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PODE A MODA SER SUSTENTÁVEL?

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PODE A MODA SER SUSTENTÁVEL?

Luana de Paula Moreira

Bacharel em Administração. Centro Universitário Metodista - IPA

Andrea Sander

Professor Mestre. Centro Universitário Metodista – IPA

Carlos Artur dos Santos Lencini

Professor Mestre. Centro Universitário Metodista – IPA

RESUMO

A moda está ligado a forma encontrada pelas pessoas para retratar sua evolução social no meio onde vivem, sendo utilizada para datar acontecimentos e para identificar o transcorrer das décadas, assim a moda é uma atividade que tangencia as áreas da criatividade, pro-dução, administração e marketing. Nesta pesquisa se inclui a moda na sustentabilidade, objetivando identificar se há possibilidade de tornar o segmento da moda um novo modelo produtivo sustentável. Para tanto, foi realizado um estudo de caso focado em uma empresa de moda feminina que segue os preceitos de sustentabilidade, como o ecodesign, slow fashion, upcycling, zero waste e fairtrade. O estudo de caso se baseou em entrevista com roteiro estruturado e perguntas abertas, pesquisa documental e observação não participante. Os da-dos obtida-dos passaram por análise interpretativa e comparação com o referencial teórico. Se concluiu que a empresa pesquisada se utiliza e compreende os processos sustentáveis abordados e a Gestora da organização percebe as vantagens destes processos. Sobre a percepção dos consumidores da moda sustentável, Gestora pesquisada afirmou que seus clientes investem em seu negócio, pois identificam-se com a ideologia da marca e consideram algo que deve ser disseminado entre as organizações, sem distinguir o poder de barganha, o porte das empresas, tampouco o segmento que estão inseridas. Ao se buscar identificar se há possibilidade de tornar o segmento da moda um novo modelo produtivo mais sustentável, a pesquisa indicou que esses não são conceitos utópicos, analisando as colocações da estilista e gestora, foi perceptível que a pesquisada domina bem e fala com propriedade sobre a moda sustentável, demonstrando que, apesar de pregarem

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em suas essências, respectivamente, teorias baseadas nas concepções capitalistas e na preservação do meio ambiente e redução do consumo, ao serem remodeladas, podem fundir-se e se transformar em um novo modelo de consumo e produção.

Palavras-chave: Sustentabilidade. Moda. Slow fashion. Upcycling. Zero waste. Fairtrade.

CAN THE FASHION BE SUSTAINABLE?

ABSTRACT

Fashion is linked to the way people find their way to portray their social evolution in the environment in which they live, being used to date events and to identify decades to come, so fashion is an activity that touches the areas of creativity, production, administration and marketing . This research includes fashion in sustainability, aiming to identify if there is possibility of making the fashion segment a new sustainable production model. For that, a case study focused on a women’s fashion company was adopted, following the principles of sustainability, such as ecodesign, slow fashion, upcycling, zero waste and fairtrade. The case study was based on an interview with structured script and open questions, documentary research and non-participant observation. The data obtained underwent interpretive analysis and comparison with the theoretical reference. It was concluded that the researched company uses and understands the sustainable processes addressed and the Manager of the organization realizes the advantages of these processes. On the perception of sustainable fashion consumers, Gestora researched affir-med that its clients invest in their business, because they identify with the ideology of the brand and consider something that must be disse-minated among the organizations, without distinguishing the power of bargain, the size of the companies, nor the segment they are inserted. When searching to identify if it is possible to make the fashion segment a new, more sustainable productive model, the research indicated that these are not utopian concepts, analyzing the positions of the stylist and manager, it was perceptible that the researched dominates well and speaks with propriety sustainable fashion, demonstrating that, in spite of preaching in their essences, respectively, theories based on capitalist conceptions and the preservation of the environment and reduction of consumption, when they are remodeled, they can merge and become a new model of consumption and production.

Keywords: Sustainability. Fashion. Slow fashion. Upcycling. Zero waste. Fairtrade.

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INTRODUÇÃO

Do ponto de vista da história geológica, a terra sempre sofreu abalos ambientais que afetaram sua dinâmica de fun-cionamento e estrutura (RANGEL, 2010). Porém com o surgi-mento, propagação e evolução da espécie humana no planeta, a relação entre o homem e a natureza perdeu seu caráter de subsistência e assumiu uma identidade antropocêntrica, que consiste na ideia de que homem não seria apenas parte da natureza, mas por sua capacidade de transformar o ambiente ao seu redor, seria o único ser com inteligência capaz de do-minar e transformar a natureza e todas as coisas ao seu redor.

De posse dessa concepção, em meados do final do século XVIII, quando o regime capitalista se destacou sob a influência da segunda Revolução Industrial, o futuro da humanidade iniciou um processo de redefinição. O capitalismo tornou possível o desenvolvimento econômico e, consequentemente, o aumento da riqueza em muitas esferas sociais (SOUSA, 2010). Em pouco tempo, a maioria da sociedade mundial aderiu a este regime econômico, vendo nele a oportunidade gerar riquezas e melhorar as condições de vida da população (ROCKWELL, 2014). Assim, em nome da lucratividade e do desenvolvimento, as indústrias passaram a utilizar maciça-mente os recursos naturais, não impondo limites conscientes nem políticas reguladoras para as atividades de exploração (ALMEIDA, 2007). Todos os setores da economia aderiram a esta lógica, inclusive o setor da moda.

Neste contexto, Berlim (2011) destaca que, embora a moda por si só não seja consumo, é a mola propulsora deste. A auto-ra ainda esclarece que não se pode esquecer que a moda está estreitamente relacionada à identidade, contemporaneidade e vanguarda das civilizações, e é uma realidade que não pode ser ignorada. Adicionalmente, a principal peculiaridade da moda neste último século é o seu caráter efêmero, o fato de

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seus processos produtivos empregarem, principalmente ma-térias primas de fontes naturais, tem tornado essa indústria uma vilã do meio ambiente levando a uma reflexão sobre os processos vigentes na busca de alternativas mais sustentáveis para este segmento (LIPOVETSKY, 2002).

Lipovtsky (1989) propõe que, embora inserida no sistema capitalista, a moda tem um inquestionável poder de difusão de informação, podendo este ser um fenômeno revolucioná-rio, trazendo mudanças e transformações, abrindo uma pos-sibilidade inusitada e pouco discutida para a relação moda e sustentabilidade, objeto da presente pesquisa.

O avanço tecnológico alcançado pela sociedade contempo-rânea teve origem na revolução industrial e foi de fundamental importância para a sociedade conquistar condições de vida mais dignas. Entretanto, partindo-se de uma visão ambien-tal e socialmente consciente, a economia da maior parte dos países está alicerçada em práticas produtivas insustentáveis. (RONCAGLIO; JANKE, 2012).

No que diz respeito à indústria têxtil, alicerce da moda, ao ter adotado esses padrões de produção e ainda promover o consumo não sustentável, através do uso de conceitos de marketing, a coloca entre as principais agentes poluidoras e atribui a ela uma relevante parcela de responsabilidade pela degradação ambiental evidenciada desde a década de 1960 (FOGLIATTI et al., 2004). Entretanto, como salienta Rech (2006) a indústria têxtil não é o único elo da cadeia produtiva da moda, fazem parte da mesma a produção da matéria-prima, fiação, tecelagem, beneficiamento, acabamento, confecção e mercado. Segundo a autora esta cadeia está na vanguarda de várias revoluções industriais e comportamentais, fazendo-se aqui um elo com o que o pensamento de Lipovtsky (1989), ao afirmar que a moda pode ser propulsora de mudanças e transformações, inclusive com relação à sustentabilidade. Neste

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contexto se desenhou o problema da pesquisa, se questionan-do: Há possibilidade de tornar o segmento da moda um novo modelo produtivo sustentável na visão de uma Gestora com foco em moda de vestuário feminino?

Assim, para alcançar o objetivo geral desta pesquisa, que foi verificar a possibilidade de tornar o segmento da moda um novo modelo produtivo sustentável na visão de uma Gestora com foco em moda de vestuário feminino, foram elaborados três objetivos específicos sendo primeiro os processos susten-táveis na empresa da área da moda pesquisada; o segundo a percepção da Gestora da organização sobre as vantagens destes processos; e o terceiro a visão da Gestora sobre a percepção dos consumidores sobre a moda sustentável.

