• Nenhum resultado encontrado

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE DIREITO ESPECIALIZAÇÃO DIREITO ADMINISTRATIVO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE DIREITO ESPECIALIZAÇÃO DIREITO ADMINISTRATIVO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA"

Copied!
37
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

FACULDADE DE DIREITO

ESPECIALIZAÇÃO DIREITO ADMINISTRATIVO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL NO BRASIL

LUIZ RICARDO ROZABONI DARIO

CUIABÁ-MT

2017

(2)

LUIZ RICARDO ROZABONI DARIO

MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL NO BRASIL

Monografia apresentada à Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Mato Grosso, como

requisito para obtenção do título de Especialista

em Direito Administrativo e Administração

Pública.

Orientador: Prof. Dr. Marcelo Antonio Theodoro

CUIABÁ-MT

2017

(3)

LUIZ RICARDO ROZABONI DARIO

MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL NO BRASIL

Monografia apresentada à Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Mato Grosso, como

requisito para obtenção do título de Especialista

em Direito Administrativo e Administração

Pública.

Data de aprovação:

__/__/____.

Banca examinadora:

Orientador: Prof. Dr. Marcelo Antonio Theodoro

CUIABÁ-MT

2017

(4)

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo aprendizado durante a jornada.

Ao professor Marcelo, que desde o primeiro momento aceitou o convite para orientar.

Aos professores, que contribuíram para a minha formação acadêmica e até mesmo

pessoal.

Aos alunos do curso de Especialização Direito Administrativo e Administração Pública,

que me acompanharam nessa jornada e tornaram-se meus amigos.

(5)

"O único homem que está isento de erros, é aquele

que não arrisca acertar."

(6)

RESUMO: O trabalho investiga o mínimo existencial e a reserva do possível diante dos direitos

fundamentais brasileiros. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de importantes fontes que

discorrem sobre o tema.

PALAVRAS-CHAVE: Mínimo Existencial. Reserva do Possível. Direitos Fundamentais

(7)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO--- 8

CAPÍTULO 1 - DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO--- 9

1.1 Dignidade Humana--- 9

1.2 Direitos Fundamentais--- 10

1.3 Mínimo Existencial--- 14

CAPÍTULO 2 - RESERVA DO POSSÍVEL--- 18

2.1 Conceito--- 18

2.2 Dimensões--- 19

2.3 Superação--- 20

CAPÍTULO 3 - EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS--- 23

3.1 Direitos Sociais no Brasil--- 23

3.2 Proporcionalidade--- 24

3.3 Garantia--- 27

CONSIDERAÇÕES FINAIS--- 35

(8)

INTRODUÇÃO

O destino da produção é a reflexão quanto ao mínimo existencial, reserva do possível e

direitos sociais no Brasil.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988-CF/88 elevou os direitos

sociais à categoria de direitos fundamentais ao incluí-los no “Título II - Dos Direitos e Garantias

Fundamentais” e a dificuldade em exercitar esses direitos desperta o conveniente estudo sobre

o assunto.

Considerando que a história do homem caminha de mãos dadas com a história do Direito,

o primeiro capítulo mostrará a evolução da dignidade humana, dos direitos fundamentais e a

concepção do mínimo existencial.

O segundo capítulo analisará a reserva do possível e a possibilidade da atividade estatal

responder aos direitos prestacionais.

No terceiro capítulo, o exame estará voltado para a realidade nacional e a judicialização

das políticas públicas.

Perante os resultados, pretende-se compreender a consecução dos direitos fundamentais

no Brasil.

(9)

CAPÍTULO 1 - DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO

1.1 Dignidade Humana

Os gregos desenvolveram um conceito clássico do homem, sendo um animal que fala e

pensa (zôon logikon), e também é um animal político (zôon politikon). O romano Marco Túlio

Cícero emprega a expressão “dignidade do homem” associando-a com a razão e com a

capacidade de tomar livremente decisões morais.

Sob uma perspectiva religiosa, as ideias centrais da dignidade humana podem ser

encontradas no Velho Testamento e repetidas no Novo Testamento (Deus criou o ser humano

à sua própria imagem e semelhança). São Tomás de Aquino (2001, p. 411) defende que a

dignidade é algo absoluto e pertence à essência, apesar de não desvincular totalmente a

dignidade do cargo ou posição social.

As concepções cristãs medievais, especialmente o direito natural tomista, ao distinguir entre lex divina, lex natura e lex positiva, abririam o caminho para a necessidade de submeter o direito positivo às normas jurídicas naturais, fundadas na própria natureza dos homens. Mas como era a consciência humana que possibilitava ao homem aquilatar da congruência do direito positivo com o direito divino, colocava-se colocava-sempre o problema do conhecimento das leis justas e das entidades que, para além da consciência individual, sujeita a erros, captavam a conformidade da lex positiva com a lex divina. (CANOTILHO, 1998, p. 380).

O iluminista Immanuel Kant (2007, p. 67) mostra que o homem, como ser racional, existe

como fim em si, e não simplesmente como meio. Já que para alcançar a dignidade o ser humano

precisa ser livre, a filosofia kantiana considera a liberdade individual um conceito chave.

Na Revolução Industrial, a máquina substituiu o trabalho artesanal, braçal e serviçal.

Nesse período, a redução do homem a mero insumo obstruiu a promessa emancipatória do ser

na sociedade. Em 1848, na defesa de uma nova sociedade, o Manifesto Comunista criticou as

transformações advindas da modernização capitalista.

No transcursar da história, acontecem duas Guerras Mundiais que contribuíram para

ceifar a liberdade, igualdade e a dignidade humana. Na reconstrução do mundo devastado pelo

totalitarismo, uma nova fase se inicia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos das

Nações Unidas-DUDH:

(10)

A ASSEMBLÉIA GERAL proclama a presente DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIRETOS HUMANOS como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo 1.

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. (NAÇÕES UNIDAS, 1948).

A dignidade, como atualmente compreendida, é uma máxima inerente a todo ser humano

e considerada o núcleo em torno do qual gravitam os direitos fundamentais.

1.2 Direitos Fundamentais

A observação do Direito nas diferentes fases revela sua trajetória em direção a maior

limitação do poder do Estado e uma proteção mais efetiva dos direitos fundamentais. Estes que

não surgiram simultaneamente, mas aos poucos, em consonância com as demandas de cada

época.

