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Isaac Asimov Magazine 03

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ISAAC ASIMOV

MAGAZINE

FICÇÃO CIENTÍFICA

NÚMERO 3

Novela

20 Esperando os Olimpianos - Frederik Pohl Noveletas

78 A Serpente do Velho Nilo - Charles Sheffield 206 O Preço das Laranjas - Nancy Kress Contos

72 Tempo Real - Lawrence Watt-Evans 116 Muito Barulho por Nada - Connie Willis 128 Toda a Cerveja de Marte - Gregory Benford 152 Iridescência - Dean Whitlock

174 Minha Mulher - Steven Utley

188 Vinte e Dois Passos para o Apocalipse - Terence M. Green e Andrew Weiner

Seções

5 Editorial: Psico-história - Isaac Asimov 10 Cartas

14 Depoimento: A Isaac Asimov Magazine - Ronaldo S. de Biasi 13 Títulos Originais

Copyright © by Davis Publications, Inc. Publicado mediante acordo com Scott Meredith Literary Agency. Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela

DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A.

que se reserva a propriedade literária desta tradução

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EDITORA RECORD

Diretor-presidente ALFREDO MACHADO Vice-presidente SERGIO MACHADO Diretor-gerente ALFREDO MACHADO JR. REDAÇÃO Editor

Ronaldo Sergio de Biasi Supervisora Editorial Adelia Marques Ribeiro Coordenadora Sonia Regina Duarte Editor de Arte Dounê Spinola Ilustrações Lee Myoung Youn Chefe de Revisão Maria de Fatima Barbosa

ISAAC ASIMOV MAGAZINE é uma publicação mensal da Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S. A. Redação e Administração: Rua Argentina, 171 - Rio de Janei-ro - RJ - Tel.: (021) 580-3668 - Caixa Postal 884 (CEP 20001, Rio/RJ). End. Telegráfico:

RECORDIST, Telex (021) 30501 - Fax: (021) 580-4911 Impresso no Brasil pelo

Sistema Cameron da Divisão Gráfica da DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOES DE IMPRENSA S.A.

Rua Argentina, 171 10901 - Rio de Janeiro/RJ

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EDITORIAL

ISAAC ASIMOV

PSICO-HISTÓRIA

“Psico-história” é uma das três palavras inventadas por mim que aparecem no The Oxford English Dictionary. As outras duas são “positrônico” e “robótica”.

Isto não deve ser considerado como um fato incomum. Todo escritor de ficção científica inventa novas palavras e uma vez ou outra um desses termos se torna de uso corrente (ajudado pelo fato de o inglês ser notoriamente hospitaleiro a neologismos, o que, em minha opinião, constitui uma das virtudes da língua).

Quanto mais simples e inevitável é uma palavra, maior a pro-babilidade de que seja adotada; não sou uma pessoa dada a criar termos imaginosos e pitorescos. Assim, depois que o pósitron foi descoberto e batizado em 1935, e depois que a palavra “robô” passou a designar um autômato de forma humana, na década de 1920, o aparecimento das palavras “positrônico” e “robótica” na linguagem escrita era apenas uma questão de tempo. O fato de ter sido eu o primeiro a utilizálas pode ser considerado como um simples acidente.

Na verdade, quando usei pela primeira vez a palavra “positrô-nico” (no conto “Reason” [Razão], publicado no número de abril de 1941 da revista Astounding Science Fiction, em uma analogia natural com o termo “eletrônico”, pensei que a palavra já existis-se. O mesmo aconteceu quando usei a palavra “robótica” no con-to “Runaround” (Brincadeira de Pegar), que apareceu no número de março de 1942 de Astounding Science Fiction.

No caso de “psico-história”, porém, desconfio que a palavra talvez não viesse a ser conhecida se não fosse por minha causa. Usei-a pela primeira vez no conto “Foundation” (Fundação), que apareceu no número de maio de 1942 de Astounding Science

Fiction.

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dis-cutindo o rumo que eu daria à série Fundação, depois que o procurei com uma idéia geral a respeito do assunto. Confessei-lhe com muita franqueza que pretendia usar o livro Ascensão e

Queda do Império Romano, de Edward Gibbon, como modelo da

série, mas precisava de algum elemento novo para transformá-la em uma história de ficção científica. Não podia simplesmente criar um Império Galáctico e depois tratá-lo como um Império Romano hipertrofiado.

Assim, sugeri que acrescentássemos o fato de que existiria um tratamento matemático capaz de tornar o futuro previsível do ponto de vista estatístico. Foi esse tratamento matemático que batizei com o nome de “psico-história”. Na verdade, foi uma palavra mal escolhida, que não representava o que eu realmente queria dizer. Seria melhor que tivesse usado o termo “psicosso-ciologia” (uma palavra que, de acordo com The Oxford English

Dictionary, foi usada pela primeira vez em 1928). Entretanto,

es-tava tão preocupado com a história, graças a Gibbon, que não consegui pensar em mais nada a não ser psico-história. Aconte-ce que Campbell gostou da idéia e decidimos ir em frente.

O modelo para o meu conceito de psico-história foi a teoria ci-nética dos gases, que havia estudado exaustivamente na univer-sidade. As moléculas de que um gás é feito se movem de forma totalmente aleatória, com velocidades as mais variadas. Mesmo assim, podemos descrever de forma bastante satisfatória como vão ser esses movimentos em média e, a partir deles, deduzir leis que permitem prever o comportamento dos gases com uma precisão admirável.

Em outras palavras, embora seja impossível prever o com-portamento de uma molécula isolada, é perfeitamente possível prever o comportamento coletivo de trilhões e trilhões de molé-culas.

Procurei aplicar a mesma idéia aos seres humanos. Um ser humano, considerado isoladamente, pode ter “livre arbítrio”, mas uma multidão deve se comportar de forma até certo ponto previsível; a análise do “comportamento de multidões” constitui o que chamei de psico-história.

Para que meu modelo funcionasse, tive que impor duas con-dições, que não foram escolhidas gratuitamente; ambas eram

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necessárias para que a psico-história se parecesse com a teoria cinética. Em primeiro lugar, da mesma forma que a teoria ciné-tica dos gases lidava com um grande número de moléculas, eu teria que lidar com um grande número de pessoas. Foi por isso que o meu Império Galáctico era constituído por vinte e cinco mi-lhões de planetas, cada um com uma população média de quatro bilhões de habitantes, ou seja, a população total do Império era da ordem de cem quatrilhões de pessoas. (Para ser franco, sem-pre considerei esse número insuficiente, mas não queria forçar demais a imaginação dos meus leitores.)

Em segundo lugar, o comportamento das “partículas” tinha que ser o mais aleatório possível. Não podia esperar que seres humanos se portassem de forma tão randômica quanto as molé-culas de um gás, mas talvez se aproximassem desse ideal se não tivessem idéia do que se esperava deles. Era necessário supor que os seres humanos em geral não conhecessem as previsões da psico-história, para que esse conhecimento não afetasse suas atividades.

Muito mais tarde, cheguei a uma terceira condição que não havia me ocorrido antes simplesmente porque parecia óbvia. A teoria cinética dos gases supõe que os gases são feitos apenas de moléculas; a psico-história só pode funcionar se os seres in-teligentes do universo forem exclusivamente os seres humanos. Em outras palavras, a presença de alienígenas inteligentes pode-ria muito bem pôr por terra todas as previsões da nova discipli-na. Esta situação pode muito bem vir a se concretizar em livros futuros da série Fundação, mas até o momento tenho evitado introduzir inteligências alienígenas no meu Império Galáctico (em parte porque Campbell e eu tínhamos opiniões radicalmente opostas quanto ao papel que essas inteligências poderiam de-sempenhar, caso existissem, e nenhum de nós estava disposto a ceder...).

Houve uma época em que cheguei a temer que a minha psico-história caísse em desuso e a palavra passasse a ser adotada pelos psiquiatras para designar o estudo da psicologia de

indi-víduos (como Shakespeare, Sigmund Freud ou Adolf Hitler) que

tiveram uma grande influência na história da humanidade. Na-turalmente, como eu me considerava o inventor do termo

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psico-história, não gostaria de ver a palavra sendo usada com outro significado.

Com o passar do tempo, tornei-me mais tolerante. Afinal de contas, talvez não houvesse nenhuma analogia possível entre moléculas e seres humanos, nenhuma forma de prever o com-portamento humano. Quando os matemáticos começaram a se aprofundar nos mistérios do que hoje chamamos de “caos”, ocor-reu-me que talvez um dia ficasse provado que a história humana era essencialmente “caótica”, caso em que uma disciplina como a psico-história seria impossível. Na verdade, a questão da viabili-dade da ciência de psico-história é o assunto central de um livro que escrevi recentemente, Prelúdio da Fundação, no qual Hari Seldon (o fundador da psico-história) é retratado como um jovem que se encontra no processo de criar a nova ciência.

