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As Disputações Metafísicas de Francisco Suárez

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Academic year: 2021

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(1)textos & estudos de filosofia medieval. As Disputações Metafísicas de Francisco Suárez Estudos e antologia de textos Organização. José Francisco Meirinhos Paula Oliveira e Silva. 3.

(2) AS DISPUTAÇÕES METAFÍSICAS DE FRANCISCO SUÁREZ ESTUDOS E ANTOLOGIA DE TEXTOS.

(3) Organização José Francisco Meirinhos Paula Oliveira e Silva. AS DISPUTAÇÕES METAFÍSICAS DE FRANCISCO SUÁREZ ESTUDOS E ANTOLOGIA DE TEXTOS. Faculdade de Letras da Universidade do Porto 2011.

(4) AS DISPUTAÇÕES METAFÍSICAS DE FRANCISCO SUÁREZ ESTUDOS E ANTOLOGIA DE TEXTOS. Organização: José Francisco Meirinhos / Paula Oliveira e Silva Capa: Fábrica Mutante © Autores e Gabinete de Filosofia Medieval / FLUP Ed. da Faculdade de Letras da Universidade do Porto Edições Húmus, Lda., 2011 Apartado 7081 4764-908 Ribeirão – V. N. Famalicão Telef. 252 301 382 Fax: 252 317 555 humus@humus.com.pt Impressão: Papelmunde, SMG, Lda. – V. N. Famalicão 1.ª edição: Dezembro de 2011 Depósito legal: 338223/11 ISBN: 978-989-8549-78-5 1.

(5) TÁBUA DE CONTEÚDO. Ao leitor, sobre a Metafísica como ciência humana, José Meirinhos. VII. Colaboram neste volume. XV. ESTUDOS Paula Oliveira e Silva As Disputações Metafísicas nas encruzilhadas da razão ocidental. 3. I – A CIÊNCIA 'METAFÍSICA' Costantino Esposito ‘Habere esse de essentia sua’. Francisco Suárez e a construção de uma Metafísica barroca. 33. Adelino Cardoso Identidade entre essência e existência: Significado de uma tese suareziana. 53. Ángel Poncela González Ens realis et realitas objectalis: La determinación suareciana del objeto de la Metafísica. 65. Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento A subalternação das ciências e sua não aplicação à relação das demais ciências com a Metafísica. 91. José Jivaldo Lima Os sentidos de ‘substância’ e ‘acidente’ na Disputação Metafísica XXXIX de Francisco Suárez. 99. II – TRANSCENDENTAIS Paulo Faitanin De unitate individuale eiusque principio. Francisco Suárez y el principio de la unidad individual de la sustancia. 115. Santiago Orrego Distinctio: Los «géneros de distinción» – Su sentido e importancia en la ontología de Suárez. 135.

(6) VI. TÁBUA DE CONTEÚDO. Paula Oliveira e Silva Que significa ‘verum’ no conhecimento? O conceito de veritas cognitionis na Disputação VIII, Secções I e II. 173. Roberto Hofmeister Pich O transcendental verum na Disputatio VIII, 7, das Disputationes Metaphysicae de Francisco Suárez. 205. III – CAUSALIDADE Marta Mendonça Causas contingentes e causas livres – o determinismo de Suárez na Disputatio XIX. 231. Cruz González-Ayesta Duns Scotus’s Influence on Disputation XIX. 257. Manuel Lázaro Pulido Comentário a la Disputatio XXV: Causalidad ejemplar. 293. ANTOLOGIA das Disputações Metafísicas Razão e percurso de toda a obra. Ao Leitor. 323. Proémio. 327. Disputação I, seção I. 329. Disputação I, seção V. 351. Disputação V, seções I, II, III, V, VI. 355. Disputação VII, secção I. 433. Disputação VIII, secções I a V. 457. Disputação VIII, seções VII e VIII. 497. Disputação XXXI, secção III. 535. Disputação XXXIX, secção I. 541. ÍNDICES Autores Antigos, Medievais e do Renascimento Autores Modernos e Contemporâneos Índice temático de Francisco Suárez. 555 559 563.

