Perspectivas para novas interfaces: Kinect e interações gestuais
sob o panorama de interfaces naturais do usuário
Prospects for new interfaces: Kinect and gestural interactions in the scenery of natural user interfaces
CABREIRA, Arthur; Bacharelando; Universidade Federal de Pelotas arthur.tc@gmail.com
MÜLLING, Tobias; MSc; Universidade Federal de Pelotas tmulling@gmail.com
Resumo
A popularização do Kinect como dispositivo que permite o uso de interações gestuais livres auxilia na possibilidade de pensar interfaces cada vez mais imersivas e humanas, incrementando a experiência do usuário. As interfaces naturais do usuário (NUI) apresentam características que as destacam das interfaces gráficas tradicionais, como por exemplo, o uso de interações gestuais. Este trabalho aborda questões relativas ao uso de interação gestual e tem o objetivo de contribuir para a conceituação de interfaces naturais do usuário.
Palavras Chave: interfaces naturais do usuário; interação gestual; kinect. Abstract
The popularization of Kinect as a device that allows free gestural interactions assists in the possibility of thinking more human and immersive interfaces, increasing the user experience. Natural user interfaces (NUI) shows characteristics that distinguish them from traditional graphical user interfaces, such as the use of gestural interactions. This paper approaches issues relating to gestural interaction and aims to contribute to the idea of natural user interfaces.
1. Introdução
Em meados dos anos 80, com o incremento dos componentes gráficos eletrônicos, houve o surgimento das primeiras graphic user interfaces, nada mais que interfaces gráficas que remontavam metáforas do cotidiano do usuário, fazendo com que a interação se tornasse mais amigável. Tal estratégia foi responsável pela expansão dos computadores em ambiente doméstico e profissional, popularizando-os em escala global. Por conseguinte, as interfaces gráficas se desenvolveram e são utilizadas até hoje, sendo a principal ponte de interação humano-computador.
Hoje, os avanços tecnológicos possibilitam diferentes novas formas de interação, cada vez mais complexas e centradas no usuário. O conceito WIMP (sigla em inglês para “janelas, ícones, menus e ponteiros”) ainda sustenta a maioria das interfaces gráficas, mesmo com o despontar de interfaces touchscreen, que, por sua vez, transformaram o modo em que os usuários interagem com os dispositivos, tornando a interação mais humana, já que utilizam o próprio toque dos dedos ao invés do mouse ou teclado. As novas formas de interação modificaram drasticamente a forma de pensar interfaces digitais e abriram espaço para discutir novos paradigmas, como o de natural user interfaces (NUI); interfaces naturais do usuário. Wigdor & Wixon (2011) definem NUI como interfaces que não apresentam, simplesmente, uma metáfora gráfica controlada mecanicamente e sim, criam experiências nas quais o usuário tem a sensação de estar interligado com o sistema em questão, utilizando meios naturalmente humanos de comunicação, como gestos ou linguagem sonora. NUI não é um conceito novo, entretanto, com o lançamento de sistemas digitais capazes de reconhecer gestos e voz, como o Kinect1, há a possibilidade de abrir caminhos para interfaces digitais cada vez mais naturais.
Partindo da premissa, apresentada historicamente pela evolução das interfaces digitais, de que novas tecnologias oferecem a oportunidade de pensar interações cada vez mais humanas e intuitivas, vê-se a necessidade de construir conhecimento acerca destes novos modelos de interação humano-computador. Com isso, este trabalho tem como foco o pensamento em torno das interfaces naturais do usuário, posicionando o conceito de NUI e suas implicações como objeto de estudo. Sendo assim, pretende-se abordar características primordiais para projetos que envolvam interfaces naturais e interações gestuais possíveis através do Kinect.
