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A idosa na mídia impressa: dialogismo e valoração / Elderly in printed media: dialogism and valuation

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Academic year: 2020

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761

A idosa na mídia impressa: dialogismo e valoração

Elderly in printed media: dialogism and valuation

DOI:10.34117/bjdv6n7-818

Recebimento dos originais: 03/06/2020 Aceitação para publicação: 30/07/2020

Geni Vanderléia Moura da Costa

Doutora em Letras (UCS/UniRitter), Professora de Língua e Literaturas de Língua Espanhola na Universidade Federal da Fronteira Sul/RS

E-mail: geni.costa@uffs.edu.br RESUMO

Este artigo tem como proposta apresentar a Tese intitulada A IDOSA NA MÍDIA IMPRESSA: DIALOGISMO E VALORAÇÃO que buscou analisar, sob a luz da dialogia do Círculo de Bakhtin, as apreciações sociais de valor da mulher com mais de 60 anos na mídia impressa, em publicações que fazem parte de nossa cultura há décadas. Como docente de uma universidade federal com foco na inclusão social e participando de projetos com idosos, questões como o acelerado envelhecimento populacional, a feminização da velhice, heterogeneidade de condições socioeconômicas da idosa na sociedade brasileira e os desafios para atender esta população formam a base motivacional desta tese. O significativo papel da mídia em refletir e ampliar os anseios da sociedade e importantes mobilizações como o Estatuto do Idoso, que visam garantir direitos aos cidadãos de mais de 60 anos, conduziram a escolha do corpus da pesquisa e dos recortes sociotemporais. Possui como objetivo geral analisar as apreciações sociais de valor empregadas nas reportagens com ou sobre idosas nas revistas Veja e Claudia entre 1997 e 2013, período correspondente às discussões sobre o Estatuto do Idoso no Brasil até o inicio da pesquisa. De forma mais específica, visou verificar se os enunciados jornalísticos das reportagens selecionadas estão dialogicamente relacionados com o Estatuto do Idoso; analisar como a idosa é revelada nas articulações dialógico-valorativas do gênero reportagem nas revistas Veja e Claudia e entre os recortes sociotemporais propostos; repensar como a sociedade vem se preparando para agir frente às alterações heterogêneas do papel da idosa no transcurso acelerado do envelhecimento populacional, tendo como base as informações da mídia impressa. A principal contribuição deste estudo é a reflexão sobre a forma lenta que a sociedade brasileira demonstra reagir, através da mídia impressa, ao envelhecimento populacional, e em especial frente à heterogeneidade do universo da idosa.

Palavras-chave: idosa, Dialogismo, valoração, gênero discursivo reportagem. ABSTRACT

This article aims to present a thesis entitled THE ELDERLY IN PRINTED MEDIA: DIALOGISM AND VALUATION that seeks to analyze, in the light of the Bakhtin Circle dialog box, how social appraisals of the value of women over 60 in the print media, in publications that have been part of our culture for decades. As a professor at a federal university focused on social inclusion and participation in projects with the elderly, issues such as accelerated population, a feminization of old age, heterogeneous socioeconomic conditions of the elderly society in Brazilian society and the challenges for using this motivational form this time. The important role of the media in reflecting and expanding the groups of society and important mobilizations such as the Statute of Ages, which aim to guarantee legal rights for citizens over 60 years old, lead a choice of the research corpus and sociotemporal cuts. Its general objective is to analyze how social appraisals of value used in reports with or about elderly

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 women in Veja and Claudia magazines between 1997 and 2013, a period corresponding to the discussions on the Statute of the Elderly in Brazil until the beginning of the research. More specifically, check to see if the journalistic reports of the selected reports are dialogically related to the Elderly Statute; to analyze how elderly people are revealed in the dialogical-evaluative articulations of gender reported in Veja and Claudia magazines and among the proposed sociotemporal articles; compensate how society has been preparing to act in the face of heterogeneous changes in the role of the elderly woman without accelerating the aging of the population, based on information from the printed media. The main contribution of this study is the reflection on the slow way that the Brazilian society shows to react, through the printed media, of the population age and especially in face of the heterogeneity of the age universe.

Keywords: elderly, dialogism, valuation, discursive genre reporting.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nos vários anos de docência tenho me envolvido com questões de inclusão social, diferenças sociais, étnicas e culturais. A questão do idoso chama minha atenção principalmente pelo fato de que, ao mesmo tempo que o envelhecimento populacional se acelera no mundo, no Brasil esse é um desafio que vem sendo enfrentado a passos lentos. Assumo a abordagem de que a questão do estudo do idoso é mais sociocultural do que biológica. Por isso, me parece que buscar um envelhecimento saudável é ir além de procedimentos médicos e estéticos; é acompanhar as novas demandas do indivíduo com mais de 60 anos como um ser social em sua complexidade de relações. Isso inclui analisar as relações econômicas, culturais, sociais e, também, repensar como as famílias e a sociedade devem buscar soluções para questões éticas e legais geradas no processo de envelhecimento da população brasileira. E, sobretudo, reconhecer a heterogeneidade deste grupo de indivíduos com mais de 60 anos.

Este artigo baseia-se em minha tese de doutorado, cuja proposta foi analisar, sob a luz da dialogia do Círculo de Bakhtin, as apreciações sociais de valor da mulher com mais de 60 anos (doravante identificada por idosa, como formaliza o Estatuto do Idoso-EI) na mídia impressa, em publicações que fazem parte de nossa cultura há décadas. 1

Mesmo neste momento em que as comunicações são muito dinâmicas e variadas e se multiplicando rapidamente pelas redes sociais, ainda é significativo reputar a amplitude de público da revista Veja através da venda direta, de assinaturas físicas e digitais. Por diversos motivos, indivíduos de diferenciadas faixas etárias, classes e gêneros sociais leem este semanário. Alguns o fazem porque são atraídos por manchetes específicas, cuidadosamente elaboradas e ilustradas; outros querem acompanhar séries de reportagens sobre notícias cuja repercussão atinge várias mídias. Seus temas

1 A explanação mais ampla sobre a escolha das revistas pode ser lida na resposta a quarta questão apresentada no texto original da Tese: Em que local conhecer? – seleção do corpus, em Metodologia e Procedimentos de Análise, e dados

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 sobre a atualidade ou históricos são utilizados como base para pesquisas escolares e trabalhos científicos; com a leitura periódica e sistemática, assinantes procuram atualizar-se sobre temas gerais do Brasil e do mundo; em salas de espera, podem servir, simplesmente, para passar o tempo.

Considerando a representatividade da mulher na sociedade brasileira, inclusive entre a população de idosos, incluí para esta análise a revista Claudia direcionada ao público feminino. Na época de elaboração da tese, a Claudia ainda possuia grande força, principalmente entre as classes média e alta. Seu poder de comunicação diminuiu significativamente nos últimos anos, acompanhando a queda da empresa que a edita.

“A revista Cláudia2, da qual possuímos exemplar de 1961 – ano do início da publicação - é outro título bastante procurado por pesquisadores devido ao seu papel revolucionário no segmento de revistas dedicadas ao público feminino.“

(https://bibliotecadaeca.wordpress.com/tag/colecao-especial/USP).