(7) AO LEITOR, SOBRE A METAFÍSICA COMO CIÊNCIA HUMANA. Francisco Suárez começa as Disputações de Metafísica com um aviso ao leitor onde explica as razões e a intenção de toda a obra1. Avisos como este servem para captar a benevolência do leitor, como a retórica clássica ensina, mas Suárez usa-o sobretudo para justificar e anunciar o que se vai encontrar na obra. Com modéstia desculpa-se perante os leitores de outra obra que então publicava, o comentário sobre a IIIª parte da Suma de Teologia de Tomás de Aquino, que interrompeu porque sentiu que qualquer teólogo de pensamento sustentado precisa da Metafísica como seu fundamento firme, razão que o levou a empreender esta obra em que, como teólogo cristão, desce ao terreno da Filosofia natural para compreender os conceitos mais gerais de que a Teologia revelada precisa para aspirar a apresentar-se como ciência. Sabemos que Tomás de Aquino escreveu comentários sobre várias obras de Aristóteles enquanto redigia a Suma de Teologia (entre 1265 e 1274, ano da sua morte), para aprofundar os fundamentos filosóficos do que nela ia tratando. Por sua vez Suárez interrompe o seu comentário à Suma porque se convencera que a «teologia divina e sobrenatural requeria esta humana e natural», na qual pretende tratar dos princípios que, escreve, servem «para a confirmação das verdades teológicas», posição que repete também no curto Proémio das Disputações2. É também aí que assevera que esta obra sobre a «sabedoria natural» resulta de uma profunda reelaboração que recupera e completa o que ensinara há muitos anos, quando jovem. É pois uma obra de conteúdo longamente amadurecido que, mesmo assim, confessa ter-lhe tomado mais tempo que o que pensava dedicar-lhe. Suárez, teólogo de profissão que escreve sobretudo para estudiosos de Teologia, não procede como teólogo, mas como filósofo («in hoc opere philosophum ago»), filósofo cristão, que se obriga a não transgredir os limites da razão natural, para compreender a Metafísica na sua máxima amplitude e rigor.. 1 Ratio et discursus totius operis ad lectorem, ver tradução nas pp. 323-325. Cita-se a tradução neste volume e a edição latina de referência: F. SUÁREZ, Opera omnia tomi 2526: Disputationes metaphysicae universam doctrinam duodecim librorum Aristotelis comprehententes, Editio nova. Ed. C. BERTON, apud L. Vivès, Paris 1861, vol. 25, pp. iniciais não numeradas 5*-6*). 2 Prooemium, ver tradução nas pp. 327-328 (Suárez, Opera Omnia, vol. 25, cit., p. 1a-b)..

(8) VIII. JOSÉ FRANCISCO MEIRINHOS. Como o título da obra o deixa bem explícito, Suárez não se satisfaz com uma ciência que ainda se limite a repetir ou comentar a obra homónima de Aristóteles3. É que a exegese pode ajudar na compreensão do texto, ou a preparar para as questões discutidas nos cursos, mas essa via de análise parece-lhe já insuficiente. A insistência de Suárez no método e na clareza da pesquisa é bem explícita e faz parte das suas convicções filosóficas profundas: «sempre julguei que uma grande força, para entender e examinar a fundo os assuntos, reside em investigá-los e avaliá-los com o método adequado (in eis convenienti methodo inquirendis et judicandis)»4. De entre os métodos que a tradição escolar consagrara, o mais adequado não lhe parece o comentário, mas a disputação, que considera mais adaptada ao objeto em estudo, à concisa brevidade, à própria sabedoria revelada (cfr. final do Proémio). Daí resulta uma refundação estrutural da Metafísica como ciência, que os estudos mais recentes têm interpretado de modo divergente, mas sublinhando em crescendo a sua importância para a formação do pensamento Moderno, através de uma releitura pessoal das diferentes aproximações da escolástica medieval à Metafísica, das quais Suárez pretende extrair uma formulação unitária. Abandonando a ordem literária da obra de Aristóteles, a Suárez interessa sim um método bem ordenado que assenta na consideração do «objeto, ou matéria da qual esta ciência trata» (início da Disp. I, Varia). Ainda Suárez: «julguei que seria mais adequado e útil, observando a ordem da doutrina, inquirir e propor ante os olhos do leitor tudo o que pode ser investigado e desejado sobre todo o objeto desta sabedoria»5. De um modo discreto mas bem sublinhado em vários pontos das Disputações, Suárez desloca o centro estruturador da disciplina, transferindo-o da obra de Aristóteles para a consideração sistemática do seu objeto, que explicitamente identifica: o ente enquanto ente, ou a razão de ente (Disp. II). E, sempre no aviso ao leitor, explica que trata a noção de ente longamente no primeiro tomo das Disputações, dedicado também às propriedades (Disp. III-XI) e causas do ente (Disp. XII-XXVII), consideração das causas que lhe exige minuciosa discussão em razão da sua grande dificuldade e utilidade para a Fi3 O título completo Metaphysicarum disputationum in quibus et universa naturalis Theologia ordinate traditur et quaestiones ad omnes duodecim Aristotelis libros pertinentes accurate disputantur pars prior (vol I), pars posterior (vol. II) sublinha bem as duas vertentes da obra, quer o tratamento ordenado de todas as questões relacionadas com a Teologia natural (i.e., a própria Metafísica), quer a cuidadosa apresentação das questões relativas aos 12 livros da Metafísica de Aristóteles, que na sua divisão tradicional integra de facto 14 livros. 4 Ao leitor, cfr. trad. p. 324. 5 Ao leitor, cfr. trad. p. 324..