Imagine, portanto, a satisfação que senti ao saber que os cien-tistas estão cada vez mais interessados na minha psico-história, embora talvez não façam idéia de que esse é o nome da disciplina que estão estudando. Pode ser que também não tenham lido ne-nhum dos meus romances a respeito da Fundação, caso em que desconhecerão totalmente minha contribuição. (Quem se impor-ta? A idéia é mais importante que o seu modesto autor.)

Há alguns meses atrás, um leitor, Tom Wilsdon, de Arden, Carolina do Norte, enviou-me um recorte do número de 23 de abril de 1987 da revista Machine Design. O texto era o seguinte:

“Um programa de computador usado originariamente para simular o fenômeno da turbulência em líquidos está agora sendo empregado como um modelo para o comportamento de grupos. Os pesquisadores do Laboratório Nacional de Los Alamos des-cobriram que existe uma semelhança entre o comportamento de grupos e certos fenômenos físicos. Para fazer a análise, atri-buíram características humanas, como o grau de interesse, de medo etc. aos parâmetros do modelo. A interação do grupo foi representada adequadamente pelas equações de um fluxo tur-bulento. De acordo com os mesmos cientistas, embora a análise não possa prever com exatidão o que um grupo irá fazer, permite calcular as conseqüências mais prováveis de um dado evento.”

Além disso, Roger N. Shepard, professor de psicologia da Uni-versidade de Stanford, publicou um artigo no número de 11 de

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setembro de 1987 da revista Science com o título “Contribuição para uma Lei Universal de Generalização para a Ciência Psico-lógica”.

Infelizmente, embora eu tenha feito um esforço heróico para ler o artigo, a matemática era muito complexa e mesmo as partes não matemáticas estavam além da minha capacidade, de modo que tudo que restou foi uma idéia bastante vaga do que o autor pretendia transmitir. Mesmo assim, aqui vai o resumo, da forma como foi publicado no início do artigo:

“Um espaço psicológico é definido para cada conjunto de es-tímulos determinando-se distâncias métricas entre os eses-tímulos tais que a probabilidade de que uma resposta aprendida para um dado estímulo seja generalizada para outro qualquer seja uma função invariante monotônica da distância entre eles. Com uma boa aproximação, esta probabilidade de generalização (i) diminui exponencialmente com a distância e (ii) diminui de acor-do com uma de duas métricas, dependenacor-do da relação entre as dimensões ao longo das quais os estímulos variam. Essas regu-laridades empíricas podem ser calculadas matematicamente a partir de princípios universais de tipos naturais e geometria pro-babilística que, através da internalização evolutiva, talvez con-trolem o comportamento de todos os organismos inteligentes.”

Como disse, não sei exatamente o que o autor quis dizer com isso, mas tenho a impressão de que Hari Seldon não teria difi-culdade alguma para compreender. Também me veio de repente à cabeça o medo de que a psico-história se torne uma disciplina madura no próximo século. De acordo com os meus livros, ela só deveria ser inventada daqui a 20.000 anos. Será mais um da-queles casos em que a realidade excede de longe as expectativas da ficção científica?

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CARTAS

As cartas para esta seção devem ser enviadas para o seguinte endereço:

I

SAAC ASIMOV MAGAZINE

Caixa Postal 884

20001 - Rio de Janeiro, RJ

Prezado Editor:

Como fã da ficção científica desde cedo é com muito agrado que recebo a revista Isaac Asimov e acho excelente a iniciativa desta respeitável editora em lançar a mesma em bancas de jor-nais facilitando sua aquisição por parte daqueles que gostam do gênero.

Sempre gostei de ficção científica, especialmente dos grandes mestres como Asimov (embora suas histórias a respeito de robôs às vezes se tornem cansativas), Arthur C. Clarke, autor que ad-miro bastante mas que infelizmente caiu em matéria de qualida-de em seus últimos livros, Frank Herbert em sua saga Duna e L. Ron Hubbard com seus excelentes livros publicados por vocês.

Comentando a revista, eu sinceramente achei ótima a quali-dade dos contos publicados na mesma, provando a seriequali-dade na escolha do material. Os contos que mais me agradaram foram “O Mundo Flutuante”, de Victor Milán; “Pesadelos da Mente Clássi-ca”, de Charles Sheffield; “Um Salto de Fé”, de Jack McDevitt; e, como não podia faltar, o conto bem humorado do mestre Asimov, “À Sua Saúde”.

Eu sempre gostei das obras de Asimov, especialmente a saga da Fundação (não vejo a hora de comprar o terceiro volume que vocês prometeram lançar), com a idéia interessante de uma galá-xia puramente habitada por seres humanos que valeu um prêmio Nebula e Hugo, o “Oscar” da ficção científica. Eu pessoalmente não concordo com esse tipo de pensamento, pois acredito na multiplicidade de formas de vida alienígenas talvez mais avança-das que nós. Sei que Asimov como cientista, se não me engano, não descarta essa hipótese mas sempre considera o fenômeno OVNI como besteira, e nisso peca em um ponto fundamental:

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acha que se nós não podemos viajar à velocidade da luz ou no hiperespaço eles também não podem. Comparar nosso nível tec-nológico com o de uma civilização talvez mais antiga que a nossa é uma grande falta de tato científico além de ser um grande erro da ciência.

Outro ponto que gostaria de comentar são as histórias no campo em que Asimov mais se destaca: a robótica. Seus livros são excelentes, isso sou obrigado a reconhecer, só que acho es-tranho que as três leis da robótica sejam aplicadas a todo tipo de robôs onde há sempre um que comete infração contra uma das leis e acaba sendo destruído pelas mesmas. Eu (favor não con-siderem esta crítica como ofensa) pessoalmente acho meio difícil embora venha a ser aplicada em robôs domésticos ou trabalha-dores, mas não em robôs militares ou que cumpram funções po-liciais onde a violência é às vezes necessária. Um robô para fins bélicos ou policiais não poderia jamais estar condicionado a tais leis, a não ser que fosse dotado de um sistema que anularia tais leis em caso de necessidade. E para terminar, um robô para tais fins poupa a vida de vários soldados de carne e osso, diminuindo assim as perdas humanas no campo de batalha.

Quanto ao gênero da ficção científica, existem ainda aqueles que consideram o gênero leitura marginal, não merecendo o seu devido respeito. Isto é uma blasfêmia. A ficção científica deve ser encarada de maneira séria, pois muitas vezes nela encontramos as respostas para o futuro ou para o passado (de onde viemos e para onde iremos: eis a questão). Um exemplo: na década de 40, durante a Idade Dourada do gênero, já apareciam elementos que hoje se tornaram realidade, como os microcomputadores, os satélites artificiais, as viagens espaciais, os órgãos artificiais etc. Naquela época, afirmar que o homem pisaria na Lua neste século seria considerado pura tolice, pois só acreditavam que isto viria a acontecer no século XXI. Em 1969 ocorre o inevitável: o ho-mem chega finalmente ao satélite natural, deixando sua marca, e talvez um dia retorne para lá criar a primeira colônia humana fora da Terra.

A ficção científica é a resposta para o futuro, por mais im-provável que seja, e a revista Isaac Asimov Magazine ajudará mais ainda trazendo novos escritores estrangeiros e nacionais

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que um dia entrem no Olimpo dos Grandes Mestres da Ficção Científica.

Roberto da Silva Souza Osasco, SP

Obrigado pelo apoio, Roberto. Concordo com muita coisa que você diz. mas não acha que seria arriscado permitir que os robôs do Asimov recorressem a Medidas Provisórias?

Prezados Senhores:

Venho por meio desta parabenizá-los pela revista Isaac

Asi-mov Magazine, que entrará certamente para o rol das melhores

publicações, no gênero lançadas no Brasil.

Como interessado, colecionador e bibliógrafo do gênero de FC, gostaria de lhes pedir, se possível, informações sobre como proceder para conseguir o número da dita revista que foi lança-do, provavelmente, com o número “zero”.

Como bibliógrafo, pediria que me informassem o título origi-nal dos contos publicados, pois isso facilitaria em muito os tra-balhos de classificação e atualização, na área bibliográfica, meus e de outros amigos que fazem o mesmo tipo de trabalho.

Laerte F. Lemmi Ubatuba, SP

Laerte, recebemos muitas cartas de leitores que, como você, se mostraram interessados em conseguir uma cópia do número experimental da IAM. Na verdade, o número experimental foi ape-nas a primeira prova de alguns contos publicados no número 1, distribuída para um círculo restrito de amigos. Não se preocupe, portanto. Você não perdeu nada.

