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A ética do amor autêntico a partir da obra: Amor e Responsabilidade de Karol Wojtyla

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Academic year: 2021

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A ética do amor autêntico a partir da obra:

Amor e Responsabilidade de Karol Wojtyla

Marcelo Lima1

Resumo: Ao abordar a temática da ética do amor autêntico nesse artigo, postulamos refletir sobre a vivência deste na perspectiva da responsabilida-de, que deve acontecer numa doação total de si ao outro, tendo como fim a pessoa. Para isso, seremos guiados pelo pensamento filosófico de Karol Josef Wojtyla, presente na obra Amor e Responsabilidade. A reflexão se des-dobrará em três momentos: exposição dos pressupostos epistemológicos do pensamento de Karol Wojtyla; apresentação da obra Amor e Responsabili-dade, e, por fim, iremos discorrer sobre o amor segundo Karol Wojtyla. Este último ponto versará sobre dois “eus” que se tornam um nós; a realidade psicológica e moral do amor, e a análise moral do amor. Faremos as consi-derações finais, fruto da pesquisa, notando que a sexualidade humana tem como fim o amor esponsal.

Palavras-chave: Filosofia; Amor; Responsabilidade; Sexualidade; Ética, e Karol Wojtyla.

Résumé: En abordant la thématique de l’éthique de l’amour authentique dans cet article, nous postulons sur le vécu de celui-ci dans la perspective de la res-ponsabilité, qui doit surgir du don de soi à l’autre, ayant comme finalité la

1 Graduado em Licenciatura plena em filosofia pelo Instituto de Estudos

Superiores do Maranhão. Este artigo científico é o resultado do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado, defendido e aprovado como exi-gência para obtenção do título de Bacharel em Filosofia, em dezembro de 2016, sob a orientação do Profª. MSc. Ir. Maria dos Milagres da Cruz. Bacharelando no curso de teologia da Faculdade Dehoniana, Taubaté/SP.

TEOLOGIA

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personne humaine. Ceci étant, nous serons guidés par la pensée philosophique de Karol Josef Wojtyla, contenue dans l’ouvrage Amour et Responsabilité. La reflexion s’articulera en trois moments à savoir: la présentation de l’ouvrage Amour et Responsabilité, la présentation de l’amour selon Karol Wojtyla. En dernière analyse, nous parlerons des deux “moi” qui deviennent un “nous”; la réalité psychologique et morale de l’amour, et l’analyse morale de l’amour. Nous ferons les considérations finales, fruit da la recherche, en mentionant que la sexualité humaine a pour finalité l’amour conjugal.

Mots-clés: Philosophie; Amour; Responsabilité; Sexualité; Éthique et Carol Wo-jtyla.

Assim como no tempo das espadas e das lanças, hoje, na era dos mísseis, é o coração humano que mata, mais do que as armas.

Karol Wojtyla

Introdução

Nosso objetivo neste artigo é apresentar a ética do amor autêntico presente no pensamento de Karol Wojtyla, na obra Amor e Responsabilidade. No decorrer desse artigo faremos uma reflexão dos diversos sentidos do termo “amor” a partir de uma visão personalista e ética. Teremos como pano de fundo a ética do amor esponsal, contida no pensamento de Wojtyla, que postula a vivência desse sentimento na perspectiva da responsabilidade. Tomaremos como ponto de partida a dignidade da pessoa humana para discorrer sobre o que pensador polaco propõe quanto a sexualidade humana, que tem como fim um amor esponsal no qual a pessoa é vista não como um meio, mas sempre como o fim da ação.

1. Pressupostos epistemológicos do pensamento de Karol Wojtyla

Karol Josef Wojtyla é filho da geração que viveu a revolução industrial, os efeitos das primeira e segunda guerras mundiais. Isso possibilita que ele veja de perto a degradação da pessoa humana.

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para ler livros na língua materna dos autores: São João da Cruz, Santa Tereza D’Ávila e São Luís Maria de Montfort. Com toda essa bagagem cultural e muito desejoso de dar significado à sua existência no mundo, ele foi um solo fértil, pronto para receber as sementes do conhecimento.

Estando formado em filosofia polonesa e teologia, o jovem Wojtyla dá voos ainda mais altos na sua formação acadêmica. Ao partir para Roma, logo após ser ordenado padre, em junho de 1948, defende a tese de doutorado: “A doutrina da fé em São João da Cruz”. A pesquisa o levou a ver no pensamento de São João da Cruz uma fenomenologia mística que o inspirou a escrever a obra “Pessoa e ato” (Osoba i Czyn), publicada em 1969. Com os estudos em São João da Cruz ele deseja conhecer mais a fundo o mistério do ser humano.

A experiência que Wojtyla obteve ao entrar em contato com o pensamento de São João da Cruz, em quem se sobressai a refle-xão sobre a experiência subjetiva no encontro com Deus, o con-duziu aos estudos sobre o pensamento de São Tomás de Aquino.

Fundamentado nessa corrente filosófica, percebe “o ser pessoa do homem, de que este se relaciona consigo mesmo, com os outros seres humanos, com o mundo das coisas e com Deus”2. O pensamento de Tomás de Aquino, principalmente

no que alude à antropologia e à ética, é um forte pilar na filo-sofia wojtyliana.

Wojtyla, em 1959, publica sua tese para a livre docência na Universidade de Cracóvia “Max Scheler e a ética cristã” na qual in-vestiga a possibilidade de a fenomenologia de Scheler servir como ferramenta para a construção de uma ética cristã. A conclusão mostra que não é possível. Karol percebe que Scheler apresenta um pensamento que até certo ponto se assemelha à sua visão per-sonalista, mas reconhece que a filosofia fenomenológica do pensa-dor alemão reduz a pessoa à unidade de diversos atos. Ele percebe que o alemão desconsidera a importância da consciência na vida moral da pessoa, tornando essa percepção dependente da percep-ção afetivo-intencional.

