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Grupos sanguíneos a partir da aprendizagem baseada em problemas: elaboração e avaliação de uma proposta didática investigativa

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Academic year: 2020

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10.26843/rencima.v11i6.2683 eISSN 2179-426X Recebido em 30/08/2020 | Aceito em 22/09/2020 | Publicado em 01/10/2020

Grupos sanguíneos a partir da aprendizagem baseada em problemas:

elaboração e avaliação de uma proposta didática investigativa

The problem-based learning of blood types: development and evaluation of a

didactic investigational proposal

Paula Fernandes Tavares Cezar-de-Mello Colégio Pedro II paulamello@cp2.g12.br http://orcid.org/0000-0002-9293-9773 Pamela Rosa-Gonçalves Colégio Pedro II pamelarosa@cp2.g12.br http://orcid.org/0000-0002-2425-5310 Resumo

Os benefícios alcançados por meio de metodologias de ensino-aprendizagem centradas no educando parecem ser consenso entre os estudiosos da Educação Básica. Assim, observa-se uma crescente preocupação no deobserva-senvolvimento de estratégias pedagógicas que viabilizem a implementação de metodologias ativas. Em consonância com essa tendência, desenvolvemos uma atividade de Aprendizagem Baseada em Problemas do tipo Estudo de Caso, no âmbito da Genética, com a finalidade de proporcionar o aprendizado de conteúdos conceituais e atitudinais relacionados ao tema Grupos Sanguíneos. A atividade contou com quatro casos diferentes que tiveram início durante uma aula prática simulada de tipagem sanguínea – sistemas ABO e Rh. A adequação da atividade foi avaliada de modo quali-quantitativo e indicou que os estudantes conseguiram aplicar conhecimentos prévios e desenvolver novos saberes pautados em discussões acerca dos temas geradores, à medida que se envolviam na resolução dos casos. Além disso, a sequência didática adotada permitiu introduzir o conteúdo de Epistasia a partir de um dos casos. Grupos Sanguíneos foi um tema estrategicamente escolhido por estar intimamente relacionado ao cotidiano dos estudantes, com potencial para fomentar discussões contextualizadas com tecnologias, sociedade e ética.

Palavras-chave: aprendizagem baseada em problemas; grupos sanguíneos, ensino de genética; metodologias ativas.

Abstract

The benefits of student-based teaching-learning methods seem consensual among Basic Education scholars. Therefore, there is growing concern regarding the development of

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pedagogical strategies that allow the implementation of active methods. Hence, we have developed a case-study type Problem-Based Learning activity in the field of Genetics to facilitate the learning of concepts and attitudinal aspects related to Blood Types. The activity included four different cases introduced during a blood-typing simulation – ABO and Rh systems. The suitability of activity was evaluated in a quali-quantitative manner, and we found that students were able to put previously-acquired knowledge to use and develop new knowledge after the discussions on the original subject as they moved forward on solving the cases. Moreover, the didactic sequence adopted allowed the introduction of the notion of Epistasis, based on one of the cases. The subject of Blood Types was strategically picked because it is part of the daily lives of students, which could potentially stir contextualized discussions on technology, society and ethics.

Keywords: problem-based learning; blood types; genetic teaching; active learning methodologies.

Introdução

Este trabalho se propõe a utilizar a metodologia da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) do tipo Estudo de Caso, a fim de proporcionar o aprendizado de conteúdos relativos ao tema Grupos Sanguíneos contextualizados com o ensino de Genética. Ao longo deste artigo apresentaremos o arcabouço teórico-metodológico utilizado na elaboração da atividade, bem como sua adaptação para o nível do Ensino Médio (EM). A avaliação acerca da adequação da atividade se deu ao longo de todo o processo, de forma quali-quantitativa, através do registro de observações acerca da aprendizagem dos conteúdos, manifestos nas produções dos estudantes e nas discussões por eles levantadas.

A aprendizagem baseada em problemas

O excesso de aulas e conteúdos curriculares a serem alcançados, em detrimento do incentivo ao desenvolvimento de habilidades fundamentais como o pensamento crítico, a resolução de problemas e a comunicação vêm sendo questionados (LUJAN; DICARLO, 2006). Entre as possíveis soluções, têm sido propostas estratégias que, de modo geral, privilegiam a interação entre os estudantes. Dentre elas, destacam-se os jogos educativos, aprendizado com os pares, a elaboração de modelos e utilização de atividades experimentais (LUJAN; DICARLO, 2006).