A partir do posicionamento de Rech (2006) se compreende a relevância da pesquisa, quando esta expõe que:

A literatura tem mostrado muitas lacunas na pesquisa do fator susten-tabilidade nas cadeias da moda [...]. Nos últimos anos, tanto pesquisa-dores quanto agentes do mercado vêm dedicando atenção a questões relacionadas à sustentabilidade ambiental na indústria da moda, mas apesar da relevância do tema, uma análise estruturada do problema ainda não existe. Além disso, grande parte dos estudos nessa área tem uma orientação exclusivamente tecnológica (RECH, 2006, p. 11).

Além disto, com base nos resultados da Pesquisa Indus-trial Anual (PIA) e tendo em vista a tamanha representativi-dade da indústria da moda no mercado brasileiro, observa-se que esse setor de transformação gerou durante o ano de 2013, através das áreas de fabricação de produtos têxteis, confecção de artigos do vestuário e acessórios e preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos para viagem e cal-çados, aproximadamente R$ 59 milhões em ativos financeiros para a economia brasileira (IBGE, 2013).

Unindo esse argumento a uma ótica sociocultural, este segmento também se torna muito relevante, haja vista que

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segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) “nenhum setor da Indústria de Transformação tem maior potencial de gerar empregos do que o setor têxtil e de confecção.” (ABIT, 2012, p. 6).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Definição de moda

Para melhor compreender a dinâmica da moda no dia a dia das pessoas, é importante ressaltar que a palavra moda no seu conceito mais amplo provém do latim modus, que tra-duzido para o português significa modo ou comportamento (FERREIRA, 2004; CIDREIRA, 2007).

De acordo com Palomino (2010), o conceito de moda está ligado a forma encontrada pelas pessoas para retratar sua evo-lução social no meio onde vivem, sendo utilizado tanto para datar acontecimentos quanto para identificar o transcorrer das décadas. Já na visão de Lipovetsky (2002), o entendimento do referido termo, quando analisado isoladamente, até poderia restringir-se somente a forma de vestir, todavia não há como se pensar dessa maneira, visto que a vestimenta é um fator que acompanha a evolução humana e condiciona o comportamento das pessoas na sociedade. Este comportamento, por sua vez, diz respeito ao produto resultante da soma de diversos fato-res, como os costumes, as crenças e os valores de cada povo (LIPOVETSKY, 2002).

Ademais, vale lembrar que além da moda se vincular à evolução e ao comportamento, muitas vezes ela exerce o papel de classificação socioeconômica, que para muitos é preponde-rante para que haja uma interação social, ou seja, a moda pode ser usada como uma espécie de fator seletivo usado para medir inúmeras questões ou para fundamentar percepções sobre os pares e demais pessoas ao redor (LIPOVETSKY, 2002).

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Sob uma ótica mais interpretativa, de acordo com Palomi-no (2010), o conceito de moda está ligado a forma encontrada pelas pessoas para retratar sua evolução social no meio onde vivem, sendo utilizado tanto para datar acontecimentos quanto para identificar o transcorrer das décadas. Cobra (2008) com-pleta, afirmando que a moda pode ser definida simplesmente como uma atividade que tangencia as áreas da criatividade, produção, administração e marketing.

Complementando o exposto por Lipovetsky (2002), Na-varri (2010) afirma que, incluindo todos os aspectos histórico--culturais descritos acima, cabe destacar que, em uma visão mais holística, na maioria das vezes, é a partir daquilo que um indivíduo veste que as pessoas formam suas primeiras impressões e opiniões em relação a ele e essa é uma cultura tão enraizada que o senso comum estabelece padrões de vesti-menta moralmente aceitos. Conforme Palomino (2010), pode-se dizer que é através da roupa que as pessoas expressam o que são – ou pensam ser – e esperam ser reconhecidas e identifi-cadas pelos demais, pois cada roupa carrega um determinado significado que em seus cortes, cores e tecidos, transmitindo mensagens específicas por quem as veste, seja de forma cons-ciente ou inconscons-ciente (LIPOVETSKY, 2002).

De acordo com Lipovetsky (2002), a moda tal como se conhece na atualidade foi criada e difundida pelas práticas do capitalismo, que com o tempo aperfeiçoou suas premissas de funcionamento por meio da análise da conduta e dos atos explícitos do homem, associando aos resultados produzidos através de sua capacidade analítica, as teorias de natureza estratégica, que são aquelas que funcionam somente a partir de uma análise e planejamento, e as teorias de natureza psi-cofisiológicas, que são relativas à individualidade, às neces-sidades fisiológicas, aos desejos psicológicos (LIPOVETSKY, 2002; KOTLER; KELER, 2006). Complementando o exposto, se acrescenta a visão de Svendsen (2010):

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O que caracteriza a moda de hoje é o pluralismo estilístico que nunca foi tão forte. Mas esse pluralismo não é de maneira alguma um fenô-meno novo[...], apenas uma profusão de estilos heterogêneos[...] e é claro e evidente que a pluralização da vida típica da modernidade[...] levou a moda à diversidade (SVENDSEN, 2010, p. 180).

Por fim, apesar de este tema ser um tanto quanto com-plexo e abrangente, com base nas teorias aqui apresentadas, a moda pode ser definida como um fenômeno transformador e muitas vezes determinante, que tende sempre a ser adaptado visando atender as necessidades e desejos das pessoas. E, além disso, visando adquirir uma visão mais compreensiva sobre a moda que no tópico que segue que será explorada a construção histórica deste tema.

Sobre a evolução histórica da moda, acredita-se que não se pode datar seu surgimento, pelo fato da moda se referir a uma forma de expressão usada pelo homem para explicitar suas ideologias, pensamentos e personalidade (CALANCA, 2008). Do ponto de vista de Miranda (2014), a moda surgiu na pré-história quando as pessoas perceberam que usando as peles dos animais se protegiam do frio e, dependendo do tipo de animal do qual havia sido retirada a pele também ganhavam credibilidade e status dentro do seu grupo social (COSTUREBEM, 2015). Sobre o tema Berlim (2012) destaca que:

Os sentidos primordiais do vestir sempre estiveram relacionados a pu-dor, proteção e adorno, sendo que enquanto adorno existe uma intima relação com magia, identidade e comunicação. O ser humano se veste desde quando usava apenas pinturas corporais, pois estas também são consideradas “roupas” por muitos estudiosos (BERLIM, 2012, p. 19).

Contudo Pollini (2007) defende que a moda tem início desde 40.000 a.C., pois há registros históricos que mostram a inserção de vestimentas desde essa época. Já Svendsen (2010), como outros autores, relata que o surgimento da moda ocorreu

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com o início da Idade Medieval, durante as Cruzadas e quando os europeus tiveram contato com o Oriente e conheceram os tecidos primorosos lá fabricados e as pedras preciosas usadas pelos orientais.

De acordo com Berlim (2012) a moda como se conhece na atualidade teve seu início na passagem entre o século XIV para o século XV, período de transição entre Idade Média e a era Moderna, onde fatores como:

a expansão econômica e comercial; a evolução da indústria têxtil; especialização dos ofícios de alfaiate, sapateiro, bordadeiro, etc.; [...]; a revalorização da estética; o culto ao hedonismo; a competição de classes: a ascensão da burguesia ao poder econômico e sua ne-cessidade de reconhecimento social; a imitação da nobreza em suas “modas” movimentando o circuito das inovações da realeza que, para se manter diferenciada (distinta das classes inferiores) modifi-cava vestimentas e hábitos com maior frequência [...] o sujeito estava começando a exercitar sua autonomia, estava celebrando a sensação de “identidade pessoal”, estava literalmente começando a “inventar moda” (BERLIM, 2012, p. 19).

No início do século XX, por influência da moda parisiense, o vestuário modificou-se e os homens e até mesmo as mulheres aderiram a praticidade do uso de calças (MUM, 2015). Desde então, a moda tem se modificado, feito releituras de estilo universais como forma de buscar ideias novas para o guarda--roupa do seu público-alvo atual. Para compreender, sistema-ticamente, como se deu o processo evolutivo da moda estão sintetizadas no Quadro 1 as informações de três autores, cujo os dados objetivam contextualizar de forma mais detalhada a evolução deste movimento desde seus primeiros registros até os dias atuais.

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Quadro 1 - Evolução da moda de 1500 até os dias atuais

PERÍODO FATOS RELEVANTES CARACTERÍSTICAS DE ESTILO Meados de 1500 Houve o enriquecimento do comércio em função da burguesia que começou a vestir os mesmos trajes dos nobres.