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A experiência ética se encontra inerente ao ato volitivo e não no seu exterior, no sentimento, como pensa Max Scheler. A vida ética, na teoria scheleriana, é constituída pela experiência emocional do valor e não pela causalidade da pessoa. [...] Scheler não se dava conta de que a pessoa é a causa eficiente de suas ações e pensava, ainda, que os atos pessoais fossem, apenas, um sujeito secundário dos valores éticos3.

Karol Wojtyla também recebe a influência do pensamen-to de Emmanuel Kant que reflete uma ética até cerpensamen-to ponpensamen-to convergente com a ética personalista, pois tem a pessoa como fim de qualquer ação. O contato com esse filósofo robustece o pensamento personalista do pensador polaco. Ao relacionar o pensamento de Scheler e Kant, o filósofo polaco acrescenta a estes a filosofia aristotélico-tomista de potência e ato. Ele teve ainda contato com o pensamento de Jacques Maritain, figura importante para a retomada dos estudos da filosofia tomista no século XX, e com Emmanuel Mounier, principal figura do personalismo.

Nos escritos Karol Wojtyla vemos os frutos dessas in-fluências intelectuais. Na obra Amor e responsabilidade (1960), Wojtyla expõe seu pensamento sobre afetividade e sexualidade não mais em uma perspectiva negativa e casuística. O pensador revela-se prudente e astuto ao usar a tradição filosófica clássica, impelido pela sua herança tomista, com base no personalismo cristão e em uma ética originária do seu contato com Scheler e Kant.

Na obra Pessoa e ato (1969), inspirada em sua tese de dou-torado em São João da Cruz, o autor analisa a consciência e a causalidade eficiente da pessoa, o papel da consequência da ação consciente e a experiência basilar vivida pelo sujeito ao ser causa das próprias ações. O pensador ainda se detém à transcendência da pessoa na ação. Sobre isso Luigi Accottoli afirma:

A pessoa é causa eficiente da ação porque se autodetermina, não reflete simplesmente os condicionamentos internos e exter-nos, mas pode decidir tornando uniforme a sua escolha pela

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dade que conhece com relação ao bem. Desse modo a pessoa se realiza a si próprio como pessoa4.

Além dessas obras, mesmo depois de eleito papa em 1978, Wojtyla continua a produzir numerosos escritos frutos de re-flexões filosóficas e teológicas. Parte deles deram origem a uma trilogia publicada em 1997. São elas: “Minha visão de homem”, “O homem e seu destino” e “O dom do amor”. Na obra Minha visão de homem, a ética é o assunto norteador como também temas relevantes e inerentes ao homem: o amor, a felicidade e a justiça. Já na obra O homem e seu destino, Wojtyla tem uma preo-cupação antropológica e procura levar o leitor a refletir sobre a subjetividade personalista, os relacionamentos interpessoais, a responsabilidade, a cultura e ao destino do homem. Por fim, na O dom do amor, a terceira da trilogia, o filósofo faz uma análise do matrimônio e da família sobre a perspectiva do amor como dom. Para ele o amor entre os cônjuges é uma doação mutual entre os dois e os filhos são dom e frutos da íntima e amadurecida união entre o casal.

Segundo alguns especialistas, a síntese das obras do pensa-dor poderia ser classificada como um coerente “tratado sobre o homem”5 ou uma investigação que tem por alvo uma “filosofia do

homem” e a “defesa de um humanismo não utópico e solidamente ancorado na realidade e na experiência”6. Como expressão de um

humanismo amadurecido, Wojtyla nos leva a perceber que a pes-soa é o sujeito motor da ação, e não apenas um elemento impelido por sensações e experiências de valor.

2. Apresentação da obra Amor e Responsabilidade

O conteúdo da obra Amor e responsabilidade de Wojtyla pre-tende colaborar no esclarecimento quanto ao seu papel desses va-lores na vida adulta madura, afetiva e sexual. Baseando-se no

pen-4 Luigi ACCATTOLI, Karol Wojtyla: o homem do fim do milênio, 1999, p.

34-35.

5 STYCZEN apud Luigi ACCATTOLI, op. cit., p. 35.

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samento de São Tomás de Aquino, Wojtyla afirma que “o bem é o fim do ser porque contribui para o seu aperfeiçoamento. O bem, em consequência, é sempre a perfeição do ser”7. Assim, em vista das

relações interpessoais (o que inclui as conjugais) refuta a possibili-dade das relações utilitaristas. Usando-se da fenomenologia, Wojtyla afirma que a pessoa é consciência. Essa condição torna a pessoa ca-paz reconhecer o valor do ser, por isso, pode dirigir-se ao outro se compreendendo responsável por cuidar do dom em si que o outro é. No primeiro capítulo (A pessoa e a tendência sexual), por meio de uma análise das palavras gozar, amar e usar, Wojtyla com-bate a tendência utilitarista afirmando que “o valor da pessoa é sempre considerado superior ao valor do prazer”8. Afirma ainda

que a pessoa é um ser capaz de decisão, podendo sempre ser su-jeito ativo na ação e tem a capacidade de autoconter-se. Por isso, a pessoa humana não deve ser instrumentalizada nem colocada como meio para obtenção de prazer.