As Metodologias Ativas surgem como práxis alternativa ao método de ensino tradicional, centralizado na figura do professor detentor e transmissor do conhecimento, inserido em um cenário escolar onde o aluno é o receptor das informações transmitidas. Desse modo, as Metodologias Ativas preconizam uma ruptura com o processo tradicional

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de ensino-aprendizagem. Com elas, busca-se colocar o aluno no cerne desse processo, como sujeito, onde, através de seu protagonismo, passa a ter maior gerenciamento de sua aprendizagem (BERBEL, 2011). O docente, no entanto, ocupa papel vital, passando a ter a responsabilidade de criar meios, instrumentos e oportunidades de aprendizado que contemplem os objetivos educacionais que se deseja alcançar. O professor passa a assumir o papel de mediador, supervisor e facilitador da aprendizagem dos estudantes (LOVATO; MICHELOTTI; LORETO, 2018).

A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) constitui um tipo de abordagem contido no universo das Metodologias Ativas. A ABP teve seu início na Universidade de Harvard, na década de 1930, ainda de modo embrionário através do “método do problema”, baseado em estudos de caso da Escola de Direito. Na década de 1960, estudiosos da Universidade de McMaster (Canadá) reformularam esse método para o ensino da educação médica – surgindo o método Problem-based learning (PBL), cujo desenvolvimento e consolidação se deu na Universidade de Maastricht na Holanda (RIBAS, 2004; SAVERY, 2006).

Entre as diferentes abordagens possíveis, neste trabalho, inspiramo-nos na ABP do tipo Estudo de Caso. Para Barrows (BARROWS, 1986 apud RIBEIRO, 2005), os estudos de caso devem ser formulados de modo a privilegiar conhecimentos prévios dos estudantes e servir de base para a aquisição de novos conhecimentos e habilidades. Nesta modalidade, a aprendizagem se dá por meio do problema apresentado. Assim, é comum que os estudantes recebam um texto que sintetiza e organiza uma determinada situação a ser investigada, embora outros meios possam ser utilizados (BORGES et al., 2014).

Para a elaboração dos casos e seus problemas, buscamos inserir elementos de familiaridade e contextualidade que, segundo Ribas (2004), são fundamentais para despertar a motivação da aprendizagem. Para Ribas (2004, p. 86, tradução nossa) “Isso permite descobrir o que você sabe e o que ainda precisa aprender. Por isso, propõe-se conhecer mais para que, a partir daí, compreenda-se a utilidade da matéria submetida ao seu julgamento”. Por familiaridade, preconiza-se o uso de elementos que aproximem o problema ao cotidiano do aluno e, por contextualidade, espera-se que o problema possa ser de fácil identificação.

Dentro dessa proposta, Grupos Sanguíneos é um tema que permeia o dia-a-dia dos alunos, trazendo a familiaridade pretendida. Os casos foram elaborados de modo que, ao longo do processo, fosse possível identificar contradições que levam à contextualização e percepção do problema, evidenciando as incongruências. Este artifício foi utilizado como uma tentativa de tornar os casos mais palatáveis e possíveis de serem resolvidos por alunos do Ensino Médio.

A escolha do tema Grupos Sanguíneos

O tópico Grupos Sanguíneos reúne uma série de possibilidades pedagógicas para aproximar o estudante de contextos reais, de modo a estimularmos o pensamento crítico e

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a tomada de decisões mediante questões científicas de interesse social, tecnológico e ético. Em concordância, Fonseca e Tatarotti (2017, p. 3) afirmam que

O estudo dos grupos sanguíneos é permeado por processos de construção do conhecimento na forma científica e é também influenciado por conhecimentos do senso comum e como outros tantos temas na biologia é ensinado a partir de processos de transposição bem como enfrenta obstáculos epistemológicos. A genética dos grupos sanguíneos é especialmente influenciada por concepções relacionadas a sociedade tais como, os exames rotineiros de sangue que são presentes em temáticas curriculares nas escolas do ensino básico brasileiras (...).