A lei constituiu a forma pela qual se poderia prescrever direitos e deveres juridicamente

exigíveis. Ulteriormente, passou-se a acatar a validade jurídica de direitos constitucionalmente

determinados.

Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são o produto peculiar (ressalvado certo conteúdo social característico do constitucionalismo francês), do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder. São por este motivo, apresentados como direitos de cunho “negativo”, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, “direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”. Assumem particular relevo no rol desses direitos, especialmente pela sua notória inspiração jusnaturalista, os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. São, posteriormente, complementados por um leque de liberdades, incluindo as assim denominadas liberdades de expressão coletiva (liberdades de expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação etc.) e pelos direitos de participação política, tais como o direito de voto e a capacidade eleitoral passiva, revelando, de tal sorte, a íntima correlação entre os direitos fundamentais e a democracia. Também o direito de igualdade, entendido como igualdade formal (perante a lei) e algumas garantias processuais (devido processo

(11)

legal, habeas corpus, direito de petição) se enquadram nesta categoria. (SARLET, 2012, p. 46-47).

Ilustres contratualistas, como Hobbes, Locke e Rousseau, projetaram a racionalidade para

o Estado. Os direitos de primeira dimensão (civis e políticos) ganharam reconhecimento formal

pelas Constituições americana (1787) e francesa (1791). A positivação dos direitos

fundamentais

continuou durante o constitucionalismo liberal do século XIX, tendo como

exemplos a Constituição da Espanha (1812), a Constituição de Portugal (1822) e a Constituição

da Bélgica (1831).

O artigo de José Luiz Quadros de Magalhães demonstra o processo:

O constitucionalismo moderno se afirma com as revoluções burguesas, na Inglaterra 1688, Estados Unidos 1776 e França 1789. Podemos, entretanto, encontrar o embrião deste constitucionalismo já na Magna Carta de 1215. Não que a Magna Carta seja a primeira constituição moderna, pois isto não é verdade, mas nela já estão presentes os elementos essenciais deste moderno constitucionalismo: limitação do poder do Estado e a declaração dos Direitos fundamentais da pessoa humana.

Podemos dizer que desde então, toda e qualquer constituição do mundo, seja qual for o seu tipo (ou paradigma), liberal, social ou socialista, contem sempre como conteúdo de suas normas estes dois elementos: normas de organização e funcionamento do Estado, distribuição de competências, e, portanto, limitação do poder do Estado e normas que declaram e posteriormente protegem e garantem os direitos fundamentais da pessoa humana. O que muda de Constituição para Constituição é a forma de tratamento constitucional oferecida a este conteúdo, ou seja, o grau de limitação ao poder do Estado, se o poder é mais ou menos limitado, se o Estado é mais ou menos autoritário, mais ou menos democrático (regime político), a forma de distribuição de competência e de organização do território do Estado (forma de Estado), a relação entre os poderes do Estado (sistema de governo) e os Direitos fundamentais declarados e garantidos pela constituição (tipo de Estado).

Outro aspecto do constitucionalismo moderno diz respeito a sua essência. O nascimento deste constitucionalismo marca o inicio do Estado Liberal, e a adoção do modelo econômico liberal. Portanto a essência deste constitucionalismo está na construção do individualismo, e na construção de uma liberdade individual, construída sobre dois fundamentos básicos: a omissão estatal e a propriedade privada. A idéia de liberdade no Estado liberal, inicialmente, está vinculada a idéia de propriedade privada e ao afastamento do Estado da esfera privada protegendo-se as decisões individuais. Em outras palavras, há liberdade na medida em que não há a intervenção do Estado na esfera privada, e em segundo lugar, podemos dizer, segundo o paradigma liberal, que somos livres, pois somos proprietários. Estes dois aspectos são fundamentais para a compreensão do conceito de liberdade para o pensamento liberal do século XVII e XVIII. Convém ressaltar a importância da inserção histórica deste pensamento para a sua adequada compreensão. Em primeiro lugar é importante lembrar contra qual Estado se insurgem os liberais. Não se pode dizer que os liberais são contrários ao Estado social, ou socialista ou qualquer outra formulação histórica posterior, justamente pelo fato de que, o Estado que conheciam e contra o qual lutavam era o Estado Absoluto. Portanto a primeira constatação importante é que os liberais se insurgem contra o Estado Absoluto. Quando estes pensadores visualizam o Estado como o inimigo da liberdade, têm como referencia o Estado absoluto, aquele Estado que eliminou toda e qualquer forma de liberdade individual para grande parte da população, e transformou os direitos individuais em direitos de poucos privilegiados. Esta compreensão histórica da teoria liberal nos ajuda a entender porque os liberais compreendem os direitos individuais como direitos negativos, construídos

(12)

contra o Estado, conquistados face ao Estado. A partir do constitucionalismo liberal o cidadão pode afirmar que é livre para expressar o seu pensamento uma vez que o Estado não censura sua palavra; o cidadão é livre para se locomover uma vez que o Estado não o prende arbitrariamente; o cidadão é livre uma vez que o Estado não invade sua liberdade; a economia é livre uma vez que o Estado não intervém na economia. Lembramos que o Estado que os liberais combatiam era o Estado absoluto. Um aspecto fundamental para a correta compreensão do constitucionalismo liberal e de qualquer idéia ou teoria, é a necessidade de inserção desta dentro do contexto histórico em que ela surge. O pesquisador, o leitor interessado em compreender o pensamento de determinado autor deve conhecer o autor, sua historia e para qual realidade este autor escreveu ou escreve. Isto evitará muitos erros de compreensão comuns e recorrentes em diversos trabalhos ditos científicos. Não se pode compreender o pensamento de Hobbes sem conhecer sua historia e o momento histórico que inspirou seu pensamento, isto vale para qualquer outro pensador, e as grandes incompreensões das teorias decorrem justamente da falta de conhecimento do contexto histórico no qual elas foram pensadas e construídas, e mais, por quem essas teorias foram pensadas. Não se pode, por exemplo, ler Nietsche sem conhecer sua história, o risco que se corre é compreendê-lo pelo avesso, ou na verdade não compreendê-lo. (MAGALHÃES, 2007).