É importante acrescentar que, a partir de 20193 – período posterior a pesquisa que gerou este

artigo – a revista Claudia anunciou seu encerramento, mas voltou atrás com a campanha de seus colaboradores assumindo uma nova postura. Em sua capa e artigos estampa mulheres de todas as idades, raças e características físicas, e não mais apenas as super modelos e mulheres que correspondessem a um “padrão social de beleza“. No entando, também não fez referência clara a diversidade do universo feminino ou aprofundou matérias neste sentido.

Tal revista aborda uma diversidade de temas como família, filhos, animais de estimação, profissão, carreira, finanças, política, ação social, saúde, moda, beleza, lazer, cultura, espiritualidade, psicologia, amor e sexo, culturalmente ligados ao universo feminino, de uma maneira leve e superficial. Direcionada, principalmente, a um público de classes sociais e faixas etárias mais elevadas, procura acompanhar as transformações e conquistas sociais desde 1961 e tem atraído leitores do sexo masculino, como se observa na coluna Sua opinião. O objetivo dessa revista mensal é “facilitar” o dia a dia da mulher através de “dicas” e relatos do sucesso de mulheres que fazem história em suas áreas de atuação.

Reforçando a importância do direcionamento da investigação para a questão da idosa, nos apoiamos nos dados de 2009 da PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, que fazem estimativas para a década seguinte:

[...] o número de idosos no Brasil é de cerca de 21 milhões de pessoas, correspondendo a 11,3% do total da população. Destes, 16,5 milhões vivem na área urbana e 3,4 milhões na área rural. Destaca-se ainda a “Síntese de Indicadores Sociais do IBGE de 2010”, que

2 Por ser citação, mantive a acentuação, porém a revista Claudia da Editora Abril não apresenta acentuação em sua

grafia original.

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demonstra o percentual de 56% da população acima de 60 anos como sendo de mulheres idosas (<http://www.ibge.gov.br> PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).

Além do processo lento e dialógico de tecer as dimensões socioculturais das identidades femininas em todas as suas amplas variações e diferenças, o envelhecimento mundial da população nos impõe estudar a percepção social da mulher idosa na atualidade.

Para a escolha das reportagens utilizadas nesta pesquisa, o marco foi o Estatuto do Idoso4 de

1º de outubro de 2003 (Lei nº 10.741), um passo importante para esclarecer e ampliar os direitos dos cidadãos acima de 60 anos de idade, no Brasil. Estabeleci intervalos sociotemporais que nos remetessem a contextos antes e depois do EI, incluindo a atualidade.

Quadro 01 - Exemplares Pesquisados para a Tese

Fontes: <http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx e revistas versão impressa>.

Apesar do grande número de revistas publicadas nesses períodos5, encontrei apenas 23 reportagens com ou sobre idosas. A observação desses períodos procura esclarecer se o Estatuto do Idoso, devido a toda a mobilização para sua aprovação e posterior concretização, influenciou a esfera social do jornalismo, em especial revistas de grande tiragem e público. E, se por sua vez, a publicação das reportagens sobre o tema incita reações responsivas que projetem enunciados futuros da imprensa e de seus interlocutores. Sendo o EI uma resposta aos anseios da sociedade por mais dignidade humana, parti da hipótese de que a formação da rede dialógica das reportagens sobre a idosa nas revistas Veja e Claudia é tecida sob a influência do EI, com confirmações, conflitos, ecos e lembranças de seus enunciados.

A partir dessas constatações e questionamentos a Tese teve como objetivo geral analisar as apreciações sociais de valor empregadas nas reportagens com ou sobre idosas nas revistas Veja e Claudia, entre 1997 e 2013, período correspondente às discussões sobre o Estatuto do Idoso no Brasil.

De forma mais específica, esta pesquisa visou:

4 O Estatuto do Idoso muitas vezes, para evitar repetições, será identificado no decorrer da Tese com as iniciais EI. 5 Foram pesquisadas 155 edições da revista Veja, mais 02 especiais e 36 edições da revista Claudia, correspondentes aos

anos 1997, 2005 e 2013, como poderemos observar na tabela desta apresentação.

VEJA CLÁUDIA Ano Número de exemplares Primeira edição Última edição Número de exemplares Primeira edição Última edição 1997 51 1477 08/01/1997 1527 24/12/1997 12 Nº 1 Ano 36 jan/1997 Nº 12 Ano 36 dez/1997 2005 52 1886 05/01/2005 1937 28/12/2005 12 Nº 1 Ano 44 jan/2005 Nº 12 Ano 44 dez/2005 2013 52 2302 02/01/2013 2353 25/12/2013 12 Nº 1 Ano 52 jan/2013 Nº 12 Ano 52 dez/2013

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 Verificar se os enunciados jornalísticos das reportagens selecionadas estão dialogicamente relacionados com o Estatuto do Idoso.

▪ Analisar como a idosa é revelada nas articulações dialógico-valorativas do gênero reportagem. ▪ Investigar as posições valorativas das reportagens de Veja e Claudia em relação às idosas, entre os

recortes sociotemporais propostos.

▪ Repensar como a sociedade vem se preparando para agir frente às alterações heterogêneas do papel da idosa no transcurso acelerado do envelhecimento populacional, tendo como base as informações da mídia impressa pesquisada.

A partir daí, esta tese foi estruturada em quatro capítulos, abordando temas que nos ajudam entender a crescente importância do papel social e cultural que a idosa6 desempenha na atualidade brasileira e justificam o interesse de penetrar em um espaço de comunicação discursiva observando as apreciações sociais de valor da idosa em recortes sociotemporais específicos.

O presente artigo ocupa-se em expor as Reflexões Finais da pesquisa para a Tese de Doutorado. Para servir de indicação aqueles que tiverem interesse em aprofundar a leitura sobre os levantamentos teóricos necessários ao embasamento de minhas Reflexões finais, indico a leitura dos quatro capítulos que compõem a Tese: 1 O CÍRCULO BAKHTINIANO, o embasamento do esteio teórico necessário à análise final; 2 SER MULHER COM MAIS DE 60 ANOS NA ATUALIDADE, que percorre um caminho necessário para chegarmos à atual posição valorativa sobre a idosa; 3 PERCURSO METODOLÓGICO E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE, onde explico o método de análise e a seleção do da pesquisa, através de respostas a perguntas7 básicas que me serviram de

respaldo para atingir o conhecimento a que me propunha com maior validade e fidelidade: “O que conhecer?”; “Por que conhecer?”; “Como conhecer?”; “Em que local conhecer?”; “Com que conhecer?”; “Para que conhecer?”. Por fim, procedo à análise dialógica discursiva da amostra no capítulo quatro e apresento minhas Reflexões Finais.

Destes capítulos considero necessário priorizar algumas informações que ajudarão na interpretação das Reflexões finais, que passo a expor a seguir.