(9) AO LEITOR, SOBRE A METAFÍSICA COMO CIÊNCIA HUMANA. IX. losofia e a Teologia. Explica também que no segundo tomo trata de modo especial as divisões do ente, começando pela divisão entre incriado e criado (Disp. XXVIII-XXIX), para depois descer desta divisão primigénia a todas as outras divisões de género e graus de ente que cabem na ciência Metafísica: Deus (Disp. XXX), o ente finito (Disp. XXXI-XXXII), a substância (Disp. XXXIII-XXXVI), os acidentes (Disp. XXXVII-XXXVIII), os nove géneros supremos de acidente (Disp. XXXIX-LIII), o ente de razão (Disp. LIV). Em razão da minúcia e complexidade analítica, as Disputações ultrapassam em muito a dimensão da Metafísica de Aristóteles. E afastam-se dela pelo conteúdo, desde logo porque Suárez considera que a obra de Aristóteles tem partes aporéticas, ou históricas, ou repetidas que são de pouca utilidade e podem ser dispensadas6. Também ultrapassa Aristóteles porque, para compreender as partes úteis, se vale de toda a tradição comentarística, reintegrando a obra e o legado do Estagirita numa construção orientada sobretudo pelas posições de Tomás de Aquino7, mas tantas vezes divergindo do próprio Aquinate. Nas suas disputações, que não são um texto exegético, Suárez propõe-se sim estudar «as coisas mesmas» na sua razão de ente, transformando a Metafísica em algo que alguns designam como ontologia (ou onto-teologia, como a tradição heideggeriana prefere designá-la), termo ainda muito novo e que Suárez nunca usa. Não apenas por convicção filosófica, Suárez sente de modo profundo esta tensão de dependência e afastamento em relação à obra de Aristóteles. Na tradição escolar das Faculdade e Colégios de Artes e dos studia das ordens religiosas, a Metafísica era um dos cursos nucleares, o ápice da formação filosófica e o verdadeiro prolegómeno para a formação em Teologia. A obra tinha que ser lida e comentada passo a passo e com ela se alimentava uma longa cadeia de questões em que me mestres e discípulos treinavam o uso de argumentos e conceitos. Ora, é justamente essa vertente didática e. 6 «Naquilo que diz respeito ao texto do filósofo nestes livros da Metafísica algumas das suas partes são de pouca utilidade, ou porque propõe diversos problemas e dúvidas que deixa por resolver, como acontece em todo o livro III, ou porque expõe e refuta apenas as posições dos filósofos antigos, como em quase todo o livro I e em grande parte dos outros facilmente se pode constatar, ou porque repete ou resume o que já dissera em livros anteriores, como se constata no livro XI e em outros», F. SUÁREZ, Disputationes, Disp. II, Ordo (F. SUÁREZ, Opera Omnia, vol. 25, cit., p. 64a-b). 7 «No que diz respeito às partes úteis, dignas e que é necessário conhecer, esforçaram-se muito na explicação do que se contém na letra de Aristóteles vários comentadores gregos, árabes e latinos, dos quais principalmente usaremos a exposição de Alexandre de Afrodísias, de Averróis e, entre todos, sobretudo de Tomás de Aquino», Idem, ibidem, p. 64b..

