da tradição

8 Segundo Benedict Anderson, nesse caso, o nacionalismo não é uma simples ideologia, porém é algo que incendeia os corações dos homens, fazendo-os a atuar pelo que acredita e identifica-se.

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islâmica, principalmente nos estudos de suas fontes primárias: o Corão e os Hadiths. Isto compunha o objetivo fundamental da Irmandade Muçulmana, o qual pode ser resumido nas frases dos discursos de seu líder, al Banna: “Deus é nosso objetivo, o Corão é nossa Constituição, o Profeta é nosso líder, a luta é o nosso caminho e a morte por Deus é mais

alta de nossas aspirações”. (NAZIH AYUBI, 2000: 188).

Os Irmãos Muçulmanos e al Banna acreditavam que o Islam é um código de vida completo que compreende todos os assuntos da vida humana, possuindo o homem os mais altos níveis de comprometimento para alcançar esse “ideal”. O ponto de partida é a implantação de uma reforma nas esferas social, moral e religiosa que pudesse normatizar noções como responsabilidade pública, mudança jurídica, participação popular e reforma educativa. Pois o que ameaçava os egípcios (e o mundo muçulmano), não era a dominação política, mas sim a influência cultural do Ocidente, a qual colocava em risco a identidade e a sobrevivência da comunidade muçulmana.

Logo para eles, era de essencial importância a realização de uma revolução islâmica, entretanto ela essa revolução deveria ser iniciada primeiramente por uma mudança individual (espírito humano), em seguida uma social e por último uma política – um processo de reislamização por etapas, ou seja, o indivíduo muçulmano; a família muçulmana; a sociedade muçulmana, o Estado muçulmano e por último a Umma Muslimah (Nação islâmica). Estas eram condições básicas para se implantar um Estado islâmico que exigia em primeiro lugar uma reislamização consciente da sociedade tão influenciada pela cultura ocidental, restabelecendo o equilíbrio entre o Islam e o Ocidente.

A ideia de equilíbrio entre o Islam e o Ocidente era manifestada no desejo de modernização de seu país (e do mundo muçulmano) orientado por valores islâmicos, propondo o estabelecimento de organizações e formas institucionais modernas, atuando em serviços sociais e educativos9. Os Irmãos Muçulmanos utilizavam-se da tecnologia e dos meios de comunicação modernos para difundir seu projeto de nação. Acreditava-se na abrangência do Islam em responder os questionamentos contemporâneos ao propor um caminho para modernidade a partir da aplicação dos valores islâmicos no campo privado e coletivo.

9 Percebe-se aqui um espaço de negociação e estratégia seguindo a lógica de raciocínio dos pensadores Jonathan Friedaman ou Erving Goffman, pois os Irmãos muçulmanos não vê os sistemas ocidentais como inimigos, buscam um diálogo com eles, por exemplo o uso da cultura material tecnológica desenvolvida pelos ocidentais na difusão do seu projeto da nação, mas apenas isto não é suficiente para atender as suas necessidades humanas, há uma lacuna na parte espiritual, por isso recorrem ao Islam.

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Não há dúvidas, que eles lutavam por um Islam “global” e ativista. Necessitando-se primeiramente de uma reforma na sociedade egípcia (e no mundo muçulmano) de cunho moral, em que um grupo formado por muçulmanos capacitados que lutariam pelo bem estar da nação muçulmana. Nessa primeira conjuntura, a Irmandade Muçulmana ainda não se identificava com um partido político, embora a política fosse o elemento principal para o processo de reislamização da comunidade muçulmana nos pensamentos desta e de seu líder al Banna: “Não somos um partido político, apesar da política como cimento do Islam, está no

coração do nosso pensamento”. (NAZIH AYUBI, 2000: 189).

A política foi uma das preocupações desse movimento, entretanto não reclamavam necessariamente o governo para si, apesar de terem a possibilidade de apoiar a qualquer um que governasse por um “método” islâmico, baseando-se no Corão e nos Hadiths. Se não poderiam encontrar um chefe de Estado nessas condições:

“Então o governo é um de seus recursos (dos Irmãos), e eles se esforçarão para retirar, a qualquer governo que não cumpra com os mandamentos de Deus. Porém os Irmãos são demasiados sábios e rigorosos para proceder a tarefa do governo enquanto as almas da nação estão nas condições que estão. Se requer um período durante o qual se estendem e se enraízam os princípios dos Irmãos, e assim as pessoas poderão aprender como pôr os interesses públicos em frente

dos interesses privados”. (NAZIH AYUBI, 2000: 189).

Desse modo é plausível trabalhar a ideia de que é a partir do interior do homem é possível formar sujeitos capacitados de contribuir pelo bem estar da sociedade, pois nos pensamentos desta organização islâmica, a piedade pessoal e a boa sociedade eram e são condições básicas para se ter um bom Estado. Por isso, a tarefa imediata era reformar as almas e iluminar as mentes, pois o governo seguiria no seu devido tempo. Isto poderia significar um sistema de partido único que após de completar o processo de independência em relação a secularização e a ocidentalização da nação egípcia (e do mundo muçulmano), estabeleceria os princípios de uma reforma moral interna e os quais surgiriam modelos para uma nova unidade ordenada pelos valores islâmicos. É importante ressaltar que posteriores detalhes elaborados por al Banna sugerem uma espécie de sistema corporativista inspirado na ética e numa economia moral.

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Al Ikhwan al Muslimin continuaram com suas atividades de propagação de sua mensagem, de uma reislamização da comunidade muçulmana egípcia (e do mundo muçulmano), indo além dos limites sociais e morais de reislamização. Consequentemente e levando o seu ideário ao campo político e de militância islâmica.

