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Arte na educação de adolescentes autores de atos infracionais / Art in education of teenagers authors of infringement acts

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Academic year: 2020

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Arte na educação de adolescentes autores de atos infracionais

Art in education of teenagers authors of infringement acts

DOI:10.34117/bjdv5n11-360

Recebimento dos originais: 07/10/2019 Aceitação para publicação: 29/11/2019

Paulo Cesar Duarte Paes

Professor do Curso de Artes Visuais da UFMS, Pós-doutorado pela UEL Doutorado na UFSCar, Mestrado e Graduação na UFMS

Trabalha e pesquisa a arte junto a autores de atos infracionais desde 1988 E-mail: paulo.paes@ufms.br

RESUMO

As Unidades Educacionas de Internação (UNEIS), em Campo Grande, MS, mantêm aproximadamente 130 adolescentes internos (presos) que cometeram atos infracionais considerados graves. Em todo o Brasil são 27 mil adolescentes, num único dia pesquisado (SDH, 2014). As atividades de artes visuais, formais ou informais, fazem parte da grande maioria das propostas pedagógicas das Unidades de internação, mas faltam estudos que fundamentem, orientem a prática e identifiquem aspectos relevantes da arte na socioeducação. O presente artigo tem como objetivo analizar teoricamente o potencial de sociabilização da arte junto aos adolescentes, compondo parte de um estudo mais amplo sobre arte-educação para adolescentes que cometeram atos infracionais, fundamentado na abordagem Histórico-Cultural. Utilizamos as obras de Vigotski, Leontiev e Templov, mais especificamente o conceito de “atividade humana”, como fundamento para compreender aspectos relevantes da arte no desenvolvimento e sociabilidade destes adolescentes. A atividade artística proporciona uma grande variedade de processos de socialização e contribue, significativamente, para que o adolescente se compreenda melhor e interaja de forma mais saudável com a sociedade a sua volta. A arte possibilita que o adolescente expresse sua subjetividade, que permanece camuflada nas formas tradicionais de ensino. Suas obras artísticas causam um retorno de sentimentos e observações do público e da sociedade em geral, contribuindo para romper com a exclusão e a marginalidade.

Palavras-chave: Arte-educação, Sistema Socioeducativo, Mediação. ABSTRACT

The Inpatient Education Units (UNEIS) in Campo Grande, MS, have approximately 130 inmates (prisoners) who have committed serious offenses. Throughout Brazil there are 27,000 teenagers, in a single day surveyed (SDH, 2014). The activities of visual arts, formal or informal, are part of the vast majority of pedagogical proposals of inpatient units, but there is a lack of studies to substantiate, guide the practice and identify relevant aspects of art in socio-education. This article aims to theoretically analyze the potential of socialization of art among adolescents, composing part of a larger study on art education for adolescents who committed infractions, based on the Historical-Cultural approach. We use the works of Vigotski, Leontiev and Templov, more specifically the concept of “human activity”, as a basis for understanding relevant aspects of art in the development and sociability of these adolescents. Artistic activity provides a wide variety of socialization processes and contributes significantly to making adolescents better understand and interact healthier with the society around them. Art enables adolescents to express their subjectivity, which remains camouflaged in traditional forms of teaching. His artistic works cause a return of feelings and

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observations from the public and society at large, contributing to break with exclusion and marginality.

Keywords: Art education, Socio-educational system, Mediation.

1 INTRODUÇÃO

Ao exercer uma atividade, o ser humano toma contato com a realidade física e abstrata, concomitantemente. Física porque entra em contato diretamente com substâncias materiais da natureza que precisam ser transformadas para o seu conforto. Abstrata porque encontra condições culturais prontas, elaboradas social e historicamente que indicam os objetivos e os procedimentos da atividade. Para Vigotski (2001) uma atividade humana, por mais simples que seja, está inter-relacionada à totalidade histórica das relações sociais. A ação do sujeito sobre a cultura, os materiais da natureza, as ferramentas, as máquinas e seus pares, constrói, com seu gesto na realidade, ao mesmo tempo ao mundo e a si próprio.