(10) X. JOSÉ FRANCISCO MEIRINHOS. escolar que Suárez, como diz no aviso aos leitores, quer também contemplar prestando-lhes o serviço de publicar como última parte da obra um completíssimo índice, que servirá para compreender e memorizar tudo o que Aristóteles tratou na Metafísica, relacionando-o com as questões que habitualmente se discutem sobre cada passagem8. É esta parte final das Disputationes que se liga mais diretamente à tradição comentarística da Metafísica9, cuja súmula máxima estava então em curso de publicação por Pedro da Fonseca, mestre em Coimbra e também Jesuíta. Em 1557 publicara o primeiro volume do que viria a ser uma magna e erudita edição da Metafísica10. Esta incluía a edição crítica do texto grego a partir da colação de manuscritos e edições impressas, acompanhada de uma tradução latina que o próprio Suárez usaria e considerou a mais elegante de todas a ponto de quase dispensar explicação11. O texto latino e a tradução em colunas paralelas eram acompanhadas em pé de página por um nutrido e pormenorizado comentário passo a passo do texto de Aristóte-. 8. Ao leitor, cit., cfr. trad. p. 324 (F. SUÁREZ, Opera Omnia, vol. 25, cit. p. 6*). Na edição original o Index locupletissimus in Metaphysicam Aristotelis está publicado no final da obra, mas em diversas edições será colocado no início (cfr. F. SUÁREZ, Opera Omnia, vol. 25, cit. pp. I-LXVI), acompanhado de outros índices que denotam o cuidado dos editores em oferecerem esta obra como um instrumento de trabalho para o estudo da Metafísica como ciência (Index disputationum et sectionum, cfr. Suárez, Opera Omnia, vol. 25, cit. pp. LXVII-LXIII), da Metafísica enquanto obra de Aristóteles (cfr. o referido Index locupletissimus) e das Disputationes como acesso às obras de Aristóteles (Index Philosophicus, cfr. Suárez, Opera Omnia, vol. 26, cit. pp. 1087-1091) e à Suma de Teologia de Tomás de Aquino (Index Theologicus, cfr. Suárez, Opera Omnia, vol. 26, cit. pp. 10921094), para além do Index rerum praecipuarum no qual se elenca como e onde nas Disputações cada conceito é tratado (cfr. F. SUÁREZ, Opera Omnia, vol. 26, cit. pp. 1042-1091). 10 Commentariorum Petri Fonsecae Lusitani (…) in libros Metaphysicorum Aristotelis Stagiritae tomi quatuor: Lib. I-IV no vol. I, pubicado em Roma 1577; Lib. V no vol. II, Roma 1589; Lib. VI-IX no vol. III, Évora 1604; Lib. XI-XIV no vol. IV, Lyon 1612; reed. Georg Olms, Hildesheim 1964 da edição de Colónia publicada em 1615-1629. 11 «(...) legantur expositores, et praesertim Fonseca, cujus translatio tam est elegans et dilucida, ut fere sine expositore a quovis intelligi possit (leiam-se os comentadores, em especial Fonseca cuja tradução é tão elegante e clara que, quase sem comentador, pode ser compreendida por qualquer um)», F. SUÁREZ, Disputationes Metaphysicae, em Index locupletissimus in Metaphysicam Aristotelis, I, VII. Embora dependente da tradução de Fonseca, Suárez por vezes prefere seguir outras traduções do periodo humanístico, cfr. J. DOYLE (Introd., ed. e trad.) em Francisco SUÁREZ, A Commentary on Aristotle's Metaphysics: A Most Ample Index to the Metaphysics of Aristotle (Index Locupletissimus in Metaphysicam Aristotelis), Marquette University Press, Milwaukee 2004, pp. 9-10. Quando Suárez publicou as Disputationes ainda só estavam publicados os dois primeiros volumes dos Comentários de Pedro da Fonseca, mas, como sublinhou John Doyle na mesma obra, não é improvável que Suárez tivesse acesso à totalidade da tradução, que poderia circular manuscrita entre os mestres da Companhia de Jesus. 9.