2. Metodologia
Trata-‐se de uma pesquisa de natureza aplicada, com abordagem qualitativa, tendo como suporte o procedimento exploratório de temas ligados ao Kinect como dispositivo de suporte para interfaces naturais e interação gestual. Primeiramente, houve o
Dispositivo lançado pela Microsoft em 2010 que possibilita, entre outras capacidades, a leitura de movimentos e mapeamento do esqueleto humano. O sensor do Kinect possibilitou que jogadores do console Xbox 360 pudessem jogar sem a necessidade de controle remoto, apenas utilizando movimentos corporais e gestos.
levantamento bibliográfico de fontes de conhecimento acerca do foco da investigação e, logo após, a catalogação e análise dos dados levantados a partir de autores da área, para responder a questão norteadora da pesquisa que é, justamente, procurar caracterizar qualidades essenciais no uso de interfaces naturais e como podem contribuir para interações humano-‐computador mais ricas e humanas. Este trabalho é uma síntese das reflexões surgidas a partir da pesquisa, visando trazer contribuições para a área de estudos da interação humano-‐computador, levantando conceitos sobre interfaces naturais do usuário.
3. O Kinect e a popularização da interação gestual
Com o lançamento do Kinect, dispositivo criado pela Microsoft que possibilita o reconhecimento de movimentos corporais, fomos apresentados a um modo diferente de jogar videogame (figura 1); ao interagir utilizando gestos reconhecidos pelo sensor, e não utilizando um controle remoto, os jogadores entraram em contato com uma novo modelo de interação mais intuitivo, humano e natural. Borenstein (2012) detalha que, diferentemente das câmeras convencionais que capturam como os objetos aparentam ser, a câmera de profundidade do Kinect rastreia onde os objetos estão e possibilita o uso dessa informação para reconstruir, manipular e interagir com os artefatos capturados pelo sensor, incluindo a detectação de partes do corpo humano.
Embora, inicialmente, o Kinect tenha sido criado para atuar em conjunto com o videogame Xbox 360, desenvolvedores perceberam a possibilidade de aplicar a tecnologia presente no sensor em outras situações. Com isso, a Microsoft lançou, recentemente, a versão do Kinect para ambiente Windows, incentivando o desenvolvimento de aplicações além de jogos. Atualmente, empresas têm mostrado interesse em experimentar as qualidades do dispositivo, criando aplicativos que se destacam quanto ao nível de imersão percebido com o usuário, estabelecendo uma experiência mais natural e prazerosa entre os consumidores e determinada marca. Porém, com a popularização do Kinect e suas potenciais contribuições a respeito de interfaces naturais e interação gestual, há a motivação de investigar como esses novos modelos de interação têm a contribuir para o projeto de interfaces, além de analisar suas vantagens e limitações em relação a experiência do usuário. Devido a expansão do Kinect, percebe-‐se a conveniência de centrar o estudo na interação gestual (figura 2), já que essa forma de interação encontra-‐se mais acessível que outras formas naturais de interação limitadas pela tecnologia disponível.
Percebe-‐se, então, a necessidade de aprofundar a relação entre teoria e prática acerca dos desafios e possibilidades de interação trazidas por estas novas tecnologias e as mudanças de paradigmas quanto à experiência do usuário.
Figura 1: Interação com Kinect Fonte: <http://www.xbox.com/pt-BR/Kinect/>
Acesso em: 21.mai.2012
4. Interação gestual
Segundo Saffer (2009), um gesto pode ser considerado como qualquer movimento físico detectado através de sensores por um sistema digital, ao qual poderá responder sem o auxílio de mecanismos tradicionais, como mouses ou canetas específicas. Os gestos originam-se de qualquer movimento ou estado do corpo humano. Desse modo, um movimento de cabeça, um piscar de olhos ou um aceno de mão podem ser interpretados como um gesto. O reconhecimento de gestos é um tópico específico da computação e das tecnologias da informação que visa interpretar as expressões corporais humanas a partir de algoritmos matemáticos.