No segundo capítulo (A pessoa e o amor), Wojtyla procede com uma análise geral do amor que une os casais, destaca que esse sentimento está intrínseco na relação entre duas pessoas de sexo oposto e que ele só acontece porque há um encanto mútuo entre os ambos. A atração desperta desejo e pode gerar um amor. Desta-ca ainda que “a facilidade com que nasce esta atração recíproDesta-ca é fruto da tendência sexual”9: um desejo que nunca deve ser vivido

de forma utilitarista, mas sempre tendo em vista o valor da pessoa. Ainda no segundo capítulo, Wojtyla chama a atenção para a ne-cessidade de refletir sobre a sexualidade, pois ela é um bem para a es-pécie humana. Para uma pessoa existir é condição necessária o impul-so sexual. O autor aborda a dimensão psicológica do amor. Elenca os efeitos psicológicos despertados por esse sentimento e a forma como eles devem ser percebidos e vividos a partir de uma conduta virtuosa.

No terceiro capítulo da obra Amor e responsabilidade (A pes-soa e a castidade), Wojtyla dirige sua preocupação para a pespes-soa e a castidade, e aborda a perda da estima pelas palavras “virtude” e

“cas-7 Karol WOJTYLA, Mi visión del hombre, 2010, p. 140.

8 Karol WOJTYLA, Amor e Responsabilidade: moral sexual e vida interpes-soal, 1979, p. 31.

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tidade”, afirmando que “não falta quem se tenha esforçado por forjar toda uma argumentação para demonstrar que ela (a castidade) não só não é útil ao homem, mas pelo contrário, lhe é nociva”10. Atribui

essa atitude a um ressentimento que nasce a partir dos insucessos em viver uma virtude, por exemplo, a castidade. Assim a pessoa desobriga-se da vivência de determinada virtude. O ressentimento, nativo da mentalidade subjetivista, barganha o valor pelo prazer e leva à decepção, ao passo que o cultivo da castidade conduz ao amor altruísta. Finaliza o capítulo afirmando que uma pessoa casta é antes de tudo alguém que tem conhecimento e domínio de si mesmo.

No quarto capítulo (Justiça para com o criador), o pensador utiliza das Escrituras Sagradas e dos escritos de Aristóteles11 para

apontar a importância do matrimônio na vida humana quando vi-vido de forma autêntica. Dá destaque ainda à vivência da relação de modo monogâmico e à sua indissolubilidade, devendo essa per-durar mesmo quando uma das partes já não sente atração sexual pela outra, uma vez que o casamento não visa tão somente o sexo e a procriação, também o cuidado mútuo.

No quinto capítulo (A sexologia e a moral), uma espécie de apêndice, Wojtyla evidencia a importância da sexologia e da moral abordando de forma mais livre alguns temas mencionados no de-correr da obra que não foram aprofundados. Um deles é o proble-ma da regulação dos nascimentos.

Diante disso, percebemos que o autor propõe ao longo de sua obra a centralidade da pessoa e não das qualidades físicas ou os aspectos exteriores. Ele apresenta a integração da pessoa na ação como cerne da sua reflexão. Por meio de uma proposta realista e humana sugere que o próprio sujeito canalize as potencialidades naturais do seu corpo e psique para que nessa integração aconteça uma unidade do seu ser.

10 Idem, p. 134.

11 Para o pensador grego, “[...] é mais incisivo (a vida matrimonial para o homem) que ser um animal político, na medida em que a família é mais antiga e mais necessária do que o Estado [...]” ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, L 8 1220 15

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3. O amor segundo Karol Wojtyla

Wojtyla afirma que entre os cônjuges o amor tem sua forma mais adequada na doação de si ao outro, um amor esponsal. Essa afirmação possibilita questionar a respeito de como um ser inalie-nável e insubstituível pode doar-se a alguém. Isso seria retirar-lhe a liberdade e subjetividade?

Para Wojtyla, o amor em sua essência é pura comunhão e responsabilidade, superação do amor hedonista e utilitarista que cede lugar à ética do amor autêntico. O amor como doação de si não se adequa à uma vontade egoísta do amante. Na relação amo-rosa não há uma perda da subjetividade por parte dos indivíduos que a compõem, ao contrário, ela será potencializada. Para que isso ocorra, o amante e a amada precisam desenvolver as virtudes necessárias para cultivar uma relação mútua como doação de si. Aja vista o reconhecimento do valor inerente à pessoa amada, o amante opta por subordinar sua autonomia, vontades e desejos, à pessoa amada, e vice-versa, assegura Wojtyla:

O amor, e sobretudo aquele que aqui nos interessa (um amor autêntico), é não só uma tendência, mas um encontro, uma união de pessoas. [...] O aspecto individual não desaparece no as-pecto interpessoal. Pelo contrário, este é condicionado por aquele. Segue-se que o amor é sempre uma espécie de síntese interpessoal de gostos, de desejos e de benevolência12.

Aprofundando essa reflexão o filósofo destaca que a pessoa dominada pelos vícios, por não possuir alto controle, é alienado, não tem a pertença de si. Permanecendo nessa con-dição, não poderá dar-se a outrem em um amor esponsal. Se vier a insistir será causa de sofrimento a si e ao outro, pois não possuindo as ferramentas necessárias para cultivar tal amor, o deixará morrer. Wojtyla observa ainda que “[...] a escolha da pessoa amada feita não só pelos valores sexuais, mas também e acima de tudo pelos valores da pessoa, dá ao amor a sua es-tabilidade”13 porque com o passar do tempo os valores sexuais

12 Karol WOJTYLA, Amor e Responsabilidade: moral sexual e vida inter-pessoal, 1979, p. 85.

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e afetivos e a sensualidade tendem a deixar de existir. Diante disso, se a escolha primeira tiver sido motivada somente pelo prazer, aparecerá a decepção e a constatação de terem vivido um amor desfigurado, interesseiro.