(11) AO LEITOR, SOBRE A METAFÍSICA COMO CIÊNCIA HUMANA. XI. les, concluindo cada capítulo com a discussão das questões habitualmente tratadas sobre cada capítulo, muitas delas já distantes da letra de Aristóteles, e onde Fonseca expressa um pensamento fortemente devedor das posições de Tomás de Aquino, mas com a autonomia de pensamento suficiente para dele se afastar sempre que lhe parecesse necessário. Fonseca é um exímio editor que alia a erudição filológica, à minúcia do historiador do pensamento, à elevação especulativa, numa obra de grande complexidade e que exige ao seu autor anos de trabalho esforçado, que não terminará em toda a sua extensão. O segundo volume foi publicado em 1589, o terceiro e o quarto são de publicação póstuma, em 1604 e 1612, com o último volume contendo apenas a edição do texto grego, a tradução latina e o comentário (comentário que também já não existe para os livros XIII e XIV), mas sem questões. Os Comentários exercem seguramente influência em Suárez, com a estrutura das suas disputationes próxima da das quaestiones discutidas por Pedro da Fonseca. Mas com diferenças definitivas: Suárez secundariza o texto de Aristóteles e reorganiza a Metafísica em torno da discussão do seu objeto, a noção de ente, e respetivas divisões e acidentes, procurando darlhe uma estrutura de ciência sistemática autónoma. Suárez procura convicto a (re)construção sintética e sistemática da inteira disciplina da Metafísica, ainda com extensa dependência de Aristóteles e do peripatetismo, mas separando radicalmente o exercício escolar de assimilação do conteúdo da obra de Aristóteles, do trabalho de meditação que se afasta da letra de Aristóteles e da doutrina dos seus comentadores. A dupla reorientação posta em prática por Suárez tem profundas consequências. Obriga a reconsiderar a natureza e utilidade da Metafísica como Ciência, o que Suárez faz na Disputação I. Mas que ciência é esta? É uma ciência natural, juntamente como a Matemática e a Física, como Aristóteles as tinha classificado na própria Metafísica e toda a tradição medieval afirmara sem hesitações. Suárez entende a Metafísica como o fundamento para a autonomia das ciências, em razão dos respetivos métodos e objetos de estudo, não como uma ciência geral ou uma ciência de tudo, pois nenhuma ciência de aquisição humana poderia abranger tudo o que é cognoscível segundo a sua razão própria (cfr. Disp. I, 2, 24). Para Suárez a Metafísica é uma scientia humana, não apenas por contraposição à scientia divina ou revelata, mas sobretudo pelo modo de aquisição por via da operação intelectual e porque considera o seu objeto segundo a abstração que lhe é adequada. Como o intelecto se ordena para o conhecimento e se realiza quando alcança o mais perfeito dos conhecimentos, conclui Suárez, fiel ao finalismo aristotélico, que «a um intelecto humano perfeitamente disposto, não pode faltar esta ciência» (Disp. I, 2, 14). Vai ainda mais longe ao contrapo-.

(12) XII. JOSÉ FRANCISCO MEIRINHOS. la com a física (filosofia da substância material) ou com a ciência dos seres vivos, para a afirmar como uma ciência humana indispensável ao edifício dos saberes enquanto ciência universal e primeira: «(...) a ciência humana (chamemos-lhe assim), considerando os vários graus e as várias razões de ente, é necessário que considere a razão comum de ente. Do mesmo modo, se se ocupa de várias substâncias e de vários acidentes, é necessário que considere as razões comuns de substância e de acidente, e isto não o consegue senão por esta ciência universal e primacial» 12. Ainda por outra razão a Metafísica é a ciência humana mais eminente, porque eleva o homem ao seu mais perfeito grau de felicidade natural, «a contemplação das coisas mais elevadas», remetendo para a posição de Aristóteles na Ética a Nicómaco, X, 713. A coerência e novidade da obra contribuirão para um novo interesse pela Metafísica enquanto ciência do ente e fundamento da totalidade das ciências. A discussão em curso abria já pontos de rutura com a tradição escolástica e propiciava a emergência de outros questionamentos e de novas soluções para os problemas da Filosofia. Uma frase discreta do Proémio, que tem por função reforçar a importância e caráter fundamental da Metafísica, deixa a descoberto um dos pontos de ataque da filosofia moderna. Quando Suárez escreve no Proémio «se for retirada a ciência e o conhecimento perfeito daqueles [princípios e verdades da metafísica], é necessário que também a ciência destes [discursos e conclusões teológicos] seja abalada em excesso» está involuntariamente a apontar para o ponto frágil, como se assim esconjurasse as veleidades dos que quisessem atacar por aí. A dificuldade vinha de muito longe, mas de refundação em refundação do edifício metafísico, a filosofia moderna confrontar-se-á totalmente com esta possível inviabilidade da Metafísica, de onde resulta, como anuncia Suárez, mas contra a sua pretensão, a impossibilidade de fundamentar a Metafísica como ciência e, pior ainda, de a tomar como fundamento de todas as ciências. A crítica dos fundamentos da Metafísica colocará definitivamente em crise o projeto escolástico de uma ciência metafísica, na qual assenta a própria ciência teológica. Transformada de ciência natural em ciência humana, doravante a Metafísica procurará nas próprias condições de conhecimento do sujeito um fundamento para a sua possibilidade, não só enquanto filosofia primeira, mas também enquanto fundamento crítico de toda a possibili12. F. SUÁREZ, Disp. I, 2, 14 (cfr. F. SUÁREZ, Opera Omnia, vol. 25, cit. p. 17). F. SUÁREZ, Disp. I, 2, 16 (cfr. F. SUÁREZ, Opera Omnia, vol. 25, cit. p. 18) e toda a secção 5 da Disp. I onde se discute a Metafísica como Sabedoria. 13.

