PERSPECTIVA
~TEOLOGICA
Ano XXVI -1994
Nº 69 -
Maio/Agosto Doação à Biblioteca Municipal de Brasilãndia-MS pelo Prof. MSc. Carlito /2010PERSPECTIVA TEOLÓGICA -
ISSN
0102-4469Revista quadrimestral da Faculdade de Teologia do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus - CES
Co-editores: Carlos Palácio - Danilo Mondoni
Conselho Editorial: Álvaro Barreiro, Francisco Taborda, Jaldemir Vitorio, João Batista
Libânio, José Roque Junges, Juan A. Ruiz de Gopegui, Luís Stadelmann, Mário de França Miranda, Ulpiano Vázquez, Valdir Marques
Secretário de Publicações do CES: Jorge Peralva Abdalla
Auxiliares de Redação: Carlos Henrique Müller, Marco Antônio Morais Lima, Paulo César Barros, Paulo Umberto Stumpf, Roberto Jerônimo Gottardo
Os artigos dePerspectiva Teológicasão catalogados emCatholic Periodical and Literature lndex, publicado por The Catholic Library Association, 461 W. Lancaster Ave., Haverford, Pennsylvania 19041 (USA);
Bibliografía Teológica Comentada, publicada pelo Instituto Superior Evangélico de Estudios Teológi-cos, Camacuá, 282 - 1406 Buenos Aires (Argentina); CLASE: Citas latinoamericanas en Sociologia, Economía y Humanismo, publicadas pelo Centro de Información Científica y Humanística, Universidad Nacional Autónoma de México, Apartado Postal 20281 - 01000 México, D.F. (México); Sumario Actual de Revistas, publicado pelo Instituto de Cooperación Iberoamericana, Av. de Los Reyes Católicos, 4 - Madrid (Espanha); Sumários Correntes Brasileiros - série Ciências Sociais e Humanas, publicados pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciências e Tecnologia, IBICT, SCN - Quadra 2, BI. K - 70710 BrasíIia, D.F. - Ementas dos artigos são publicadas, dentro das respectivas especialidades, por: Old Testament Abstracts, editados por De Paul University, 2233 Kenmore Ave., Chicago, 11.60614 (USA);New Testament Abstracts, editados por Weston College School of Theology, 3 Phillips Place, Cambridge, Mass 02138 (USA);Theologie im Kontext, editada por Missionswissen-schaftliches Institut Missio e.V., Postfach 1110 - 5100 Aachen (Alemanha).
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Impressão: Edições Loyola
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SUMÁRIO
EDITORIAL
No limiar do Sínodo sobre a Vida Consagrada 149 ARTIGOS
Afonso Murad: A "teologia inquieta" de Juan Luis Segundo 155 José María Vígíl: O que fica da opção pelos pobres? 187 Víctor Codina: Os exercícios na vida cotidiana do povo 213 NOTAS E COMENTÁRIOS
Lúcia Ríbeiro: A experiência do aborto entre
mulheres católicas 227
Carlos Alberto dos Santos Dutra: Quando começa a nossa
história, afinal? A conquista na visão dos vencidos 235 Riolando Azzí: A utilização da música como instrumento
de evangelização no Brasil ~ 239
LIVRO EM DESTAQUE 251
RECENSÕES 263
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS 289
Persp. Teol. 26 (1994)235-238
QUANDO COMEÇA A NOSSA HISTÓRIA,
AFINAL?
A CONQUISTA NA VISÃO DOS VENCIDOS
Carlos Alberto dos· Santos Dutra
Para a classe dominante a história da América Latina começa com a chegada dos espanhóis e portugueses em 1492. Somente a partir desta data a América começa a fazer parte da história universal. Antes do dia 12 de outubro, há 500 anos, é corno se o homem latino-ameri-cano não existisse. O nativo destas terras era o "não-homem".
Para o conquistador este "achado" é a negação do semelhante. O autóctone para ser reconhecido corno "gente", tem que "humanizar-se". Antes é um animal. Por isso é preciso aprender e a usar os "bons costumes" da cultura ocidental "cristã" invasora. Somente assim tor-na-se "senhor da história" do chamado mundo civilizado.