2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A CAMINHADA PARA A PESQUISA

Quanto mais revisitava autores e pesquisas sobre Análise Dialógica do Discurso - ADD, mais interesse em aprender outros conceitos bakhtinianos, visto que uma postura sociológica frente à ciência da linguagem implica perceber a estreita ligação entre tais conceitos. Por isso, ao destacar

6Saliento, no entanto, que apesar de o gênero social escolhido ser “a mulher idosa”, foi inevitável a utilização na Tese do

vocábulo “idoso” ao fazer referências a estudos e autores sobre o tema, pois a maioria não trata os gêneros separadamente.

7Tais questões são sugeridas no Manual de Métodos de Pesquisa organizado por Tatiana Engel Gerhardt e Denise Tolfo

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 gênero do discurso reportagem e valoração, não foi possível evitar enunciado, dialogismo e ideologia.

Seria muita ingenuidade acreditar que, para analisar um gênero discursivo, bastaria interpretar os seus três elementos: temática, construção composicional e estilo. Digamos que, tecnicamente, para a objetividade da pesquisa, estes sejam os conceitos trabalhados, porém no plano de fundo estão “conspirando” dialogicamente arquitetônica, cronotopo, polifonia, entre muitos outros que podemos encontrar diferentemente associados entre si nos diversos escritos do Círculo de Bakhtin ao longo das décadas em que foram produzidos. Os gêneros resultam de um contexto, da relação homem-mundo, da linguística e de toda a concepção da relação entre homem, linguagem e comunicação, em uma determinada época e sociedade.

Mas, tenho claro que, parafraseando Bakhtin, esta é minha expressão emotivo-volitiva de conhecimento do universo da mulher atual com mais de 60 anos no Brasil, através do gênero reportagem.

O tom emotivo-volitivo, que abarca e permeia o existir-evento singular, não é uma reação psíquica passiva, mas uma espécie de orientação imperativa da consciência, orientação moralmente válida e responsavelmente ativa. Trata-se de um movimento da consciência responsavelmente consciente, que transforma uma possibilidade na realidade de um ato realizado, de um ato de pensamento, de sentimento, de desejo, etc. (BAKHTIN, 2012, p. 91).

A rota escolhida para selecionar as reportagens em que seriam analisadas, num viés interpretativo, as apreciações sociais de valor envolvidas na construção da representação da mulher idosa iniciou com o estabelecimento do Estatuto do Idoso como marco para definir os intervalos dos recortes sociotemporais. O Estatuto do Idoso de 1º de outubro de 2003 (Lei nº 10.741) foi um passo importante para esclarecer e ampliar os direitos dos cidadãos acima de 60 anos de idade, no Brasil.

Tomando como base o Art. 24 do Estatuto do Idoso (2011), que diz: Os meios de comunicação manterão espaços ou horários especiais voltados aos idosos, com finalidade informativa, educativa, artística e cultural, e ao público sobre o processo de envelhecimento, é esperado que revistas como Veja, pela amplitude de público e de temas que aborda, e Claudia, direcionada principalmente ao público feminino, publicações que fazem parte da cultura brasileira há décadas, possam refletir a imagem que nossa sociedade possui sobre o idoso e, sobretudo, da mulher acima de sessenta anos de idade, através de apreciações sociais de valor.

Estabeleci intervalos sociotemporais tendo como ponto de partida o ano de 1997 por ser o ano em que o então Deputado Federal Paulo Paim lançou o Projeto de Lei número 3.561, fruto da mobilização de idosos, aposentados e pensionistas vinculados à Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas (CoBAP), impulsionados pelas reivindicações de sindicatos de

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 trabalhadores na época. No outro extremo, representando a atualidade, o ano de 2013, quando a tese passou a ser escrita. Desta forma se obtém um intervalo de dezesseis anos. Para chegar mais próximo do ano de 2003 (EI), dividi o intervalo em dois períodos iguais, obtendo o ano de 2005 como central. Acreditando que a reação da sociedade a uma nova lei não se dá imediatamente após a data em que é sancionada e que a esfera jornalista tende a refletir e ampliar os anseios da sociedade, o ano de 2005 se mostrou conveniente para se observar as reações da imprensa em relação às alterações socioculturais e política do universo da idosa. Por esse motivo o ano de 2003 não foi selecionado como recorte para a pesquisa. Assim, os recortes sociotemporais pesquisados foram definidos como os anos de 1997, 2005 e 2013, ou seja, intervalos separados por exatamente oito anos.

Depois de reunir todos os exemplares impressos e/ou digitais das revistas Claudia e Veja publicados nos recortes sociotemporais eleitos, neles foram selecionadas as reportagens contendo temas com ou sobre idosas. As reportagens8, portanto, teriam que mencionar a mulher com mais de sessenta anos (com) ou tratar de assuntos sobre o universo da idosa ou uma personagem de destaque no Brasil ou no mundo (sobre). Nenhuma reportagem foi encontrada que se direcionasse apenas para o universo da mulher de mais de sessenta anos (para).

A fim de orientar minha caminhada durante a ADD das reportagens destaquei algumas articulações a serem observadas, a partir do desmembramento dos três elementos definidores de um gênero discursivo – conteúdo temático, estilo e construção composicional. De acordo com Bakhtin, tais elementos estão intrinsecamente ligados e não possuem sentido se empregados separadamente e são marcados pelas especificidades de cada esfera de comunicação.

Como nos demais quadros da tese, o que pretendo destacar com o Quadro 02 (originalmente Quadro 06 na tese), apresentado na próxima página, são as articulações dialógico-valorativas possíveis de serem identificadas nas reportagens através de um viés interpretativo, não havendo a intenção de estruturar uma classificação, e tendo a certeza de não esgotar a infinidade de possibilidades. Também não serão seguidas, necessariamente, nesta ordem, mas indicam uma possibilidade. Isto porque a produção de uma reportagem envolve não apenas texto (corpo da reportagem), mas um processo que vai além das implicações externas a ele, envolvendo toda construção composicional verbo-visual, antecipada pelo estilo, conteúdo temático e destinatário (leitor).

O Quadro a seguir parte das três dimensões que orientam o gênero discursivo (coluna 1), relacionando na segunda coluna as suas articulações composicionais correspondentes, previstas em

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 uma reportagem e, por fim, na terceira coluna, as articulações dialógico valorativas que podem ser esperadas, que expressarão os índices de valor social atribuídos às idosas.

Quadro 02 – Articulações dialógico-valorativas no gênero reportagem DIMENSÕES QUE ORIENTAM O GÊNERO DO DISCURSO ARTICULAÇÕES COMPOSICIONAIS ARTICULAÇÕES DIALÓGICO-VALORATIVAS CONTEÚDO TEMÁTICO DOMÍNIO DE SENTIDO

política, direitos, trabalho, religião, sociedade/comportamento/família, saúde, esporte, lazer, cultura/arte, beleza/moda/estética, humor, etc.

ANCORAGEM

Capa, destaque, páginas amarelas, seção, coluna semanal/mensal

NÚMERO DE PÁGINAS Tamanho do texto ASSUNTO a ser identificado

Estatuto do Idoso, aposentadoria, envelhecimento, eleições, ação

social, doença “X”,

cinema/filme/livro, butox, corrida, destaque, viagem, etc.