Quanto aos títulos originais dos contos e os números da re-vista americana em que foram publicados, decidimos incluir essa informação a partir deste número da revista no seguinte formato: nome em português/nome original em inglês (mês de publicação nos Estados Unidos/ número da revista americana). Excepcional-mente, foram incluídas este mês as informações relativas aos três primeiros números da revista.

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Títulos Originais NÚMERO 1

Os Bons Tempos de Outrora/The Good Old Days (April 1989/142) O Mundo Flutuante/The Floating World (April 1989/142)

O Matagal/The Tall Grass (June 1989/144) Vício de Matar/The Kill Fix (May 1989/143) À Sua Saúde/To Your Health (August 1989/146)

Pesadelos da Mente Clássica/Nightmares of the Classical Mind (August 1989/146)

Um Salto de Fé/Leap of Faith (May 1989/143) Faith/Faith (June 1989/144)

Patamar/Flatline (August 1988/133)

Carta Registrada/Special Delivery (August 1989/146) O Anel/The Ring of Memory (January 1989/139) NÚMERO 2

Cosmopolita/Cosmopolitan (May 1989/143) Muitas Mansões/Many Mansions (May 1988/130) Que Pena!/Too Bad! (Mid-December 1989/151) Dilema/Dilemma (Mid-December 1989/151) Estados do Vácuo/Vacuum States (July 1988/132) Dori Bangs/Dori Bangs (September 1989/147)

Aos Olhos de um Alienígena/Through Alien Eyes (July 1988/132) Renascimento/Renaissance (Mid-December 1989/151)

As Energias do Amor/The Energies of Love (Mid-December 1989/151) O Céu É uma Estrada Aberta/The Sky Is an Open Highway (July 1988/132)

O Destruidor de Mundos/Destroyer of Worlds (February 1989/140) NÚMERO 3

Psico-história/Psicohistory (July 1988/132)

Esperando os Olimpianos/ Waiting for the Olympians (August 1988/133)

A Serpente do Velho Nilo/The Serpent of Old Nile (May 1989/143) O Preço das Laranjas/The Price of Oranges (April 1989/142) Tempo Real/Real Time (January 1989/139)

Muito Barulho por Nada/Ado (January 1988/126)

Toda a Cerveja de Mane/All the Beer on Mars (January 1989/139) Iridescência/Iridescence (January 1989/139)

Minha Mulher/My Wife (February 1989/140)

Vinte e Dois Passos para o Apocalipse/Twenty-Two Steps to the

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DEPOIMENTO

RONALDO SERGIO DE BIASI

A ISAAC ASIMOV MAGAZINE

Baseado na entrevista do Editor da Isaac Asimov

Magazi-ne, Ronaldo Sérgio de Biasi, no Programa Sem Censura, da TVE,

em 24 de maio de 1990. Entrevistadores: Lúcia Leme, jornalista; Marcos Gomes, professor; Jonas Rezende, pastor; Elizabeth Ca-marão, jornalista.

LL: Os brasileiros já podem fazer viagens pelo espaço. Aca-ba de ser lançada no Brasil a revista Isaac Asimov Magazine, uma das melhores publicações de contos do gênero nos Estados Unidos. O editor responsável, Ronaldo Sérgio de Biasi, vai nos falar dessa nova revista. Ronaldo, qual é a proposta dessa re-vista?

RSB: Essa revista existe nos Estados Unidos. Lá também é chamada de Isaac Asimov Magazine. A Editora Record comprou os direitos de publicá-la no Brasil. Os primeiros números con-têm apenas contos traduzidos, mas temos a intenção de incluir o mais cedo possível uma parte nacional. Estaremos lançando, muito em breve, um concurso para autores brasileiros com a idéia de aproveitar os melhores contos.

LL: E qual foi a repercussão desse primeiro número? RSB: Foi excelente. Ela foi lançada sábado passado e já vendeu bastante. Acho que existe um público ávido por histórias de ficção científica aqui no Brasil.

JR: Ronaldo, que público é esse? É um público novo? Quem faz parte desse público?

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de todas as classes sociais. É um público muito variado; quem conhece ficção científica gosta de ficção científica. Quem já foi exposto à ficção científica, teve uma chance de provar o gostinho da ficção científica, não quer largar mais.

JR: Ronaldo, o mundo de hoje já parece ficção. A ciên-cia chegou a um desenvolvimento tal que de repente a ciênciên-cia é a própria ficção. Para escrever, por exemplo, um livro como “O Enigma de Andrômeda”, é preciso ter muito conhecimento cien-tífico, não?

RSB: Sim. Bem, existem várias correntes na ficção científi-ca. Uma delas, que é chamada pelos americanos de “hard science fiction”, é uma classe muito especial e muito restrita. É a que eu gosto mais, talvez porque eu tenha formação científica. É aquela em que o autor só se permite uma hipótese arbitrária em toda a história; ele inventa uma coisa que não existe e extrai todas as conseqüências lógicas da idéia nova que lançou.

MG: É quase uma previsão.

RSB: Pode ser, pode ser uma previsão, mas pode ser uma especulação, vamos dizer, de um universo paralelo, de uma rea-lidade diferente da nossa. Não necessariamente que o homem vá evoluir naquela direção, mas se imaginarmos que aquilo pudes-se existir, pudes-se a realidade fospudes-se aquela, como pudes-seria o resto? Espudes-se resto seriam as conseqüências lógicas da premissa inicial. Mas o resto teria que ser absolutamente lógico, respeitar as leis de causa e efeito, as leis da física...

LL: Quer dizer, então, que a ficção é tão melhor quanto mais próxima da realidade estiver? É isso?

RSB: Olha, eu estou me referindo à parte mais restrita, que é a que eu gosto mais, mas a proposta dessa revista é mui-tíssimo mais ampla. Isso é apenas uma pequena faceta. A ficção científica se confunde, se mistura com fantasia, com terror, com romantismo, com muita coisa. Eu acho que o critério da ficção

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científica é apenas ser uma boa literatura. É até difícil de se de-finir o que é ficção científica. Essa revista nos Estados Unidos de vez em quando recebe cartas de protesto dos leitores. Eles dizem: “Isso não é ficção científica!” Escrevem para o próprio Isaac Asi-moy: “Como o senhor se atreve a publicar um conto desses! Isso é pura fantasia!” Ele responde: “Olhe, eu gostei tanto deste conto que não resisti à tentação de publicá-lo, embora concorde...”

MG: Ronaldo, a ficção científica tem muito de uma viagem, de uma fantasia, e de uns anos para cá cresceu muito o públi-co. A gente sente muito isso, não é? Paralelamente a esse cres-cimento houve um crescres-cimento de várias ciências alternativas, da própria filosofia oriental, da astrologia...você vê uma relação nisso tudo?

RSB: Vejo, sim. Acho que o homem está ficando cada vez mais desencantado com a realidade e por isso está procurando outros valores. Ele não está satisfeito com o mundo de hoje. É como se o homem estivesse chegando a uma encruzilhada... A ficção científica aponta possíveis soluções, até para problemas ecológicos. A ficção científica foi uma das primeiras a se preo-cupar com o problema ecológico; antes de chegar aos jornais, já estava na ficção científica. Os problemas de regimes de governo problemas de como se vai administrar o mundo quando o mundo for realmente uma aldeia global, que tipo de...

JR: “Admirável Mundo Novo” “1984’ “The Day After” RSB: Exatamente. A ficção científica já tem essas preocu-pações sociológicas há muitos anos. Acho que no momento, isso faz parte de um contexto de insatisfação com o mundo de hoje, da maneira como ele está, e isso se nota nitidamente na ficção científica, com a falta de comemoração das conquistas tecnoló-gicas. Na década de 50, a ficção científica era muito baseada em “olha que brinquedinho novo que pode ser inventado daqui a alguns anos”, “que máquinas maravilhosas vão existir no futu-ro”... Hoje em dia, a ficção científica está mais preocupada com a felicidade do homem do que com as belezas da tecnologia, até

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porque as belezas da tecnologia estão surgindo tão rapidamente que os escritores de ficção científica têm dificuldade para supe-rar a realidade da ciência.

LL: E dá para prever alguma coisa via ficção científica’? RSB: Ah, dá! Há muitas obras verdadeiramente proféti-cas.

LL: Como você acha que vai ser mundo no ano 2000, no que se refere à felicidade do homem?

RSB: Pessoalmente, acho que, sob esse aspecto, o mundo ainda vai piorar antes de melhorar. Acho que estamos na des-cendente, em termos de felicidade.