No decorrer dos séculos foi prática comum esta falsificação da história. Sempre contada a partir dos interesses das minorias oligárquicas. Este processo de dominação ideológica e cultural, entre-tanto, corno era de se esperar, continua até os dias de hoje.
A história, para os povos oprimidos da América Latina, começou muito antes de 1492. Esta data na verdade representa o momento em que esta história lhes foi arrancada das mãos e a liberdade ceifada de seus corações.
Os povos que habitavam o continente americano eram numerosos e de grandes diferenças étnicas entre si. Estudiosos calculam 30 mi-lhões de indígenas; 2 rnillínguas diferentes em seu vocabulário e linguagem. Os Incas e Astecas, no México, somavam 20 milhões. Na península de Yucatán e nas montanhas ao norte da Guatemala viviam 6 milhões
de habitantes. Para se ter uma idéia do volume desta população basta dizer que os conquistadores espanhóis vinham de um país cuja popu-lação não ultrapassava 3,5 milhões.
Portugal, nesta época, contava com pouco mais de 1 milhão de habitantes e a Inglaterra com 3 milhões. So no Brasil, durante o cha-mado período do "descobrimento" viviam mais de 5 milhões de indí-genas. Nenhuma cidade européia, com exceção talvez de Paris, era maior que a capital do Império Asteca, Tecnochtilam.
Quando aprendemos a História, nos bancos escolares, os professo-res nos falam do Império Romano, sua extensão e esplendor; das es-tradas que ligavam à Grécia e ao Oriente, no sul da Itália e à Espanha.
Pois saibam os senhores que o Império Romano em sua maior extensão, não era maior que o Império Incaico, admirável também por seus sistemas de comunicação através de estradas que cortavam os Andes, de norte a sul, do nascente ao poente, alcançando de um lado a floresta amazônica e do outro lado o Oceano Pacífico.
O explorador, quando aportou nestas terras habitadas, não preocu-pou-se em reparar se havia alguém neste mundo "sem Deus". Sequer o vasto repertório de conhecimentos, as soluções técnicas e científicas que iam deste pequenas organizações tribais à observatórios astronô-micos foi percebido. O projeto dos conquistadores, preocupados com a exploração aurífera, não os deixou ir além do horizonte de suas ganâncias. Quando a bota estrangeira pisou pela primeira vez nestas terras, ela enterrou ao seu lado também a espada e o signo da cruz em seu cabo. Os reis católicos de Espanha há muito haviam decidido financiar a aventura em que se configurou o "descobrimento".
Nos domínios da Igreja, numa rápida digressão histórica, a Rainha Isabel da Espanha faz-se madrinha da Santa Inquisição. A façanha não pode explicar-se sem a tradição das Cruzadas. Move-se então a Santa Madre a dar caráter sagrado às conquistas realizadas em terra do além-mar. O Papa Alexandre VI converte a Rainha Isabel em Senhora do Mundo Novo. O Reino de Castela amplia agora o Reino de Deus sobre a terra.
O Papa Nicolau V, em 1452, já havia concedido com sua autorida-de apostólica plena e livre permissão autorida-de invadir, buscar, capturar e subjugar "os pagãos e inimigos de Cristo". Autorizava "reduzir" estas pessoas a "perpétua escravidão", apropriando-se e convertendo em seu uso e proveito reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades ....
A Igreja Católica cometeu verdadeiros massacres. Legitimou a es-cravidão e foi conivente com a dizimação de nações indígenas inteiras.
Os legítimos donos da terra e, depois os negros trazidos da Africa, foram considerados pagãos, infiéis, supersticiosos. Viviam nas trevas do pecado. Deus tinha de chegar para salvá-los. Orbis Christianus! Esta era a ordem querida por Deus. Ele chegou com os europeus. Antes não havia nada. Só o "vazio teologal". Aífiat luxoEsta foi a descoberta do continente.