Peças de roupa com muitas camadas, camisas amplas com punhos justos, vestidos simples, adornos de cabeça, espartilhos e sapatos com pontas longas e afuniladas.

Do séc. XVII até o século

XIX Revolução Industrial.

Trajes compostos por diferentes peças feitas em tecidos mais elaborados como o brocado e a renda.

Anos 1910 Primeira Guerra Mundial. Silhueta com formato de ampulheta, criação do tailleur, saias com comprimento pouco acima do tornozelo. Anos 1920

Popularização cultural da moda parisiense e quebra da Bolsa de Valores de Nova York.

Cintura baixa, calça-saia e vestidos na altura do joelho e com cortes não tão femininos.

Anos 1930 Crise econômica, desemprego e recessão.

Tecidos drapeados e surgimento do conceito e comercialização de peças

prêt-a-porter (alta-costura) que era consumido

somente pessoas mais abastadas da sociedade.

Anos 1940 Segunda Guerra Mundial. Saias com fendas, roupas mais retilíneas com menos tecidos. Anos 1950 Guerra da Coreia e surgimento do aparelho

de televisão.

Saias volumosas e com cintura marcada. Popularização do tecido jeans.

Anos 1960

Guerra Fria, chegada do homem à lua e criação de medicamentos contraceptivos.

Calças com cintura baixa com a parte inferior mais larga.

Anos 1970 Guerra do Vietnã e revolução sexual. Roupas unissex e sapatos com os chamados saltos plataforma. Anos 1980 Descoberta da AIDS Peças de roupa coloridas e irreverentes. Anos 1990 Fim da União Soviética, queda do muro de Berlim

e Guerra do Golfo

Camisa de flanela com estampa xadrez e volta das minissaias.

Após os anos

2000 Guerra do Iraque.

Moda democrática, mistura de peças e estilos das décadas anteriores, além da invenção de novos modelos de roupa Fonte: Leventon (2009), Palomino (2010) e Pollini (2007), adaptado pela autora.

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Tendo finalizado a contextualização evolutiva do de vestir da sociedade, o tópico seguinte tratará da caracterização do segmento da moda no Brasil.

O segmento da moda no Brasil

Entre todos os players de produção industrial no Brasil, o segmento da moda é quarto segmento industrial mais lucrativo do país, perdendo apenas para os segmentos de agropecuária, informática e turismo (ABIT, 2013).

Através das áreas de fabricação de produtos têxteis e con-fecção de artigos de vestuário e acessórios este setor produtivo de transformação proporcionou para a economia brasileira, durante o ano de 2014, um faturamento de R$ 130,2 bilhões (ABIT, 2015, não paginado).

Além disso, de acordo com os dados de uma pesquisa feita pela Texbrasil, também no ano de 2014, atualmente o perfil deste segmento está caracterizado como sendo:

[O] 2º maior empregador da indústria de transformação, perdendo ape-nas para alimentos e bebidas (juntos). [O] 4º maior parque produtivo de confecção do mundo. [O] 5º maior produtor têxtil do mundo. [O] 2º maior produtor e terceiro maior consumidor de denim do mundo. [O] 4º maior produtor de malhas do mundo. [Esse é o motivo pelo qual] representa 16,4% dos empregos e 5,7% do faturamento da Indústria de Transformação. [...] (TEXBRASIL, 2015, não paginado).

Contudo, para que se compreender como se dá na prática o funcionamento do segmento da moda, cabe antes um parên-teses, no sentido de se compreender quem são os integrantes que o compõe, sendo assim, a Figura 1 sintetiza o segmento de moda.

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Figura 1 - Composição do segmento da indústria da moda

Fonte: ABIT, 2011, adaptado pela autora.

A partir da análise da Figura 1, se percebe que o segmento da moda no Brasil se subdivide no setor de produção têxtil e de confecção que, por sua vez, é formado pelas indústrias de vestuário, calçados e acessórios (ABIT, 2013).

Entretanto, abaixo dos referidos setores há uma infinidade de outros segmentos que também são responsáveis pela fabri-cação e fornecimento de parte dos insumos diretos e indiretos empregados nos processos de transformação das indústrias de vestuário, calçados e acessórios (SMA-RJ, 2015). Além disso, na opinião de Guerra (2007), para que se compreenda realmente a dinâmica de funcionamento desse segmento é preciso que todos os processos da produção têxtil, confecção e vestuário sejam vistos de forma fragmentada, pois muitas vezes, estes contemplam atividades muito semelhantes, principalmente no que tange as etapas de confecção e de vestuário.

Assim, sabendo-se dessas especificidades produtivas, a partir do próximo item se apresenta uma exemplificação dos processos desempenhados nas cadeias produtivas do setor têxtil e de confecção e também das indústrias de vestuário, calçados e acessórios, além de conceituar as atividades mais comuns desempenhadas por essas indústrias.

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Processos da cadeia produtiva da indústria têxtil

A cadeia produtiva do setor têxtil e de confecção geral-mente parte da coleta de matérias-primas de origem tanto vegetal, como semente de algodão, de cânhamo e de linho, quanto animal, como a lã e a seda (MATOS, 2011). Matos (2011) expõe de modo sucinto que, para produzir estas fibras vegetais, depois de realizada a coleta, estas são submetidas a dois tipos de tratamento, o físico e o químico. O físico compre-ende a degradação das matérias-primas para retirada total das sementes, cascas e outras partes que não são reaproveitadas, mas também não agridem o meio ambiente quando são des-cartadas. Esse degradação pode ser feita tanto a seco, quanto a úmido, o que irá definir essa questão é o tipo da matéria--prima tratada.

No que se refere ao tratamento químico, este diz respeito ao processo de branqueamento, que, por sua vez, consiste em colocar as fibras imergidas em soluções alcalinas ferventes, compostas por elementos como sódio e cloro e/ou outro ele-mento químico conveniente, diluídos em grandes volumes de água. Após essa imersão, as fibras são retiradas e lavadas até que toda a solução química seja expurgada (MATOS, 2011). Assim, ao final dessas atividades físicas e químicas, obtêm-se então as fibras vegetais, que para se transformarem em tecido, iniciaram um novo ciclo produtivo que engloba as etapas de fiação, tecelagem e acabamento final (MATOS, 2011).

Já a produção de fibras de origem animal, após a aquisi-ção das fibras, faz-se a remoaquisi-ção de contaminantes como suor, gordura, pó e excrementos, e posteriormente, iniciam-se os processos lavagem, amaciamento, tingimento e acabamento das fibras para que estejam devidamente apropriadas para serem empregadas nas atividades de fiação, tecelagem e acabamento (MATOS, 2011). A partir daqui, segundo Caldas (2013), inicia--se o ciclo de confecção dos produtos, criando peças compostas por fibras naturais, artificiais e sintéticas, como mostra o fluxo sintetizado na Figura 2.

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Figura 2 - Produção de tecido na indústria têxtil e de confecção

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Entretanto, segundo Guerra (2007), no momento em que se realiza o mapeamento dos processos e se analisa as atividades das fases produtivas existentes nas indústrias de produção têx-til, de confecção e de vestuário, se torna mais fácil identificar e compreender quais são as atividades que integram cada uma das etapas responsáveis pela transformação dos bens acabados em produtos finais.

Nesse sentido, a Figura 3 contextualiza os macro e micro-processos do segmento têxtil:

Figura 3 - Tricotomia das macro-atividades industriais de produção têxtil, confecção e vestuário

Fonte: Guerra (2007); Matos (2011); Caldas (2013), adaptado pela autora.

Frente a contextualização de exemplos de processos rea-lizados pelas indústrias têxteis, de confecções e de vestuário, agora, no tópico que segue, se aborda como se dá o funcio-namento dos processos acima citados e também de outros pertinentes ao tema.