JR: Mas, Ronaldo, parece que o homem já chegou ao fundo do poço. Não falo apenas do homem brasileiro, mas do homem que vive o drama da corrida armamentista (agora um pouco ate-nuada, é verdade), essa loucura de caminharmos sobre bombas, em um mundo que pode ser destruído 60 vezes se o arsenal nu-clear for detonado. Que mais terrível poderia ser do que isso que já é? A não ser agora bater no fundo do poço e voltar à tona?

RSB: Falou-se do ano 2000. O ano 2000 está muito perto. Imagino que essa virada ocorra em meados do próximo século. Estou apenas adiando um pouco mais esse fundo do poço.

EC: Ronaldo, você falou que tem uma formação científica. Qual é esse tipo de formação?

RSB: Sou engenheiro eletrônico, formado pela PUC. Na própria PUC fiz o mestrado em telecomunicações e em seguida fui para os Estados Unidos, onde fiz o doutorado em semicondu-tores. Desde 1971, sou professor de pós-graduação no Instituto Militar de Engenharia, onde executo pesquisas na área de su-percondutores.

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EC: A gente imagina normalmente que um engenheiro ele-trônico é tão pé no chão que não está voltado para nada disso. Como é que você descobriu a ficção científica? Como foi para você essa descoberta?

RSB: Foi totalmente casual. Eu sempre gostei muito de ler. Era fã do romance policial, até que um dia comprei um livro de ficção científica. Gostei tanto que comecei a trocar os roman-ces policiais por ficção científica e depois só lia ficção científica. Fiquei fã, porque acho que é muito mais variada que os roman-ces policiais. Abriu-me um universo, principalmente na parte científica. Gosto de ciência desde pequeno.

JR: Você está tão envolvido nesta tarefa. Sobra tempo para ser professor de pós-graduação? Dá para combinar as duas coi-sas ou você fez a opção de ser editor de ficção científica?

RSB: Não, minha profissão principal ainda é a de profes-sor e pesquisador. Estou tentando conciliar as duas coisas. Até agora, tenho conseguido.

LL: Parabéns pela revista e espero que ela tenha vida lon-ga.

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Capítulo 1

“O Dia das Duas Rejeições”

Se eu estivesse escrevendo um romance sobre minha vida, teria dado ao capítulo a respeito daquele último dia em Londres um nome como “O Dia das Duas Rejeições”. Era um dia desa-gradável de dezembro, pouco antes das festas de fim de ano. O tempo estava frio, úmido e miserável (eu disse que estava em Londres, não disse?), mas todo mundo estava com um humor de expectativa de feriado; haviam acabado de anunciar que os olimpianos chegariam no mais tardar em agosto do ano seguin-te, e todos estavam animados com isso. Todos os motoristas de táxi estavam ocupados, e por isso me atrasei para o almoço com Lidia.

— Como estava Manahattan? — perguntei, entrando ao lado dela na cabina e dando-lhe um beijo rápido.

— Manahattan estava muito bonita — ela respondeu, ser-vindo-me um drinque.

Lidia também era escritora... bem, eles se consideram es-critores, esses que seguem pessoas famosas para todo lado e transcrevem todas as suas fofocas e piadinhas e as transformam em livros para a diversão dos ociosos. Claro que isso não é real-mente escrever. Não há nada de criativo nisso. Mas paga bem, e a pesquisa (Lidia sempre me disse) era muito divertida. Ela passava um bocado de tempo viajando pelo circuito das celebri-dades, o que não era muito bom para o nosso romance. Ficou me olhando beber o primeiro copo, e só depois se lembrou de perguntar educadamente:

— Terminou o livro?

— Não o chame de ‘o livro’. Ele tem nome, Olimpiano em Pele de Asno. Vou ver Marcus sobre isso esta tarde.

— Não é o que eu chamaria de um grande título — ela co-mentou. Lidia era sempre muito prestativa a me dar sua opinião sobre qualquer coisa que não fosse de seu agrado.

— Mas você não acha que é muito tarde para escrever ou-tro romance científico sobre os olimpianos?

Depois, sorriu animada e disse:

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drinque primeiro.

Logo percebi o que estava para acontecer, e essa foi a pri-meira rejeição.

Eu já tinha visto essa cena em fase de preparação. Mesmo antes de Lidia partir naquela última viagem de “pesquisa” para o Ocidente, eu havia começado a suspeitar de que um pouco daquele antigo ardor havia esfriado, e não fiquei realmente sur-preso quando me disse:

— Conheci outra pessoa, Julius. — Sei — disse eu.

E realmente sabia, portanto me servi um terceiro drinque enquanto ela me contava a respeito.

— Ele é um ex-piloto espacial, Julius. Esteve em Marte, na Lua e em toda parte, e, ah, é um homem tão doce. Também é campeão de luta livre, você acredita? Claro, ainda é casado, isso é natural. Mas vai conversar com a esposa sobre o divórcio assim que os filhos estiverem um pouco mais crescidos.

Ela me olhou com ar de desafio, esperando que eu lhe dis-sesse que era uma idiota. Eu não tinha intenção de dizer nada, para falar a verdade, mas em todo caso ela acrescentou:

— Não diga o que está pensando.

— Não estava pensando em nada — protestei. Ela suspirou.

— Você está aceitando isto muito bem.

Parecia que isso tinha sido um desapontamento para ela. — Escute, Julius, não planejei isso. Sério, você sempre será muito especial para mim de uma certa maneira. Espero que possamos sempre ser amigos...

A partir daí, eu parei de ouvi-la.

Ela falou muito mais, mas apenas os detalhes foram sur-presa. Quando me disse que nosso pequeno caso havia acabado, aceitei isso com bastante calma. Sempre soube que Lidia tinha um fraco pelo tipo mais atlético. E o que é pior, nunca respeitou o tipo de literatura que eu faço. Ela sentia o costumeiro desprezo do sistema por romances científicos passados no futuro e aven-turas em planetas exóticos, e a que espécie de relacionamento isso poderia levar no fim de contas?

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ne-nhum dos quais muito sincero, e me dirigi para o escritório do meu editor. Foi lá que tive minha segunda rejeição. A que real-mente doeu.

O escritório de Marcus ficava na parte velha de Londres, à margem do rio. É uma velha companhia, num velho edifício, e a maioria da equipe também é velha. Quando a companhia necessita de auxiliares ou editoradores tem um hábito de sele-cionar preceptores cujos alunos tenham crescido e não precisem mais deles e os treina novamente. Claro que isso é apenas para as pessoas das classes mais baixas. Os privilegiados, como o próprio Marcus, são executivos livres e assalariados, com o pri-vilégio executivo de intermináveis almoços regados a vinho entre autor e editor, que não terminam antes do meio da tarde.

Tive de esperar meia hora para vê-lo; obviamente ele havia estado num daqueles almoços. Não me importei. Tinha plena confiança de que nossa entrevista seria curta, agradável e lu-crativa. Sabia muito bem que Olimpiano em Pele de Asno era um dos melhores romances científicos que já havia escrito. Até mesmo o título era inteligente. O livro era uma sátira, com tons clássicos, de O Asno de Ouro, do antigo escritor Lucius Apuleius de mais ou menos dois mil anos atrás; recriei o clássico numa história cômica e cheia de aventuras sobre a vinda dos verdadei-ros olimpianos. Sempre sei quando um livro vai ser bom e sabia que os fãs iriam devorar aquele...

Quando finalmente entrei para falar com Marcus, ele ti-nha no rosto um olhar vidrado de depois-de-almoço, e vi meu original em sua mesa.

Também vi que, anexado a ele, havia um certificado com bordas vermelhas, e que aquele era o primeiro sinal de más notí-cias. O certificado era o veredicto do censor, e a moldura verme-lha significava um obstat.

Marcus não me deixou no suspense.

— Não podemos publicar — disse, pousando a mão no original. — Os censores vetaram.

— Eles não podem fazer isso! — exclamei, o que fez sua velha secretária levantar a cabeça de sua mesa no canto da sala para me olhar.

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o que diz o obstat: “...de uma natureza tal que ofende a dele-gação do Consórcio Galáctico, normalmente chamados de olim-pianos...” e “...portanto colocando em risco a tranqüilidade e a segurança do Império...” e, bem, basicamente quer dizer não. Não foi sugerida nenhuma revisão. Apenas um veto completo; é papel velho agora, Julius. Esqueça.

— Mas todo mundo está escrevendo sobre os olimpianos! — protestei.

— Todo mundo estava — corrigiu ele. — Agora eles estão quase chegando e os censores não querem arriscar nada.