A segunda dimensão dos direitos surgiu no século XX, em decorrência das preocupações

sociais. O Estado Social nasce para estabelecer a igualdade material e consagrar os direitos

sociais, econômicos e culturais, como se percebe pela Constituição do México (1917) e na

Constituição da Alemanha (1919). Além dessas Constituições, destacam-se a Declaração dos

Direitos do Povo Trabalhador e Explorado da Rússia (1918) e o conjunto de medidas

econômicas e sociais New Deal dos Estados Unidos (1933-1937).

Ainda na esfera dos direitos da segunda dimensão, há que atentar para a circunstância de que estes não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as assim denominadas “liberdades sociais”, do que dão conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como do reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores, tais como o direito a férias e ao repouso semanal remunerado, a garantia de um salário mínimo, a limitação da jornada de trabalho, apenas para citar alguns dos mais representativos. A segunda dimensão dos direitos fundamentais abrange, portanto, bem mais do que os direitos de cunho prestacional, de acordo com o que ainda propugna parte da doutrina, inobstante o cunho “positivo” possa ser considerado como marco distintivo desta nova fase na evolução dos direitos fundamentais. Saliente-se, contudo, que, a exemplo dos direitos da primeira dimensão, também os direitos sociais (tomados no sentido amplo ora referido) se reportam à pessoa individual, não podendo ser confundidos com os direitos coletivos e/ou difusos da terceira dimensão. A utilização da expressão “social” encontra justificativa, entre outros aspectos que não nos cabe aprofundar neste momento, na circunstância de que os direitos da segunda dimensão podem ser considerados uma densificação do princípio da justiça social, além de corresponderem à reivindicações das classes menos favorecidas, de modo especial da classe operária, a título de compensação, em virtude da extrema desigualdade que caracteriza (e, de certa forma, ainda caracteriza) as relações com a classe empregadora, notadamente detentora de um maior ou menor grau de poder econômico. (SARLET, 2012, p. 48).

A deflagração da Segunda Guerra Mundial e os atos desumanos praticados com

fundamentos no ordenamento jurídico levantaram a preocupação com o conteúdo moral do

Direito, pois este não poderia ser apenas formal. Apresenta-se a terceira dimensão de direitos:

(13)

Os direitos fundamentais da terceira dimensão, também denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa. Para outros, os direitos da terceira dimensão têm por destinatário precípuo “o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”. Dentre os direitos fundamentais da terceira dimensão consensualmente mais citados, cumpre referir os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação. Cuida-se, na verdade, do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes consequências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais. (SARLET, 2012, p. 48-49).

Vinculam-se essas três dimensões com os valores da revolução francesa (liberdade,

igualdade e fraternidade). Outras dimensões de direitos fundamentais ainda aguardam

consagração na esfera do Direito Internacional e nas ordens internas. As diversas dimensões

marcam o processo de reconhecimento de direitos e positivação constitucional.

A CF/88, assim como a maioria das atuais Constituições da América Latina, é fruto da

luta contra o autoritarismo do regime militar e marca a transição para a democracia. No

Preâmbulo já demonstra a preocupação com os direitos fundamentais:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (CF/88).

Cabe mencionar que, no intuito de proteger maximamente os direitos fundamentais,

consagra “os direitos e garantias individuais” nas cláusulas pétreas (art. 60):

§ 4° não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais. (CF/88).

A ordem jurídica dos direitos fundamentais corrobora com a teoria do mínimo

(14)

1.3 Mínimo Existencial

O art. 25 da DUDH associa dignidade humana com a formulação do mínimo existencial:

1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.

2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social. (NAÇÕES UNIDAS, 1948).

A expressão ascende na Alemanha, a partir da década de 1950, considerando alguns

direitos indispensáveis. Como decorrência do pós-guerra, os direitos fundamentais assumiram

posição de destaque, norteados pela proteção da dignidade da pessoa.

O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha-TCFA procurou os direitos essenciais a

serem assegurados pelo Estado alemão e sustentou a existência do direito subjetivo ao mínimo

existencial. Esse mínimo não se reduz a uma mera garantia de sobrevivência física, mas abarca

o acesso básico a bens sociais, econômicos, culturais e a participação política.

A incumbência do Estado com a estrutura social afeta também a tributação. Passa a

imunizar o mínimo existencial da incidência de tributos e estabelece a progressividade

tributária.

Ingo Wolfgang Sarlet registra:

Sem pretensão alguma de esgotar o tema, convém que se lance um breve olhar sobre o direito comparado. Neste contexto, assume relevo o direito constitucional alemão, no qual, inobstante a inexistência (salvo casos excepcionais) de direitos fundamentais sociais prestacionais, se registram alguns casos nos quais a doutrina e o próprio Tribunal Federal Constitucional, no exercício de autêntica criação jurisprudencial do Direito, reconheceram – com apoio em outras normas de direitos fundamentais e com base no princípio do Estado Social – algumas posições jurídico-subjetivas, tidas como autênticos direitos fundamentais sociais não escritos. A solução encontrada naquela prestigiada ordem constitucional, ainda que não seja similar ao modelo pátrio, poderá, no mínimo, fornecer interessantes subsídios para um equacionamento do problema, que, a despeito da positivação de direitos sociais na Constituição, também se manifesta entre nós. Da mesma forma, inequívoca a influência do pensamento germânico sobre a doutrina e jurisprudência constitucionais de outros países europeus, especialmente Espanha, Itália e Portugal, que, por outro lado, têm influenciado diretamente o pensamento pátrio. (SARLET, 2012, p. 317).

(15)

A legitimidade do mínimo existencial é retirada do direito natural e de natureza

pré-constitucional. A corrente jusnaturalista adota a validade jurídica dos direitos humanos

independentemente de sua positivação, anterior e superior à vontade do Estado.

No Brasil, onde também não houve uma previsão constitucional expressa ao mínimo

existencial, vários elementos reconhecem a teoria.

A dignidade da pessoa humana como fundamento:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. (CF/88).

Implícito nos objetivos fundamentais:

Art. 3Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (CF/88).

Cunho social nos dispositivos da ordem econômica e financeira:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional; II - propriedade privada;

III - função social da propriedade; IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade

econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (CF/88).