CONSTRUÇÃO COMPOSICION AL

TITULO (ou manchete)

Matéria de capa, (Entonação) Fonte (tipo, tamanho, cor)

TITULO AUXILIAR (ou olho)

Ou olho: enunciado que pretende ser interessante e chamativo a fim de garantir a leitura da reportagem.

Uso do presente do indicativo para imprimir atualidade ao fato ou assunto.

AUTOR

Instância enunciativa interna: Editor, editor setorista, jornalista

Instância enunciativa externa a mídia: educador, médico, político, cientista, psicólogo, etc.

LEAD

(guia)

Contextualização: localização geográfica, temporal ou histórica do tema ou personagem.

Descrever a imagem do assunto abordado, direcionando o leitor.

CORPO

Ecos de outros enunciados (já-ditos): cases, depoimentos, pesquisas, citações de outras pessoas ou artigos, apropriações de enunciados.

Abordar o tema de maneira global, incluindo várias vozes e fatos, buscando uma objetividade e isentando-se da apresentação dos fatos.

CONCLUSÃO Dicas, ironia, motivação e esperança, etc.

FOTOS Montagens, cores,

atitude, figurino, emoção

QUADROS, MAPAS E INFOGRÁFICOS Explicativos, adicionais e conclusivos ou de resumo Divergência Convergência

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ESTILO

PROSA

Linguagem objetiva, direta e usual utilizada pelo autor para descrever a realidade observada, a um leitor presumido.

O processo de produção envolve elementos externos (linguísticos e já-ditos ) e internos (individuais/ modo do autor ver e julgar)

Projeto gráfico: escolhas verbo-visuais Linearidade ou quebra de linearidade (por quadros e publicidade, por exemplo). Discurso direto e/ou indireto

Marca autoral: entonação e posicionamento do autor diante dos fatos.

Utilização de outros gêneros do discurso. Seleção dos recursos da língua (lexicais, fraseológicos e gramaticais).

Sugiro cautela em fazer a leitura do retrato atual da idosa na mídia impressa brasileira. É uma imagem que ainda não está pronta devido ao seu caráter extremamente fragmentado e pode refletir um discurso que a sociedade almeja, mas que ainda está distante de uma realidade sociocultural, apesar de vários projetos sociais e de saúde aproximarem os universos femininos e masculinos em programas conjuntos para idosos.

3 REFLEXÕES FINAIS

É inegável a relevância das formulações bakhtinianas para os estudos sobre a linguagem nos últimos trinta anos. Ao propor que se mantenha uma dinâmica permanente e inconclusa entre a tríade autor, texto e leitor, as proposições do Círculo de Bakhtin nos convidam a examinar o corpus selecionado num contexto sociocultural mais amplo e mutável. É inexequível manter uma pura e simples operacionalidade de conceitos pré-estabelecidos ao se realizar estudos sobre a linguagem. A Análise Dialógica Discursiva percebe a complexa relação entre as atividades humanas e os enunciados discursivos a elas atribuídos, instigando o analista a buscar noções e conceitos multidisciplinares.

É com esta perspectiva dialógica que teci minha investigação, extraindo do próprio corpus a postura teórico-metodológica para sua análise. O que enriquece esta interação é o fato de que outros questionamentos se impõem responsivamente, abrindo portas para novos caminhos de pesquisa.

Apesar da noção inconclusa dos gêneros do discurso, por sua riqueza e diversidade frente às inesgotáveis possibilidades dos campos de atividade humana a que estão relacionados, os estudos bakhtinianos reconhecem certa estabilidade de características que o identificam. A busca de significado, regularidade e legitimidade do gênero reportagem, sob a luz da dialogia do Círculo de Bakhtin, é que me permitiu dar conta de analisar as apreciações sociais de valor da mulher com mais de 60 anos nas reportagens selecionadas nas revistas Veja e Claudia, publicações que fazem parte de nossa cultura há décadas. Ciente de que as posições aqui produzidas sobre o tema são contingenciais e implicam limites e possibilidades, entendo que são caminhos que se abrem para estudos futuros sobre valoração, dialogismo, gênero reportagem e, sobretudo, sobre a responsabilidade social de se atender a heterogeneidade do universo da idosa em nosso país.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 Eleger o gênero discursivo reportagem permitiu refletir sobre a influência do discurso midiático em nossos pensamentos, sentimentos e ações, enquanto seres sociais cercados pelas mídias, tendo a disposição tecnologias cada vez mais acessíveis para buscar informação em tempo muito próximo do real. Era de se esperar que o acelerado crescimento da população de idosos, as mudanças de papel social, político e econômico da idosa nas últimas décadas e as discussões e reivindicações do Estatuto do Idoso se refletissem com a mesma velocidade na mídia impressa. O que não ocorreu. Aqui se abre espaço para formular questionamentos multidisciplinares: este lapso entre mudanças sociais e representação nas mídias se deve a limitações editoriais das revistas? Ou à heterogeneidade cultural nas apreciações sociais de valor dos brasileiros, Interesses e expectativas do leitor?, Pressões políticas?, Falta de projetos públicos ou privados?

Os gêneros do discurso resultam de um contexto homem-mundo-linguística, ou seja, todas as concepções advindas da relação entre homem, linguagem e comunicação, em uma determinada época e sociedade. Assim, foi necessário revisitar estudos e teses multidisciplinares para definir as articulações dialógico-valorativas que caracterizam o gênero reportagem (Quadro 02), organizar as reportagens selecionadas em três recortes sociotemporais distintos, buscar notícias que contextualizassem tais períodos, para, por fim trabalhar meus objetivos. Desta forma, investigar recortes sociotemporais distintos, em intervalos iguais de oito anos, viabilizou acompanhar o período que se iniciou com a proposta do Estatuto do Idoso até a atualidade, e interpretar as posições valorativas das mídias selecionadas, cujas atividades discursivas estão relacionadas às alterações socioculturais.

Partindo dos fundamentos bakhtinianos, na discussão do corpus da pesquisa tomei como base três dimensões que orientam o gênero discursivo reportagem – o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo – e investiguei suas articulações composicionais para analisar as posições dialógico-valorativas de seus enunciados. Esta relação dialógica com o corpus também me permitiu uma flexibilidade na ordem de apresentação das análises. De acordo com Bakhtin, tais elementos estão intrinsecamente ligados e não possuem sentido se empregados separadamente.

A Análise DIALOGICO-DISCURSIVA das 23 reportagens de Veja e Claudia, pertencentes aos recortes sociotemporais 1997, 2005 e 2013, confirmam fundamentos bakhtinianos de que existe certa estabilidade nos elementos do gênero discursivo. Nas reportagens encontrei alguns elementos que são comuns a todos os períodos, apesar da flexibilidade crescente de estilo e da inclusão de tecnologias, como a leitura interativa digital das revistas.

Sendo o estilo uma dimensão que perpassa toda a reportagem, com frequência aparece incorporado na análise das demais articulações composicionais na Análise Dialógico-Discursiva do corpus selecionado, como nos revela Bakhtin:

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A relação valorativa do falante com o objeto do seu discurso (seja qual for esse objeto) também determina a escolha dos recursos lexicais, gramaticais e composicionais do enunciado. O estilo individual do enunciado é determinado principalmente pelo seu aspecto expressivo. [...] Alguns pesquisadores chegam inclusive a reduzir francamente ao aspecto emocionalmente valorativo do discurso (BAKHTIN, 2011, p. 289).