Inclinou-se para trás, para esfregar os olhos, obviamente querendo poder tirar um cochilo em vez de partir meu coração. E aí acrescentou, cansado:

— Então, o que você quer fazer, Julius? Escrever um substituto para nós? Teria de ser rápido, você entende; o escri-tório central não gosta de contratos cuja validade se prolongue por mais de trinta dias após a data de vencimento. E teria de ser bom. Você não vai escapar arranjando algum velho refugo de seus guardados; já vi todos eles, de qualquer forma.

— Como diabos você espera que eu escreva um livro novo inteiro em trinta dias? — perguntei.

Ele deu de ombros, parecendo cada vez mais sonolento e menos interessado no meu problema.

— Se não pode, não pode. Então tudo o que você tem a fazer é me devolver o adiantamento.

Acalmei-me rápido.

— Não — disse para ele. — Não posso fazer isso. Só que não sei se vou terminar o livro em trinta dias...

— Sei que vai — declarou Marcus, sem emoção na voz. Percebeu que dei de ombros.

— Você tem alguma idéia para o novo livro?

— Marcus — disse com paciência —, eu sempre tenho idéias para novos livros. É para isso que serve um escritor pro-fissional. Ele é uma máquina de ter idéias. Sempre tenho mais idéias do que consigo escrever...

— Tem mesmo? — ele insistiu.

Então eu me rendi, porque se dissesse que sim, a próxima coisa que ele faria era me perguntar qual era essa idéia.

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— Não exatamente — admiti.

— Então — retrucou — é melhor você ir aonde quer que costume ir para ter idéias, porque, seja para nos entregar o novo livro ou devolver o adiantamento, trinta dias é tudo o que você vai ter.

Um editor é assim.

São todos a mesma coisa. No primeiro momento são todos doces e cheios de conversa agradável, com aqueles longos almo-ços regados a álcool e papo otimista sobre edições de um milhão de exemplares enquanto convencem você a assinar o contrato. Aí eles mostram a verdadeira face. Querem o livro real entre-gue. Quando não o conseguem, ou quando os censores dizem que não podem publicá-lo, aí não há mais conversa agradável, e o único assunto é como os edis vão escoltar você à prisão dos devedores.

Por isso, resolvi seguir o seu conselho. Eu sabia aonde ir para ter idéias, e não era em Londres. Nenhum homem sensato fica em Londres no inverno de qualquer forma, por causa do tempo e porque fica muito cheia de estrangeiros. Ainda não me acostumei a ver aqueles grandes e rudes nórdicos e os hindus de pele escura e as mulheres árabes no coração da cidade, confesso que posso ser fisgado por aquela marquinha vermelha na testa ou por um par de olhos negros brilhantes através de todos aque-les vestidos e véus; suponho que o que se imagina é sempre mais excitante do que o que se pode ver, especialmente quando o que se pode ver são as pequenas e atarracadas mulheres britânicas como Lidia.

Assim, fiz uma reserva no trem noturno para Roma, com transferência de lá para Alexandria por aerobarco. Fiz as malas de bom humor, sem esquecer de levar um chapéu de sol de abas largas, um vidro de repelente de insetos e, é claro, estiletes e tabuinhas em branco suficientes para durar a viagem inteira, apenas no caso de surgir alguma idéia para o livro. Egito! Onde a conferência sobre os olimpianos estava iniciando sua sessão de inverno... onde eu estaria entre os cientistas e astronautas que sempre forneciam idéias para novos romances científicos de aventura... onde estaria fazendo calor...

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encontrar, caso não surgisse nenhuma idéia para um novo ro-mance.

Capítulo 2

“A Caminho do Lugar das Idéias” Nenhuma idéia surgiu.

Isso era desapontador. Escrevo minhas melhores coisas em trens, aviões e navios, porque não há interrupções e você não pode decidir sair para uma voltinha porque não há lugar para se dar uma voltinha. Não funcionou dessa vez. Durante todo o tempo em que o trem deslizou através da paisagem molhada e nua do campo inglês de inverno em direção ao Canal, eu estava sentado com a tabuinha na minha frente e o estilete pronto para escrever, mas na hora em que mergulhamos no túnel, a tabui-nha ainda estava intocada.

Não podia me iludir. Estava empacado. Empacado mesmo. Não acontecia nada na minha cabeça que pudesse se transfor-mar numa cena de abertura para um novo romance científico.

Não era a primeira vez na minha carreira de escritor que eu ficava empacado. É uma espécie de doença ocupacional que acontece com qualquer escritor. Mas esta vez foi a pior. Eu real-mente contava com Olimpiano em Pele de Asno. Tinha até cal-culado que a data de publicação podia coincidir com aquele dia maravilhoso em que os olimpianos chegassem ao nosso sistema solar, com todos os tipos de maravilhosa publicidade para o meu livro resultando desse grande evento, e as vendas seriam imen-sas... pior do que isso: eu já havia gasto o adiantamento. Tudo o que eu tinha era crédito, e mesmo assim era pouco.

Não pela primeira vez, imaginei o que teria acontecido se eu tivesse seguido alguma outra carreira. Se tivesse ficado no Serviço Civil, por exemplo, como meu pai queria.

Realmente eu não tive muita escolha. Nasci no ano do Tri-centenário das Viagens Espaciais e minha mãe me contou que a primeira palavra que eu disse foi “Marte”. Ela disse que houve uma pequena confusão, porque primeiro pensaram que eu esta-va falando do deus, não do planeta, e ela e meu pai conversaram muito sobre se deviam me treinar para o sacerdócio, mas quando

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cheguei à idade de ler ela percebeu que eu era louco pelo espaço. Como muitos da minha geração (os que lêem meus livros), cres-ci à sombra das viagens espacres-ciais. Eu era adolescente quando chegaram as primeiras fotos que a sonda espacial enviara do planeta Julia, de Alfa do Centauro, com seus cristais e árvores de folhas prateadas. Quando criança, me correspondi com outro rapaz que vivia nas colônias das cavernas da Lua, e lia maravi-lhado as histórias de ação sobre bandidos e edis caçando uns aos outros pelos satélites de Júpiter. Eu não era o único garoto que cresceu doido pelo espaço, mas nunca superei isso.

Naturalmente me tornei um escritor de romances cientí-ficos de aventura; que mais eu conhecia? Assim que comecei a ganhar dinheiro de verdade pelas minhas fantasias, larguei meu emprego de secretário de um dos embaixadores imperiais nos continentes ocidentais e me tornei escritor em tempo integral.

Também prosperei com isso, tinha uma renda razoável, embora irregular. Para ser mais exato, com os dois romances científicos que eu conseguia escrever por ano, o suficiente para me sustentar e ainda financiar o hábito de sair com mulheres bonitas como Lidia, devido ao bônus ocasional quando um dos livros era adaptado para a televisão ou o teatro.

Então vieram as mensagens dos olimpianos e toda a natu-reza dos romances científicos de aventura mudou para sempre.

Foi a notícia mais excitante da história do mundo, é claro. Realmente existiam outras raças inteligentes lá fora, entre as estrelas da Galáxia! Nunca me ocorreu que isso me afetaria pes-soalmente, além da sensação de alegria.

No começo senti alegria. Consegui, através de algumas conversas, com as pessoas certas, ir até o rádio-observatório nos Alpes que havia gravado aquela primeira mensagem, e ouvi essa gravação com meus próprios ouvidos:

Dit squá dit.

Dit squi dit squá dit dit.

Dit squi dit squi dit squá dit dit dit.

Dit squi dit squi dit squi dit squá wuuuuuu.

Dit squi dit squi dit squi dit squi dit squá dit dit dit dit dit.

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Tudo parece muito simples agora, mas demorou um pou-co até que alguém pou-conseguisse despou-cobrir o que queria dizer essa primeira mensagem dos olimpianos. (Naturalmente ainda não os chamávamos de “olimpianos”. Não os estaríamos chamando assim agora se dependesse dos sacerdotes, porque eles acham que isso é quase um sacrilégio, mas de que outra forma você chamaria seres que vêm dos céus, como deuses? O nome pe-gou na hora, e os sacerdotes simplesmente tiveram que aprender a conviver com isso.) Foi, na verdade, meu bom amigo Flavius Samuelus ben Samuelus quem primeiro a decifrou e produziu a resposta correta para transmitir de volta aos remetentes... a mesma que, quatro anos depois, fez os olimpianos saberem que nós os havíamos ouvido.

Enquanto isso, todos nós descobrimos essa nova e ma-ravilhosa verdade: não estávamos sozinhos no universo! Houve uma explosão de alegria. O mercado para romances científicos explodiu. Meu livro seguinte foi Os Deuses do Rádio, cuja tira-gem se esgotou em pouco tempo.

Pensei que isso ia continuar para sempre.

E poderia... se não fosse pelos censores medrosos.

