Como promover um desenvolvimento
sustentável da agricultura portuguesa?
Francisco Avillez
Professor Emérito do ISA, ULisboa
3º ROTEIRO
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- promover o crescimento sustentável do VAB agrícola nacional
- gerir riscos e estabilizar rendimentos
1. Introdução
2. Evolução do valor acrescentado bruto do sector agrícola
nas duas últimas décadas (1995-2015)
3. Factores explicativos da evolução do VAB agrícola
4. Como promover um crescimento sustentável do VAB
agrícola nacional?
5. Os instrumentos de gestão de riscos e de estabilização
de preços e rendimentos agrícolas
1. Introdução
▪ O principal desafio com que Portugal irá ser confrontado na próxima década irá ser o de fazer crescer a economia nacional de forma sólida, sustentável e inclusiva
▪ A agricultura portuguesa poderá desempenhar um papel importante neste contexto através da sua contribuição para o crescimento do valor
acrescentado nacional de forma economicamente competitiva, ambientalmente sustentável e territorialmente equilibrada
1. Introdução
▪ Esta nossa visão estratégica difere da que consta do documento Visão 2020 da CAP, por nos parecer ser mais adequada para o futuro desenvolvimento sustentável da agricultura portuguesa.
▪ Ambas as visões estratégicas têm em comum a aposta na multifuncionalidade, mas diferem na forma como se prespectiva a função económica:
- mais protecionista e produtivista no caso do documento da CAP (atingir a
auto-suficiência alimentar);
- de abertura aos mercados e de aposta na competitividade, no nosso caso (fazer crescer o VAB nacional).
Nesta minha apresentação, vou-me debruçar principalmente sobre a visão que temos no âmbito da promoção da função económica da agricultura portuguesa, ficando para a apresentação seguinte a abordagem das outras funções.
1. Introdução
▪ A evolução do VAB do sector agrícola português nestas últimas décadas mostra-nos que não vai ser fácil assegurar uma contribuição positiva da agricultura para o crescimento económico nacional
▪ De facto, desde a nossa adesão à CEE em 1986 que o VAB agrícola tem apresentado um comportamento tendencialmente negativo, qualquer que seja a óptica (produto ou rendimento) com que ele seja encarado, e qualquer que seja o sistema de preços (constantes ou correntes, nominais ou reais) com que se proceda à sua valorização.
2. Evolução do valor acrescentado bruto
do sector agrícola nas duas últimas
décadas (1995-2015)
▪ Entre os triénios “1996” e “2014” o VAB agrícola a preços no produtor constantes apresentou uma t.m.c.a. de -1%/ano, ou seja, sofreu um decréscimo acumulado de -17%, com a seguinte evolução temporal:
- -1,9% entre “1996” e “2003”;
- -2,0% entre “2003” e “2009”;
- +1,3% entre “2009” e “2014”.
Ou seja, o contributo da agricultura para o crescimento do PIB foi, apenas, positivo nos últimos anos do período de 1995 a 2015.
▪ Durante igual período o VAB agrícola a preços no produtor correntes, evolui a uma t.m.c.a de -0,6%/ano, a qual foi sempre negativa nos três subperíodos considerados:
- -0,4% entre “1996” e “2003”;
- -1,2% entre “2003” e “2009”;
- -0,1% entre “2009” e “2014”.
Ou seja, a evolução desfavorável verificada nas relações entre os preços dos produtos e dos factores de produção agrícolas agravou o comportamento do VAB agrícola em volume nos últimos cinco anos.
2. Evolução do valor acrescentado bruto
do sector agrícola nas duas últimas
▪ Da análise a evolução, entre 1995 e 2015, do VAB do sector agrícola a custo de
factores (VAB a preços no produtor + pagamentos directos aos produtores) verifica-se
que o seu comportamento foi, apenas, ligeiramente mais favorável com uma t.m.c.a. de
-0,4%/ano, entre “1996” e “2014” e de:
- -0,1% entre “1996” e “2003”; - -0,5% entre “2003” e “2009”; - -0,7% entre “2009” e “2014”.
Ou seja, a evolução dos pagamentos directos aos produtores pouco contribuiu para melhorar a evolução, em valor, do VAB agrícola nacional.
Importa, ainda, sublinhar que o VAB a custo de factores medido a preços reais, teve uma evolução ainda mais negativa (t.m.c.a. = -2,7%/ano), o que resulta de uma relação entre os preços agrícolas e não agrícolas muito desfavorável à agricultura portuguesa.