A regularidade de estilo é percebida na linguagem e no caráter comercial inerente a mídia. A reportagem utiliza uma linguagem coloquial em prosa, que inclui o efeito lúdico dos recursos estilísticos como perguntas retóricas, figuras de linguagem, ditos populares, recursos lexicais, envolvendo o leitor através da ativação de signos supostamente globais, aproximando o discurso à oralidade. Quanto às estratégias de marketing tecidas pelo editorial das duas revistas, apenas no recorte sociotemporal 2005 foram inseridas publicidades de forma explícita no corpo da reportagem. Nos demais recortes a publicidade limitou-se à citação de filmes, livros, posicionamentos e esclarecimentos (já-ditos) de profissionais, especialistas e de instituições ou referências a outras matérias – principalmente da própria editora. Os tons valorativos podem ser percebidos nesta complexa trama dialógica de marketing, que, amparados por ecos de outros enunciados, mesmo que não percebidos claramente pelo leitor como propaganda, despertam o interesse (e/ou criam a necessidade) pela busca por produtos, instituições, profissionais, publicações e informações adicionais.

A construção composicional da reportagem mantém uma regularidade enunciativo-discursiva, inerente à constituição e funcionalidade do gênero: título, título auxiliar, autor, lead, corpo, fotos, quadros, mapas, infográficos e conclusão, que se articulam para dar significação ao discurso.

O título é a primeira conexão do autor com o leitor. Recebe grande destaque e geralmente é seguido pelo título auxiliar – conhecido como olho pela área jornalística. Este conjunto de enunciados visa garantir a leitura da reportagem sendo chamativo e pretensamente interessante.

As apreciações sociais de valor do título são reveladas através de expressões anafóricas, diminutivos, adjetivos e figuras de linguagem. Nas reportagens de Veja incorpora-se a partir de 2005 o design gráfico, permitindo que a própria fonte diferenciada e seu posicionamento na reportagem expressem metaforicamente apreciações sociais de valor. Um exemplo claro é o título da reportagem A geração sanduíche estar deslocado para o centro das páginas e prensado entre fotos e textos, como um sanduíche. Em 2005 os títulos de Claudia incluem o nome da idosa, foco da reportagem. Já em 2013 o enunciado do título9 resulta em índices sociais de valor que marcam o seu forte relacionamento

da temática; e o nome da idosa é deslocado para o título auxiliar: Na cama com pacientes, Uma voz de coragem na IGREJA e A dama do petróleo.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 O título auxiliar, em 1997 manteve a rigidez de se posicionar abaixo do título, deslocando-se em poucas reportagens de 2005 e 2013 resultando num efeito de destaque a títulos e fotos. Ao revisitar as pesquisas sobre o gênero reportagem, a utilização de verbos no presente do indicativo aparece como sendo inerente ao título auxiliar, com a função de transmitir a noção de atualidade. Este tempo verbal apareceu em todas as reportagens de Veja 1997 e 2013. Nesta pesquisa observei que em 2005 os autores de Veja incluíram além do presente do indicativo, verbos no pretérito. Claudia optou em usar preferencialmente verbos no pretérito (ficou famosa, reinventou o ensino). Interpreto que a utilização de verbos no pretérito tem a intenção de provocar um efeito emotivo-volitivo de reconhecimento às realizações e conquistas da personalidade foco da reportagem.

As reportagens mostram a perfeita sintonia entre editores, jornalistas e fotógrafos para construir uma figurativização do assunto para o leitor. As fotos devidamente editadas reforçam o direcionamento que o editor imprime ao enunciado interno, contando com um trabalho de seleção de fisionomias, figurinos, cenários e posturas corporais das pessoas. Atraído por um campo de signos verbais e visuais de grande apelo, mesmo antes de ler a reportagem, entendo que o leitor é direcionado a assumir os índices de valor do autor/editor, explicitado no título e na conclusão da reportagem. Creio que esta sintonia, repletas de traços figurativos, visa cumprir sua função de persuasão do leitor, ao simular uma representação do real ou do social, sustentando paradigmas expressos ou implícitos no discurso.

Em Claudia o expressivo tamanho das fotos das personagens idosas, assim como dos títulos, permitem chamar a imediata atenção do leitor. As idosas expressam atitudes e postura que sugerem felicidade, poder, determinação, sucesso profissional. Como todas as demais mulheres da revista, elegantemente vestidas (com harmonia, leveza e naturalidade), sem nunca parecerem exageradas. Posicionadas nas extremidades ou em páginas isoladas, permitem a linearidade do corpo da reportagem e oportunizam ao interlocutor uma leitura sem interrupções, com a possibilidade de ler as legendas das fotos antes ou depois.

Não há utilização de infográficos e raros são os quadros adicionais ou informativos em Claudia. Impressas em letras grandes e distribuídas entre as colunas, os quadros são substituídos por falas do autor ou da personalidade, já expressas no corpo da reportagem, reforçando posições valorativas. Em 2005 as publicidades explícitas eram colocadas em uma estreita faixa central ou no rodapé em todas as páginas de algumas reportagens e sempre pertinentes ao estilo de vida descrito em seu discurso. Em 2013, a ausência de publicidade explícita no corpo da reportagem foi compensada pelas páginas inteiras inseridas no início da revista (em média dez páginas cujas imagens limitavam-se a jovens e “saudáveis” mulheres, homens ou famílias) e muitas outras publicidades entre as matérias.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 Em Veja percebeu-se estruturas composicionais diferentes para jornalismo informativo e jornalismo opinativo. Em 1997 o uso de infográficos e quadros era reduzido, e as fotos ocupavam grandes espaços. Em 2005 as reportagens de jornalismo informativo incluem muitos infográficos e quadros, que são inexistentes no jornalismo opinativo. Costumavam iniciar com uma grande foto montagem (acentuando o apelo verbo-visual com imagens de fundo, pessoas e enunciados) e incluir varias outras fotos menores. Em 2013, as reportagens de jornalismo informativo selecionadas para este estudo seguiram o estilo do jornalismo opinativo, incluindo apenas fotos.

Entendo que reportagens opinativas são mais narrativas e menos explicativas que as reportagens informativas que pretendem aprofundar notícias. Observei, contudo que em outras reportagens não direcionadas à idosa, no mesmo recorte sociotemporal, e ancoradas nas seções economia, política e cultura, por exemplo, é frequente a presença de infográficos, quadros explicativos, adicionais, conclusivos ou de resumo. Subentende-se que matérias com mulheres de mais de sessenta anos não receberam um esforço jornalístico de Veja, na medida em que atribuem maior interesse em matérias sobre aspectos estéticos e comportamentais do que sobre suas posições como atores políticos na sociedade em que se destacam.