Dormi durante a travessia do túnel.., de todos os túneis, mesmo os que atravessam os Alpes... e quando acordei já está-vamos a meio caminho de Roma.

Apesar do fato de que as tabuinhas permaneciam obstina-damente intocadas, eu me sentia mais animado. Lidia era ape-nas uma lembrança distante. Eu ainda tinha vinte e nove dias para entregar um novo romance científico e Roma, apesar de tudo, ainda é Roma! O centro do universo... Bem, sem contar o que de novo em astronomia geográfica os olimpianos poderiam nos ensinar. Pelo menos, é a maior cidade do mundo. É o lugar onde está toda a ação.

Quando mandei o cabineiro trazer meu café e coloquei uma túnica limpa, já estávamos lá, e desci na grande e baru-lhenta estação ferroviária.

Há anos eu não ia àquela cidade, mas Roma não muda muito. O Tibre ainda fedia. Os grandes e novos edifícios de apar-tamentos ainda escondiam as velhas ruínas até que você

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estives-se quaestives-se em cima delas, as moscas ainda eram intoleráveis e os jovens romanos ainda se acotovelavam ao redor da estação para vender excursões com guias à Casa Dourada (como se algum deles pudesse sequer passar por um dos legionários!), amuletos sagrados ou suas irmãs.

Como fui secretário da equipe do Procônsul da Nação Che-rokee, eu tinha amigos em Roma. Como não tive o bom senso de ligar para eles com antecedência, nenhum deles estava em casa. Não tive escolha. Tive de alugar um quarto num hotel de luxo no Palatino.

Era absurdamente caro, naturalmente. Tudo em Roma é caro; é por isso que pessoas como eu vivem em povoados remo-tos e melancólicos como Londres. Entretanto, achei que na hora em que a conta chegasse, ou eu teria algo para satisfazer Marcus e conseguir o resto do adiantamento, ou estaria com tantos pro-blemas que mais algumas dívidas não iam fazer diferença.

Decisão tomada, decidi arranjar um servo. Escolhi um si-ciliano forte e sorridente no balcão de aluguel do saguão, dei-lhe as chaves para retirar minha bagagem e o instruí para que a levasse ao meu quarto e me fizesse uma reserva para a viagem de hovercraft no dia seguinte para Alexandria.

Foi quando minha sorte começou a melhorar.

Quando o siciliano foi à loja de vinhos pedir novas ordens, anunciou:

— Outro cidadão fez uma reserva para a mesma viagem, cidadão Julius. O senhor gostaria de dividir um compartimento com ele?

É bom quando você aluga um servo que tenta economizar seu dinheiro. Perguntei, com aprovação:

— Que tipo de pessoa é ele? Não quero passar a viagem preso com um chato.

— Poderá ver por si mesmo, Julius. Ele está nos banhos neste momento. É um judeu. Seu nome é Flavius Samuelus.

Cinco minutos depois eu havia tirado as roupas, enrolado um lençol no corpo e estava no tepidarium, dando uma olhada nos corpos por lá.

Localizei Sam de primeira. Estava esparramado sobre uma laje, com os olhos fechados, enquanto um massagista

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so-cava sua carne velha e gorda. Deitei-me na laje a seu lado sem falar nada. Quando ele, resmungando, se virou, e abriu os olhos, eu disse:

— Oi, Sam.

Levou um momento para me reconhecer; estava sem ócu-los. Mas quando apertou os olhos, seu rosto se abriu num sor-riso.

— Julius! — exclamou. — Que mundo pequeno! É bom ver você novamente!

Esticou o braço para o cumprimento das mãos nos coto-velos, realmente hospitaleiro, como eu esperava; pois uma das coisas de que eu mais gosto em Flavius Samuelus é que ele gosta de mim.

Uma das outras coisas de que eu mais gosto em Sam é que, embora ele seja um competidor, é também uma fonte ines-gotável de recursos. Ele também escreve romances científicos. Faz mais do que isso. Ele me ajudou com a parte científica de meus próprios romances científicos um sem-número de vezes, e passou pela minha cabeça, assim que ouvi o siciliano dizer seu nome, que ele poderia ser justamente o que eu procurava na presente emergência.

Sam tem pelo menos setenta anos de idade. É careca. Tem uma grande mancha marrom, de velhice, no topo da cabeça. Sua papada é flácida e tem as pálpebras caídas. Mas você nunca pen-saria assim falando com ele ao telefone. Tem a voz rápida e firme de um jovem de vinte anos e a cabeça de um jovem também... de um rapaz de vinte anos extraordinariamente brilhante. Ele é muito animado.

Isso complica as coisas, porque o cérebro de Sam trabalha mais rápido do que deveria. Às vezes isso dificulta a sua fala, porque ele está normalmente três ou quatro passos à frente da maioria das pessoas. De modo que a próxima coisa que disser será provavelmente a resposta a alguma pergunta que você ine-vitavelmente iria fazer, mas ainda não havia pensado.

É um fato desagradável da vida o de que os romances científicos de Sam vendem mais do que os meus. Não o odeio por isso, o que constitui um tributo à sua personalidade. Ele tem uma desvantagem injusta sobre os demais escritores, porque é

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astrônomo profissional. Só escreve romances científicos por pra-zer, nas horas vagas que não são muitas. A maior parte das horas de trabalho ele as passa controlando sua própria sonda espacial, a que circula o planeta Dione, de Epsilon Eridani. Eu consigo suportar o seu sucesso (e, admito, seu talento), porque ele é generoso com suas idéias. Assim que concordamos em divi-dir o compartimento do hovercraft, coloquei o problema para ele diretamente. Bem, quase diretamente. Eu disse:

— Sam, andei pensando numa coisa. Quando os olimpia-nos chegarem aqui, o que é que isso vai significar para nós?

Naturalmente, ele era a pessoa correta para se perguntar isso; Sam sabia mais sobre os olimpianos do que qualquer hu-mano. Mas era a pessoa errada de quem se esperar uma resposta direta. Ele se levantou, enrolando a túnica no corpo. Dispensou o massagista e me olhou divertido com aqueles olhos negros e vivos sob as sobrancelhas largas e as pálpebras caídas.

— Por quê? Você está precisando de uma história para um novo romance científico? — perguntou.

— Diabos! — exclamei, em tom jocoso, e decidi abrir o jogo. — Não seria a primeira vez que lhe peço isso, Sam. Só que desta vez eu realmente estou precisando.

Contei-lhe a história do romance que os censores haviam proibido e do editor que estava atrás de uma reposição rápida... Ou do meu sangue, o que viesse primeiro.

Mordiscou distraidamente a junta do polegar.

— Sobre o que era esse seu romance? — perguntou, curio-so.

— Era uma sátira, Sam. Olimpiano em Pele de Asno. So-bre os olimpianos vindo para a Terra num transportador de ma-téria, só que acontece um problema na transmissão e um deles acidentalmente se transforma num asno. Tem algumas partes engraçadas.

— Claro que tem, Julius. Tem tido por uns dois mil anos. — Bem, eu não disse que era totalmente original, só que...

Ele estava balançando a cabeça.

— Pensei que você fosse mais inteligente, Julius. O que esperava que os censores fizessem, estragar o evento mais

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im-portante da história humana por causa de um romance científico idiota?

— Não é idiota!

— É idiota arriscar ofendê-los — retrucou, com convicção. — Melhor se prevenir e não escrever nada sobre eles.

— Mas todo mundo está fazendo isso!

— Ninguém os está transformando em asnos — observou. — Julius, existe um limite para a especulação em romances cien-tíficos. Quando você escreve sobre os olimpianos, está bem nesse limite. Qualquer especulação a respeito deles pode ser suficiente para que desistam completamente do encontro, e podemos nun-ca mais ter uma chance dessas.

— Eles não fariam...

— Ah, Julius — ele disse, aborrecido. — Você não tem nenhuma idéia do que eles fariam ou não fariam. Os censores tomaram a decisão certa. Quem sabe o que os olimpianos podem ser?

— Você sabe.

Ele riu, mas de maneira estranha.

— Gostaria de saber. A única coisa que sabemos é que eles não se mostram a qualquer raça inteligente; possuem padrões morais. Entretanto, não temos a menor idéia de que padrões são esses. Não sei o que seu livro diz, mas talvez você tivesse espe-culado que os olimpianos estavam nos trazendo toda espécie de coisas novas: uma cura para o câncer, novas drogas psicodéli-cas, até mesmo a vida eterna...

— Que tipo de drogas psicodélicas eles poderiam trazer, exatamente? — perguntei.

— Calma, rapaz! Estou lhe dizendo para não pensar nesse tipo de idéia. A questão é que o que quer que você tenha imagi-nado poderia facilmente se tornar a coisa mais repulsiva e imoral em que os olimpianos podem pensar. Os riscos são muito gran-des. Esta é uma chance única. Não podemos estragá-la.