Dentre outros encargos constantes na CF/88, o direito de petição aos poderes públicos e

a obtenção de certidões em repartições públicas independente do pagamento de taxas (art. 5°,

(16)

XXXIV); a gratuidade ação popular, habeas corpus e habeas data (art. 5°, LXXIII e LXXVII);

a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5°,

LXXIV); a gratuidade do registro civil de nascimento e da certidão de óbito para os

reconhecidamente pobres, na forma da lei (art. 5°, LXXVI); a vedação de instituir impostos

sobre patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das

entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem

fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei (art. 150, VI, c); a não incidência do imposto de

propriedade territorial rural sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore

o proprietário que não possua outro imóvel (art. 153, § 4°, II); a isenção de contribuição para a

seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências

estabelecidas em lei (art. 195, § 7°); o acesso universal e igualitário à saúde (art. 196); a

assistência social a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade

social (art. 203); a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais (art. 206, IV) e

proteção da família pelo Estado e a gratuidade da celebração do casamento civil (art. 226).

Ana Paula de Barcellos elege a categoria de mínimo existencial a educação fundamental,

a saúde básica, assistência aos desamparados e o acesso à Justiça:

Na linha do que identificou no exame sistemático da própria Carta de 1988, o

mínimo existencial que ora se concebe é composto de quatro elementos, três materiais

e um instrumental, a sabe: a educação básica (assumindo-se a nova nomenclatura constitucional), a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à Justiça. Repita-se, ainda uma vez, que esses quatro pontos correspondem ao núcleo da dignidade da pessoa humana a que se reconhece eficácia jurídica positiva e, a fortiori, o status de direito subjetivo exigível diante do Poder Judiciário.

Como já se fez menção, esses quatro conteúdos do mínimo existencial não correspondem a uma escolha aleatória, ou exclusivamente normativa (considerando-se o texto da Carta de 1988); ao contrário, eles integram uma estrutura lógica de fácil demonstração. Com efeito, educação e saúde formam um primeiro momento da dignidade humana, no qual se procuram assegurar condições iniciais tais que o indivíduo seja capaz de construir, a partir delas, sua própria dignidade autonomamente. Observa-se que, embora se faça referência a um momento inicial, essas prestações não se concentram necessariamente na infância e juventude: a saúde básica será um elemento que acompanhará a pessoa por toda a sua existência e a educação fundamental poderá vir a ser prestada em qualquer fase da vida, caso não tenha sido na infância.

A assistência aos desamparados, por sua vez, identifica um conjunto de prestações cujo objetivo é evitar a indignidade em termos absolutos, envolvendo particularmente a alimentação, o vestuário e o abrigo. É o direito de não “cair abaixo de um determinado patamar mínimo”, independente de qualquer outra coisa.

Como se pode intuir, a assistência aos desamparados poderá ser prestada simultaneamente à educação e à saúde, de forma complementar a estes dois elementos. Ao longo do período em que indivíduo estiver cursando o ensino fundamental, e.g., ele não poderá dispensar essas condições básicas para a manutenção de um mínimo de dignidade, caso não possa assegurá-las por si mesmo. A assistência aos desamparados poderá também, em outros casos, sinalizar o fracasso daquela primeira fase, isto é: nada obstante a prestação de saúde e educação, aquele indivíduo não foi capaz de desenvolver-se sozinho, necessitando de assistência. O

(17)

acesso à justiça, por fim, é o elemento instrumental e indispensável da eficácia positiva ou simétrica reconhecida aos elementos materiais do mínimo existencial. (BARCELLOS, 2011, p. 302-303).

Ou seja, o Estado deve garantir esses quatro elementos para que o indivíduo seja capaz

de construir, a partir deles, sua própria dignidade autonomamente. Outrora, a CF/88 disciplina

uma dotação específica para a saúde (art. 198) e o ensino (art. 212), determinando intervenção

nos entes que não aplicarem o mínimo exigido da receita. Salienta-se que a determinação do

conteúdo mínimo é variável histórica/geográfica.

No âmbito do direito brasileiro, assim como se verifica no caso lusitano, verifica-se, em termos gerias, uma adesão – ressalvadas peculiaridades importantes – à tradição alemã de fundar o direito ao mínimo existencial tanto no direito à vida, quanto, em especial, na dignidade da pessoa humana, inclusive vinculando-o ao livre desenvolvimento da personalidade, de tal sorte que – a despeito de algumas divergências – o mínimo existencial abrange não apenas a garantia da sobrevivência física (o que significaria a redução do mínimo existencial a um mínimo vital) quanto abarca o que se convencionou designar de mínimo existencial sociocultural (e mesmo, como já se sustenta mesmo entre nós, de um mínimo existencial ecológico ou ambiental), incluindo, portanto, o direito à educação e, em certa medida, o próprio acesso a bens culturais. De outra parte, registra-se um elevado consenso, inclusive no campo da jurisprudência constitucional, no sentido de que o mínimo existencial, consoante já adiantado, apresenta simultaneamente uma dimensão negativa (tutela do mínimo contra intervenções do Estado e de particulares) e uma dimensão positiva, como direito a prestações. (SARLET, 2012, p. 320).

A inviabilidade de se exigir direitos constitucionais devido a insuficiência de recursos

embasou a teoria da reserva do possível.

(18)

CAPÍTULO 2 - RESERVA DO POSSÍVEL

2.1 Conceito

Partindo da Alemanha na década de 1970, a reserva do possível condiciona a prestação

de serviços públicos à disponibilidade de recursos e a razoável aplicação. Logo, invocada nas

restrições a realização dos direitos fundamentais.

A matéria foi trabalhada pelo TFCA no julgamento Numerus Clausus. O caso analisou o

acesso ao ensino superior e a previsão constitucional que todos os alemães têm o direito de

eleger livremente a sua profissão, o lugar de trabalho e o de aprendizagem.

A ação foi proposta em virtude de insuficiência de vagas na educação superior pública a

todos interessados. Essa limitação de ingresso poderia não só afetar a escolha do local de

formação, como influenciaria a definição da própria profissão. Na ocasião foi decidido que,

além da existência de recursos materiais suficientes, o titular de direito somente poderá requerer

prestação dentro da razoabilidade e respeitando os interesses coletivos.

Ana Paula de Barcellos resume:

De forma geral, a expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas. No que importa ao estudo aqui empreendido, a reserva do possível significa que, para além das discussões jurídicas sobre o que se pode exigir judicialmente do Estado – e em última análise da sociedade, já que é esta que o sustenta –, é importante lembrar que há um limite de possibilidades materiais para esses direitos. Novamente: pouco adiantará, do ponto de vista prático, a previsão normativa ou a refinada técnica hermenêutica se absolutamente não houver dinheiro para custar a despesa gerada por determinado direito subjetivo. (BARCELLOS, 2011, p. 277).