Wojtyla expõe ainda que amar de forma autêntica não é querer alguém como um bem porque isso significa posse, domínio. O outro é sempre o dom. Assim, amar é doar-se a alguém de forma desinteressada. Nessa entrega de um ao outro como “dom de si”, Wojtyla não se refere a “‘dom’ no sentido puramente psicológico, e menos ainda como ‘abandono’ no sentido físico”14. Para chegar a

um amor autêntico, em uma perspectiva ontológica, o homem e a mulher devem pôr-se em uma atitude de doação.

Por isso, experiência de um amor esponsal é capaz de com-bater as tendências egoístas ou utilitaristas e levar o casal a dar passos firmes rumo a realização de ambos enquanto amantes. Com efeito, se faz necessário afirmar que tal experiência de amor não é algo que se dá por acaso, também não é encontrar um ser sonha-do, mas construir-se com alguém amando-o. Um amor autêntico é algo que vai sendo aprimorado na medida da convivência, na qual eles vão se descobrindo e ajudando-se mutuamente a tornarem-se melhores. A síntese desse movimento exterior e interior são dois “eus” tornando-se um nós, como veremos a seguir.

3.1 Dois “eus” tornando-se um nós15

A partir do conceito de amor autêntico dado por Karol Woj-tyla, um amor esponsal, o amor entre um casal (mulher e homem) nasce da atração que é despertada através do impulso sexual exis-tente naturalmente no ser humano. Os fatores que contribuem significativamente para o surgimento dessa atração são os senti-mentos e a vontade. Observa Wojtyla:

14 Idem, p. 88.

15 O tema principal da crítica é que o amor romântico nada tem de subli-me ou divino. Ele é uma invenção cultural dos hosubli-mens, criada para sub-jugar as mulheres. Nesse amor, os homens idealizam as mulheres para explorá-las, e as mulheres idealizam os homens e se deixam explorar. (cf. Monique CANTO SPERBER, Dicionário de ética e filosofia moral, 2013, p. 73).

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Os sentimentos nascem de modo espontâneo [por isso a atração por uma pessoa surge muitas vezes de modo ines-perado], mas esta reação é, no fundo, cega. A ação natural dos sentimentos não tende a captar a verdade do seu ob-jeto (o atraente). [...] é preciso, contudo, exigir, tanto em nome do valor da atração, como no do amor, que a verdade sobre a pessoa, objeto da atração, desempenhe uma função não inferior à da verdade dos sentimentos16.

Para saber se o atraente realmente é um bem para o atraído será necessário proximidade e diálogo entre os dois. O que há no atraente que particularmente desperta interesse no atraído e porque o atrai, são fatores de origem inata, herdados e adquiridos, que cons-tituem um mistério peculiar do processo de vida de cada pessoa17.

Sentimentos esses vem acompanhados do amor de con-cupiscência que caminha junto com a atração. Diante disso, é necessário: no amor de concupiscência o amante deseja a amada com um bem real para si, mas não se trata de um desejo apenas sensual, ele deseja a pessoa dela. Já a concupiscência em si “pressupõe a sensação desagradável duma carência, sen-sação que pode ser eliminada graças a um bem definido”18. Por

isso, movida pela concupiscência, a pessoa busca a outra em vista de satisfazer-se.

Já o amor de benevolência possui uma característica singu-lar: o querer bem desinteressado. A pessoa quer apenas o bem da amada sem pensar em si, chegando, assim, ao máximo da essên-cia pura do amor. Vale notar que concupiscênessên-cia e benevolênessên-cia, apesar de opostos, não são incompatíveis, pois para uma pessoa querer outra como um bem para si (concupiscência) requer que

16 Karol WOJTYLA, Amor e Responsabilidade: moral sexual e vida interpes-soal, 1979, p. 67-68. (grifo do autor)

17 Com base no pensamento de Freud, o dicionário de ética e filosofia moral, afirma que “Cada pessoa define para si uma estrutura erótica de demandas e de expectativas que são as precondições do fato de se apai-xonar”. (cf. Monique CANTO SPERBER, Dicionário de ética e filosofia moral, 2013, p. 73).

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interpes-a pessointerpes-a desejinterpes-adinterpes-a sejinterpes-a um bem interpes-agrinterpes-adável (benevolênciinterpes-a). Ressinterpes-al- Ressal-tamos que para um amor autêntico se faz necessário que esses dois sentimentos estejam em equilíbrio, do contrário corre-se o risco de cair num vazio estéreo.

Diante do que refletimos em vista de pontuar esses dois “eus” tornando-se um nós”, a reciprocidade será fundamental para alcançar um amor autêntico. Sobre isso afirma Wojtyla: “o amor não está nem na mulher nem no homem – porque então teríamos no fundo, dois amores – [...] é alguma coisa que os liga”19. É importante destacar que a reciprocidade não

pode ser fruto de dois desejos egoístas ou maus, que em co-mum acordo atendem à concupiscência. Para Wojtyla “[...] a reciprocidade deve necessariamente pressupor o altruísmo de cada um [...]”20.

O autor apresenta ainda mais três elementos necessários para dois “eus” transformarem-se em um nós: a simpatia, a ami-zade e a camaradagem. Para ele, “[...] a simpatia designa antes de tudo o que sucede entre as pessoas no campo da sua vida afetiva, aquilo pelo qual as experiências emotivo-afetivas as unem entre si”21. Destaca também que a atração possui relevante influência

para o despertar da simpatia.