2. Evolução do valor acrescentado
bruto do sector agrícola nas duas
últimas décadas (1995-2015)
▪ Este comportamento negativo do VAB agrícola nas últimas décadas resultou, em minha opinião, de:
- uma quase estagnação do volume da produção agrícola (+0,6%/ano) que foi consequência de uma acentuada redução da superfície agrícola cultivada (-35%), a qual só foi marginalmente compensada pelo crescimento da produtividade da
terra (+3%/ano);
- uma perda na produtividade dos factores intermédios (-17%/ano) que resultou de um processo de intensificação tecnológico responsável por um ritmo de
crescimento do consumo dos bens intermédios (+4%/ano) superior ao do volume de produção (+3%/ano) e de um acentuado crescimento do rácio capital/trabalho (+1,9%/ano);
- uma evolução nas relações entre os preços agrícolas e não agrícolas e dos
pagamentos directos aos produtores que foi particularmente desfavorável para os produtores agrícolas nos últimos anos do período 1995-2015.
3. Factores explicativos da evolução
do VAB agrícola
▪ São diversos os factores que explicam estas alterações estruturais, técnicas e económicas, dos quais importa destacar:
- as limitações sócio-estruturais das explorações agrícolas;
- as perdas de competitividade da maior parte dos sistemas de produção agrícola tradicionais;
- a difusão generalizada de um modelo de intensificação agrícola do tipo
quimico-mecânico;
- as alterações na composição do sistema de pagamentos directos aos
produtores que incentivaram a extensificação da produção nos solos de menor aptidão e a intensificação tecnológica nos solos de maior aptidão agrícola;
- a evolução desfavorável da generalidade dos preços agrícolas e a sua
crescente volatibilidade consequência das sucessivas reformas da PAC e do peso
crescente da grande distribuição na fileira agro-alimentar.
3. Factores explicativos da evolução
do VAB agrícola
▪ Face às limitações estruturais de mercado, tecnológicas e político-institucionais que caracterizam actualmente a agricultura portuguesa, vai ser indispensável a adopção futura de uma estratégia de desenvolvimento sustentável capaz de:
- promover um uso mais eficiente dos factores intermédios de produção agrícola;
- garantir uma gestão mais sustentável no uso do solo e da água;
- contribuir para uma melhor valorização e para uma maior estabilidade dos preços e dos rendimentos agrícolas;
- promover a abertura de novos mercados internos e externos de bens agroalimentares.
4. Como promover um crescimento
4. Como promover um crescimento
sustentável do VAB agrícola nacional?
▪ Neste contexto, vai assumir uma importância decisiva uma PAC pós 2020, que: - privilegie a gestão de risco e a estabilização dos preços e rendimentos
com base num conjunto coerente de seguros, pagamentos aos produtores, intervenções nos mercados e reserva para crises;
- reforce a posição dos produtores no contexto da cadeia alimentar, com base na promoção de uma reda de OPs mais dinâmica e alargada, uma maior transparência nas relações comerciais, uma
contratualização com regras mais claras e justas e um combate às práticas comerciais desleais;
4. Como promover um crescimento
sustentável do VAB agrícola nacional?
- aposte na competitividade económica do sector agrícola através de incentivos adequados ao investimento produtivo e à
internacionalização;
- promova uma transição gradual mas coerente e eficaz do modelo quimico-mecânico actualmente dominante para um novo modelo sustentável de intensificação tecnológica agrícola, contribuindo para o reforço e reestruturação da fileira do conhecimento e inovação;
- viabilize economicamente os sistemas de estruturas de produção agrícola não competitivos capazes de contribuir para a
sustentabilidade ambiental e a coesão económica e social dos territórios rurais, através de um sistema coerente e eficaz de pagamentos directos.
▪ Na parte final desta minha apresentação vou abordar, apenas, o futuro das medidas de gestão de risco e de estabilização de preços e rendimentos no contexto da PAC pós-2020, deixando para a apresentação seguinte os
aspectos relacionados como o processo de transição para o novo modelo de intensificação tecnológica e as respectivas implicações no âmbito das políticas de desenvolvimento rural.
4. Como promover um crescimento
▪ Uma melhoria dos rendimentos dos produtores agrícolas da UE e uma sua maior estabilidade vai depender da adopção pela PAC de um conjunto
coerente e eficaz de medidas de gestão de riscos e de estabilização de preços e rendimentos.