As fotos em Veja 2013 – não mais apresentadas na sua forma original retangular como nos recortes sociotemporais anteriores ou nas matérias da revista Claudia – são montagens com recortes10 dos personagens apresentados na reportagem. Desta forma destacam expressões e gestos que ilustram de maneira mais significativa o assunto e a dualidade existente no momento entre a personalidade principal e seus coadjuvantes: rainha viúva acenando para seus “pequenos amores”; a feliz brasileira que se submeteu a braquioplastia e artistas expondo flácidas musculaturas de braços, provavelmente ao acenar para seu público; a rainha viúva a caminho do hospital e seu “amado” vice-presidente passeando numa potente moto no Brasil. A inclusão de quadros e infográficos e de indicação para acesso a links11 no site da revista me levam a inferir que à medida que a imprensa digital fica mais acessível suas características de interatividade influenciam a estrutura composicional das reportagens.

Depois de analisar as dimensões que orientam o gênero discursivo reportagem e perceber a complexidade desta forma enunciativa, foi possível sugerir regularidades12 enunciativo-dircursivas e tons valorativos. Compreendi como necessário não dissociar os elementos sociointeracionais

10 Aqui recorte é uma forma de edição que destaca uma imagem do restante da fotografia em que está inserida para “colar”

em uma montagem.

11 Link é o endereço de um documento na web. Consiste em um elemento de hipermídia formado por um trecho de texto

em destaque ou por um elemento gráfico que, ao ser acionado (geralmente mediante um clique de mouse), provoca a exibição de novo hiperdocumento. https://sites.google.com

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 conteúdo temático e estilo13, pois se articulam para acompanhar as necessidades de época e público. Assim procedi para dar conta de dois de meus objetivos:

1 Analisar como a idosa é revelada nas articulações dialógico-valorativas do gênero reportagem. 2 Investigar as posições valorativas das reportagens de Veja e Claudia em relação às idosas,

entre os recortes sociotemporais propostos.

3.1 CLAUDIA

Claudia não imprime uma entonação pejorativa sobre idosas. Temos reportagens sobre mulheres com mais de 60 anos bem resolvidas, fortes, independentes e aparentemente distantes do enfoque belo e sexy da feminilidade. São histórias de vida de mulheres geralmente engajadas em ações sociais e com foco no trabalho, o que lhes confere um caráter atemporal. A preocupação do design gráfico é completada com a utilização de fotos de estúdio, em que as idosas posam para conseguir um belo efeito visual.

Em nenhum momento foram discutidos temas envolvendo envelhecimento populacional, feminização da velhice, terceira idade, condições socioeconômicas da mulher idosa, reprivatização da velhice ou o Estatuto do Idoso. As autoras não usaram expressões anafóricas para referirem-se as mulheres de mais de 60 anos. As personalidades destacadas eram tratadas pelo pré-nome, sobrenome e/ou apelido.

1997. Em Claudia temas com ou sobre idosas não foram abordados no recorte sociotemporal 1997. Mulheres com mais de 60 anos apenas estavam presentes em outros gêneros discursivos, como notícias e premiações patrocinadas, ancoradas em seções de pouca visibilidade e menores que uma coluna. Considerando que a escolha temática é um momento social, na medida que é determinado pelo contexto socioeconômico dos leitores que pretende atingir, a questão da idosa não parece ser uma preocupação na época para Claudia e seu público. Julgo tal posicionamento de omissão como uma expressão de valoração em relação à mulher de mais de 60 anos, que supostamente está fora dos critérios de noticiabilidade da revista.

2005. Desde 2003 o Brasil instituiu o Estatuto do Idoso, que continua sendo discutido e remodelado para atender os anseios e necessidades da crescente população idosa. Mas apenas três reportagens com idosas apareceram no total de doze edições de Claudia em 2005, todas ancoradas na seção Atualidades e Gente (duas com personalidades internacionais e uma com brasileiras que se espelharam num filme americano). Com histórias de superação, as apreciações sociais de valor indicam comportamentos não esperados para idosa. Direcionada a um público de classe mais elevada

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 utiliza estrangeirismos que lhe conferem um estilo mais intelectualizado, pressupondo um conhecimento cultural amplo de seus leitores. As expressões interrogativas retóricas produzem uma sensação de diálogo coloquial que aproxima o leitor. Ao provocar uma atitude responsiva-ativa de forma tão direta, na medida em que o autor construía seu objeto de discurso com questionamentos, é pressuposto que consiga direcionar o interlocutor para que compartilhe dos mesmos índices sociais de valor evidenciados na reportagem.

A proposta da revista (de acordo com seu editorial) é contribuir ao direito fundamental de acesso a informações, sem posicionar-se, o que faz através da autoajuda, na forma de aconselhamento, “dicas e truques” de moda, beleza, saúde, comportamento e depoimentos de mulheres que alcançaram sucesso ou superação. Os depoimentos incluem mulheres de todas as idades, sem um destaque para faixa etária. Mas deixa transparecer que a mulher passa a sentir as perdas ocasionadas pelo envelhecimento a partir dos quarenta anos. O que nos reporta a crer na tentativa da revista em ampliar a (estereotipada e supostamente) reduzida vida útil da mulher. Assim, não nega uma imagem da idosa baseada em estereótipos negativos em que a velhice é um processo contínuo de perdas, mas mostra possibilidades de sucesso para uma idosa ativa. Ao mesmo tempo, de forma subliminar, está plantada a semente da reprivatização da velhice, porque manter-se jovem, para Claudia, é uma escolha individual. A revista dá as “dicas”, é só segui-las.

Em nenhum momento percebe-se a valorização de uma identidade coletiva da idosa, nem opções frente a possibilidade da falta de recursos da idosa para engajar-se nesta busca. Na representação do universo feminino, simula uma realidade de sucesso, beleza e felicidade em que pesam as escolhas individuais. As reportagens comportam-se como manifestações de contrato tácito entre o sujeito enunciador (revista, editor, jornalista) e o sujeito locutor, que busca na leitura mensal não apenas mercadorias e dicas de ordem práticas ou econômicas, mas a realização de projeções de seus desejos.

2013. No recorte sociotemporal 2013, não se percebe a distinção da idade. Igualmente não imprime uma entonação pejorativa, o que se evidencia é o destaque sobre comportamentos que a sociedade não espera da mulher, independente de sua idade ou opção de vida. As matérias selecionadas estão ancoradas na seção Atualidades e Gente e na nova seção INSPIRAÇÃO Gente.

Como estratégia discursiva, as autoras envolvem o leitor com o uso explícito dos já-ditos da personalidade destacada na reportagem. Assim as argumentações são tecidas na voz da personalidade, construindo um efeito de neutralidade do autor. No título, as autoras optaram por não colocar o nome da personalidade destacada na matéria. Percebe-se que o enunciado resulta em índices sociais de valor que marcam o seu forte relacionamento com a temática. É uma estratégia argumentativa do autor, que

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 aciona uma reação emotivo-volitiva imediata, influenciando pensamentos e sentimentos responsivos do leitor.