Contudo, o fato de uma pessoa se identificar com as ex-periências vividas por outra, pode fazer com que atribua a essa pessoa maior valor, o que é puramente subjetivo. Wojtyla adverte que um amor não pode ser construído tendo como base a sim-patia, é mais perfeito que antes se transforme em amizade. Isso é possível e apropriado, uma vez que os elementos que geram essa simpatia são favoráveis para que haja uma certa sincronia e em-patia entre o casal, o que coopera para estabilidade e manutenção de uma relação.

Já na amizade, assim como a pessoa quer o bem para outra, de modo igual o deseja para si. Assim, “o teu ‘eu’ tor-na-se o meu e, portanto, vive a mesma vida. [...] A ‘duplici-dade’ do ‘eu’ põe em evidência a união das pessoas realizada

19 Idem, p. 74.

20 Idem, p. 78.

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pela amizade”22. A decisão objetiva se faz presente na

amiza-de já que diferente da simpatia, ela é movida por uma vonta-de refletida, o que dá possibilidavonta-de vonta-de escolha consciente por parte das pessoas envolvidas.

Um terceiro elemento apontado por Wojtyla como ne-cessário para um amor autêntico é a camaradagem que ganha espaço nas relações interpessoais de trabalho, por exemplo, onde as pessoas ajudam-se mutuamente nos afazeres do dia a dia. Com essa camaradagem o amor se torna visível nos atos cotidianos, mostrando-se afetivo e efetivo, indo além das sensações que um desperta no outro e corroborando para um amor autêntico.

Cada um desses elementos, de modo distinto, oferece uma contribuição para se alcançar um amor autêntico, mas que só têm validade se vividos em equilíbrio e unidade. A força de ape-nas um deles pode até unir um casal, no entanto, possivelmente, não será suficiente para que permaneçam juntos por longas datas. Vale ressaltar que cada relação, formada por pessoas com perso-nalidades e histórias de vida distintas, terão diferentes sensibili-dades, necessidades e abundâncias de cada um desses elementos. Logo, cada relação irá experimentá-los de forma única.

Ratificamos que foi o que refletido até agora não se trata de um tratado a respeito de como conquistar ou construir um amor autêntico (se o fosse, seria incompleta) mas antes uma exposição de predicados que favorecem para que isso aconte-ça. Assim, conforme trabalharemos no próximo tópico, o amor, embora radicado no corpo, não é apenas um movimento exte-rior – se fosse assim não seria amor – mas também um movi-mento interior que se dá em um estado psicológico e orientado por uma moralidade.

3.2 A realidade psicológica e moral do amor

O amor que surge entre homem e mulher, ao contrário do que muitos pensam, está para além do contato ou uma atração física. Como observa Mário Quintana: “Amar é mudar a alma de

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casa”. No pensamento de Wojtyla, o ato de amar envolve um es-tado psicológico23. De tal modo, quando dois “eus” tornam-se um

nós, tem-se uma relação também de almas.

A reflexão feita por Wojtyla tem início “pelo que constitui ‘parte elementar’ da vida psíquica do homem, isto é, a percepção e a emoção que daí deriva”24. Isso se dá aos sentidos quando, diante

de um objeto que produz excitação25 no sujeito, ligado à

percep-ção, causa alguma reação.

Os valores que um objeto possui, exercem um papel tão importante quanto suas propriedades, no tocante à experiência sensorial imediata que ele produz no sujeito. Por exemplo, o en-contro entre duas pessoas de sexo oposto, por serem naturalmen-te dotados da mútua atração, fazendo uso da visão ou do tato, levará à uma percepção. Se uma das partes possui valores que instigam a outra, isso provocará uma emoção. As duas – percep-ção e emopercep-ção – oferecem grande contribuipercep-ção para a excitapercep-ção despertada entre elas.

É necessário ter em mente que valores materiais normal-mente despertam emoções superficiais, mas “quando, pelo contrá-rio, o seu objeto é constituído por valores supramateriais, espiri-tuais, chega ao mais fundo do psiquismo do homem”26. Supõe-se

que, se isso ocorrer entre um casal, o uso dos sentidos internos e a emoção que gera o arquivamento de percepções, dão indício de uma vivência interior do ser humano.

Segundo Wojtyla, todo esse evento, nas relações afetivas, en-tre um casal, por exemplo, deixa impresso no psiquismo não só

23 Para assegurar essa tese, fazemos memória da etimologia do termo psi-cologia que vem do grego psyché, que significa alma, e logos, que se

refere a razão, portanto significa “estudo da alma”.

24 Karol WOJTYLA, Amor e Responsabilidade: moral sexual e vida interpes-soal, 1979, p. 91.

25 Dado o contexto, é importante acolher o substantivo “excitação” não no sentido de desejo sexual, mas no sentido de estímulo, entusiasmo. Ratificando, o verbo “excitar”, no minidicionário Houaiss, p. 339, que dizer: “fazer ter reação física ou psicológica; estimular (se), instigar (se), fazer sentir desejo sexual”.

26 Karol WOJTYLA, Amor e Responsabilidade: moral sexual e vida interpes-soal, 1979, p. 93.

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a imagem que representa a outra pessoa, mas também os valores que ela possui. Caso essas características sejam atraentes ao sujeito, isso pode se configurar como os primeiros passos rumo a um amor. Nesse ponto colocamos como foco a sensualidade: por vez, motivo do primeiro contato entre do casal. Caso uma das partes se dete-nha a ela, esquecendo-se da pessoa e do seu valor, acontecerá um desvio da função da sexualidade, tornando-a um obstáculo para o caminhante que tem por meta um amor.