É na atividade que a transição ou translação do objeto refletido na imagem subjetiva, no ideal, tem lugar, ao mesmo tempo é também na atividade que a transição do ideal para os resultados objetivos da atividade, para os seus produtos, para o material, é alcançada. Olhando neste ângulo a atividade é um processo de trânsito entre pólos opostos, sujeito e objeto (LEONTIEV, 1978).

É justamente esta atividade externa que descortina o círculo dos processos mentais internos, abrindo-os para o mundo objetivo. A atividade humana não é um ato isolado, é uma ação contextualizada no amplo espaço das relações sociais e historic amente construídas. Estas ações atingiram um alto grau de complexidade e sofisticação, passando a ser imprescindível na formação da consciência humana.

Os adolescentes em privação de liberdade sofrem um abrupto processo de diminuição de sua atividade humana durante o tempo que permanecem nas unidades, principalmente as atividades dirigidas. O tempo destinado à contemplação, ou a atividades que realizam mecanicamente é muito maior do que quando estavam em liberdade.

No caso dos adolescentes em privação de liberdade, as oficinas de artes significam uma atividade humana, possível dentro da unidade, de uma grande riqueza para o desenvolvimento e sociabilidade dos adolescentes. O fazer artístico, durante a internação, é uma forma de atividade humana consciente e complexa, que proporciona a interação junto a outros sujeitos sociais que participam do seu ato como observadores ou co -autores.

De nada adiantaria a arte ter um grande poder educativo se ela não fosse acessível aos educandos em questão. A arte é uma atividade muito buscada pelos adolescentes, que passam

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a ter nela uma forma de realização pessoal. Vigotski (2000, 2001 e 2010) reconhece este potencial da arte quando fala que ela é precisamente: a fonte do prazer estético. Por isso a atividade artística é sempre relevante e profundamente criadora.

A atividade artística não representa apenas o prazer ou desfrute estético, muito pelo contrário, ela exige entrega e dedicação. A realização de um projeto artístico pressupõe, além do acúmulo de variadas impressões, uma ação concreta na realidade. Esta ação é a própria “atividade humana”, condição para a construção da consciência (LEONTIEV, 1978). A arte, como meio de produção material que é, humaniza o ser, proporcionando uma relação de mão dupla entre o aluno e seu meio social.

O conteúdo educacional a ser extraído das obras de arte, produzidas pelos próprios educandos, representa um recurso didático, que pode ser mediado: pelas referências apresentadas pelo professor, por sugestões de temas e na busca interior do próprio adolescente. As referências poéticas, as técnicas e outras orientações do professor para qualificar a produção do aluno não serão necessárimente abordadas nesse artigo, podendo ser encontradas em variada literatura sobre o ensino de arte (BARBOSA, 1998 e FERRAZ e FUSARI, 1991).

É como se sua ação no mundo material presente trouxesse, também, a possibilidade de elaboração de situações vividas e sentidas que os “autores” não tiveram oportunidade de elaborar de outra maneira. O desenvolvimento da percepção contribui para melhor entendimento de sua relação social, elaborando um conhecimento sobre si mesmo e sua relação com o mundo.

A educação artística deve, portanto, acompanhar sempre a educação da percepção. Esta é uma das razões da sua importância para a educação geral; educando a capacidade de “ver” e “ouvir”, a arte cria os requisitos indispensáveis para um amplo e profundo conhecimento do mundo (TEMPLOV, 1997).

A atividade humana é um campo de domínio temporal, onde a partir de uma experiência passada projeta-se o futuro. Como esses adolescentes não “tiveram passado” e também não “têm futuro”, não aprenderam a planejar e nem pensar no dia de amanhã. Suas atenções se ligam no aqui e agora, sendo que esta capacidade de antever e planejar o amanhã é fundamental para que um indivíduo contemporâneo conquiste seu espaço e reconhecimento na sociedade.