Em 2013 a idade não parece ser uma referência de valor. A idosa, assim como a mulher em qualquer idade, é um importante agente social, que retorna ao mercado de trabalho ou nem se afasta dele após a aposentadoria, e conquista sua boa aparência, saúde e sucesso a partir de esforço pessoal. Neste aspecto, creio ser relevante salientar que na edição de dezembro/2013 a revista Claudia dá início a matérias sobre moda, maquiagem e penteados, com conselhos e estampando fotos de mulheres de diversas raças e idades, incluindo idosas, estas igualmente produzidas com extrema elegância e expressão de alegria, sugerindo evidencias de uma mulher plenamente realizada. Com este intuito, em outro gênero discursivo da revista encontrei uma única matéria que direcionou parte de seu conteúdo especificamente a idosa, e que iniciou uma tendência para as próximas edições, nas seções de moda e beleza, que é mostrar opções para todas as idades. De qualquer forma, o foco continuou sendo a estética e não aspectos socioeconômicos.

3.2 VEJA

A revista Veja é um semanário pautado na atualidade. Suas reportagens baseiam-se em notícias de interesse do público sobre qualquer conteúdo temático, desde acontecimentos internacionais até lançamento de livros. Como estratégia discursiva utiliza muitas figuras de linguagem e, frequentemente, refere-se às personalidades através de expressões anafóricas. Há grande preocupação com o design gráfico da revista, com fotos, cores e diagramação, não havendo muitas fotos de estúdio. Nas fotos das reportagens as fisionomias, figurinos, posturas corporais das pessoas e cenários reforçam o direcionamento que o Editor imprime ao enunciado interno, não cultuando o belo, podendo suscitar revolta, pena, desprezo, diversão, por exemplo. Mostra perfeita sintonia entre editores, jornalistas e fotógrafos ao mesmo tempo em que constrói uma figurativização do assunto para o leitor.

Entendo que a reportagem, como prática discursiva da mídia, é construída a partir do modelo de representação e significação da sociedade, elaborado pela revista. O locutor toma como base uma competência inicial, anterior à leitura, alicerçada nos paradigmas míticos dos grupos de leitores visados pela revista, considerando as suas variáveis socioeconômicas e culturais. Assim, reproduz sistemas de conhecimento, crenças, identidades e relações sociais de determinado segmento da sociedade, ao mesmo tempo que se torna instrumento de transformação.

1997. Utilizando a prosa, característica do gênero reportagem, neste ano os textos seguiam uma linguagem coloquial, contudo aplicando uma entonação crítica e discriminatória em relação às expectativas comportamentais da idosa, reforçando o processo contínuo de perdas provocado pela

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 velhice. Subentende-se tal entonação não só pelos enunciados no corpo do texto, mas também através das expressões anafóricas utilizadas para representar a mulher de mais de 60 anos: vovós, titias, mãe e vó de mais de 60 anos, velhinha, além de senhoras e mulher (es). Percebo uma dinâmica socio-avaliativa entre campos lexicais apresentados nas reportagens14, expressando uma entonação de ambiguidade que parece produzir um efeito de resistência em aceitar a possibilidade de mulher independente e consciente de suas potencialidades, capaz de se libertar da mulher frágil, símbolo de dependência da dominação masculina. A mulher geralmente é percebida e representada através de características negativas.

Os já-ditos são incorporados frequentemente através de citações diretas, com aspas, e convergem para o posicionamento do autor diante dos fatos. Tais projeções valorativas engendradas no gênero discursivo causam um efeito de sentido a partir do discurso do outro.

Duas das reportagens são concluídas com depoimentos que dão esperança de sucesso para o leitor, “já que idosas conseguiram”. Nas três demais reportagens as conclusões encerram com críticas que resumem a reportagem. Mas nenhuma das cinco matérias do período finaliza com alguma mensagem específica ao universo da idosa, destacando algum paradigma positivo de seu papel como ator político e social.

2005. Neste recorte sociotemporal foram selecionadas nove reportagens. O conteúdo temático de algumas refletem as significativas alterações sociais que acompanham o envelhecimento populacional. No entanto são direcionadas as pessoas responsáveis pelos cuidados de idosos ou aqueles que se encontram “na melhor idade” e estão com mais de cinquenta anos. Em sua edição especial, trabalha a ressignificação da imagem do idoso, desvinculado da posição de marginalidade e desengajamento da sociedade, através do discurso sobre o idoso ativo, estimulando atividades coletivas e semeando a reprivatização da velhice. Utilizando como exemplo depoimentos de pessoas bem sucedidas e em boas condições de saúde e estética, na maioria empresários e artistas, que transmitem uma visão bem otimista da melhor idade, onde a desaceleração do envelhecimento passa a ser de responsabilidade individual, desconsiderando as questões sociais e econômicas tão heterogêneas e significativas em nosso país. A maioria dos depoimentos é de sujeitos entre 50 e 60 anos.

Das cinquenta e sete pessoas citadas, onde vinte e cinco são mulheres e trinta e dois são homens, apenas seis mulheres possuíam na época mais de sessenta anos (idosa). As expressões anafóricas são usadas para os dois gêneros sociais e seguem o estilo positivo da reportagem: melhor idade, turma (o que nos remete à juventude) grisalha, novos velhos (o uso de antítese para sugerir

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 renovação), público grisalho (característica supostamente atrativa em homens), cinquentões, terceira idade, idosos. Portanto, percebo que geralmente os exemplos de sucesso, realização pessoal e felicidade são com personagens masculinos ou de mulheres em torno da juvenização do homem. Entre os destaques desta edição especial temos: o relógio biológico deles (homens tendo filhos mais tarde), eles têm a força (esportes radicais), amigos do fogão (homens em confrarias de comidas e vinhos), amor na basta (casais que superaram crises e permaneceram casados por décadas) e clube dos descasados.

Ocupando um pífio espaço, O balanço do Estatuto, entre outros assuntos, apresenta um quadro com três determinações do Estatuto do Idoso, indicando que apenas uma delas está sendo cumprida. Este é a única reportagem da Veja que faz referência ao EI entre todos os recortes sociotemporais. Assim como a mulher idosa, o EI não recebe peso significativo como valor-notícia. As demais reportagens tecem críticas políticas, sociais, artísticas e comportamentais a partir do perfil de idosas. Os critérios de noticiabilidade para a seleção de assuntos para as reportagens parecem basear-se mais em atributos como curiosidade e supostos conflitos, do que sobre fundamentos ético-epistemológicos como interesse público, objetividade e verdade.

Neste recorte sociotemporal as reportagens apresentam estilos mais flexíveis, deixando de seguir apenas uma tendência como em 1997, em que a crítica era direcionada a características e comportamentos considerados inadequados para idosas. Imprime um tom mais emocionante e envolvente, com figuras de linguagem como perífrases e metáforas, ou até mesmo rude, com a utilização de disfemismo, para referir-se as mulheres citadas (das quais selecionei as com mais de 60 anos). Este estilo já é percebido nos títulos. E as expressões anafóricas utilizadas para referir-se a personagem diferem de acordo com o impacto e crítica que a reportagem quer imprimir e direcionar o leitor. A presença de disfemismo acentua de maneira rude as expressões anafóricas que fazem referência às personalidades destacadas nas reportagens: loira, madame, imperatriz, esfuziante ex-prefeita, e perua.