Como estes autores apontam, há uma evidente relação entre a temática e o cotidiano da sociedade. De fato, Grupos Sanguíneos é um dos temas onde os alunos trazem, naturalmente, uma grande bagagem de conhecimentos prévios potencialmente adquiridos no seu meio social (FONSECA; TARTAROTTI, 2017; PINHEIRO; COSTA; SILVA, 2013) e, por esse motivo, carregam mais sentidos relacionados ao senso comum do que à Ciência. Em concordância, tal percepção é compartilhada pela docente autora deste trabalho, através da experiência agregada em sua práxis, o que justificou a escolha da temática para o desenvolvimento desta proposta didática. Como estratégia, optamos pela inserção de discussões mais amplas acerca do tema, para além de vínculos de paternidade e probabilidades de heranças de tipos sanguíneos, fomentando discussões relativas à ética e ao impacto da Ciência na sociedade. Além disso, procuramos sanar alguns erros conceituais frequentes em livros didáticos, como já apontado por diferentes autores, por exemplo, a possibilidade da ocorrência de reação transfusional entre doador/receptor compatíveis para os sistemas ABO/Rh, reconhecer o Falso O como um fenótipo diferente do grupo sanguíneo O (BATISTETI et al., 2007a, 2007b; PSCHISKY, 2003; VIEIRA, 2013).

Desse modo, o presente trabalho teve como objetivo elaborar, aplicar e avaliar a adequação de uma proposta didática de aprendizagem ativa, do tipo ABP, para o ensino de Grupos Sanguíneos aos alunos do Ensino Médio.

Metodologia

Nesta seção abordaremos o contexto escolar, a sequência didática utilizada para a aplicação da atividade, o percurso metodológico para a coleta de dados e a avaliação da proposta pedagógica. Adicionalmente, explicaremos a estrutura e as finalidades dos “Estudos de Caso sobre Grupos Sanguíneos”. Um exemplo de roteiro dos estudos de caso e o protocolo para a produção do kit de tipagem sanguínea artificial estão disponíveis nos Apêndices A, B e C.

Contexto escolar e didático

A presente atividade foi aplicada para três turmas de 3ª Série – totalizando noventa e três alunos – do Ensino Médio Regular de um Colégio Federal de Ensino Básico, localizado na cidade de Duque de Caxias, Rio de Janeiro.

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A atividade “Estudos de Caso sobre Grupos Sanguíneos” foi apresentada aos alunos no âmbito das aulas de Biologia (conteúdo curricular de Genética), que foram ministradas durante 2 tempos semanais de aula, com duração de 1 hora e 30 minutos. Os estudos de caso foram aplicados na semana subsequente à aula expositiva sobre Grupos Sanguíneos (1ª semana), conforme as etapas da sequência didática resumida na Quadro 1.

Quadro 1: Sequência didática para a aplicação e resolução da atividade “Estudos de Caso sobre Grupos Sanguíneos”

Planejamento semanal Sequência didática

1ª Semana Aula expositiva-dialogada – Sistema ABO e fator Rh

2ª Semana Aplicação dos “Estudos de Caso sobre Grupos Sanguíneos” (Etapas a – c presentes no roteiro)

3ª Semana Pesquisas, tutorias presenciais e à distância via plataforma Moodle (Etapa d)

4ª Semana Apresentação dos casos durante o “Congresso Interno do Hospital Caxias” (Etapa e)

5ª Semana Aula expositiva-dialogada sobre Epistasia com aplicação de um texto sobre “O Falso O”

Fonte: as autoras.

Na 1ª semana, antes da aplicação da atividade, preocupou-nos fornecer subsídios teóricos (Quadro 2) os quais os estudantes pudessem utilizar como ponto de partida para a compreensão inicial de cada caso. Nesse sentido, propomos uma pequena alteração no conteúdo tradicional da aula expositiva, retirando ou incluindo temas estratégicos. Assim, é importante destacar a omissão intencional do tópico “Doença hemolítica do recém-nascido” (DHRN), usualmente abordado durante as aulas sobre Fator Rh. Além disso, consideramos necessária a realização de uma breve abordagem sobre a composição e função do tecido sanguíneo, bem como a relação entre a substância H e os aglutinogênios do sistema ABO.

Quadro 2: Conhecimentos prévios requeridos para a realização dos estudos de caso

Sistema ABO Fator Rh

▪ Polialelia

▪ Apresentação dos fenótipos e genótipos ▪ Tipo de dominância

▪ Aglutinogênios e aglutininas

▪ Tipagem sanguínea do sistema ABO ▪ Doação de sangue

▪ Tecido sanguíneo: composição e função

▪ Monoibridismo

▪ Apresentação dos fenótipos e genótipos

▪ Tipo de dominância ▪ Aglutinogênio e aglutinina ▪ Tipagem sanguínea do fator Rh ▪ Doação de sangue

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dos componentes* ▪ Substância H*

* temas que não são abordados com frequência. Fonte: as autoras.