2 MEDIAÇÃO SIMBÓLICA, ATIVIDADE HUMANA E ARTE: CRIAÇÃO E RECONHECIMENTO DE SIGNIFICADOS

O conceito de mediação simbólica ocupa uma posição central, na psicolog ia Histórico-Cultural proposta por Vigotski (2010), algo que viabiliza relações de produção entre

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o individuo e a sociedade. O universo simbólico inerente a arte será apropriado pelo adolescente que, por ser uma atividade humana, consciente, planejada e or ientada, se consituirá numa nova base sobre a qual o adolescente contruirá sua consciência.

A ação de um sujeito sobre um objeto, como exemplo de relação, deixa de ser direta e passa a ser indireta, pois, intermediada pelas, as linguagens e a cultura, que passam a mediar a relação do indivíduo com seu meio, permitindo uma ação mais complexa do sujeito sobre o objeto, uma ação verdaderiamente humana, porque se apropria do mundo, da cultura, ao agir nele.

Ninguém nasce sabendo utilizar um instrumento de trabalho, mas aprende no decorrer de atividades, orientado por outras pessoas que sabem realizar a operação. Para que esta apropriação de conhecimento aconteça é necessário que haja um conjunto de símbolos capazes de expressar as peculiaridades do instrumento e de sua manipulação. As palavras, sons, figuras e outros símbolos passam a ter uma função imprescindível tanto para que ocorra o aprendizado quanto para que o próprio trabalho seja executado. No caso da ativida de artística esse pressuposto torna-se ainda mais efetivo.

A complexa trama simbólica que precede e acompanha a execução de uma atividade é a mediadora entre o sujeito que a executa e o meio social, que caracteriza o objeto de sua ação. O registro e a troca de informações é fundamental para que o conhecimento adquirido por um indivíduo seja levado até outros e repassado às gerações posteriores. Para João Francisco Duarte Jr ( 1981), em sua obra Fundamentos estéticos da educação, a linguagem, ela mesma, é uma ferramenta para interferência direta num mundo social.

Quando nasce um ser humano ele já encontra pronta toda essa complexa rede de relações, instrumentos e símbolos, inter-relaciona-se com ela, assimilando e remodelando-a para si mesmo e para os outros, os de seu tempo e os que virão depois. A sua assimilação do que já está pronto, antes de seu nascimento, só é possível graças à mediação simbólica (VIGOTSKI, 2001). No caso dos adolescentes que receberam a medida de privação de liberdade, essa mediação diverge da mediação da maioria das crianças e adolescentes no decorrer de suas vidas.

O homem age, mudando o meio. E modifica o meio não apenas com o uso da tecnologia, por meio de mudanças físicas, mas básica e fundamentalmente através da palavra, dos símb olos que cria para interpretar o mundo (DUARTE JR, p. 15, 1981).

Quando nasce um bebê, ele não possui identificação com os processos culturais humanos desenvolvidos historicamente. As suas ações respondem a um caráter exclusivamente biológico, instintivo e reflexivo. Quando necessita de algum cuidado, chora,

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quando sente sono, dorme, quando sente fome, mama. O que humaniza a criança é fundamentalmente o acesso à cultura, que se dá pela sua atividade orientada por um adulto, mediada por esse complexo universo simbólico (VIGOTSKI, 2001).

Uma criança de seis meses, ao querer pegar uma chupeta que não está ao seu alcance, olha e estica as mãos naquela direção, emitindo sons, chamando a atenção do adulto, que aproxima o bico das mãos da criança. Gestos simples co mo este levam a criança a atividades de interação humana, iniciando-a no complexo mundo das relações culturais. Quando esta criança deseja mostrar algo que está longe, ela irá apontar com as mãos e falar.

O que antes era um balbuciar ininteligível, uma imitação sonora da fala dos adultos, passa a ter sentido específico, o sentido da palavra. A arte trabalha a partir de um reordenamento pessoal e criativo desse universo simbólico, tendo como matéria -prima um imenso complexo de possibilidades simbólicas. No c aso da atividade artística, são símbolos carregados de significados expressivos para os alunos e para o mundo a sua volta.