(13) AO LEITOR, SOBRE A METAFÍSICA COMO CIÊNCIA HUMANA. XIII. dade de conhecer a sabedoria última possível ao homem. Descartes ou Kant são dois exemplos do novo percurso para a Metafísica enquanto filosofia primeira e ciência da possibilidade do conhecimento humano. Também nesse sentido Suárez é uma via de entrada na modernidade. Não é em vão que Suárez se inquieta a chamar a atenção do leitor para as novidades da sua obra. O presente volume explora alguns dos pontos chave das Disputações de Metafísica de Francisco Suárez em torno de três temas, pondo em paralelo os estudos e a tradução de excertos, após a Introdução por Paula Oliveira e Silva, que situa a obra no seu contexto, projeto, estrutura, recepção e bibliografia crítica. Na primeira parte, sobre “A ciência Metafísica”, Costantino Esposito escreve sobre a Metafísica como ciência e o projeto de Suárez, Adelino Cardoso trata a questão da identidade entre essência e existência (cfr. trad. Disp. XXXI, 3), Ángel Poncela regressa ao problema do objeto da Metafísica (cfr. a trad. de Disp. I, 1), Carlos Arthur Nascimento escreve sobre a subalternação das ciências (cfr. trad. de Disp. I, 5) e José Jivaldo Lima trata os sentidos de substância e de acidente (cfr. trad. de Disp. XXXIX, 1). Quatro estudos integram a parte dedicada aos “Transcendentais”: Paulo Faitanin escreve sobre a unitas (cfr. trad. Disp. V, 1-3, 5-6), Santiago Orrego Sánchez sobre a distinctio (cfr. trad. Disp. VIII, 1), Paula Oliveira e Silva e Roberto Pich escrevem sobre o verum (cfr. trad. Disp. VIII, 1-5). A última parte é dedicada à “Causalidade”, com estudos de Marta Mendonça sobre as causas contingentes e as causas livres, de Cruz González-Ayesta sobre a influência de Duns Escoto na discussão das causas necessárias e das causas livres, de Manuel Lázaro Pulido sobre a causalidade exemplar. Trata-se pois de uma introdução à metafísica de Suárez através da discussão de um conjunto seleto de temas que procuram oferecer uma via de entrada para o conjunto das Disputationes, cuja leitura se pretende estimular e facilitar com a tradução de excertos significativos. Este volume integra-se nas atividades do projeto Iberian Scholastic Philosophy at the Crossroads of Western Reason: The Reception of Aristotle and the Transition to Modernity, PTDC/FIL-FIL/109889/2009, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (investigador principal J.F. Meirinhos e no qual Paula Oliveira e Silva é investigadora central e responsável pela área de Metafísica). A obra de Suárez apresenta-se e tem sido revalorizada recentemente como uma obra inovadora e de charneira entre a escolástica e a Modernidade, por isso estava identificada desde o início como um dos focos de análise, retomando assim os trabalhos que Paula Oliveira e Silva vem desenvolvendo nos últimos anos e que foi o principal esteio deste.