Em Amor e responsabilidade, o filósofo polaco esclarece ao leitor sobre a sensualidade, que é um elemento precioso e difícil de gerenciar. Diz que é preciso cautela ao deparar-se com ela, por causa da repercussão na emoção que a mesma causa, atingindo não só o psiquismo, mas também se manifesta no corpo, principalmente nas zonas erógenas. O desejo despertado não é de contemplação, mas de posse – amor Eros – que faz a outra pessoa objeto de prazer, con-trariando o amor autêntico e a norma personalista. Adverte Wojtyla: A orientação para os valores sexuais enquanto objeto de prazer exige a integração: precisa de ser inscrita uma atitude acei-tável com respeito à pessoa. Doutro modo não será amor. Sem dúvida, a sensualidade é atravessada por uma espécie de corrente de amor de concupiscência, mas se não é completada por outros elementos, mais nobres, no amor, se não é senão concupiscência, então certamente não é amor27.

Vista de modo isolado, a sensualidade leva à morte: do amor e da pessoa. Por outro lado, a sensualidade não pode ser por intei-ra desconsideintei-rada, uma vez que ela é um elemento imprescindí-vel para um amor de entrega total. Para isso precisa ser mesclada com outros fatores para que resulte em uma relação integrada, por exemplo à afetividade. Sendo a afetividade a fonte do amor afeti-vo (concreto) “reage à pessoa no seu conjunto. Os valores sexuais notados permanecem referidos à pessoa inteira e não se limitam ao seu corpo”28. Ao passo que a sensualidade induz à busca pelo

prazer que o corpo pode oferecer, a afetividade manifesta o terno desejo de contemplar o que há de belo no outro.

27 Idem, p. 98.

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interpes-Wojtyla destaca que a manifestação da afetividade e da se-xualidade no homem e na mulher se dão de forma distinta29. É de

praxe que ela por natureza seja mais emotiva e ele mais sensual, explica Wojtyla:

A própria estrutura do psiquismo e da personalidade do homem é tal que este se sente impelido mais depressa do que a mulher a manifestar e a experimentar o que tem escondido nele. Isto está em relação com a função mais ativa que tem o homem no amor e com as suas responsabilidades. Na mulher, pelo contrário, a sensualidade está, em certo sentido, dissimulada na efetividade. Por este motivo, ela é por natureza lavada a considerar também como uma prova de amor afetivo o que o homem reconhece como já a ação da sensualidade e do desejo de prazer. [...] Ela aparece sobre este ponto de vista mais passiva, embora sob outro ponto de vista seja ativa30.

A afetividade com todos seus méritos, merece cuidados, uma vez que ela é normalmente acompanhada por um entusiasmo, so-bre isso ele afirma que “o amor afetivo permanece sob influência da imaginação e da memória [...] se explica o fato de atribuir ao objeto do amor diversos valores de que pode não estar dotado.”31.

Por isso colocar à par da realidade da pessoa com a qual o amante se relaciona, é imprescindível para o estabelecimento de um rela-cionamento saudável e realizador.

Sobre isso, Wojtyla afirma: “A verdade está diretamente ligada ao domínio do conhecimento. O conhecimento humano não se limita a refletir objetos, mas é inseparável da expe-riência vivida do verdadeiro e do falso”32. O conhecimento é

necessário para que exista liberdade. Essa permite à pessoa escolher o que lhe faz bem e dizer não ao mal. O objetivo dele com essa reflexão é propor uma experiência do conhecimento,

29 A palavra amor não tem o mesmo sentido para os dois sexos [homem e mulher], e essa é a causa dos sérios mal-entendidos que os dividem (BEAUVOIR, S. apud cf. Monique CANTO SPERBER, Dicionário de

ética e filosofia moral, 2013, p. 73).

30 Karol WOJTYLA, Amor e Responsabilidade: moral sexual e vida interpes-soal, 1979, p. 101.

31 Idem, p. 102.

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que não se refere a um desnudamento de corpos, mas acima de tudo de almas. Esse conhecimento deve ser direcionado pela busca de querer conhecer melhor a pessoa e não apenas o seu corpo.

Na obra Amor e responsabilidade, Wojtyla nos indica ainda a moral do amor, que se faz necessária para regular de forma objetiva a relação conjugal. Ressaltando o amor como virtude, o autor afirma que esse sentimento não é algo que se torna estável, concluído, quando o casal encontrar um ao outro e se decidem por namorar ou casar-se. Os passos para um amor au-têntico exigem constância, guiada pelo valor da pessoa humana, e a certeza de que os dois sempre terão algo a aperfeiçoar. Para isso, a seguir a moral do amor.

3.3 Análise moral do amor

Não é raro ouvir expressões como “o mais importante é que os dois se amam”, quando abordamos temas relacionado a vida interpessoal de um casal. Para Wojtyla, o amor não é apenas um estado psicológico, é uma virtude. Adverte o autor que “é preciso procurar a plena integração do amor humano não só no campo da psicologia, mas também no da moral”33. Assim, ressalta que o amor

moral se faz necessário:

O amor não é amor mesmo quando se limita a uma ati-tude afetiva a respeito dum ser humano do outro sexo. Como se sabe, a experiência – tão fortemente radicada na percepção da feminilidade e da masculinidade – pode apagar-se com o tempo se não está intimamente ligada à afirmação do valor da pessoa34.