A sociedade possibilita o desenvolvimento de uma consciência específica com caráter de exclusão à medida em que proporciona uma vivên cia radical de criança e do adolescente excluídos com uma mediação simbólica também diferenciada.

O processo de desenvolvimento do ser humano, marcado por sua inserção em determinado grupo cultural, se dá de fora para dentro. Isto é, primeiramente o indivíduo realiza ações externas, que serão interpretadas pelas pessoas a seu redor, de acordo com os significados culturalmente estabelecidos. A partir dessa interpretação é que será possível para o indivíduo atribuir significados às suas próprias ações e desenvolver processos psicológicos internos que podem ser interpretados por ele próprio a partir dos mecanismos estabelecidos pelo grupo cultural e compreendidos por meio dos códigos compartilhados pelos membros desse grupo (OLIVEIRA, 1985, p.4).

Vigotski e seus colaboradores desenvolveram pesquisas junto a crianças de origens culturais diferentes para compreender como se dá o diferenciamento do desenvolvimento destas crianças (VYGOTSKY e LURIA, 1996). Descobriu que, fases de assimilação de linguagens comuns para um determinado grupo cultural não obedeciam à mesma determinação em outro grupo. Por exemplo, crianças de zona rural, que não haviam tido contato com a cultura urbana, apresentavam formas diferenciadas de associação de conjuntos de objetos e idades diferentes. Da mesma forma, dentro de uma mesma sociedade, encontram-se indivíduos com uma gama de compreensão simbólica muito diferente. É o caso dos nossos alunos internos, que passaram por um radical processo de exclusão desde o início de suas vidas.

Para Vigotski (2001), a fala é uma mediação simbólica desenvolvida/apropriada pela ação da criança (atividade) e não passivamente, pois ela só aprende quando se torna um sujeito ativo.

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Primeiramente a criança aprende a falar imitando os adultos e objetivando desejos. Como no exemplo citado, ela balbucia quando quer alguma coisa. Sua imitação inicial da fala será ininteligível, mas atrairá a atenção dos que estão a sua volta, estabelecendo uma relação. Na constante busca da imitação, expressando grunhidos para os outros a sua volta, a criança passa a repetir alguns vocábulos. Enquanto o vocábulo não tiver sentido ainda não é palavra, esta só passa a existir quando ganha um significado.

A ausência de pessoas para refletir as ações da criança produz um atraso na sua capacidade de associação de sons e significados específicos, dificultando a apropriação da cultura. A ausência ou a redução da utilização da palavra e outras formas de linguagem é uma violência, cometida pela sociedade, contra milhões de crianças em exclusão, dentre elas a maioria dos alunos das unidades de internação.

A utilização da linguagem como um suporte ao pensamento é defendida por Vigotski (2001), ampliando a importância da mediação simbólica como instrumento intelectivo do indivíduo no seu meio.

(...) o momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, então, duas linhas, completamente independentes de desenvolvimento, convergem (VIGOTSKI, 2001, p. 33).

A criança passa a controlar, a si mesma e ao ambiente, através da mediação simbólica, que pode ser a fala ou símbolos visuais, sonoros e artísticos em geral. A criação desse comportamento caracteristicamente humano produz, mais tarde, o intelecto e o sentido de pertencimento a um grupo social. A arte proporciona intensamente esse encontro entre a cultura histórica e as pessoas da comunidade o o ser individual. No momento em que o adolescente cria sua obra, comunica uma cultura apreendida com seus próprios significados, atuando como uma ponte a quebrar a exclusão, onde antes só haviam muros.

3 CONSIDERAÇÕES

Ao desenvolver atividades artísticas, sejam de leitura ou de criação de obras, acontece uma confluência entre os desejos de relação social do adolescente e o mundo real a sua volta. Ao se apropriar de complexos e múltiplos signos expressivos ele sente -se parte do mundo humano no sentido de se apropriar e ao mesmo tempo se comunicar com ele. Um processo interativo que vai no sentido contrário da violência e exclusão que, em geral, caracteriza a formação em geral dos adolescentes internos.