Este reconhecimento representa a forma com que os computadores têm a capacidade de ler a linguagem do corpo humano através de sensores, indo além das interfaces tradicionais, limitadas ao uso de dispositivos de entrada como mouse, joystick, controle remoto ou teclado. Atualmente, os estudos dos gestos focam no reconhecimento do movimento das mãos (dedos) e das expressões faciais. Tratando-‐se de uma linguagem propriamente humana, a interação gestual aplicada em interfaces humano-‐computador possibilita o uso de operações previamente conhecidas pelo usuário, tornando a experiência mais natural e o domínio desta interface mais amigável. Ainda de acordo com Saffer (2009), as interfaces gestuais podem ser classificadas em:
4.1 Interações touchscreen
Esse primeiro tipo de interface gestual pressupõe que o usuário toque diretamente a tela do dispositivo ou superfície. Para Stevens (2011), esta pequena alteração no modo como as pessoas interagem, através dos dedos em uma tela, fez com que fossem apresentadas novas problemáticas para os designers e desenvolvedores, potencializando recursos de suas aplicações. Para facilitar no projeto de interfaces gestuais e no mapeamento de interações, os gestos mais recorrentes foram definidos como formas padrão de interação (tabela 1).
Tabela 1 – Padrões de interações touchscreen
“Tap”, Toque para selecionar objeto
Arrastar para mover objeto
Selecione para riscar ou rolar
Estender para esticar ou dar zoom in
Pressionar e arrastar com uma ou duas mãos
Toque duplo para selecionar/ativar objeto
Deslizar para trocar de estado (on/off)
Segurar/pressionar para selecionar
Comprimir para dar zoom out
Rotacionar com uma ou duas mãos
4.2 Interações de forma livre
As interfaces que permitem gestos livres (sem estar em contato com uma superfície) partem do princípio que o corpo humano é o dispositivo de entrada da interação. Para isso, o movimento e a configuração dos gestos são lidos por sensores digitais. Tal interação constrói uma ponte mais rica entre interfaces digitais e indivíduos, promovendo um nível de imersão maior que as interfaces tradicionais ao habilitar o usuário a interagir naturalmente sem o presença de dispositivos mecânicos. Sturman & Zeltser (1993) conceituaram um modelo
iterativo para medir a pertinência do uso de interações gestuais em uma interface, sendo que um dos estágios do modelo questiona a naturalidade, adaptabilidade e controle/coordenação dos gestos, dando atenção às limitações humanas como habilidades motoras. Padrões de interações gestuais livres (tabela 2) são utilizados, por exemplo, no Kinect, auxiliando e normatizando projetos de interfaces.
Tabela 2– Padrões de interações de forma livre
In.: <www.thinkmoto.de/gestures/>
Acenar para mover objetos, rolar ou ativar
Aproximar as mãos para dar zoom out
Permanecer com os braços para baixo para desativar
Polegar para cima para confirmar seleção
Mãos na cintura para pausar
Afastar as mãos para dar zoom in
5. Um passo além: interfaces naturais do usuário (NUI) e suas características Interfaces naturais do usuário (NUI) não são uma tecnologia propriamente dita mas proporcionam experiências criadas usando tecnologias de reconhecimento gestual. Wigdor & Wixon (2011) defendem que as interfaces gráficas tradicionais levantam barreiras aos seus usuários, suportando apenas a visão clássica da informação além de deterem-se aos dispositivos usuais de input, como o mouse e o teclado. Ao contrário, as interfaces naturais do usuário (NUI), ao recorrerem de recursos como a interação gestual, têm a possibilidade de criar verdadeiras experiências sociais ao possuir a capacidade de comportar múltiplos usuários. Sendo assim, quanto menor for a comunicação entre o usuário e a interface, melhor; e, do mesmo modo, quanto maior for a comunicação entre as pessoas em torno da interface, mais efetivo será o engajamento das interações. Exemplificando, um game que se utiliza da tecnologia do Kinect, possibilita uma experiência mais social e imersiva que um game tradicional utilizando o controle remoto, justamente por incluir o jogador em um ambiente natural, partindo do pressuposto que acionar botões não é uma ação natural humana.