(14) XIV. JOSÉ FRANCISCO MEIRINHOS. volume, que assenta quase por inteiro no seu labor e interesse pela Metafísica. A primeira etapa da preparação volume foi o Seminário Internacional de Investigação Questões de Metafísica – As Disputationes Metaphysicae de Francisco Suárez, que decorreu na Faculdade de Letras da Universidade do Porto entre 25 e 27 de Janeiro de 2010. Aí se reuniu a equipa de trabalho, foram apresentadas e discutidas as versões preliminares dos estudos que constituem a primeira parte desta obra e foi discutida e partilhada a metodologia para a realização da tradução de partes significativas das Disputationes, que se incluem como segunda parte do volume. Pretende-se que a metodologia e os resultados alcançados tenham continuidade, nomeadamente traduzindo algumas das mais significativas das Disputações de modo a torna-las disponíveis aos leitores de português. Estando envolvida uma equipa de investigação e de tradução constituída por portugueses e brasileiros foram tomadas duas decisões quanto à ortografia: 1) adotar o mais recente acordo ortográfico da língua portuguesa; 2) manter as grafias próprias dos países dos tradutores. Poderá ser considerada ausência de uniformização que no mesmo volume a mesma palavra surja com duas grafias, mas pareceu-nos que era preferível respeitar a validade do modos de escrever português no país de cada autor. A uniformizar, um dos dois modos de escrever teria que ser substituído por outro, o que redundaria em artificialismo arbitrário. Para conhecimento dos leitores, devemos também expressar o nosso agradecimento a quantos tornaram possível a preparação e a publicação deste volume. Ele não seria possível sem o contributo da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, tendo sido possível recorrer a vários dos seus programas para a realização do colóquio, a preparação do volume e agora a publicação. Em primeiro lugar a obra deve-se a quem nela publica o seu trabalho e também a todos quantos no Gabinete de Filosofia Medieval do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto intervieram em alguma das suas fases. Entre todos destacamos Patrícia Teixeira que com paciente eficiência e pontualidade acompanhou todas as fases desta edição, em particular a revisão, paginação e preparação de índices. José Francisco Meirinhos Faculdade de Letras da Universidade do Porto IP do projeto PTDC/FIL-FIL/109889/2009.

(15) COLABORAM NESTE VOLUME. ADELINO DIAS CARDOSO Doutor em Filosofia, no domínio da História da Filosofia Moderna, pela Universidade de Lisboa, com tese intitulada O trabalho da mediação no pensamento leibniziano. Investigador Auxiliar do Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa. ANGEL PONCELA GONZÁLEZ Doutor em Filosofía pela Universidade de Salamanca com tese intitulada Francisco Suárez, lector de Metafísica IV y XII. Posibilidad y límite de la aplicación de la tesis Onto-teo-lógica a las Disputaciones Metafísicas. Professor do Departamento de Filosofía, Lógica y Estética da Universidad de Salamanca. Membro do Projeto de Investigação “Scholastica salmanticensis”, da Área de Filosofía do Departamento de Filosofía, Lógica e Estética da Universidad de Salamanca. CARLOS ARTHUR RIBEIRO DO NASCIMENTO Doutor em Filosofia pela Universidade de Montreal, Quebec, Canadá. Professor Titular Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia Comunicação Letras e Artes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Possui inúmeras publicações no domínio da filosofia do conhecimento e das ciências na escolástica medieval e colaborado em projectos de investigação na mesma área. COSTANTINO ESPOSITO Professor Ordinário de História da Filosofia no Departamento de Ciências Filosóficas da Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade de Bari. Dirige (com P. Porro) a Revista Internacional Quaestio. Annuario di storia della metafisica (Bari-Turnhout). Entre as suas inúmeras publicações, destacam-se Il fenomeno dell’essere. Fenomenologia e ontologia in Heidegger, Dedalo, Bari 1984. Traduziu e comentou as três primeiras Disputações Metafisicas de Francisco Suárez (Francisco Suárez, Disputazioni metafisiche I-III, ed. Bilingue de C. ESPOSITO, Rusconi, Milão 1996; Bompiani, Milão 2007)..