— Mas eu preciso de uma história — reclamei.

— Está bem — ele admitiu. — Suponho que precisa. Dei-xe-me pensar a respeito. Vamos nos lavar e sair daqui.

Enquanto estávamos no banho quente, enquanto nos ves-tíamos, enquanto comíamos um almoço leve, Sam falava sobre

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a conferência que iria acontecer em Alexandria. Eu estava gos-tando de ouvir. Além do fato de que tudo o que ele dizia era inte-ressante, comecei a sentir esperanças quanto a poder realmente escrever um livro para Marcus. Se alguém podia me ajudar, era Sam; ele era viciado em problemas. Não resistia a um desafio.

Foi por isso, sem dúvida, que foi o primeiro a resolver o enigma composto pelos interminavelmente repetidos squis e squás dos olimpianos. Se você simplesmente considerar o “dit” como o número 1, o squi como o sinal de “ + “ e o squá como “ = “, então

Dit squi dit squá dit dit significa simplesmente 1 + 1=2

Isso era fácil. Não era preciso ter um supercérebro como o de Sam para substituir nossos termos pelos deles e revelar a mensagem como simples aritmética... exceto pelo misterioso “wuuuuu”:

dit squi dit squi dit squi dit squá wuuuuu.

O que o “wuuuuu” significava? Uma convenção especial para representar o número 4?

Sam descobriu imediatamente, é claro. Assim que ouviu a mensagem ele telegrafou a solução de sua biblioteca em Pádua:

— A mensagem pede uma resposta. “Wuuuuu” quer dizer um ponto de interrogação. A resposta é quatro.

Por isso, a resposta para as estrelas foi transmitida assim: dit squi dit squi dit squi dit squá dit dit dit dit. A raça humana havia passado no exame de admissão e o lento processo de esta-belecer comunicações começava.

Quatro anos se passaram até a resposta dos olimpianos. Obviamente, não estavam por perto. Também obviamente não eram pessoas simples como nós, enviando mensagens de rádio de um planeta na órbita de uma estrela a dois anos-luz de dis-tância, porque não havia nenhuma estrela ali; a resposta veio de um ponto no espaço onde nenhum de nossos telescópios e sondas espaciais havia descoberto coisa alguma.

A essa altura Sam estava profundamente envolvido. Ele fora o primeiro a observar que os alienígenas haviam sem dúvida escolhido enviar um sinal fraco, pois queriam estar certos de que nossa tecnologia estava razoavelmente bem desenvolvida antes

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que tentássemos responder. Ele havia sido um dos impacien-tes que convenceram as autoridades do Colégio a começarem a transmissão de todos os tipos de fórmulas matemáticas, e mais tarde de simples relações entre palavras, para começar a enviar alguma coisa para os olimpianos enquanto esperávamos as on-das de rádio chegarem aonde quer que fosse e retornarem com uma resposta.

Sam não era o único, naturalmente. Ele não era nem o principal investigador quando começamos o trabalho duro de desenvolver um vocabulário comum. Havia melhores especialis-tas que Sam em lingüística e análise criptográfica. Mas foi ele o primeiro a observar que estavam levando cada vez menos tempo para responder a nossas mensagens. O que significava que os olimpianos estavam vindo em nossa direção.

A essa altura eles haviam começado a enviar mosaicos de imagens. Eles vinham em seqüências de ‘dits’ e ‘dás’ de 550.564 bits de comprimento. Alguém logo percebeu que aquela era a raiz quadrada de 742, e quando exibiram a seqüência como uma ma-triz quadrada, usando pontos pretos para os dits e brancos para os dás, a imagem do primeiro olimpiano apareceu.

Todos se lembram daquela imagem. Todas as pessoas da Terra a viram, menos os totalmente cegos, pois foi exibida em todas as telas de TV e jornais do mundo. Na verdade até mesmo os cegos ouviram as descrições anatômicas que os comentaris-tas faziam. Duas caudas. Uma coisa carnuda, que pendia do queixo como uma barba. Quatro pernas. Uma fileira de espinhos descendo o que parecia ser a coluna vertebral. Olhos afastados e esbugalhados.

Aquele primeiro olimpiano não era nem um pouco bonito, mas era definitivamente alienígena.

Quando a seqüência seguinte apareceu, quase igual à an-terior, foi Sam quem descobriu imediatamente que era apenas uma imagem do mesmo ser visto de outro ângulo. Os olimpianos precisaram de 41 imagens para nos fornecer descrição completa daquele primeiro alienígena...

Depois, começaram a enviar imagens dos outros.

Nunca havia ocorrido a ninguém, nem mesmo a Sam, que estaríamos lidando não com uma super-raça, mas com pelo

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me-nos vinte e duas. Havia todas essas formas separadas de seres alienígenas, cada uma mais feia e mais estranha que a prece-dente

Esse foi um dos motivos pelos quais os sacerdotes não gostaram que os chamássemos de “olimpianos”. Nós somos mui-to ecumênicos com relação aos nossos deuses, mas nenhum de-les se parece com qualquer um dede-les e alguns dos sacerdotes mais velhos nunca pararam de reclamar da blasfêmia.

Na metade do terceiro prato de nosso almoço e da segunda garrafa de vinho, Sam interrompeu sua descrição do último co-municado dos olimpianos (eles estavam acusando o recebimento de nossas transmissões sobre história da Terra) para levantar a cabeça e sorrir para mim.

— Descobri — disse.

Virei-me e olhei para ele, surpreso. Na verdade, não estava prestando muita atenção ao seu monólogo, porque estava com os olhos na nossa bela garçonete kievana. Ela atraiu minha atenção porque... bem, quero dizer, depois de ter atraído minha atenção pela sua figura extremamente bem desenvolvida e a escassez de roupas que a cobriam... porque usava um amuleto dourado de cidadã no pescoço. Não era uma escrava. Isso a tornava ainda mais misteriosa. Não consigo realmente me interessar por es-cravas, porque não tem graça, mas me interessei bastante por aquela.

— Você está me ouvindo? — Sam perguntou, irritado. — Claro que sim. O que você descobriu?

— A resposta ao seu problema — disse, radiante. — Não só um argumento para um romance científico. Um tipo totalmen-te novo de romance científico! Por que é que você não escreve um livro sobre o que poderá acontecer se os olimpianos não vierem?

Adoro a maneira como metade do cérebro de Sam traba-lha em cima de questões enquanto a outra metade está fazendo alguma coisa completamente diferente, mas nem sempre consigo acompanhar o seu raciocínio.

— Não entendi o que você quer dizer. Se eu escrever sobre os olimpianos não vindo, não será tão ruim quanto se eu escre-ver sobre eles vindo?

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Deixe os olimpianos totalmente de fora. Escreva simplesmente sobre um futuro que poderia acontecer, mas não aconteceu.

A garçonete estava sobre nós, recolhendo os pratos usa-dos. Eu estava consciente de que ela ouvia enquanto eu respon-dia com dignidade:

— Sam, esse não é o meu estilo. Meus romances cientí-ficos podem não vender tão bem quanto os seus, mas também tenho integridade. Jamais escrevo algo em que não acredite ser no mínimo possível.

— Julius, pare de pensar com a cabeça de baixo — então ele havia percebido a atenção que eu dava à garota — e use esse seu cérebro lamentavelmente pequeno. Estou falando de algo que poderia ser possível, em algum futuro alternativo, se você entende o que quero dizer

Não entendi

— O que é um “futuro alternativo”?

— É um futuro que poderia acontecer, mas não aconteceu — explicou. — Como se os olimpianos não viessem nos ver.

Balancei a cabeça, intrigado.

— Mas nós já sabemos que eles vêm!

— Suponha que não viessem! Suponha que eles não tives-sem entrado em contato conosco há anos atrás.

— Mas entraram — eu disse, tentando compreender seu ponto de vista.

Ele apenas suspirou.

— Vejo que não consigo fazê-lo entender — disse, enrolan-do a túnica em torno enrolan-do corpo e se levantanenrolan-do. — Vá em frente com sua garçonete. Tenho algumas mensagens a enviar. Vejo você a bordo.

Bem, por um motivo ou outro não fui a lugar algum com a garçonete kievana. Ela disse que era casada, feliz e monóga-ma. Não entendo por que um marido legítimo e livre deixaria a mulher trabalhar num lugar daqueles, mas fiquei surpreso por ela não ter demonstrado mais interesse por alguém da minha linhagem...

É melhor explicar isso.

Sabem, minha família é famosa. Os genealogistas dizem que descendemos da linha do próprio Julius Caesar.