Na busca por um amor autêntico, o conhecimento desse valor é uma ferramenta extremamente útil e por isso, indispen-sável. Pois em decorrência dele, estando o amante consciente da singularidade da amada, quando das suas reações às manifesta-ções afetivas e atributos sexuais que há nela, acolhe tudo isso

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com serenidade35. Percebendo-a não como um aglomerado de

ca-racterísticas que excitam as suas emoções ou simplesmente como o sexo oposto, mas como ser de valor incomensurável. Aquele que percebe o valor da pessoa, como dom de si, empregará todas as suas forças para tê-la em sua companhia, pois descobriu que “os valores sexuais se transformam e até desaparecem, [no en-tanto] o valor essencial, o da pessoa, permanece sempre”36, o que

dá certeza de estar buscando algo que possui marcas do eterno, e que por isso merece crédito.

Wojtyla afirma que tal acontecimento dá sacralidade à união dos dois: realidade necessária para a vivência matrimonial. O retra-to do que está posretra-to não é apenas uma união de corpos, acima de tudo de pessoas, para ser mais fidedigno, uma comunhão de pes-soas, uma vez que é recíproco. Isso leva a um sentido de pertença: um faz-se responsável pelo outro.

Semelhante escolha não desconsidera a dimensão sexual – o que tornaria o amor algo incompleto – mas também não permite que ela seja o critério único ou superior para a escolha. Quando o amante elege uma companheira, ou vice-versa, segundo a análise moral do amor proposto por Wojtyla, vê nela (e) um complemento de si.

Karol Wojtyla deixa claro que a vivência de um amor espon-sal, convidativo a dar-se, não se trata de algo fantasioso ou mera pieguice: o dar passos nesta estrada exigirá uma real fidelidade en-tre os dois. Isso levará a um legítimo comprometimento de liber-dade entre as partes, o que poderia ser visto como algo negativo, castrador, se não fosse o amor. Esse sentimento torna tal ato em algo positivo, já que “o homem deseja o amor mais que a liberdade: a liberdade é um meio, o amor é um fim”37.

35 Freudianos e não-freudianos sugerem que a personalidade sexual é o cen-tro da personalidade moral, e que nossa maneira de perceber nosso parcei-ro sexual e de nos comportarmos para com ele reflete e influencia nossa percepção e nosso comportamento geral face ao outro. Assim sendo, a in-capacidade de dominar a busca do prazer sexual pode prejudicar a elabo-ração de um caráter virtuoso (cf. Monique CANTO SPERBER, Dicionário de ética e filosofia moral, 2013, p. 73).

36 Karol WOJTYLA, Amor e Responsabilidade: moral sexual e vida interpes-soal, 1979, p. 122.

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Para Wojtyla, o bem querer mútuo entre o casal, gerado pelo amor moral, se configura como um grande sinal de esperança e possibilidade de conversão, uma vez que, por mais que o sujeito seja mau, envolvido pelo amor verdadeiro, tendo reconhecido o valor da outra pessoa, passa a desejar-lhe o bem. Isso já é suficiente para que o conceito de mau a respeito dela seja revisto. Pois quan-do se vive um amor autêntico há uma (gradativa) mudança de consciência por parte do casal, o que revela o amor como sendo o mais alto valor moral.

Para viver esse valor, Wojtyla sugere uma educação para o amor, pois não é encontrando alguém especial que se vive um amor, mas construindo esse amor ao lado de alguém que reconhe-ceu seu valor. Como bem observa Wojtyla:

O amor nunca é uma coisa toda feita e simplesmente “ofe-recida” à mulher e ao homem: deve-se ir elaborando. [...] o amor nunca “é”, mas “vai sendo” a cada instante o que de fato lhe confere cada pessoa e a profundidade do seu compromisso. Este tem a sua base no que se lhe tiver “dado”38.

O amor será mais verdadeiro e profundo, à medida que os dois se dirigirem um ao outro de maneira verdadeira e profunda. Wojtyla conclui que a educação para o amor se dá por meio de um processo, e parte dele acontece no interior dos amantes. Deste modo, direcionar algo tão forte, como o amor, para um ser tão valoroso como o ser humano, exigirá um esforço sobrenatural, por isso é preciso uma ajuda divina. Consequentemente, devido a esse auxílio os amantes não precisam temer errar o caminho ou não conseguir vivê-lo, já que não é porque o amor errou o caminho que significa que se perdeu para sempre. Esse auxílio do céu e a vontade dos dois os reconduzirá à direção almejada.

Diante da reflexão abordada, compreendemos que os passos para um amor autêntico são feitos de sentimentos que são des-pertados pelos aspectos exteriores da pessoa, cujo corpo os reve-la. Contudo, se o amor não tiver raízes na interioridade, não será amor. A interioridade é sumamente importante e faz despertar sentimentos direcionando à pessoa de modo integral, permitindo

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um real conhecimento da pessoa ao qual o amante se dirige. Para que esse amor não seja anulado por desejos egoístas e falsas im-pressões, o autor propõe um amor moral. Por meio dele deseja-se que os dois não se envolvam em vista apenas do prazer, mas que a união dos valores que a pessoa de cada um traz os façam mais humanos.

Considerações finais

Impelidos pelo anseio de conhecer a ética do amor autêntico, a nossa pesquisa consistiu em apresentar as reflexões de Karol Wojtyla, na sua obra Amor e Responsabilidade, a respeito do amor esponsal na relação a dois. Segundo ele, o amor deve ser vivido pelo viés da comunhão e da responsabilidade: uma ética do amor autêntico, superando o utilitarismo. O amor não é apenas uma confluência de ações afetivas e sexuais, mas acima de tudo, via para uma vida conjugal integrada.