A cláusula da reserva do possível faz referência àquilo que o indivíduo pode esperar, de

maneira racional, da sociedade. A racionalidade apenas pode ser auferida no caso concreto, por

meio da avaliação dos valores envolvidos.

A teoria foi desenvolvida num contexto social distinto da realidade brasileira e não se

pode extraí-la diretamente do texto constitucional vigente, embora seja argumento e apresente

(19)

2.2 Dimensões

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal do Brasil-STF realiza mitigações da

reserva do possível, exige a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do

Poder Público e a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as

prestações dele reclamadas.

Conforme Ana Paulo Barcellos:

A rigor, sob o título geral da reserva do possível convivem ao menos duas espécies diversas de fenômenos. O primeiro deles lida com a inexistência fática de recursos, algo próximo da exaustão orçamentária, e pode ser identificado como uma

reserva do possível fática. É possível questionar a realidade dessa espécie de

circunstância quando se trata do Poder Público, tendo em conta a forma de arrecadação de recursos e a natureza dos ingressos públicos. Seja como for, a inexistência absoluta de recursos descreveria situações em relação às quais se poderia falar de reserva do possível fática. O segundo fenômeno identifica uma reserva do

possível jurídica já que não descreve propriamente um estado de exaustão de recursos,

e sim a ausência de autorização orçamentária para determinado gasto em particular. É bem de ver que o tema da reserva do possível, embora não tenha recebido atenção específica da doutrina brasileira até a década de 90, não era desconhecido entre nós. Suas aparições mais frequentes relacionavam-se exatamente com os limites dos direitos sociais, tradicionalmente considerados como direitos positivos, isto é, direitos que demandavam ações do Estaco, que, por sua vez, custavam dinheiro. Na ausência de um estudo mais aprofundado, a reserva do possível funcionou muitas vezes como o mote mágico, porque assustador e desconhecido, que impedia qualquer avanço na sindicabilidade dos direitos sociais. A iminência do terror econômico, anunciada tantas vezes pelo Executivo, cuidava de reservar ao Judiciário o papel de vilão nacional, caso determinadas decisões fossem tomadas. (BARCELLOS, 2011, p. 277-279).

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, a reserva do possível apresenta pelo menos uma

dimensão tríplice:

A partir do exposto, há como sustentar que a assim designada reserva do possível apresenta pelo menos uma dimensão tríplice, que abrange a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade. Todos os aspectos referidos guardam vínculo estreito entre si e com outros princípios constitucionais, exigindo, além disso, um equacionamento sistemático e constitucionalmente adequado, para que, na perspectiva do princípio da máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, possam servir não como barreira intransponível, mas inclusive como ferramental para a garantia também dos direitos sociais de cunho prestacional. (SARLET, 2012, p. 288).

(20)

A dimensão fática revela a escassez de recursos para viabilizar todas as políticas públicas

referentes aos direitos fundamentais. A dimensão jurídica refere-se à distribuição de

competências constitucionais. A última dimensão abrange a proporcionalidade e a

razoabilidade.

A presente distribuição de competências no Brasil foi inspirada no modelo alemão

(cooperativo) e lançou-se do tradicional federalismo norte-americano (independente). A

produção de políticas públicas satisfatórias depende cada vez mais da coordenação das ações

dos diferentes níveis de governos.

O fato do Estado não promover o atendimento integral dos direitos fundamentais

demanda superação.

2.3 Superação

A constatação de que os direitos sociais têm custo (como os direitos fundamentais de um

modo geral), sua concretização pressupõe a existência de meios e recursos. Alguns sustentam

que os direitos que possuem relação com a dignidade humana lograriam de preferência na

materialização.

Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. Nada obstante a utilização exaustiva do argumento da reserva do possível pelo Poder Público, que acabou por gerar certa reação de descrédito, é preciso não ignorar o assunto, sob pena de divorciar o discurso jurídico da prática de tal forma que o jurista pode até prosseguir confiante, quilômetros de distância, até olhar para trás e para os lados e perceber que está sozinho. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para em seguida gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição.

O equilíbrio entre esses dois elementos pode ser obtido da seguinte forma. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial) estar-se-á estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. Como se vê, o mínimo existencial associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível. (BARCELLOS, 2011, p. 287-288).

(21)

Ana Paula Barcellos resume que, primeiramente, precisam ser atendidos os direitos do

mínimo existencial para, posteriormente, distribuir os recursos remanescentes em outras áreas.

A dimensão fática da reserva do possível não poderá ser o único fundamento para a não

materialização dos direitos constitucionais. A despeito da inexistência de recursos vinculados

para satisfazer todos os direitos fundamentais, o modo como são distribuídos aparenta ser

questionável e nem sempre são aplicados nas finalidades previstas.

Notório que a dignidade humana exige do Estado não só o respeito, mas a prestação dos

direitos decorrentes dela. Desse modo, os entes estatais deveriam preservar ao menos o

conteúdo mínimo e comprovar que eventual restrição a direitos derivou da ponderação entre os

princípios.

Isto é: prioritariamente a qualquer outra atividade, cabe ao Estado empregar recursos para o atendimento daquilo que se entenda, em determinado momento histórico de uma sociedade, o mínimo existencial. Assim, se algum indivíduo demonstra encontrar-se desprovido dos bens ou serviços inerentes a esse mínimo, é porque o Estado, em um momento anterior, terá agido de forma inconstitucional, destinando recursos a outros fins sem haver atendido, antes, a prioridade constitucional. Nesse contexto, ao empregar o conceito de mínimo existencial o juiz está dispensado de examinar o argumento da reserva do possível, uma vez que essa questão já terá sido avaliada quando da construção do próprio conceito.

Nada obstante a grande utilidade e importância dessa construção, a verdade é que seu emprego no âmbito das ações individuais eventualmente enseja dois efeitos colaterais pouco desejáveis. Em primeiro lugar, é compreensível a dificuldade que o magistrado pode ter de conter-se nos limites do mínimo existencial, sobretudo em área como as que envolvem prestações de saúde e assistenciais. Negar a um doente com rosto, identidade, presença física e história pessoal, que solicita ao Juízo uma prestação de saúde não incluída no mínimo existencial nem autorizada por lei, mas sem a qual ele pode vir mesmo a falecer, é uma decisão íntima dura e, por isso mesmo, frequentemente não tomada.