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Contextualização da sustentabilidade na moda

Com o passar do tempo as organizações adquiriram uma consciência de que a sustentabilidade não é apenas uma moda passageira, mas uma necessidade urgente e atual, porém a maioria ainda não está adaptada para atender satisfatoriamente todos os pilares da sustentabilidade, sobretudo a indústria da moda que foi concebida com em fundamentos extremamente capitalistas (MATOS, 2011). Contudo, para defender a susten-tabilidade as empresas, incluindo-se ai as da cadeia produtiva da moda, apostam em muitas políticas diferentes, algumas abordam o lado social da sustentabilidade e promovem projetos em comunidades de baixa renda, investem em campanhas de conscientização sobre problemas de saúde ou relativos ao fim da miséria, outras intensificam ações ambientais, e diminuem o desperdício de água (Figura 4), diminuem a toxicidade dos processos produtivos (Figura 5), criam reservas florestais ou apelam para a compra de créditos de carbono (ALMEIDA, 2002). Neste contexto, com o passar dos anos, a quantidade de indústrias e seus segmentos foram sendo ampliados e den-tre elas uma das que mais explora os recursos naturais é a indústria da moda (KOTLER; KELLER, 2006). Conforme ob-serva Cobra (2008), a indústria da moda se porta desta forma pelo fato de que segue tendências da economia associada aos estilos de vida das pessoas, seus comportamentos e desejos, resultando em uma integração mundial e, ao mesmo tempo, interdependência entre os mercados.

Segundo Elkington (2012), os três pilares que regem a sustentabilidade são o social, o econômico e o ambiental e para que o objetivo dessa ciência seja alcançado é preciso que todos estejam presentes de maneira equilibrada e homogênea. Estes três pilares foram denominados por Elkington, em 1990, como o triple bottom line, que é definido pelo autor como um termo “que representa a expansão do modelo de negócios tradicional

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Figura 4 - Campanha da Covolan Têxtil anunciando a redução no consumo de água na fabricação do jeans, no detalhe em vermelho a certificação ISO 14001 e o selo de confiança nos têxteis

Fonte: http://modaetica.com.br/wp-content/uploads/2013/03/fev2.jpg. Acesso em: 20 set. 2015

Figura 5 - Certificado OEKO-TEX, selo de confiança nos têxteis, atestando se o tecido é ambientalmente sustentável

Fonte: http://modaetica.com.br/wp-content/uploads/2013/03/fev2.jpg. Acesso em: 20 set. 2015

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[...] para um novo modelo que passa a considerar a perfor-mance ambiental e social da companhia, além da financeira” (ELKINGTON, 2012, p.27).

Elkington (2012) aprofunda a discussão, afirmando que para a sustentabilidade efetivamente ocorrer dentro das or-ganizações, é essencial que ela permeie todas as áreas dessas organizações, com o intuito de atender o mercado, primar pe-los valores e pela transparência, propor melhorias para o ciclo de vida dos produtos e estabelecer parcerias que beneficiem também a comunidade ao seu redor (ELKINGTON, 2012).

Entretanto, reestruturar uma organização alicerçando-a inteiramente em processos sustentáveis exige uma total mu-dança de posicionamento e, em geral, algum investimento. No caso das empresas do ramo da moda, é interessante que antes se reflita sobre de que forma essa modificação estrutural será feita e como se fará para disseminar o novo pensamento entre seus colaboradores (ELKINGTON, 2012; MATOS, 2011).

No momento em que o mundo da moda investir na sus-tentabilidade e aderir às políticas ligadas a este tema, todas as suas atividades, projetos e práticas de responsabilidade econômico-ambiental deverão manter-se rigorosamente ali-nhados a responsabilidade socioambiental, pois só se tornam socialmente responsáveis aqueles que conseguem contemplar todos os pilares da sustentabilidade, incluindo a responsabi-lidade social que, segundo o Instituto Ethos (2013), pode ser entendida como:

a forma de gestão que se define pela relação ética e de transparência da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona pelo estabelecimento de metas empresariais que impulsionem o desenvol-vimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e pro-movendo a redução das desigualdades sociais (ETHOS, 2013, p. 16).

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De acordo com Arnt (2010), no contexto dos países capita-listas é maior a dificuldade de manter os padrões de produti-vidade associados a práticas sustentáveis capazes de diminuir os impactos socioambientais percebidos, além de muitas vezes representar uma adoção altamente onerosa.

Felizmente, esse posicionamento não tem sido emprega-do como desculpa pela maioria das organizações, haja vista que muitos empresários do setor da moda têm investido no fomento de pesquisas para tentar descobrir novos caminhos para seus negócios, pois entenderam a gravidade do problema. Alguns já encontraram alternativas e métodos a serem adota-dos, como: o ecodesign, o Upcycling, Slow Fashion, Zero Waste e

fairtrade que serão abordados nos próximos itens.

Ecodesign

Quando se pensa em moda, existem grandes chances de que se vincule o tema a ideias como tendência, renovação, estilo, preferências pessoais e outros (COBRA, 2008). Porém, no caso deste estudo não são estas concepções que se preten-de colocar em pauta, mas sim a questão do consumo que, em se tratando da indústria da moda, tem gerado um custo alto para a sociedade.

As contribuições da moda, associadas a cultura do modelo industrial capitalista, contribuiu de maneira imensurável com a evolução da humanidade, elevando sua qualidade de vida (ARNT, 2010). Porém, por conta dessas transformações desen-cadeou-se também uma vasta lista de problemas ambientais e impactos negativos, em função da extração inconsequente dos recursos naturais e produção de resíduos em excesso, cooperando com o desequilíbrio socioambiental do planeta.

Assim, como alternativa para diminuir os problemas socioambientais acarretados pela produção e consumo exces-sivo de bens, foi que o designer, arquiteto e professor Victor

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Papanek lançou o livro Design for the real world que numa tradução livre significa Design para o mundo real. Neste livro ele defendeu a necessidade de desenvolver uma consciência socioambiental, levantando a bandeira do atual Ecodesign ou Design Ecológico.

Na atualidade, ao mesmo tempo que a relação da moda com a extração de recursos naturais de vários sinais de que a natureza tende a assumir um caráter de insignificância frente a moda, Manzini e Vezzoli (2008) mostram que, apesar de se perceber essa tendência, essa conjuntura não é mais vista como uma opinião unânime, já que os empresários e as organizações têm buscado formas para implementar o ecodesign ao longo de todas as etapas da cadeia produtiva de seus negócios. Adicionalmente, estes empresários reconhecem no ecodesign um fator de diferenciação, cada vez mais importante nas to-madas de decisões gerenciais por se tratar de uma política que preserva e valoriza o meio ambiente e ainda agrega valor aos negócios e a economia.

O ecodesign surgiu na década de 1990 através dos estu-dos realizaestu-dos por indústrias eletrônicas estu-dos Estaestu-dos Uniestu-dos que desejavam encontrar maneiras inovadoras que pudessem manter os níveis de produtividade sem prejudicar o meio am-biente (MANZINI; VEZZOLI, 2008). De acordo com Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2015), o ecodesign:

é todo o processo que contempla os aspectos ambientais onde o obje-tivo principal é projetar ambientes, desenvolver produtos e executar serviços que de alguma maneira irão reduzir o uso dos recursos não--renováveis ou ainda minimizar o impacto ambiental dos mesmos durante seu ciclo de vida. Isto significa reduzir a geração de resíduo e economizar custos de disposição final (MMA, 2015, não paginado).

Segundo as normas do MMA (2015), no âmbito do eco-design são consideradas sustentáveis aquelas empresas que

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em seus processos se limitarem criteriosamente a atender ao menos um dos seguintes requisitos:

Escolha de materiais de baixo impacto ambiental: menos poluentes, não tóxicos, de produção sustentável ou reciclados, ou ainda que requei-ram menos energia na fabricação; Eficiência energética: minimização do consumo de energia para os processos de fabricação; Qualidade e durabilidade: produtos mais duráveis e que funcionem melhor, a fim de gerar menos lixo; Modularidade: objetos com peças intercambiáveis, que possam ser trocadas em caso de defeito, evitando a troca de todo o produto, o que também gera menos lixo; Reutilização/Reaproveitamen-to: projetar produtos para sobreviver ao seu ciclo de vida, podendo ser reutilizados ou reaproveitados para outras funções após seu primeiro uso (MMA, 2015, não paginado).

Em concordância com as proposições do MMA (2015), Kuhn (2015) pondera que uma mudança de paradigma, tanto na vida pessoal ou quanto na profissional, somente acontece quando as convicções ou costumes anteriormente aceitos são desconsiderados e passam a dar lugar as novas opiniões.

O ecodesign tendo sido uma das primeiras iniciativas organizacionais originadas a partir do interesse do homem em preservar o meio ambiente, confere a essa concepção uma valorização muito significativa, entretanto em termo de sustenta-bilidade essa abordagem é falha, na medida que não pensou na importância dos aspectos sociais, diferentemente da abordagem denominada slow fashion que é exposta no tópico seguinte.