Aliado a isso, Preece (2005) diz que a maneira como as pessoas realizam suas tarefas e como o sistema oferece suporte a elas é essencial para estruturar uma interface que possua qualidades superiores às interfaces tradicionais. Desde modo, é importante lembrar que, geralmente, quando algo dá errado com o sistema, dizemos que é por um erro nosso. Entretanto, como humanos, somos propensos a cometer erros e temos limitações, tanto cognitivas quanto físicas e, assim, utilizar meios naturais de interação humana pode ser eficaz para estreitar a barreira entre determinado sistema e os usuários.
Baseando-se em Saffer (2009) e Norman & Nielsen (2010), interfaces naturais precisam apresentar determinadas características que as destaquem das interfaces tradicionais, tornando-as mais intuitivas e acolhedoras. Tais características, sintetizadas abaixo, servem para nortear o projeto de interfaces com o intuito de torná-las mais próximas do usuário, além de auxiliar no pensamento e estruturação de interações mais imersivas:
a) Detectabilidade
Refere-se à presença de uma ou múltiplas propriedades que indiquem como interagir com um objeto ou com algum aspecto dele.
b) Confiabilidade
Qualidade da interface em passar segurança para o usuário, encorajando-o a interagir com o sistema.
c) Ser responsiva
A interface deve fornecer respostas instantâneas para as ações do usuário. Saffer (2009) considera 100 milissegundos considerável uma resposta rápida.
d) Adequação
Refere-se à capacidade da interface se apresentar adequada ao contexto na qual o usuário está inserido.
e) Significância
A interface deve apresentar significados específicos em relação com as necessidades do usuário.
f) Habilidade
A interface deve apresentar um sistema hábil, realizando eficientemente uma tarefa que o ser humano tem dificuldade de realizar ou não realiza tão bem quanto.
g) Inteligência
Capacidade de predizer as necessidades do usuário e cumpri-las com eficácia. h) Divertimento
Refere-se à habilidade de gerar engajamento do usuário através da diversão. i) Agradabilidade
A interface deve ser prazerosa aos sentidos visual e auditivo. j) Ética
Refere-se à capacidade da interface em respeitar as limitações do usuário.
6. Considerações finais
Como apresentado neste trabalho, gestos são formas naturais de comunicação entre pessoas e tais artifícios estão sendo cada vez mais considerados para comandar a interação entre homens e máquinas por serem, em sua essência, naturais. Os avanços atuais da
tecnologia permitem que interfaces digitais possam progredir em relação à experiência do usuário, dispensando mecanismos tradicionais de input.
Porém, nota-se que essas interfaces devem apresentar características ímpares às encontradas nas interfaces tradicionais para que possam ser consideradas, de fato, naturais e que permitam uma interação mais fluida e intuitiva. É válido lembrar que um quesito importante a ser destacado quanto ao uso de interações gestuais é o contexto de uso e suas implicações na experiência do usuário, percebendo as variáveis envolvidas na interação e domínio da interface por parte do indivíduo, isto é, focar no entendimento de quem é o usuário e quais são as tarefas que deve realizar. Isso significa que estudar a natureza da tarefa a ser cumprida é um passo fundamental para projetar uma interface que naturalmente extraia as habilidades humanas e as use a favor do usuário.
A explosão das possibilidades apresentadas pelos novos dispositivos tecnológicos, como o Kinect, despertam o interesse em projetar soluções cada vez mais ricas e complexas, criando uma verdadeira corrida para criar interfaces que se beneficiem desses recursos. Contudo, é de suma importância nortear o projeto de interfaces naturais com as qualidades essenciais que as fazem ter essa nomenclatura. Por fim, este trabalho teve como objetivo contribuir na conceituação de interfaces naturais e suas características, enfatizando a necessidade de pensá-las como peça chave para projetos que envolvam soluções mais humanas e intuitivas quanto à interação com o usuário.
7. Referências
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WIGDOR, D.; WIXON, D. Brave NUI world: designing natural user interfaces for touch and gesture. Morgan Kaufmann, 2011.