Os problemas aqui são vários. A prestação de saúde concedida por um magistrado a determinado indivíduo deveria poder ser concedida também a todas as demais pessoas na mesma situação, e é difícil imaginar que a sociedade brasileira seja capaz de custar toda e qualquer prestação de saúde disponível no mercado para todos os seus membros. Ora, o conteúdo mínimo existencial é dado por prestações em relação às quais seja factível afirmar que todos os indivíduos têm direito, e não apenas aqueles que vão ao Judiciário. (BARCELLOS, 2011, p. 357-358).

O Poder Público não pode invocar a reserva do possível com a finalidade dolosa de se

eximir de obrigações constitucionais. Ao valer-se da cláusula, deve respeitar a progressividade

por meio da concretização constante.

A teoria como fundamento de medida que configure um retrocesso social não será válida

sem uma justificativa compatível, uma vez que a aplicação progressiva dos direitos sociais

logrou patamar constitucional. Assim, opera para o controle de constitucionalidade, decorrência

do mecanismo de inserção dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos na

CF/88 (art. 5°, § 3°) e da ratificação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos-CADH,

(22)

celebrado em San José, Costa Rica.

Artigo 26. Desenvolvimento progressivo

Os Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados. (ESTADOS AMERICANOS, 1969).

Em consequência, as decisões amparadas na reserva do possível ficam sujeitas ao exame

para não desrespeitarem a efetivação dos direitos.

(23)

CAPÍTULO 3 - EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS

3.1 Direitos Sociais no Brasil

A promulgação da CF/88 foi produto de um intenso debate entre os diversos setores da

sociedade e um marco na conquista de direitos, desde a primeira Constituição Imperial

outorgada em 1824.

Traçando-se um paralelo entre a Constituição de 1988 e o direito constitucional positivo anterior, constata-se, já numa primeira leitura, a existência de algumas inovações de significativa importância na seara dos direitos fundamentais. De certo modo, é possível afirmar-se que, pela primeira vez na história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi tratada com a merecida relevância. Além disso, inédita a outorga aos direitos fundamentais, pelo direito constitucional positivo vigente, do status jurídico que lhes é devido e que não obteve o merecido reconhecimento ao longo da evolução constitucional. (SARLET, 2012, p.63).

Os direitos e garantias fundamentais foram divididos em capítulos pela Constituição

Cidadã:

CAPÍTULO I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos - Artigo 5º. CAPÍTULO II - Dos Direitos Sociais - Artigos 6º a 11.

CAPÍTULO III - Da Nacionalidade - Artigos 12 e 13. CAPÍTULO IV - Dos Direitos Políticos - Artigos 14 a 16. CAPÍTULO V - Dos Partidos Políticos - Artigo 17. (CF/88).

Em decorrência da exposição histórica, estipulou um extenso rol de direitos de segunda

dimensão:

Art. 6. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (CF/88).

A moradia, a alimentação e o transporte foram introduzidos via emendas

constitucionais. Complementarmente, outros direitos podem ser localizados no “Título VIII -

Da Ordem Social”, art. 193 e seguintes.

Na Constituição vigente, os direitos a prestações encontraram uma receptividade sem precedentes no constitucionalismo pátrio, resultando, inclusive,

(24)

na abertura de um capítulo especialmente dedicado aos direitos sociais no catálogo dos direitos e garantias fundamentais. Além disso, verifica-se que, mesmo em outras partes do texto constitucional (inclusive fora do catálogo dos direitos fundamentais), se encontra uma variada gama de direitos a prestações. Nesse contexto, limitando-nos, aqui, aos direitos fundamentais, basta uma breve referência aos exemplos do art. 17, § 3º, da CF (direito dos partidos políticos a recursos do fundo partidário), bem como do art. 5º, incs. XXXV e LXXIV (acesso à Justiça e assistência jurídica integral e gratuita). (SARLET, 2012, p 185).

Reconhece aos direitos e garantias fundamentais aplicabilidade imediata (art. 5º, § 1º,

CF/88) e a utilização de remédios caso infringidos.

Alguns sistemas constitucionais firmam no próprio texto a distinção de regimes jurídicos

dos direitos fundamentais, como a atual Constituição de Portugal, que privilegia os direitos de

primeira dimensão. A CF/88 não prevê, expressamente, uma dualidade de regimes.

Os direitos fundamentais da CF/88 não têm interpretação restritiva. Ao contrário, não

exclui outros direitos decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados. Com efeito, não

basta o Estado conceder mais, antes de cumprir o mínimo. A escassez de recursos exige

escolhas, o que pressupõe preferências.

Outro aspecto a ser considerado, de modo espacial no caso brasileiro, é a extensão do catálogo dos direitos fundamentais (individuais e sociais), que recomenda – para além dos motivos já ventilados – extrema cautela na busca de outros direitos substancialmente equivalentes, inclusive para evitar uma vulgarização da categoria dos direitos fundamentais, que devem integrar o núcleo material da Constituição. Aqui assume particular relevo o critério já referido da equivalência, seja no que diz com o conteúdo, seja no que tange à importância de determinada matéria para o sentimento jurídico dominante em dado momento histórico. (SARLET, 2012, p. 138).

Dado que escolhas constitucionais não foram acompanhadas da implementação pelo

Estado, seria oportuno examinar a proporcionalidade.

3.2 Proporcionalidade

O orçamento público é o principal instrumento para atingir os desígnios constitucionais,

especialmente no tocante aos direitos sociais. Na CF/88, o orçamento está previsto no “Título

VI” com o Executivo e o Legislativo participando no processo da Lei do Plano Plurianual-PPA,

Lei de Diretrizes Orçamentárias-LDO e Lei Orçamentária Anual-LOA:

(25)

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais.

§ 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.

§ 2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.

§ 3º O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bi- mestre, relatório resumido da execução orçamentária.

§ 4º Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso nacional.

§ 5º A lei orçamentária anual compreenderá:

I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público;

II - o orçamento de investimento das empresas em que a união, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;

III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo poder público.