Slow Fashion

Nos itens anteriores abordou-se que o século XX foi marcado pelo crescimento da demanda de produção de bens e serviços que visava suprir a necessidade da população que também aumentou vertiginosamente, que essa demanda exigiu extração rápida e desordenada dos recursos naturais e gerou um grande volume de resíduos poluentes na água, no ar e no

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solo também. Esse aumento exacerbado da população vivido no último século extrapolou todos os limites de crescimento e mostrou que o modo de vida vigente não é compatível com as necessidades do meio ambiente e com as pretensões indi-viduais de cada um (PLATCHEK, 2012).

A preocupação com o meio ambiente é bastante recente e até a geração passada era quase um sinônimo da palavra desconhecimento que, combinado com a falta de proatividade com relação às questões ambientais culminou no desequilíbrio da natureza (PLATCHEK, 2012).

Atualmente, percebendo os reflexos dessa falta de cons-ciência, busca-se soluções para manter o desenvolvimento so-cioeconômico sem comprometer a integridade das reservas de recursos naturais e uma das soluções encontrada e implantada por parte gestores que atuam no setor da moda foi o método de produção slow fashion (PLATCHEK, 2012). Este método, cuja tradução literal para o português significa reduzir a velocidade e produzir menos, pode ser entendido como o ato de produzir quantidades menores e em menor quantidade e velocidade (MICHAELIS, 2015; WORDSENSE, 2015).

De forma mais detalhada, Miranda (2014) expõe que o

slow fashion consiste na produção comedida de produtos, na

diminuição da frequência de lançamento de novas coleções e novos produtos considerando e respeitando, em primeiro lugar, a vigência de cada estação climática e oferecendo bens que possuam como características principais a boa qualidade e a durabilidade. De acordo com o Miranda (2014):

O Slow Fashion não é um conceito que vai e vem, é um movimento de moda sustentável, uma alternativa à produção em massa, que vem ganhando força e veio pra ficar. Foi criado pela inglesa Kate Fletcher, consultora e professora de design sustentável do britânico Centre for Sustainable Fashion, inspirado no movimento SlowFood. Assim como em relação à nossa alimentação, ele incentiva que a gente tenha mais

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consciência dos produtos que consumimos, retomando a conexão com a maneira em que eles são produzidos e valorizando a diversidade e a riqueza de nossas tradições (MIRANDA, 2014, não paginado).

Obviamente, sabe-se que a sociedade não teria como ex-tinguir a produção de bens, visto que ela é responsável por atender as necessidades básicas para manutenção da vida dos seres humanos (CABRAL, 2015).

Segundo Fletcher e Grose (2011), as empresas que esti-verem interessadas em investir na implantação dessa prática, devem estabelecer seus objetivos mantendo concomitantemente o foco no controle das suas ações para garantir que todas as premissas que compõem os direcionamentos dessa política irão permear por todas as atividades de forma igualitária. Todavia, sabe-se que este é um processo extremamente complexo, pois é preciso que se consiga antever ou identificar todo e qualquer dano que os processos, atividades ou produtos acarretarão ao meio ambiente, além disso caso não se consiga se autorregular e se adequar aos princípios do slow fashion por motivos distin-tos, existem outras alternativas processuais e de abordagem diferenciadas desenvolvidas com foco sustentabilidade e que também são voltadas para o setor produtivo da moda, como é o exemplo do upcycling que será explorado no próximo tópico (KUHN, 2015).

Upcycling

A compreensão do conceito de upcycling é algo bem simples, mas que é facilmente confundido com outros dois processos: o processo de reciclagem de resíduos e o processo de reutilização de resíduos. Por esse motivo, antes de tratar do tema upcycling, se buscará estabelecer de forma bastante objetiva quais são as características pontuais que diferenciam cada uma destas três práticas (TERA, 2015).

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De acordo com Tera (2015), ao se pensar em reciclagem de resíduos, analisando os termos, se percebe que “re-ciclar” um resíduo, significa incluir este em um novo ciclo. Em outras palavras, quando um material é descartado, mas é composto por propriedades que são ainda empregáveis dentro de algu-ma cadeia produtiva, este algu-material pode ser reincluído em um novo ciclo de produção, para que, dessa forma, deixe de ser mais um agente poluente no meio ambiente e se transforme em um novo produto.

Nesse sentido, pneus antigos podem se tornar composto para asfalto e garrafas PET podem se transformar em fibra de poliéster (o chamado “tecido pet”), por exemplo. É importante acrescentar que a compos-tagem, ou o processamento de resíduos degradáveis como bagaços, cascas de frutas e legumes provenientes do processamento de alimen-tos, lodos de ETE biológicas (inclusive sanitários), materiais filtrantes agroindustriais como terra diatomácea, podas de árvores brutas ou trituradas, produtos alimentícios vencidos ou fora de especificação, restos de alimentos provenientes de restaurantes, supermercados, ceasas, entre outros, também se enquadram no conceito de reciclagem (TERA, 2015).

Além dos materiais comumente descartados referenciados no parágrafo acima, pode-se citar também vários tipos de pa-pel, metal, vidro, tecido, plástico e mesmo componentes eletrô-nicos. Todo o processo de transformação desses materiais em novos acaba com o desperdício e contribui com a diminuição do consumo de matérias-primas, reduzindo o gasto de energia e evitando a poluição solo, além de minimizar a emissão de gases que causam o efeito estufa. Portanto, a principal caracte-rística da reciclagem basicamente pode ser descrita como o ato de reprocessar algo que já passou por um processo produtivo, com o intuito de produzir um outro produto útil.

Já no caso da reutilização, o que caracteriza o reprocessa-mento do resíduo é fato de não haver um novo processo

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trans-formação, sendo aqueles materiais dispensados, reaproveitados de outras formas possíveis. Quando uma pessoa, ou mesmo no caso de uma indústria, reutiliza um resíduo ou material descartado, ela ajuda a combater o desperdício que seria ge-rado por um novo processo de produção (BIOMANIA, 2015). Restringindo a aplicação do upcycling somente ao setor da moda, esta é uma prática caracterizada pela aquisição e transformação de uma peça de roupa que já havia encerrado seu ciclo de vida por algum motivo, porém se percebe que este material tem potencial para ser reaproveitado de alguma forma e por essa razão este resíduo é submetido a um novo processo produtivo físico e/ou químico para que volte a ser reutilizado por mais um longo período de tempo (FLETCHER; GROSE, 2011). A metodologia adotada nesses processos consiste em:

Dar vida nova a roupas descartadas, rasgadas ou manchadas evita ou posterga o envio de resíduos aos aterros sanitários. As técnicas usadas para recondicionar uma peça em desuso são muitas e variadas e se tornaram a especialidade de um número cada vez maior de designers que unem economia a criatividade e beleza. Técnicas como remode-lar, recortar e recoser peças inteiras ou pedaços de roupas, junto com retalhos, tecido vintage e aviamentos, são usadas para produzir peças únicas, às vezes confeccionadas manualmente e outras vezes com tec-nologia de ponta. Essas peças desafiam a tendência geral de diminuir o valor de materiais já usados e são um indício de que o Upcycling [...] também e possível. (FLETCHER; GROSE, 2011, p. 69).

Por fim, a forma como o upcycling foi projetado mostra que esta é uma boa prática capaz de agregar valor aquilo que já não era mais valorizado. A seguir se será abordado o zero waste.

Zero Waste

Em busca de novas práticas que corroborem de maneira viável e eficiente com a implantação da sustentabilidade den-tro dos processos industriais do setor da moda, deve-se dar

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um enfoque especial a abordagem intitulada zero waste, uma abordagem pautada na importância de se produzir sem gerar resíduos. Este processo de manejo sustentável dos recursos foi concebido com o intuito de instaurar nos processos fabris modelos produtivos que não deem vazão a geração de resíduos em detrimento da conservação socioambiental dos seres vivos (NEGRI, 2015).

A medida que essa técnica tem sido mundialmente divul-gada tem conquistado adeptos que compreendem sua proposta sustentável. Isso se deve a questão de que ela contempla todos os perfis de organizações, estejam essas interessadas em obter apenas lucro e produtividade ou estejam buscando implantar novos padrões de produção que atentem às necessidades de preservação do planeta (PONTO ELETRÔNICO, 2015).