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Às vezes menciono esse fato pessoalmente, embora na maioria das vezes só depois de beber. (Suponho que essa foi uma das razões pelas quais Lidia, sempre esnobe, ficou comigo em primeiro lugar.) Não é uma questão séria. Afinal de contas, Ju-lius Caesar morreu há mais de dois mil anos atrás. Sessenta ou setenta gerações se sucederam desde então, sem contar com o fato de que, embora o ancestral Julius certamente tenha deixado muitas crianças atrás de si, nenhuma delas foi com qualquer mulher que tivesse desposado. Nem sequer pareço muito roma-no. Deve ter havido um nórdico ou dois na linhagem, porque sou alto e tenho cabelos fartos, um tipo físico que nenhum romano respeitável jamais teve.

Mesmo assim, ainda que eu não seja exatamente o her-deiro legal do divino Julius, pelo menos venho de uma linhagem muito antiga e distinta. Era de se esperar que uma simples gar-çonete levasse isso em consideração antes de me recusar.

Mas me recusou. Quando acordei na manhã seguinte (so-zinho), Sam já tinha saído do hotel, embora o hovercraft para Alexandria não fosse partir antes da noite.

Não o vi durante todo o dia. Não procurei muito por ele, pois acordei me sentindo um pouco envergonhado. Por que um homem crescido, e autor consagrado de mais de quarenta ro-mances científicos que venderam muito bem (bem, talvez razoa-velmente) deveria depender de mais alguém para suas idéias?

Por isso, entreguei minha bagagem ao servo, paguei a con-ta do hotel e tomei o subterrâneo para a Biblioteca de Roma.

Roma não é apenas a capital imperial do mundo, também é a capital científica. Os grandes telescópios antigos nas colinas não são mais de muito uso, pois as luzes da cidade prejudicam a observação dos céus, e de qualquer forma os grandes telescópios óticos estão hoje em dia todos no espaço. Mesmo assim, eles es-tão onde Galileu detectou o primeiro planeta extra-solar e Tycho fez suas famosas espectrografias da última grande supernova em nossa galáxia. A tradição científica sobreviveu. Roma ainda é a sede do Colégio das Ciências.

É por isso que a Biblioteca de Roma é tão grande para uma pessoa como eu. Eles possuem acesso direto ao banco de dados do Colégio, e você não precisa sequer pagar tarifas de

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transmis-são. Inscrevi-me, coloquei meus estiletes e tabuinhas sobre a mesa que me deram e comecei a acessar os arquivos. Em algum lugar tinha de haver uma idéia para um romance científico de aventura que ninguém tivesse escrito...

Disso não havia dúvida, eu só não conseguia achar esse lugar. Normalmente você pode conseguir muita ajuda de um bibliotecário pesquisador inteligente, mas parecia haver muita gente nova na Biblioteca de Roma, ibéricos na maioria; reduzi-dos a status de escravos porque haviam tomado parte no levan-te lusitano do ano anlevan-terior. Houve tantos ibéricos no mercado numa certa época que provocaram uma baixa nos preços. Eu teria comprado alguns para especulação, sabendo que o preço voltaria a subir; afinal de contas, não há tantos levantes assim, e a demanda para escravos nunca acaba. Mas eu estava tempora-riamente curto de capital, e além do mais você tem de alimentá-los. Se os da Biblioteca de Roma fossem uma amostra boa, não haveria barganhas de qualquer espécie.

Desisti. O tempo havia melhorado o bastante para tornar atraente uma volta pela cidade, e por isso me dirigi ao monotri-lho de Ostia.

Roma estava muito movimentada, como sempre. Havia uma tourada no Coliseu e corridas no Circo Máximo. Ônibus de turismo engarrafavam as ruas estreitas. Uma longa procissão religiosa circulava o Panteão, mas não me aproximei o bastante para ver que deuses estavam sendo homenageados. Não gosto de multidões. Especialmente multidões romanas, porque há mais estrangeiros em Roma do que em Londres; africanos, hindus, chineses e nórdicos... todas as raças na face da Terra mandam seus turistas para visitarem a Cidade Imperial. E Roma retribui com espetáculos. Parei em um deles, a troca da guarda da Casa Dourada. Naturalmente, o César e sua esposa não eram vistos em parte alguma. Estavam em alguma de suas intermináveis excursões pelos domínios, sem dúvida, ou pelo menos abrindo um novo supermercado em algum lugar. Mas a família algon-quina à minha frente se emocionou quando as legiões de honra marcharam e contramarcharam com seus estandartes em volta do palácio. Meu conhecimento da língua cherokee era suficiente para perguntar ao algonquin de onde eles eram, mas os idiomas

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não são realmente muito próximos e o cherokee do homem con-seguia ser pior do que o meu. Ficamos apenas sorrindo um para o outro.

Assim que as legiões saíram do caminho, eu me dirigi para o trem.

No fundo, no fundo, eu sabia que deveria estar me preocu-pando com minha situação financeira. O relógio estava correndo e meus trinta dias de graça acabando. Mas eu não estava preo-cupado. Estava confiante. Acreditava no meu bom amigo Flavius Samuelus, que, eu sabia, (não importava o que fizesse com a maior parte do cérebro) ainda estava cogitando uma idéia para mim com alguma parte dele.

Não me ocorreu que até mesmo Sam tivesse limitações. Ou que algo muito mais importante que meus próprios proble-mas estivesse tomando sua atenção.

Não vi Sam entrar no hovercraft e não o vi em nosso com-partimento. Mesmo quando as pás começaram a girar e desli-zamos em direção ao mar Tirreno, ele não estava lá. Adormeci, começando a achar que ele tinha ficado para trás; mas muito mais tarde, acordei sonolento, apenas o suficiente para ouvi-lo entrar.

— Estava na ponte — explicou, quando murmurei alguma coisa. — Durma de novo. Vejo você amanhã.

Quando acordei, pensei que havia sido um sonho, pois ele não estava lá. Mas sua cama estava desarrumada, embora não muito, e o comissário de bordo me assegurou disso quando veio me trazer meu vinho matinal. Sim, o cidadão Flavius Samuelus certamente estava a bordo. Estava nos aposentos do próprio ca-pitão, na verdade, embora o comissário não soubesse dizer o que fazia lá.

Passei a manhã relaxando no convés, coarando ao sol. No momento a embarcação não era exatamente um hovercraft. Havíamos passado pelos estreitos da Sicília durante a noite, e agora, no Mediterrâneo aberto, o capitão havia baixado as per-nas, levantado as saias e estendido as hélices, transformando o veículo em um aerobarco. Deslizávamos pelo mar a uns duzen-tos quilômetros por hora. Era uma viagem suave e relaxante; as palhetas que nos suportavam estavam a uns vinte metros abaixo

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da superfície da água, e portanto não havia ação das ondas para nos sacudir.

Deitado de costas com os olhos semicerrados por causa do sol quente do sul, pude ver um avião de três asas erguer-se do horizonte atrás de nós e gradualmente nos ultrapassar, para desaparecer à nossa frente. O avião não estava indo muito mais rápido que nós... e tínhamos todo o conforto, enquanto eles pa-gavam o dobro.

Abri totalmente os olhos quando percebi de relance que havia alguém em pé ao meu lado. Na verdade, sentei-me rápido, porque era Sam. Parecia não ter dormido muito e estava segu-rando o chapéu de sol para evitar que o vento o levasse.

— Onde é que você estava? — perguntei — Não ouviu as notícias? Balancei a cabeça. — As transmissões dos olimpianos pararam.

Foi aí que realmente arregalei os olhos, porque era uma surpresa desagradável. Mesmo assim, Sam não parecia muito perturbado. Aborrecido, sim. Talvez até um pouco preocupado, mas não tão abalado quanto eu estava preparado para me sen-tir.

— Provavelmente não é nada — disse. — Pode ser apenas interferência do sol. Ele está em Sagitário agora, quase entre nós e eles. Há uns dois dias que temos tido problemas de estática.

Perguntei:

— Então as,transmissões recomeçarão logo?

Ele deu de ombros e pediu ao comissário de convés um daqueles pratos quentes de que os judeus gostam. Quando vol-tou a falar foi sobre outro assunto.

— Acho que ontem não consegui fazer você entender o que eu queria dizer. Deixe ver se consigo explicar o que entendo por mundo alternativo. Lembra-se de sua história? De como Fornius Vello conquistou os Maias e romanizou os Continentes Ociden-tais há seiscentos ou setecentos anos atrás? Bem, suponha que ele não o tivesse feito.

— Mas fez, Sam.

— Eu sei — concordou Sam, pacientemente. — Estou di-zendo suponha. Suponha que as legiões tivessem sido derrota-das na batalha de Tehultapec.

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