§ 6º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.

§ 7º Os orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional.

§ 8º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.

§ 9º Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual;

II - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos. (CF/88).

Não há dúvidas de que o orçamento pode ser considerado um mecanismo de justiça social,

todavia, por muito tempo, no Brasil tão somente restringiu-se ao cumprimento de exigência

legal. A noção moderna abandona seu caráter de neutralidade e o torna ferramenta da

administração pública.

A alocação irracional dos recursos públicos viola os princípios constitucionais expressos

da impessoalidade, moralidade e eficiência (art. 37, CF/88), além do princípio implícito da

supremacia do interesse público.

As políticas públicas precisam ser compreendidas como conjuntos de atuações do Poder

Público e não como ato ou atos isolados. Esses conjuntos estão ligados à efetivação dos direitos

(26)

fundamentais, na medida que os atos refletem a realização dos programas. Nesse sentido,

deve-se condenar políticas públicas em dissonância.

Em 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal-LRF (Lei Complementar nº 101) ergue-se

para auxiliar a gestão pública brasileira:

Art. 1o Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição.

§ 1o A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar. (LRF).

Nada que custa dinheiro é absoluto e o equilíbrio orçamentário é um limite às despesas

do Estado.

Nesse cenário, se há carência de escolas ou de vagas, Executivo e Legislativo estão obrigados, no âmbito do orçamento, a destinar os recursos necessários à prestação de tais serviços. A não alocação de verbas nesses termos descreverá uma deliberação incompatível com a Constituição e, por isso mesmo, inválida. E se trata de um dever jurídico – isto é: o dever de alocar os recursos necessários para a prestação de serviços exigidos constitucionalmente –, sua inobservância deve poder ser objeto de controle jurisdicional.

O mesmo encadeamento lógico que se acaba de descrever pode ser observado em relação a outras prestações de bens e serviços associados ao mínimo existencial. Nessa mesma linha, se se entende que um indivíduo tem direito a determinada prestação de saúde é porque se conclui que o Estado tinha o dever – a rigor prévio – de oferecê-la, não apenas ao autor da demanda, mas a todos que necessitem da mesma providência. E se há de fato esse dever oponível ao Estado – por se haver concluído que a prestação de saúde integra o conceito de mínimo existencial –, o Poder Público deve estar obrigado a destinar recursos para custear a prestação de saúde referida em caráter geral, sendo inválida a não alocação orçamentária nesses termos. (BARCELLOS, 2011, p. 353).

À vista disso, a proporcionalidade desponta como um postulado de otimização, equilíbrio

entre meios e fins. Consequentemente, torna-se imprescindível a adoção de políticas públicas

apropriadas à realidade e às necessidades coletivas, tendo a sociedade presente em audiências

públicas e na elaboração, aprovação e execução dos orçamentos. Na condição de fiscal da lei,

o Ministério Público protege os interesses difusos e coletivos.

Combinado com o sistema de Freios e Contrapesos (Check and Balances), isto é,

controles recíprocos entre os três Poderes, a vigilância realizada pelo Judiciário no

Legislativo e no Executivo representa uma garantia.

(27)

3.3 Garantia

A judicialização da política remonta aos séculos XVII e XVIII, no início do Estado de

Direito. Até então, a atividade administrativa era impenetrável ao Direito e a qualquer outro

controle externo.

Localmente, a CF/88 estabeleceu que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário

lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV).

O Judiciário exerce controle repressivo em torno de políticas públicas quando os órgãos

estatais descumprem os ditames constitucionais. A atividade judicial impõe ao agressor de um

direito de defesa o dever de abstenção. Para um direito social, o juiz determina a entrega do

bem/serviço pelo qual o direito se realiza.

A função controladora do Judiciário vem definindo novas perspectivas para a atuação

estatal. Essas advêm da evolução das sociedades, da inadequada atuação dos Poderes e da

expansão das instituições judiciais.

Aliado à noção de direito subjetivo em sentido amplo, está, de outra banda, o reconhecimento de determinado grau de exigibilidade (ou justiciabilidade, se preferirmos), que, no entanto, é de intensidade variável e dependente da normatividade de cada direito fundamental. Para traçarmos uma distinção suficientemente precisa entre a perspectiva objetiva e subjetiva (sem prejuízo da possibilidade de uma eventual subjetivação de posições em princípio limitadas à juridicidade meramente objetiva), consideramos necessária a clarificação do significado desta exigibilidade, já que, de certa forma, a mera possibilidade de suscitar-se judicialmente o controle da constitucionalidade de um ato normativo não deixa de constituir, sob o ângulo de uma efetivação via judicial, uma faceta da subjetivação inerente a todos as normas constitucionais na condição de direito objetivo. Neste contexto, quando – no âmbito da assim denominada perspectiva subjetiva – falamos de direitos fundamentais subjetivos, estamo-nos referindo à possibilidade que tem o seu titular (considerado como tal a pessoa individual ou ente coletivo a quem é atribuído) de fazer valer judicialmente os poderes, as liberdades ou mesmo o direito à ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do direito fundamental em questão. (SARLET, 2012, p. 154).

Uma postura ativa ante a necessidade de atender os anseios da sociedade provoca o

crescimento do próprio Judiciário, maior inserção quantitativa e qualitativa. A inevitável

criação de direitos gera criticas por adentrar em uma esfera que não é de sua competência.

Aspectos negativos da atuação do Judiciário nas políticas públicas:

(28)

Legislativos e do Executivo, rompendo o equilíbrio que deve haver entre os poderes; (ii) apenas o Executivo e o Legislativo gozariam de legitimidade democrática para fixar políticas públicas, destinar recursos etc., atributo que não caberia ao Poder Judiciário, (iii) a decisão sobre onde investir e que bens materiais oferecer seria eminentemente política, já que há recursos limitados e o espaço do Judiciário é jurídico e não político; (iv) o Judiciário não teria condições de avaliar o impacto de suas decisões sobre a estrutura do Estado como um todo, mesmo porque não teria capacidade técnica para fazê-lo, dispondo de uma perspectiva apenas casuística e não global dos problemas etc. (BARCELLOS, 2011, p. 255-256).