A história da América Latina passa a ser então a história da sub-missão, via de regra, pela Catequese e pela Evangelização. Torná-los portugueses e espanhóis era o seu objetivo. Com os aldeamentos e as reduções, os indígenas são aportuguesados e cristianizados, espanholizados e cristianizados. A ponto de "nada mais ter de índios" como cita o Padre Anchieta.
Os índios tornavam-se "outro" com a catequização. O símbolo que evidencia esta transformação era a perda do próprio nome, sendo-lhe imposto um outro dado pelo missionário: o nome de batismo, o nome cristão. Em seu célebre "Diálogo do Gentio", o jesuíta Manoel da Nóbrega escreveu que era impossível evangelizar e batizar os silvícolas se eles não se submetessem, primeiro, à Coroa portuguesa.
A evangelização latino-americana foi essencialmente colonizadora. Não deu espaço para o diálogo intercuItural, não reconheceu a reli-gião dos indígenas. A catequese destruiu o que qualquer povo tem de mais sagrado: o seu "eu" indígena. Para inculcar valores, usos e cos-tumes ibéricos. Uma vez aculturados, são submetidos a trabalhos for-çados. Nas palavras de Leonardo Boff, a ideologia do "orbis christianus" uniu mercadores com missionários. O missionário acultura, o merca-dor escraviza e a Coroa prospera.
Calcula-se que a obra da colonização espanhola e portuguesa fez mais de 60 milhões de vítimas humanas. Este terrível acontecimento, aos olhos dos indígenas de ontem teve um estranho sabor de morte, extermínio e maldição. Para os indígenas sobreviventes de hoje, o acontecimento foi uma verdadeira "desgraça continental".
Por ocasião da celebração dos 500 anos da chegada de Cristóvão Colombo à América, festejada por várias entidades, entre elas o CELAM, da Igreja Católica e a UNESCO, a organização da ONU para a Educação e Cultura, lideranças indígenas de vários povos manifes-taram-se sobre este acontecimento
"Celebrar os 500 anos é celebrar um massacre" disse a indígena Juanita Vasquez, Zapoteca-Mixe de Yalalag, México. "Eu proponho" enfatizou ela, "que a Igreja peça perdão pela destruição de nossos irmãos".
Para os índios Aymara, Quéchuas e Guaraci, da Bolívia, "a con-quista significou a destruição de suas nacionalidades, a escravidão e
a morte. Testemunhas disto são os milhares de homens e mulheres indígenas que se debatem na miséria e opressão".
"Desde a invasão espanhola, nós, os descendentes da grande civi-lização Maya temos enfrentado guerras, perda de nossas terras, explo-ração, humilhação e desprezo. Mas ainda estamos vivos, cultivando nossa língua, costumes, religião e cultura. Estamos vivos em nossa experiência histórica, tradições, atitudes espirituais comuns. Estamos vivos em idéias e em consciência política ...".
Daniel Morales, índio Maya da Guatemala conclui" "como outrora, pensamos com nossas próprias cabeças, sentindo o nosso próprio coração, caminhando com nossas próprias pernas". No Brasit dia 19 de abril comemora-se o Dia do Índio. Bom dia para se rever os turvos caminhos de ontem e pensar nos, oxalá, dilatados horizontes de ama-nhã para os povos indígenas de hoje.
Carlos Alberto dos Santos Dutra é bacharel em teologia e coorde-nador diocesano do CIMI - Conselho Indigenista Missioná-rio na Diocese de Três Lagoas, MS. Publicou "Ofayé Xavante
- Ainda estamos vivos!" In Caderno do CEAS - Centro de Estudos e Ação Social, Salvador nº 121, maio-junho, 1989;
"Ma-trimônio" Sacramento para o nosso tempo" III Revista Eclesi-ástica Brasileira - REB, Petrópolis, Vozes, Fase. (50): 199, se-tembro, 1990;"Missa Crioula e Ideologia" in Teocomunicações. Revista Trimestral de Teologia, Porto Alegre, nº 73, ITCR-PUCRS, março, 1986 e"Ofaié: O povo do mel". CIMI-MS, Cam-po Grande, 1991.