▪ Tudo aponta para que os riscos naturais e de mercado a que as agriculturas da UE estão sujeitas irão tender a agravar-se em consequência quer do
fenómeno das alterações climáticas, quer da crescente volatilidade dos preços agrícolas mundiais.
▪ Se não for dada uma resposta adequada no contexto da gestão futura destes riscos crescentes, as decisões produtivas, tecnológicas e de investimento dos produtores agrícolas europeus irão conduzir a uma perda de competitividade económica dos sistemas de produção praticados e, consequentemente, a uma degradação do nível e da estabilidade dos respectivos rendimentos agrícolas.
5. Os instrumentos de gestão de
riscos e de estabilização de preços e
rendimentos agrícolas
▪ São inúmeros os riscos que as agriculturas actuais enfrentam, os quais diferem entre si de acordo com:
- a sua natureza: naturais ou de mercado;
- o seu âmbito de influência: individuais ou sistémicos;
- a sua intensidade: normais, intermédios ou catastróficos.
Estas diferentes características dos riscos agrícolas têm como consequência que uma sua gestão coerente e eficaz implique graus de envolvimento
distintos por parte dos sectores privado e público.
5. Os instrumentos de gestão de
riscos e de estabilização de preços e
rendimentos agrícolas
Riscos catastróficos
5. Os instrumentos de gestão de
riscos e de estabilização de preços e
rendimentos agrícolas
SECTOR PÚBLICO
- Intervenções no mercado
- Pagamentos contra cíclicos - Reservas para crises
SECTOR PRIVADO + PÚBLICO
SECTOR PRIVADO - Diversificação cultural - Contas poupança - Isenções fiscais - Seguros de colheita - Fundos mútuos - Seguros de rendimentos - Mercados de futuros
Riscos individuais Riscos sistémicos
Riscos intermédios
Riscos normais
▪ A reforma da PAC de 2013 introduz algumas melhorias neste âmbito:
- o título do respectivo articulado foi alterado de “suporte específico” para “Medidas de Gestão de Riscos”;
- o orçamento da UE passa a poder contribuir para cofinanciar os seguros de colheita e os fundos mútuos (subsídios da ordem dos 65%);
- é proposto um instrumento de estabilização de rendimentos sobre a forma de fundo mútuo para compensar os produtores de severas perdas de
rendimento (-30% em relação à média dos últimos anos).
5. Os instrumentos de gestão de
riscos e de estabilização de preços e
rendimentos agrícolas
▪ Apesar destas melhorias, a politica de gestão de riscos na UE continua a ser muito limitada, porque:
- é de aplicação facultativa pelos diferentes EM que têm, à partida, sistemas com graus de cobertura muito diferentes;
- tem uma dotação orçamental muito reduzida e integrada nos orçamentos dos 2º Pilares dos diferentes EM;
- introduz instrumentos de estabilização de rendimentos pouco eficazes e sujeitos aos compromissos muito exigentes da “Green Box” da OMC; - tem objectivos, instrumentos e disponibilidades orçamentais “marginais”
face à políticas correspondentes dos EUA e do Canadá.
5. Os instrumentos de gestão de
riscos e de estabilização de preços e
rendimentos agrícolas
▪ As diferenças existentes, neste âmbito, entre a PAC 2020 e Farm Bill 2014, vêm bem expressas naquilo que são as grandes opções estratégicas futuras destas duas políticas:
- no caso da UE, o apoio directo aos rendimentos constitui a principal orientação da PAC 2020, não passando os instrumentos de gestão de riscos de medidas de aplicação facultativa;
- no caso dos EUA, o principal objectivo da nova Farm Bill é a gestão de riscos e a estabilidade dos preços e rendimentos agrícolas, assumindo os apoios directos ao rendimento um peso marginal.
5. Os instrumentos de gestão de
riscos e de estabilização de preços e
rendimentos agrícolas
▪ A comparação dos respectivos orçamentos plurianuais, permite-nos tornar evidentes estas diferentes orientações.