As políticas públicas se submetem ao controle político dos grupos de oposição e social

da população, principalmente manifestado nas eleições (os membros da Justiça são

selecionados, regra geral, por critérios técnicos e não eletivos). Destarte, existem outros meios

de sujeitar o administrador a cumprir com as suas obrigações sem a necessidade do Judiciário,

que analisa o caso concreto e pode não avaliar outros fatores com efeitos para toda a sociedade.

Por outro lado, a tutela dos direitos fundamentais promovida pelo Judiciário levanta

argumentos favoráveis:

(i) o Judiciário foi criado pela própria Constituição do Estado, derivando dela sua autoridade e compondo, juntamente com Executivo e Legislativo, o Poder Político nacional;

(ii) os órgãos de cúpula do Judiciário são formados pela vontade conjunta de Executivo e Legislativo, o que lhes confere considerável grau de representatividade em sua formação;

(iii) aos magistrados é assegurado um conjunto de prerrogativas capazes de proporcionar uma situação de independência;

(iv) no que diz respeito à atividade jurisdicional propriamente dita, vale observar que ela se desenvolve sempre, e em qualquer caso, com fundamento e limite em enunciados normativos – constitucionais ou legais –, fruto de uma manifestação majoritária. Junta-se a isso que o Judiciário tem o dever de prestar contas de suas decisões publicamente, motivando-as explícita, racional e logicamente (o que não acontece com as deliberações puramente políticas);

(v) a decisão judicial, como regra, não veicula uma vontade única e final, já que será revista por órgãos superiores, assegurando oportunidades de correção de eventuais erros;

(vi) o processo jurisdicional é mais participativo do que qualquer outro processo público, uma vez que às partes é assegurado amplo contraditório; e

(vii) os grupos minoritários, ainda que não tenham acesso ao processo político, sempre terão acesso ao Judiciário para a preservação de seus direitos. (BARCELLOS, 2011, p. 271).

O STF demonstrou preocupação com a escusa governamental na efetivação de normas

constitucionais. Decisão do Ministro Celso de Mello:

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE

ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA

(29)

FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA “RESERVA DO POSSÍVEL”. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO “MÍNIMO EXISTENCIAL”. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).

DECISÃO: Trata-se de argüição de descumprimento de preceito fundamental promovida contra veto, que, emanado do Senhor Presidente da República, incidiu sobre o § 2º do art. 55 (posteriormente renumerado para art. 59), de proposição legislativa que se converteu na Lei nº 10.707/2003 (LDO), destinada a fixar as diretrizes pertinentes à elaboração da lei orçamentária anual de 2004.

O dispositivo vetado possui o seguinte conteúdo material:

“§ 2º Para efeito do inciso II do caput deste artigo, consideram-se ações e serviços públicos de saúde a totalidade das dotações do Ministério da Saúde, deduzidos os encargos previdenciários da União, os serviços da dívida e a parcela das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza.”

O autor da presente ação constitucional sustenta que o veto presidencial importou em desrespeito a preceito fundamental decorrente da EC 29/2000, que foi promulgada para garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e serviços públicos de saúde.

Requisitei, ao Senhor Presidente da República, informações que por ele foram prestadas a fls. 93/144.

Vale referir que o Senhor Presidente da República, logo após o veto parcial ora questionado nesta sede processual, veio a remeter, ao Congresso Nacional, projeto de lei, que, transformado na Lei nº 10.777/2003, restaurou, em sua integralidade, o § 2º do art. 59 da Lei nº 10.707/2003 (LDO), dele fazendo constar a mesma norma sobre a qual incidira o veto executivo.

Em virtude da mencionada iniciativa presidencial, que deu causa à instauração do concernente processo legislativo, sobreveio a edição da já referida Lei nº 10.777, de 24/11/2003, cujo art. 1º - modificando a própria Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei nº 10.707/2003) - supriu a omissão motivadora do ajuizamento da presente ação constitucional.

Com o advento da mencionada Lei nº 10.777/2003, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, editada para reger a elaboração da lei orçamentária de 2004, passou a ter, no ponto concernente à questionada omissão normativa, o seguinte conteúdo material:

“Art. 1º O art. 59 da lei nº 10.707, de 30 de julho de 2003, passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos:

‘Art.59 - (...)

§ 3º Para os efeitos do inciso II do caput deste artigo, consideram-se ações e serviços públicos de saúde a totalidade das dotações do Ministério da Saúde, deduzidos os encargos previdenciários da União, os serviços da dívida e a parcela das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza.

§ 4º A demonstração da observância do limite mínimo previsto no § 3º deste artigo dar-se-á no encerramento do exercício financeiro de 2004.’ (NR).” (grifei)

Cabe registrar, por necessário, que a regra legal resultante da edição da Lei nº 10.777/2003, ora em pleno vigor, reproduz, essencialmente, em seu conteúdo, o preceito, que, constante do § 2º do art. 59 da Lei nº 10.707/2003 (LDO), veio a ser vetado pelo Senhor Presidente da República (fls. 23v.).

Impende assinalar que a regra legal em questão - que culminou por colmatar a própria omissão normativa alegadamente descumpridora de preceito fundamental - entrou em vigor em 2003, para orientar, ainda em tempo oportuno, a elaboração da lei orçamentária anual pertinente ao exercício financeiro de 2004.

Referências

Documentos relacionados

O movimento cognitivista enfatiza o funcionamento do sistema cognitivo, esta- belecendo uma ruptura no domínio da in- vestigação na psicologia. A pesquisa tradi- cional

A cirurgia, como etapa mais drástica do tratamento, é indicada quando medidas não invasivas como dietas restritivas e a prática regular de exercícios físicos

Ainda que das carnes mais consumidas nesta altura em Portugal, tanto os caprinos como os galináceos estão re- presentados apenas por um elemento, o que nos pode dar a indicação que

Os principais objectivos definidos foram a observação e realização dos procedimentos nas diferentes vertentes de atividade do cirurgião, aplicação correta da terminologia cirúrgica,

Como parte de uma composição musi- cal integral, o recorte pode ser feito de modo a ser reconheci- do como parte da composição (por exemplo, quando a trilha apresenta um intérprete

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

psicológicos, sociais e ambientais. Assim podemos observar que é de extrema importância a QV e a PS andarem juntas, pois não adianta ter uma meta de promoção de saúde se

Por tudo o quanto foi exposto, não obstante a função administrativa seja típica do Poder Executivo, o conceito de Administração Pública com ele não coincide, haja vista a