Os principais diferenciais que têm motivado essa ado-ção podem ser o fato desta abordagem ter como propósito o aproveitamento de toda matéria-prima adquirida para fa-bricação dos produtos, o que na prática gera uma economia de escala, e também a questão de que essa técnica possibilita criar designers inovadores nos produtos, o que dependendo da capacidade criativa de quem o cria, consegue conferir aos produtos atributos que os transformam em objetos de desejo, contribuindo, assim, com a captação e fidelização de clientes que valorizam a originalidade daquilo que vestem (ROSENBLOOM, 2010).

Contudo, Perez (2013) acredita que, no Brasil este método ainda seja pouco conhecido e disseminado, pois, na maioria das vezes, quando se aborda este tema, sua concepção acaba sendo interpretada como um simples reuso de materiais, linhas e resíduos, mas para realizá-lo é preciso o domínio e aplica-ção de diversas técnicas e processos produtivos, o que inclui também a questão do design que deve ser diferenciado para que se consiga agregar valor a este tipo de produto.

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Entretanto, o fato de ainda não ter sido tão explorado no Brasil, não interfere na sua capacidade de contribuição, já que seus benefícios são visíveis e possuem um enorme poten-cial transformador que valida sua eficácia frente a processos tradicionais e ultrapassados, sobretudo se sua aplicação for associada a outras técnicas ou abordagens como o fairtrade que se apresenta no próximo tópico.

Fairtrade

A realidade atual das organizações, sobretudo as que per-tencem ao mercado da moda, muitas vezes tem apresentado uma lacuna entre o custo total gerado por um produto e o valor cobrado dos consumidores finais. Os preços praticados nas transações comerciais, em muitos casos, nem de longe representam o custo da matéria-prima, equipamentos, capital, horas de trabalho e mão de obra empregados nas etapas de fabricação de um bem, o que demonstra que alguma das par-tes envolvidas no processo produtivo está sendo desmerecida nessa relação de troca (FAJARDO, 2010).

Isto ocorre por influência do setor comercial, que no mo-mento da negociação com seus fornecedores, sabendo do seu poder de barganha, impõe os valores que ele está disposto a pagar por cada produto, barateando o preço dos bens pro-duzidos e, consequentemente, baixando o valor que deveria ser repassado aos responsáveis pela produção daquele bem, o que denota que no momento da venda, o valor pago pelo consumidor final e que deveria ser dividido entre os produ-tores e comerciantes, acaba sendo embolsado somente pelo setor responsável pela transação comercial, no caso o comércio (FAJARDO, 2010).

Repensando essa dinâmica, se identifica um dos grandes implicadores que causam a disparidade socioeconômica mun-dial vigente em países, em geral, de economia capitalista, pois

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esse barateamento dos produtos proporciona o enriquecimento de somente um dos atores e empobrece os demais que par-ticipam dessas ações e que se sujeitam a ser explorados em prol do seu sustento e sobrevivência (FAJARDO, 2010). Por esse motivo, com base nessa relação de exploração e no efeito dominó causado por este tipo de situação que o Fairtrade foi formulado, atrelando práticas comerciais aos princípios da sustentabilidade (FAJARDO, 2010). Segundo o site Fairtrade

Brasil (2015):

Fairtrade é uma maneira simples em que cada um de nós pode fazer a diferença através de nossas escolhas diárias. Relaciona-se a melhores preços, condições de trabalho dignas, sustentabilidade local e relações de comércio mais justas para os agricultores e trabalhadores. Desta forma o comércio justo é uma abordagem alternativa ao comércio convencional (FAIRTRADE BRASIL, 2015).

Desde a época da Revolução Industrial, quando as rela-ções comerciais progrediram para se tornarem esse fenômeno mundial vivido atualmente, muitos já haviam notado que sua formatação dava margem a comportamentos abusivos e injus-tos, somente nas décadas de 1940 e 1950 surgiram as primeiras ações concretas de que se tem registro na busca de soluções para estes problemas (ABASE, 2015).

METODOLOGIA

Para alcançar o objetivo proposto nesta pesquisa foi esco-lhida uma metodologia qualitativa, já que os dados foram obti-dos a partir da participação direta e interativa da pesquisadora, pois como destaca Richardson (1999, p. 127) “nas pesquisas qualitativas, é frequente que o pesquisador procure entender os fenômenos, segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada, e, a partir daí, situe sua interpretação dos fenômenos estudados.”

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No que se refere aos procedimentos pode-se caracterizar a mesma como um estudo de caso, que como definem Klein et al. (2015, p. 35) é a estratégia para compreender, “em profun-didade, um determinado evento, situação, processo, projeto”. Entretanto Klein et al (2015, p. 36) advertem que há pré requi-sitos primordiais para o procedimento de estudo de caso, com a necessidade da “utilização de várias fontes de evidências, e não apenas uma, mas que convergem em relação ao mesmo conjunto de fatos ou descobertas”. A autora da pesquisa, atenta a esta exigência, foi realizada um entrevista, acrescida de coleta documental e observação apoiada em diário de campo, aten-dendo a exigência de Klein et al. (2015) por múltiplas fontes. A pesquisa foi realizada na cidade de Porto Alegre, no período entre janeiro e março de 2016, com a gestora de uma empresa da área da moda. A gestora pesquisada foi escolhida por acessibilidade, que conforme caracterizado por Klein et al. (2015) é a escolha que não depende de nenhum procedimento, e seleciona os elementos da pesquisa pela facilidade de acesso a eles. Foram contadas diversas marcas com este foco, entre-tanto apenas a gestora pesquisada concordou com a entrevista. A primeira etapa consistiu na pesquisa documental quan-do a autora utilizou como fonte de informações toquan-dos os quan- do-cumentos disponíveis sobre a organização pesquisada, como folders, site da mesma entre outros materiais que surgiram no decorrer da pesquisa.

A segunda etapa consistiu na entrevistas baseada em roteiro estruturado, com 15 perguntas abertas. Como última ferramenta de coleta de dados a autora realizou a observação não participante, apoiada em diário de campo, que de acordo com Diehl e Tatim (2004) é a:

técnica de coleta de dados para conseguir informações que utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou

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fenômenos que se deseja estudar. A observação ajuda o pesquisador a identificar e a obter provas a respeito de objetivos sobre os quais os indivíduos não têm consciência, mas que orientam seu comportamento (DIEHL; TATIM, 2004, p.71).

Segundo Marconi e Lakatos (2010, p. 151) uma vez obti-dos os daobti-dos “o passo seguinte é a análise e interpretação obti-dos mesmos, constituindo-se ambas no núcleo central da pesquisa”. Desta forma, após a utilização das técnicas para a coleta dos dados e de posse das informações, os dados coletados foram submetidos à análise interpretativa, que conforme a sugestão de Marconi e Lakatos (2010) é aquela que busca:

fazer uma crítica, do ponto de vista da coerência interna e validade dos argumentos empregados no texto e da profundidade e originalidade dada à análise do problema, realizar uma apreciação pessoal e mesmo emissão de juízo sobre as ideias expostas e defendidas (MARCONI; LAKATOS, 2010, p. 32).

Para tanto as respostas obtidas, complementadas pelos dados obtidos tanto na pesquisa documental, como na observa-ção foram submetidos a uma análise interpretativa. Se buscou atender o que propõem Klein et al. (2015, p. 79) expondo que é necessário “concluir sobre a análise qualitativa, indicando elementos como o conjunto de lições aprendidas, padrões identificados, processos mapeados, explicações sobre a causa de determinados fenômenos”.

Foi realizada uma crítica sobre os dados obtidos e as ideias expostas e defendidas (MARCONI; LAKATOS, 2010) e de forma a completar esta análise, foi realizada a comparação com o referencial teórico previamente abordado, como preco-niza Gil (2006):

Após, ou juntamente com a análise, pode ocorrer também a interpre-tação dos dados, que consiste, fundamentalmente, em estabelecer a

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ligação entre os resultados obtidos com outros já conhecidos, quer sejam derivado de teorias, quer sejam de estudos realizados anterior-mente (GIL, 2006, p.113).

Como esclarecem Marconi e Lakatos (2010, p. 152) é na interpretação que é realizada a ligação com a teoria, sendo que a ligação com a teoria “aparece desde o momento inicial da escolha do tema; é a ordem metodológica e pressupõe uma definição em relação às alternativas disponíveis de interpreta-ção da realidade social”.