5. Os instrumentos de gestão de
riscos e de estabilização de preços e
rendimentos agrícolas
PAC Farm Bill
Medidas de gestão de risco 1 47
Redes de segurança 5 23
Apoio ao rendimento 72 0
Outras medidas 22 30
Total 100 100
▪ As principais diferenças entre os instrumentos de estabilização de preços e rendimentos em vigor na UE (PAC + PAEM) e nos EUA, residem:
- no caso da UE, na opção pelos pagamentos aos produtores desligados da produção e por um orçamento agrícola muito pouco flexível;
- no caso dos EUA, a opção por pagamentos contra-cíclicos (Price Loss
Coverage ou Agricultural Risk Coverage para os cereais e oleaginosas e o Dairy Margin Protection Programme para o leite) e pelos seguros de
rendimento e por um orçamento agrícola bastante flexível.
Por outro lado, enquanto que a UE maximiza a utilização da “Green Box”, os EUA optimizam a utilização da “Amber Box”, da OMC.
5. Os instrumentos de gestão de
riscos e de estabilização de preços e
rendimentos agrícolas
▪ Neste contexto, é hoje em dia cada vez mais consensual que se proceda a um debate alargado no âmbito da PAC pós-2020 sobre o futuro dos
pagamentos directos aos produtores.
▪ Este debate tem vindo a decorrer de forma cada vez mais alargada no seio da UE, apontando para um claro reforço das medidas de gestão de risco e dos instrumentos de preços e rendimentos que, não sendo mera “cópia” do sistema adoptado pelos EUA, reconhecem a maior abrangência e
eficácia dos elementos que o integram.
6. Que futuro para os pagamentos
directos?
▪ Este debate deverá ter, em minha opinião, como principal objectivo, analisar as
vantagens, inconvenientes e complementaridades dos pagamentos desligados da produção versus pagamentos contra-cíclicos/seguros de rendimento face à
necessidade de se vir a promover:
- a competitividade económica futura dos sistemas de produção agrícola
que sejam potencialmente competitivos no contexto de mercados cada vez
mais alargados e concorrenciais e sujeitos a uma crescente volatilidade dos preços e de condições sanitárias, ambientais e de bem-estar animal cada vez mais exigentes;
- a viabilidade económica dos sistemas de produção que, não tendo condições para vir a ser competitivos, sejam ambiental e socialmente
sustentáveis (contribuindo para a manutenção da biodiversidade, a
conservação e gestão sustentável dos recursos solo e água, para o combate às alterações climáticas e para a coesão económica e social dos territórios rurais mais fragilizados).
6. Que futuro para os pagamentos
directos?
▪ É minha opinião, que a manutenção futura dos sistemas de pagamentos directos aos produtores actualmente em vigor na PAC:
- não vai permitir promover de forma adequada a competitividade económica futura dos sistemas de produção agrícola potencialmente competitivos no âmbito de riscos naturais e de mercado crescentes;
- nem libertar os fundos necessários para a viabilização futura das funções ambiental e rural da agricultura da UE.
Assim sendo, torna-se necessário que na próxima reforma da PAC se opte por orientações mais coerentes e eficazes do ponto de vista da gestão de riscos e da estabilização de preços e rendimento e por um sistema de pagamentos directos orientados fundamentalmente para a
sustentabilidade e a coesão económica e social dos territórios rurais.
6. Que futuro para os pagamentos
▪ Uma substituição, mesmo gradual, das orientações de politica em vigor por outras mais próximas das da Farm Bill 2014-18 vai implicar, necessariamente:
- uma redução dos níveis de apoio directos aos rendimentos dos produtores agrícolas actualmente em vigor na UE;
- um orçamento agrícola parcialmente flexível, indispensável a uma adequada implementação de pagamentos contra-cíclicos e seguros de rendimento;
- uma dotação orçamental capaz de financiar as medidas de gestão de riscos e de estabilização de preços e rendimentos e a viabilização dos sistemas de produção ambientalmente e socialmente desejáveis.
6. Que futuro para os pagamentos
directos?
▪ Assim sendo, o principal desafio a enfrentar no contexto da PAC pós-2020, vai ser:
- o de se proceder a uma substituição parcial do sistema de pagamentos directos aos produtores em vigor por um conjunto coerente e eficaz de medidas de gestão de riscos e de estabilização de preços e rendimentos; - sem pôr em causa os apoios públicos indispensáveis para a viabilização
dos sistemas de produção e das explorações agrícolas, que não podendo ser competitivas, possam vir a ter um papel relevante, quer para a
sustentabilidade ambiental, quer para a coesão económica e social dos territórios rurais.