Após essa pequena narração e reflexão sobre o movimento social e mais tarde político denominado a Irmandade Muçulmana ou Irmãos Muçulmanos, abordando a conjuntura de seu surgimento; a sua trajetória político intelectual e a sua proposta de nação, ou seja a formação de um nação fundamentada em valores islâmicos e consequentemente a consolidação de um Estado islâmico. Pode-se formular algumas conclusões primárias de um tema ainda a ser muito estudado nos meios universitários.

A primeira é que a Irmandade Muçulmana como movimento islâmico a princípio de âmbito social e mais tarde político, pode surgir de condições sociais que devem ser cuidadosamente estudas e compreendidas. Pois não representam um mero “reflexo mecânico” de preocupações sociais e econômicas, mas sim um discurso que ao longo do tempo ganha autonomia intelectual própria. Ou seja, fatores econômicos, sociais e políticos podem estimular o surgimento de movimentos concretos em momentos concretos, porém esses movimentos rapidamente adquirem uma lógica e uma vida própria, tornando-se autossuficientes10.

No entanto esses movimentos sempre estarão expressando as necessidades dos membros que os compõem. No caso dos Irmãos Muçulmanos, é a expressão da necessidade de uma revivência dos valores islâmicos no interior das comunidades muçulmanas, as quais se encontravam asfixiadas pela secularização e ocidentalização oriundas do colonialismo europeu. Nesse sentido, o Islam é visto como uma alternativa para fundamentar um projeto de nação diferente dos “modelos” ocidentais, que sob a perspectiva dos Irmãos, esses modelos não são suficientes para suprir as necessidades materiais e espirituais das sociedades islâmicas.

A segunda é que Umma Muslimah –Nação islâmica possui características que a difere do conceito de nação conforme o pensamento mais comum do “Ocidente”. Pois, diferentemente da trajetória intelectual do Ocidente, principalmente a francesa11, no Islam não há essa ruptura entre Estado e religião, estes caminham juntos, porque o Islam não é apenas

10 Seguindo a lógica de pensamento de Benedict Anderson, em que cada caso de nacionalismo estudado possui características específicas.

11 Pois não é o que ocorre na Inglaterra, segundo Carl Schmitt, em que a constituição da modernidade, principalmente no campo político, em que se recorre à categorias da tradição católica, adaptando -as ao período de formação da dita cultura moderna ocidental.

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uma religião de adoração ou culto individual à Deus, mas sim um código ou filosofia de vida completo, o qual abarca todas as necessidades do homem, desde espirituais à matérias. Dessa forma, o Islam é composto por adoração à Deus; um sistema político, econômico, social e jurídico; e por um modelo de comportamento ou etiqueta islâmica que o muçulmano deve seguir independentemente do local ou tempo em que se encontra.

A terceira e última conclusão é que o Islam enquanto princípio básico de projeto de nação proposta pela Irmandade Muçulmana foi construído não apenas por mostrar-se em oposição ao colonialismo europeu. Mas também por sustentar um modo de relacionar a “tradição religiosa” do mundo islâmico com seu própria forma de conceber a modernidade. Para melhor compreender essa relação tradição – modernidade no campo cultural islâmico, torna-se necessário abandonar a perspectiva teórica que considera a tradição e a modernidade como elementos opostos e concorrentes no interior de uma dada cultura. De acordo com Mohammed Abed al Jabri12, o pensamento islâmico é dotado de uma dinâmica interna que não se expressa a partir de uma ruptura radical com o antigo, porém sobrevive por meio das releituras desse passado. Dessa forma, a modernidade deve ser definida pelo seu contato com o passado, construindo métodos e olhares “modernos” da tradição islâmica. Pois al Jabri enfatiza o caráter “historicizável” do conceito modernidade, que sofre diferenças de significados a partir da experiência histórica a qual se encontra submetida. Ou seja, não há apenas uma modernidade mas diversas modernidades, cada qual conforme a experiência histórica vivida13.

Nesse sentido a comunidade imaginada proposta pela Irmandade Muçulmana, formação de uma Nação islâmica e consequentemente a consolidação de um Estado islâmico, pode ser lida como uma expressão de um pensamento social e mais tarde político marcado por uma relação própria de aproximação entre tradição islâmica e modernidade. Em que a rebeldia contra a interpretação que deposita sobre o pensamento islâmico o estigma de repúdio aos princípios modernos, permite compreender que os Irmãos Muçulmanos podem desenvolver um projeto de nação fundamentado numa leitura específica da tradição cultural islâmica; que ao invés de confrontar-se com a modernidade, apenas mantinha um modo distinto de imaginá-la. Que o passado comum à comunidade islâmica serviu e serve de

12 Professor da Universidade de Rabat e militante da esquerda marroquina. Al – Jabri é uma das principais figuras da filosofia árabe contemporânea.

13 Seguindo a lógica de Eric Hobsbawm e Terence Ranger no que chamam de invenção da tradição: "Tradições que parecem ser ou alegam ser antigas são muitas vezes de origem bastante recente e algumas vezes inventadas...

Tradição inventada significa um conjunto de práticas..., de natureza ritual ou simbólica, que buscam inculcar

certos valores e normas; de comportamentos através da repetição e adaptação no presente, a qual, automaticamente, implica continuidade com um passado histórico adequado" (p 1).

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instrumento discursivo para caracterizar seu projeto de nação alternativo à realidade política e social da época. Logo a história islâmica transforma-se em referência a ser reinterpretada e aplicada na contemporaneidade, de acordo com as necessidades humanas contemporâneas de cada época, por seu caráter flexível.

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Referências

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