2013. Neste recorte, dos 52 exemplares pesquisados apenas três reportagens se enquadraram como reportagens com ou sobre idosas, mas igualmente não foram específicas para mulheres com mais de 60 anos. Seguindo peculiaridades do gênero discursivo reportagem, em 2013 foi utilizada uma linguagem coloquial, uma prosa carregada de valoração, que entendo estimular o imaginário do interlocutor, provocando o direcionamento de suas reações responsivas. Com figuras de linguagem como perífrases e metáforas, imprime um tom mais crítico e irônico, mas menos rude, nas escolhas dos disfemismos para se referir as mulheres. As interrogações retóricas que explicitam índices de valores compartilham responsabilidade de avaliação e montam um cenário para o leitor. Não parece utilizar a interrogação para levantar dúvida como em outros recortes sociotemporais. Outro traço de

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 estilo utilizado nas reportagens de Veja é a comparação e a equivalência entre personagens brasileiros e internacionais, ou entre acontecimentos e regimes de governo. Esta estratégia evidencia a intenção do autor de acionar signos do universo emotivo-volitivo do leitor, acelerando a sua reação responsiva. As reportagens que apresentaram um jornalismo opinativo utilizam frequentemente recursos lúdicos, seja para destacar a personalidade, seja para produziam um efeito irônico, pejorativo ou na figurativização de fatos ou ações. As expressões anafóricas utilizadas para se referir as mulheres com mais de 60 anos foram: mulheres maduras, senhoras que jogam bingo, pacientes, viúva, “mami”.

A hipótese – a formação da rede dialógica das reportagens sobre a idosa nas revistas Veja e Claudia é tecida sob a influência do EI, com confirmações, conflitos, ecos e lembranças de seus enunciados – não está totalmente expressa nas reportagens. Das 23 reportagens selecionadas, apenas uma mencionou o Estatuto do Idoso. Contudo, com base nas análises dos recortes sociotemporais, percebe-se alterações nas posições valorativas que sugerem uma mudança no panorama sociocultural brasileiro em relação à idosa.

Claudia, uma revista direcionada ao público feminino, de poder econômico e cultural mais elevado, que exalta a mulher, não publicou em suas 12 edições de 1997 reportagens com idosas. Em 2005 sua presença nas reportagens servia como exemplo de superação, ou seja, não assumia uma postura de acomodação supostamente esperada para uma idosa. A integração às demais faixas etárias do universo feminino só ocorreu em 2013, quando a idosa foi colocada lado a lado com personalidades ou modelos de idades variadas, simplesmente como mulher de sucesso. Mas ainda que ultrapasse os sessenta anos mais jovem e bem sucedida, seja no comando de empresas ou em atividades sociais, geralmente curva-se a estereótipos sociais, apoiando-se a uma gama de avanços tecnológicos e estéticos.

Chamou minha atenção a inclusão de reportagens de destaque com homens no recorte sociotemporal 2013 de uma revista feminina, reflexo da aproximação dos papeis sociais de homens e mulheres em nossa sociedade. Contudo, ao ultrapassarem em número absoluto as reportagens com idosas, sinalizam o pouco peso atribuído às mulheres com mais de 60 anos nos critérios de noticiabilidade estabelecidos entre revista, jornalista e leitor.

Na Veja, uma revista com um público leitor mais amplo, com um editorial assumidamente crítico e opinativo, em 1997 a idosa era percebida como sendo o lado emocional da família (“vovós”) e participar de instâncias públicas eram posições não esperadas. Em 2005, em plena discussão do Estatuto do Idoso, com mulheres chegando aos sessenta anos e assumindo destacados cargos de poder no mundo, a revista dedica reportagem a idosas, seja com discurso sobre o idoso ativo (o oposto de “vovó”), seja tecendo críticas rudes sobre seu comportamento. Por fim, 2013 mostra um discurso mais

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 voltado para a reprivatização da velhice e a crítica recai mais sobre a estética do que o comportamento enquanto idosa.

Tais posicionamentos refletem os valores de nossa sociedade, e só podem ser compreendidos quando consideramos toda a estrutura global que antecede o discurso. A competência discursiva do enunciador/jornalista cumpre uma função de persuasão ao simular uma representação de mundo para seu enunciatário/leitor, baseado num contrato prévio (parcial ou integral) entre eles. Sinalizam possibilidades de concretização de mitos projetados por desejos de juventude, saúde, prosperidade ou poder eternos, em indivíduos de todas as idades. O discurso termina por reforçar estereótipos negativos sobre práticas sociais a ponto de transformá-las em pretensas verdades, pois muitas vezes o enunciado associa significados negativos ao sentido próprio da palavra ou atribuem um peso muito relevante. Ao atingirem a dimensão das práticas sociais, os estereótipos podem vir a desestabilizar a integridade física e moral da idosa, na medida em que envolvem seus sentimentos, sua imagem, sua honra, comprometendo seu reconhecimento social.

Ao perceber a língua como um fenômeno social heterogêneo e interativo, elegi as concepções bakhtinianas como o caminho mais adequado para a compreensão de sentido do discurso do gênero reportagem – assim como dos demais da esfera do jornalismo. Isto porque tais gêneros materializam as relações sociais entre o eu e o outro, refletindo e ampliando as vozes sociais. Sendo a linguagem uma interação social e não apenas transmissão de informação, o discurso é um objeto de estudo das ciências humanas que não pode ser separado do contexto narrativo nem do seu destinatário.

Espero que minha pesquisa acrescente conhecimentos e motive estudantes e pesquisadores a ampliar o universo de possibilidades que a ADD proposta pelos estudos bakhtinianos nos disponibiliza descobrir.

Na posição de docente de uma universidade federal com foco na inclusão social, tomo por base as prazerosas trocas de experiências como orientadora de estágios e formação de futuros professores, desafiando-me a mentalizar questionamentos e análises, possíveis embriões de projetos. Quando nos deparamos com reportagens envolvendo o universo feminino alguns questionamentos surgirão durante a leitura: como se concretiza a construção de sentido dos discursos em revistas e jornais?, Que sentidos e sentimentos despertam nos leitores?, Que mudanças operam nas relações emotivo-volitivas com a sociedade?, Que interações com alunos poderiam ajudá-los a desenvolver habilidades de leitura crítica de discursos verbo-visuais?

Perguntas nos levam a formular hipóteses, que quando em movimento, por menores que sejam comparadas ao universo de possibilidades, sempre provocarão mudanças de posicionamento e atitude frente à sociedade. Se além da leitura promovêssemos a aproximação de idosos com alunos de escolas públicas e privadas? Um projeto que se proponha a desvendar os modos de envelhecer e de viver a

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 52114-53136 jul. 2020. ISSN 2525-8761 velhice. Palestras onde idosas da comunidade transmitissem suas experiências de vida. Visitas a instituições de acolhimento a idosos. Pesquisas em revistas e internet comparando suas interpretações com o discurso das mídias. Eventos no dia internacional da mulher, mundial da solidariedade, mundial da saúde, nacional da fotografia, da Vovó, do idoso, do leitor, etc.

Minha única certeza é que uma pesquisa tem que transcender a sua utilidade de busca de conhecimento, e repensar sua aplicabilidade para promover mudanças de atitude.

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Referências

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