Desta forma, pretendeu-se não apenas coletar, tabular e descrever os dados, mas relacioná-los às teorias existentes, mediante o esforço interpretativo, buscando-se uma relação coerente entre os dados obtidos e aqueles expressos no refe-rencial teórico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO DA PESQUISA

Visando contemplar os objetivos específicos deste estudo de caso, a partir de uma abordagem qualitativa, se fez neces-sário dividir a pesquisa em duas partes, na qual a primeira é a etapa da análise de resultados feita a partir da coleta de dados obtidos na entrevista com a gestora de uma organização do segmento têxtil que, segundo a própria, tem seus processos produtivos e práticas de negócio alinhadas, intrinsicamente, a conceitos da sustentabilidade. E a segunda etapa é a que envolveu a análise documental e observação não-participante que nesta pesquisa são utilizadas como complemento da aná-lise dos dados resultantes da entrevista.

Perfil da organização estudada

Para compreender o surgimento da empresa do segmento têxtil e todos os elementos que compõe sua história, faz-se necessário uma breve descrição da trajetória de sua fundado-ra. A Gestora é graduada em moda e mestre em Sociologia,

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abordando em sua dissertação o tema moda, além de gestora, é docente na área da moda em duas instituições. Seu interesse pela moda surgiu ainda na infância através da convivência com a avó materna que era costureira, ao longo de sua história profissional tem atuado na pesquisa, criação e docência na área da moda (GESTORA, 2016).

A empresa pesquisada foi concebida com o intuito de criar produtos que utilizem matérias-primas coerentes com a produção têxtil sustentável, consumo consciente e comércio justo, onde todos os envolvidos na cadeia produtiva de um produto acabado pertencente ao segmento da indústria da moda possam contribuir positivamente de alguma forma nos âmbitos: social, ambiental e econômico (GESTORA, 2016).

Segundo a idealizadora da empresa pesquisada, a ideia é produzir peças de moda gerando o mínimo de impacto am-biental, empregando nos processos produtivos técnicas como:

zero waste, upcycling e slow fashion. Utilizando como base as

práticas promovidas pelo fairtrade. De forma resumida, sob a ótica da Gestora (2016), empresa pesquisada:

busca contribuir para este movimento de reflexão. Acreditamos que vestir-se é pintar uma tela todos os dias. É criação pura. Seja por quem cria um mosaico de peças em si, seja por quem costura, tece, borda, pinta, recorta ou desenha, atento a cada detalhe, fio, dobra, cor, textura. Por isso, desenvolvemos peças que valorizam o fazer local, confeccio-nadas uma a uma, com tempo e dedicação. Valoriza-se o artesanal, a mão de obra prazerosa, o aproveitamento de recursos e a busca por materiais e técnicas de produção e consumo que possam auxiliar no desenvolvimento de uma moda mais sustentável (GESTORA, 2016).

As roupas são vendidas em loja própria, pela internet e integra o projeto Coletivo Viés, comercializando seus produtos na loja Shopcontextura, ambos negócios voltados às confecções que aplicam conceitos de sustentabilidade e de fairtrade. O

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baseada na cooperação entre produtores e comerciantes e em-presas e consumidores, que oferece aos produtores um acordo digno e coerente em todos os sentidos e aos consumidores um meio de construir um mundo mais honesto, onde seja inadmissível que as pessoas menos abastadas ou que estejam a margem da sociedade sejam exploradas pelas organizações em que trabalham (FAIRTRADE, 2015).

Tendo em vista que somente a entrevista não seria suficien-te para asuficien-tender, de maneira satisfatória, os objetivos específicos deste estudo, nos parágrafos que seguem além dos dados extraí-dos da entrevista serem apresentaextraí-dos, analisaextraí-dos e confrontaextraí-dos com base no referencial teórico deste estudo, serão expostas as informações advindas da análise documental e da observação não participante feita sobre a empresa pesquisada.

Os processos sustentáveis na empresa da área da moda pes-quisada

No que se refere às técnicas fabris usadas nos processos da organização, a Gestora e proprietária da empresa relatou que suas linhas de produção empregam o ecodesign, quando utilizam tecidos recicláveis na produção de novos produtos e lançam mão de matérias-primas sintéticas como o poliéster. Seus processos de transformação baseiam-se nas políticas do

slow fashion nos quais se produz conforme a necessidade da

população, sem estimulo ao consumo, logo não fazem uso da produção em série, tampouco de produção em escala.

A opinião da gestora encontra apoio em Fletcher e Gose (2011) quando os autores apontam que o slow fashion, aplicado dentro do setor da moda, foi criado em oposição ao sistema de fast fashion, e é uma readaptação da concepção do slow food desenvolvido e promovido em contraposição ao sistema de

fast food que foi introduzido e disseminado mundialmente por

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que, com foco na crescente escassez de tempo gerada pela vida moderna, desenvolveram um método de produção baseado no fornecimento de lanches rápidos e homogêneos para satisfazer as necessidades da população (FLETCHER; GROSE, 2011). Logo, em sentido oposto ao fast fashion, originou-se o slow

fashion, um método inovador que contraria a obsolescência

programada, promove a não produção em série e o consumo consciente de recursos (FLETCHER; GROSE, 2011).

A Gestora ainda expos que que na empresa pesquisada se busca aplicar cuidadosamente os métodos de zero waste e

upcycling, não descartando os resíduos ou buscando reduzir

ao máximo as sobras geradas ao longo da fabricação de novos produtos e reutilizando estes resíduos durante a fabricação de novas peças como bolsas e acessórios. A percepção da Gestora vai ao encontro do que prega o site Ponto Eletrônico (2015), indicando o método zero waste surgiu como uma alternativa encontrada por aqueles que acreditam que o meio ambiente está em um estágio avançado de depreciação e que não há mais condições de se assumir uma postura de indiferença em relação ao desperdício de recursos e acúmulo de resíduos pro-venientes da indústria da moda no território terrestre. Ainda mais se for considerado que, segundo Rosenbloom (2010), a produção de peças de roupa, calçados e acessórios descarta por dia de 15% a 20% da matéria-prima comprada para a fabricação de seus produtos, gerando por dia toneladas de resíduos que são depositados na natureza.

Abordando o upcyclin, segundo Mercado Ético (2015), “em uma tradução livre, upcycling significa valorização do ciclo”. Ou seja, conforme defende Tera (2015), aqueles produtos que estão no fim de sua vida útil, adquirem um novo valor com a melhoria de sua utilidade e qualidade. Com isso, resíduos provenientes de fitas cassetes, sapatos e roupas antigas, pe-daços de tecidos, entre outros, passam por novos processos

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físicos e químicos para promover sua renovação e valorização, aproveitando o item em sua totalidade ou o máximo possível dele. Aumentando o valor de produtos aparentemente inúteis, o upcycling, ao contrário da reciclagem, pode reaproveitar todo o material e não utiliza energia para destruí-lo e então transformá-lo em um novo item.

Para elaborar suas criações, essa empresa compra maté-rias-primas de fornecedores que também se preocupam com a administração responsável dos materiais, como é o caso do fornecedor Justa Trama que é uma cooperativa que produz algodão agroecológico e vende seus bens acabados para em-presas que também se preocupam com as pessoas, o meio am-biente e a comercialização adequada dessas peças, gerando o valor agregado justo para todos que participaram do processo produtivo daquele insumo comercializado.

Segundo a proprietária da marca pesquisada, as peças produzidas pela sua empresa não possuem ainda uma certifi-cação que valide o que é produzido, mas, ainda que a opinião da representante da organização não seja muito favorável com relação às certificações devido ao padrão das empresas que são certificadas, espera com o tempo conquistar essa apreciação. A Gestora se disse descrente quanto a veracidade dos certi-ficados, por observar que muitas vezes as organizações são certificadas não pela contribuição que trazem ao meio ambiente ou pela forma construtiva que impactam na vida das pessoas e sim pela quantidade de receita que geram. A pesquisada julga que, na maioria das vezes, as organizações recorrem aos selos e certificados para obter maior lucratividade, visto que se apropriam disso para poder gerar um marketing positivo perante o mercado consumidor e, consequentemente, agregam valor a sua imagem.

Em sua visão seria importante dar reconhecimento a quem realmente é merecedor, que seriam os próprios produtores e

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agricultores que muitas vezes, em condições precárias e ad-versas, dedicam-se a dar vazão a essas demandas e que nem sempre são lembrados e valorizados pelo que fazem.