A resumida apresentação que fizemos da vida pessoal e intelectual de Karol Wojtyla foi suficiente para percebermos que os desfechos dos acontecimentos trágicos levaram ele a ser influenciado intelectualmente por santos e filósofos como São João da Cruz, Max Scheler, São Tomás de Aquino e Aristóteles. Já ao apresentar as obras que ele produziu, cujo conteúdo traz reflexões filosóficas, antropológicas e teológicas, nos deparamos com o ser humano ocupando o centro do pensamento desse autor.

Por meio desse artigo compreendemos ainda a importância do amor marcado pela amizade, no qual o amante vê à amada com um outro eu, cooperando para uma convivência harmoniosa. Mas verificamos que para o casal viver um amor verdadeiro, somente o entusiasmo suscitado pela Philia (amizade) não é suficiente. Essa união deve ser acompanhada também pelo amor de concupiscência (Eros). Assim, o Eros e a Philia, unidos a outros elementos, possibilitam equilíbrio para construção de um amor autêntico.

A experiência afetiva do amante não deve ater-se à atração e a emoção que sente em relação à amada. A reflexão, que se manifesta na buscar por conhecer a amada, deve averiguar se há

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reciprocidade, já que ela é fundamental nesse caminho. Se apenas um amar, não é possível que o casal viva um amor autêntico.

Com a reciprocidade virá a proximidade e o diálogo entre os dois, o que será necessário para conhecerem a pessoa um do outro. Em decorrência pode surgir entre os dois uma simpatia, sentimento que nasce da empatia, fruto da relação existente entre as experiências que os dois viveram anteriormente, com uma contribuição da vontade. A simpatia permeada por elementos subjetivos: a amizade dará equilíbrio a essas forças. A amizade tem em vista um envolvimento afetivo condicionada aos valores e virtudes que a outra pessoa possui, atribuindo um caráter de objetividade à relação.

A ética do amor autêntico nos levou a compreender que na amizade deve estar contido um sentimento de altruísmo e de camaradagem. O primeiro dará vida a uma disposição a abrir mão de si em vista do outro. O segundo tornará o amor afetivo em efetivo.

Com essa pesquisa concluímos ainda que no amor há duas dimensões: uma psicológica e outra moral. O amor psicológico aponta que o ser humano ama não apenas com o corpo, também com a alma, pois possui uma interioridade. Por isso, conhecimento do valor da pessoa do outro se faz necessário. Nesse quadro o amor moral surge como o fundamental auxílio nessa análise a respeito da realidade que perpassa a pessoa atraente.

A moral torna o amor uma virtude, pois tem em vista sempre o valor da pessoa e o seu bem. O amante movido por esse sentimento, para o bem da amada, dispõe-se a viver essa virtude. Em um ato de liberdade decide abrir mão de si para viver, em um amor esponsal, uma entrega total à amada e vice-versa.

Ressaltamos que a ética do amor autêntico atinge o seu ápice no amor esponsal, mostrando que é possível, na relação a dois, um amor que não espera o prazer como retribuição utilitarista. Esse sentimento entre as duas pessoas que se unem, na sua essência, é pura comunhão e responsabilidade, superação do amor hedonista. Os pressupostos para viver essa responsabilidade estão fundados no verdadeiro conhecimento da realidade que envolve os dois, para além dos desejos e emoções. Isso só é possível ao reconhecermos o valor da pessoa, essencialmente inalienável e insubstituível.

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Em meio à sociedade atual, com todas as suas dificuldades em viver o amor, a ética do amor autêntico, a partir da obra Amor e Responsabilidade, de Karol Wojtyla, oferece uma segura contribuição. Colocando-a em prática, a pessoa, ao sentir-se atraída por alguém, antes de responder aos sentimentos e emoções despertados, buscará conhecê-la, rompendo as impressões e sensações para adentrar ao mundo interior da outra pessoa.

Há duas realidades que surgem como um desafio para a ética do amor autêntico. A erotização, na música, no cinema e propaganda, por exemplo, nos leva a cada vez mais valorizar os aspectos físicos em detrimento do valor da pessoa. Essa ética pede o reconhecimento do valor da pessoa e não apenas do seu corpo enquanto fonte eminente de prazer. Outro entrave é o imediatismo. Para reconhecer o valor de uma pessoa e viver uma relação estável é necessário tempo e dedicação. Uma vez que o amante é imediatista, preferirá saborear o prazer a contemplar o valor da pessoa, o que gera relações superficiais, com motivações fugazes, intensas, que todavia terminam as vezes antes de começar.

Em suma, o reconhecimento do valor da pessoa atraente, que se dá como que em uma retirada da capa da exterioridade, leva o amante a dirigir-se a ela com amor, como ao lidar com algo raro, fino, usando de delicadeza. Deste modo, a ética do amor autêntico vem a ser útil não apenas para a vida conjugal, mas também para as demais relações sociais.

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Referências

ACCATTOLI, Luigi. Karol Wojtyla: o homem do fim do mi-lênio. Tradução de Clemente Raphael Mahl. São Paulo: Paulinas, 1999.

ARISTÓTELES. A ética a Nicômaco. Tradução, adicionais e notas de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2014. (Série Clássicos Edipro).

CANTO SPERBER, Monique. Dicionário de ética e filosofia moral. São Leopoldo - RS: Unisinos, 2013.

SILVA, Paulo Cesar da. A ética cristã de Karol Wojtyla: ética sexual e problemas contemporâneos. Aparecida: Editora Santuário, 2001.

WOJTYLA, Karol. Amor e Responsabilidade: moral sexual e vida interpessoal. Cidade: editora, 1979.

______. Mi visión del hombre. Madrid: Biblioteca Palabra, 2010.

______. Persona y acción. Tradução de Juan Manuel Burgos e Rafael Mora. Madrid: Biblioteca Palabra, 2011.

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