(16) XVI. COLABORAM NESTE VOLUME. CRUZ GONZÁLEZ-AYESTA Doutora em Filosofía e em Teologia pela Universidade de Navarra, Professora no Departamento de Filosofia da Universidad de Navarra. Entre outras publicações, destaca-se a tradução e comentáro da questão XV do Livro IX de la Quaestiones Super libros Metaphysicorum Aristotelis de Escoto, Universidad de Navarra, Pamplona 2007. Coordena na Universidade de Navarra o Projeto de Investigação Naturaleza y voluntad. La génesis de la contraposición entre causalidad natural y causalidad libre: De Escoto a Suárez. JOSÉ JIVALDO LIMA Doutor em Filosofia Medieval (Ética e Política) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor titular da Universidade Federal de Goiás. Membro da área de Metafísica do Projeto de Investigação Projeto de Investigação Iberian Scholastic Philosophy at the Crossroads of Western Reason: The Reception of Aristotle and the Transition to Modernity. JOSÉ MEIRINHOS Doutor em Filosofia Antiga e Medieval pela Univeridade do Porto com a tese Pedro Hispano (século XIII). Professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e diretor do Instituto de Filosofia, unidade de investigação da mesma universidade. Investigador principal do projeto financiado pela FCT: Iberian Scholastic Philosophy at the Crossroads of Western Reason: The Reception of Aristotle and the Transition to Modernity, no qual esta obra se insere. MANUEL LAZARO PULIDO Doutor em Filosofia pela Universidade Pontifícia de Salamanca com a tese La metafísica del ser finito en san Buenaventura: La creatura expresión de Dios. Investigador Auxiliar no Instituto de Filosofia da Universidade do Porto. Diretor da Revista Cauriensia (Instituto Teologico da Diocese de Cáceres). Publicou vários artigos e livros no domínio da filosofia e da teologia escolástica, dos quais se destaca o volume Ideas sin fronteras en los límites de las ideas - Ideias sem fronteiras nos limites das ideias (com R. PICH e A. CULLETON), Instituto Teológico San Pedro de Alcántara, Cáceres 2012. MARTA MENDONÇA Doutora em Filosofia pela Universidade Nova de Lisboa, com especialidade em Filosofia Moderna. Professora de Filosofia na Universidade Nova de Lisboa. Tem publicado nos domínios da Filosofia Moderna, História e Filosofia.

(17) COLABORAM NESTE VOLUME. XVII. da Ciência, Filosofia da Natureza e Bioética. Dirige actualmente a linha de investigação intitulada “Compreensão, Explicação e Linguagem” no Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa. PAULA OLIVEIRA E SILVA Doutora em Filosofia Medieval pela Universidade de Lisboa. Investigadora Auxiliar no Instituto de Filosofia da Universidade do Porto. Investigadora Principal do grupo de investigação Reason, Sciences and Nature in Medieval Philosophy do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto. No mesmo Instituto, dirige como investigadora responsável da área Metafísica do Projeto de Investigação Iberian Scholastic Philosophy at the Crossroads of Western Reason: The Reception of Aristotle and the Transition to Modernity, no qual esta obra se insere. PAULO FAITANIN Doutor em Filosofia Medieval pela Universidad de Navarra. Professor Titular do Departamento de Filosofia da Universidade Federal Fluminense. Editor da Revista Eletrônica de Estudos Tomistas: www.aquinate.net. Tem publicado diversos estudos sobre o problema da individuação, em Tomás de Aquino e em outros autores do período escolástico. ROBERTO HOFMEISTER PICH Doutor em Filosofia pela Rheinische Friedrich Wilhelms Universität Bonn, com tese intitulada Der Begriff der wissenschaftlichen Erkenntnis bei Johannes Duns Scotus. Professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Dirige o Projeto de investigação Scholastica colonialis: a recepção e o desenvolvimento da Escolástica Barroca na América Latina, séculos XVI-XVIII. SANTIAGO ORREGO Doutor em Filosofia pela Universidad de Navarra, com a tese intitulada La actualidad del ser en la «Primera escuela» de Salamanca. Professor no Instituto de Filosofía da Pontificia Universidad Católica de Chile. Colabora na linha de investigación sobre “Pensamiento Clásico Español” da Universidade de Navarra. Entre sus publicaciones destaca-se a edição da obra de Diego Mas, Disputación metafísica sobre el ente y sus propiedades trascendentales (1587), Eunsa, Pamplona 2003, e de Frei Luis de León, Dios y su imagen en el hombre. Lecciones inéditas sobre el libro I de las Sentencias, Universidad de Navarra, Pamplona 2008..

(18)  3 +  +   + ,-   #*    4?* 5* +  + 2+ * +     =68() =62+        2   3   2  =68; + *  + 23E( 5   >,  F2 C  + 3  >,  * 5   +74?2( C    /6      5   5  G 8+ 8HHH)2IJ2 K

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Referências

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