Assim como Platchek (2012) ressalta que a inquietação socioeconômica desencadeada pelo consumo e pela falta de consciência ambiental recentemente tem mudado de pers-pectiva e uma parcela crescente da sociedade tem buscado o equilíbrio dos três pilares oficiais da sustentabilidade. Matos (2011) corrobora que a cadeia produtiva da moda pode torna-se um modelo fabril sustentável desenvolvendo novos métodos para produzir que preservem o meio ambiente e o futuro das próximas gerações.

A construção de um modelo de consumo mais coerente com as necessidades do planeta tem motivado a busca de alternativas menos degradantes para as condições de vida e perpetuação das espécies (MATOS, 2011). No âmbito da moda, existem técnicas, como o ecodesign que propõe o desenvolvi-mento de projetos minimizando o impacto ambiental (MAN-ZINI; VEZZOLI, 2008), o upcycling que, com uma restauração completa, transforma resíduos que haviam encerrado seu ciclo de vida em novos produtos com um novo valor agregado, o

zero waste que defende a importância de não gerar resíduos

durante fabricação de um bem acabado (GWILT, 2015).

A percepção da Gestora da organização sobre as vantagens destes processos

Tendo em vista que os princípios e valores da empresa pesquisada são voltados à produção sustentável, a Gestora considera que seus clientes investem em seu negócio, pois identificam-se com a ideologia de sua marca e consideram algo que deve ser disseminado entre todas as organizações, sem distinguir o poder de barganha, o porte das empresas, tampouco o segmento que estão inseridas, para a pesquisada

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o importante é promover práticas que sejam efetivamente sustentáveis e que primem pela preservação do futuro das próximas gerações. Outro fator decisivo para a aquisição dos produtos da empresa pesquisada é a história das peças, a en-trevistada diz que este talvez seja o fator de maior influência no momento da compra, pois em geral, estes clientes não estão interessados apenas em adquirir peças por si só, eles prezam a procedência dos produtos e quais fatores que estão por trás da confecção do que adquirem.

Quanto ao crescimento e consolidação da organização pesquisada, a idealizadora da empresa se diz surpreendida pela forma como tudo vem acontecendo, desde a criação de sua empresa até o convite para incluir sua marca em propostas de negócio como o Coletivo Viés que é uma associação de organi-zações que partilham dos mesmos propósitos e que trabalha sob a forma de rede de cooperação. A Gestora relata que apesar de já atuar no ramo da moda há quinze anos, ela acredita que seu projeto conquistou visibilidade muito rapidamente, visto que sua marca possui menos de dois anos de existência, mas tem se mostrado cada vez mais fortalecida no seu meio de atuação.

Detendo-se no modelo produtivo da empresa pesquisada, se percebe um alto grau de compatibilidade os conceitos cita-dos pelos autores e modo produtivo usado para transformar tecidos de diferentes procedências em novas peças de roupas e acessórios.

Assim, com relação ao objetivo específico que visou veri-ficar a percepção da Gestora sobre as vantagens de se aderir a processos sustentáveis, considerando que sua organização está inclusa na cadeia da moda e analisando as considerações de Kotler e Keler (2006) que pontua que para se obter vantagens competitivas é importante conhecer bem seus consumidores para que se consiga fidelizá-los. Desta forma, verifica-se que as percepções e práticas da empresa pesquisada também

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contem-plam o objetivo já que essa organização utiliza as ferramentas que são referências no âmbito do marketing institucional.

Já é sabido que a dinâmica de funcionamento padrão da moda atual, sob a ótica da exploração dos recursos naturais, não é capaz de atender as demandas do mercado sem im-pactar negativamente o meio ambiente (MATOS, 2011). Uma vez que, quando a indústria da moda foi concebida e não se tinha consciência, naquela época, do impacto que esta causaria sendo guiada pelo modelo capitalista (COBRA, 2008; MATOS, 2011). Mais tarde, no entanto, em função do impacto negativo originado pelo consumo, a sociedade começou a perceber os impactos negativos que estavam sendo gerados ao planeta e uma parcela da população passou a dar mais importância a essas questões (MATOS, 2011).

A visão da Gestora sobre a percepção dos consumidores so-bre a moda sustentável.

Sob a ótica do planejamento da produção da empresa pesquisada, no que tange a relação da organização com seus clientes, a dona da loja e estilista da marca conta que para compreender quais são as necessidades e desejos do seu pú-blico, a empresa procura estar sempre em contato com seus clientes, pois para definir o que, quando e quanto deverá produzir, precisa saber antes o que interessa a esta clientela e o que está permeando seus desejos. Conforme pontua a Gestora, esta talvez não seja a maneira ideal de obter essas informações, pois o momento de compra é influenciado por inúmeros fatores, são decisões tomadas a partir de um pro-cesso psicológico interno e, obviamente, por essa razão, está suscetível a mudanças repentinas e constantes por conta dos processos que ocorrem no subconsciente de cada consumidor, mas, ainda assim, essa tem sido a melhor forma de identificar quais decisões devem ser seguidas nos processos fabris.

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Partindo-se deste princípio e munindo-se ao máximo de informações que podem ser determinantes para que uma venda aconteça e ainda esteja em concordância com as práticas de sustentabilidade que, a Capim procura manter contatos com empresas que tenham valores idênticos ou bem próximos aos seus e que apresentem resultados de alto desempenho, para que possam realizar pesquisas de benchmark no intuito de au-mentar a aceitação e propagação de seus produtos no mercado da moda sustentável, dentre as empresas pesquisadas a Ges-tora cita a Contextura que considera ser, na cidade de Porto Alegre, a que melhor se aproxima do padrão de negócio ideal.

De acordo com a estilista da marca, por se tratar de um mercado relativamente inovador, para a Gestora o mercado da moda sustentável está ainda no estágio inicial buscando a validação dos métodos e processos por parte do meio está inserido e que precisa ser disseminado e adotado por parte dos consumidores. Entretanto, no ponto de vista da Gestora, tudo indica que este novo modelo de negócio é um dos nichos de mercado que mais deverá se expandir nos próximos anos, pois ao passo que o tempo tem passado, ela acredita que a socieda-de tem socieda-desenvolvido maior consciência quanto a evisocieda-dente in-capacidade de manter o modo de consumo atual, observa que as pessoas vem se posicionando de forma contrária ao impacto causado por seus próprios hábitos de vida e, por essa razão, estão abertas a novas alternativas de consumo que não sejam prejudiciais como as atuais. É em função de desses motivos que a Gestora diz apostar no crescimento de seu negócio, por mais que acredite que seja um processo gradativo e lento, ela espera que daqui a dez anos essa proposta terá conquistado o devido reconhecimento e fará parte do estará enraizada na rotina da população.

Por isso, conforme as informações acima, o objetivo es-pecífico que se propôs a identificar na visão da Gestora qual

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é a percepção dos consumidores sobre a moda sustentável, se entende que, apesar de uma parcela dos consumidores já saber que o modelo econômico adotado pela maioria da popu-lação mundial está fadado ao fracasso por ser um modelo de produção deficiente que, em muitos casos, motiva o consumo pelo consumo, menosprezando a importância de se aderir a um modo de vida coerente com as limitações do meio em que vivemos, a maioria das pessoas ainda desconhece o mercado da moda sustentável.

O entendimento da Gestora com foco em moda de vestuário feminino tem sobre a possibilidade de a moda ser sustentável

Quando questionada sobre o significado de sustentabili-dade a Gestora expressou que o tema é algo difícil de definir em poucas palavras devido sua tamanha complexidade, relata que para se compreender o assunto é necessário ter capacidade de enxergar além dos conceitos básicos, como dos livros, mas que para ela, antes de tudo, é preciso refletir sobre os estilos de vida, padrões de produção e consumo, diversidade cultural, formas e relações de trabalho, desenvolvimento econômico, combate à pobreza, qualidade de vida, entre outros. Por isso, quando resolveu investir na sua ideia de produção de roupas e acessórios sustentáveis, determinou que não bastaria somente produzir peças com matérias-primas provenientes de fontes confiáveis, que não causem grandes impactos à natureza, ela se preocupou em estabelecer vínculos com colaboradores, fornecedores, parceiros de negócio e clientes que partilhas-sem da mesma opinião quanto à importância de se preservar o meio-ambiente e conservar as fontes de matéria-prima e reservas naturais em prol do bem-estar comum dessa e das próximas gerações.

No dia a dia de sua organização, a entrevistada afirmou que está constantemente pesquisando e buscando novas fontes

Referências

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