A prática participativa nas oficinas torna o aluno sujeito do processo, porém, o respeito a determinadas normas e orientações da unidade não podem ficar abertas ao livre

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arbítrio. A tensão (no bom sentido), causada pela necessidade de expressar sentidos na obra a ser criada, é importante ferramenta de auto-controle dos adolescentes em relação a sua própria conduta.

Durante as reuniões de avaliação e planejamento, que ocorrem ao final das oficinas, a organização é fundamental para que a atividade aconteça. A distribuição e a cobrança das tarefas é feita com a participação de todos, mas, sob a orientação do educador. A vivência lúdica produz um grande interesse dos adolescentes pela atividade, melhorando as possibilidades de negociação, com o grupo, de limites e normas necessárias para a prod ução das obras. Durante as oficinas o conceito de atividade humana vai emergindo da mera ação individual, para uma ação coletiva e ordenada, onde todos fazem parte de uma ação maior e são responsáveis pela conquista dos objetivos do grupo.

A atividade artística exige planejamento e execução detalhada. Cada material, as formas e os significados são pré-estabelecidos e organizados previamente, proporcionando uma iniciação no processo de planejamento do futuro. Esse “antever” é característico do existir humano, criado pela imaginação em contato com a realidade e é fundamental na educação de adolescentes que têm um histórico de exclusão e marginalidade.

O espaço físico também carrega uma complexa simbologia que define comportamentos específicos a serem lidos e compreendidos. Como deve ser a conduta do adolescente dentro da sala de aula, no pátio, na rua ou nas Unidades de Internação. A representação simbólica espacial serve como mediadora entre o sujeito e seu meio sociocultural. As unidades de internação em geral são carregadas de um sentido ao mesmo tempo opressivo, doloroso e de horror, fazendo com que muitas pessoas que vão lá para visitar não consigam permanecer no local, passando mal imediatamente. As artes atenuam esse processo visual doloroso, colocando trabalhos coloridos nas paredes. O interno passa a reconstruir o universo simbólico e estético, do espaço que é sua moradia, de forma lúdica, sentindo -se seu criador parte dele.

A maioria dos adolescentes internos nas unidades de internação tem muita dificul dade de leitura dos símbolos espaciais, comportando-se de forma inadequada. O interno R. S. não soube se comportar numa audiência, no Juizado da Infância e da Juventude, prejudicando o andamento do seu processo (PAES, 1999).

O signo pode estar num objeto, som, cor, gesto, figura, etc., que representa uma outra coisa, servindo como auxílio da memória e da atenção. Na criação artística dos adolescentes esses símbolos perdem a conotação repressiva e eles conseguem compreendê -los. A sociedade urbana está cheia de signos que devem ser interpretados, para que se consiga compreender as

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relações comunitárias e sociais. Os símbolos que indicam proibição de determinadas condutas são imprescindíveis para a organização da vida em sociedade.

A educação, dessa maneira, compreende também o ambiente cultural no qual o indivíduo vive, na medida em que lhe possibilite ou lhe vete a constituição de um sentido (o mais amplo possível) para sua existência. A circulação de idéias, significados e sentidos, no interior de uma cultu ra, e o acesso a essa circulação compreendem pois o contexto formativo (educacional) mais amplo no qual estamos inseridos. Os métodos pelos quais se permite ou se veta a participação dos indivíduos nos produtos culturais são, em última análise, métodos educativos (DUARTE JR, 1981, p15). Para os adolescentes em privação de liberdade, estes signos, muitas vezes, não foram sequer elaborados conscientemente, por causa da ausência de uma educação dirigida. Outras vezes, os símbolos foram conhecidos e depois negados, como uma forma de enfrentamento do sofrimento causado pela repressão, como uma devolução da violência sofrida ao meio que o violenta.

Os jogos violentos são preponderantes no meio infantil de origem dos adolescentes. As crianças aprendem a se defender/agredir física e verbalmente, para que consigam sobreviver afetivamente no grupo,em geral, na ausência de um mediador adulto. O conflito é, também, uma forma de linguagem necessária para a sua sobrevivência e a arte possibilita a tomada de consciência dessa violência pela linguagem, sem que ela se realize material, corporal.

O jeito de falar, as palavras, o movimento do corpo e toda uma singularidade expressiva compõem a imagem geral desses meninos e meninas que se tornaram alunos nas oficinas de arte. A especificidade está ajustada à necessidade de não se identificar com a autoridade socialmente constituída, como o pai, o diretor, o professor, o policial, o juíz, e uma série de técnicos que trabalham nas UNEIS.

Tudo isso os afasta mais ainda de uma possível comunhão com os valores socialmente estabelecidos. Nesse momento a agressão ao estabelecido passa a ser cultuada e transforma -se numa complexa inter-relação de símbolos, mediadores de suas relações com o mundo. Quando essa agressão se manifeta na criação artística ele tem um sentido pedagógico que possibilita o diálogo. Uma demonstração simbólica de ódio medo que se mistura a outros sentimentos, toca o público e volta para eles, proporcionando um novo entendimento e sentimento de mundo, mais humanizado.

A especificidade simbólica precisa ser respeitada durante as oficinas, porque esse é o seu mundo, o que eles tem de verdadeiro para expressar. Quando eles expressam a si mesmos podem explorar livremente suas possibilidades de comunicação usando sua própria

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linguagem. Se muitos trabalhos ainda aparecem carregados de sofrimento e violência é porque representam a realidade de suas vidas.

Na expressividade criadora da obra produzida, identifica-se a particularidade artística no sentido de se constituir num sensível registro de vida e da subjetividade dos adolescentes. São seres em privação de liberdade que tiveram negado o direito de registrar criativamente suas experiências durante suas vidas, o que, junto com a falta de vontade de recordar objetivamente seu passado “doloroso”, os impede de organizar o conhecimento sobre si. A arte representa um poderoso meio de registro, estudo e compreensão sensível sobre suas vidas, ajudando-os no processo de identificação do passado, contribuindo para a elaboração de uma identidade consciente e a se projetar criativamente no futuro.

Essa alfabetização estética é fundamental como estímulo ao desenvolvimento do processo de construção da consciência, não apenas de quem participa diretamente dela, como também do público, que pode entrar em contato com os trabalhos produzidos, tomando consciência de uma realidade negada e escondida socialmente. Quando mais o íntimo dos seus seres é exposto na atividade artística, mais eles se comunicam de forma saudável com a sociedade que os nega. Assumem publicamente o que são, enfrentam seus medos e a violência do mundo que os formou. Criam sentidos visuais que unem o que o preconceito e a opressão social separa inistentemente.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte. Ed. Arte. 1998.

DUARTE JR, Francisco. Fundamentos estéticos da educação. Campinas. Papirus. 1981. ______. Porque arte-educação. Campinas. Papirus. 1985.

FERRAZ, Maria Heloisa C. e FUSARI, Maria F. de Resende. Metodologia do ensino de arte. São Paulo. Cortez. 1991.

LEONTIEV, Alexis. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa. Horizonte. 1978.

PAES, Paulo Cesar Duarte. Arte-educação nas unidades socioeducativas. In PAES, Paulo Cesar Duarte (org). Formação continuada de socioeducadores. Campo Grande. UFMS. 2008.

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SDH, Secretaria de Direitos Humanos. Levantamento anual do Sistema Socioeducativo. Brasília. SDH. 2014.

TEMPLOV, L. R. Aspectos psicológicos da educação artística. Lisboa. Estampa. 1985. VIGOTSKI. L. S. Psicologia da arte. São Paulo. Martins Fontes, 1999.

______. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo. Martins Fontes. 2000

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______. Psicologia Pedagógica. São Paulo. Martins Fontes, 2010.

VYGOTSKI. Obras escogidas (Volumes III). Madrid. Centro de Publicaciones del M.E.C. / Visor Distribuciones, 1995.

VYGOTSKY L. S. e LURIA A. R. Estudos sobre a história do comportamento: o macaco, o primitivo e a criança. Porto Alegre. Artes Médicas, 1996.

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