A aplicação dos “Estudos de Caso sobre Grupos Sanguíneos” ocorreu na 2ª semana e foi iniciada no laboratório de biologia, com uma aula prática que simula a tipagem sanguínea dos sistemas ABO e Rh. As turmas foram divididas em quatro grupos de aproximadamente sete alunos, onde cada grupo recebeu um caso diferente relacionado à tipagem sanguínea simulada. Todo o processo de resolução dos casos foi realizado de modo colaborativo, método onde não há hierarquia imposta ou divisão de tarefas pré-determinadas entre os membros do grupo (TORRES; IRALA, 2014). Os estudantes dispuseram de duas semanas para pesquisar e resolver seus respectivos casos. Na 3ª semana foram disponibilizados dois momentos de orientação1 pela docente e à parte das

aulas regulares; um momento presencial e outro, mais flexível, através de fóruns específicos para cada caso na plataforma Moodle2.

A culminância da atividade ocorreu na 4ª semana, durante o tempo previsto para as aulas regulares, e foi chamada de “Congresso Interno do Hospital Caxias”. Neste momento os grupos fizeram uma apresentação formal, entre 15 – 20 minutos, acerca da resolução do caso, respeitando-se a sequência numérica crescente. Ademais, entregaram um relatório – que sintetizou a resolução dos casos –, o roteiro contendo as respostas da aula prática e os slides das apresentações.

Eixos estruturantes para a elaboração dos estudos de caso

Foram elaborados quatro Estudos de Caso a partir dos temas geradores: 1- Reação Febril Não Hemolítica; 2- Doação de Medula Óssea; 3- Doença Hemolítica do Recém-Nascido e 4- O Falso O. Os nomes dos casos, porém, foram omitidos nos roteiros fornecidos aos alunos. Elegemos a estratégia de elaborar roteiros pois, deste modo, acreditamos permitir maior autonomia na execução dos procedimentos e na auto-gestão no desenvolvimento da atividade. Um exemplo de roteiro dos Estudos de Caso encontra-se no Apêndice A.

Os estudos de caso foram contextualizados com o conteúdo curricular “Polialelia”, onde a temática de Grupos Sanguíneos (sistema ABO) configura-se como o principal exemplo deste tipo de herança genética em seres humanos (PSCHISKY; FERRARI, 2002). Os roteiros de cada caso foram estruturados de modo a apresentar três etapas comuns, sendo elas: a) apresentação do caso, b) tipagem sanguínea e c) contato com a situação-problema. As etapas subsequentes que completam toda a atividade da ABP não são roteirizadas, e podem ser identificadas como, d) investigação e e) Congresso Interno do

1 O método ABP preconiza a realização de tutorias. Aqui, adaptamos com a inclusão da modalidade de ensino

à distância.

2 O Moodle (do inglês Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment) é uma plataforma online, de

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Hospital Caxias, as quais foram desenvolvidas ao longo das 3ª e 4ª semanas, respectivamente. Um resumo da cronologia e dos objetivos de cada etapa é apresentado na Figura 1. Nesta figura, as etapas de ‘a – c’ são partes do roteiro de cada estudo de caso e configuram um momento crucial do brainstorming (chuva de ideias) dos estudantes. Em ‘d’, ocorre o período de pesquisas. A culminância da atividade ocorre na etapa ‘e’. O papel do professor mediador estende-se ao longo de todas as etapas.

Figura 1 – Objetivos de cada etapa da atividade de ABP “Estudos de Caso sobre Grupos Sanguíneos”.

Fonte: as autoras. (As imagens utilizadas concedem licença para uso e foram obtidas no domínio

https://www.publicdomainpictures.net/ , exceto pela imagem usada em ‘a’, obtida em:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Hemifilia.png).

A seguir, apresentaremos a organização e os objetivos pretendidos em cada uma das cinco etapas da atividade.

a) Apresentação do caso: esta é a etapa em que os estudantes entram em contato com o papel que viriam a desempenhar: médicos residentes em um hospital hipotético. Um grupo de residentes recebe do “supervisor” (interlocutor fictício presente no roteiro) um caso ao qual devem se dedicar até a sua resolução final. Todos os casos são relativos a problemas cuja resolução sugere-se depender apenas da identificação do tipo sanguíneo de um indivíduo. Os estudantes analisam o heredograma das famílias e podem fazer deduções dos genótipos a partir dos fenótipos apresentados; estratégia empregada para engajar os educandos e que permitiu: coletar informações iniciais, aplicar e consolidar conhecimentos prévios de Genética (1ª Lei de Mendel e Polialelia). Contudo, algumas

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análises não são concordantes e/ou conclusivas, portanto, será necessário obter mais dados. Os casos apresentam algumas variações de organização, assim, é possível que a percepção do problema seja identificada nesta (a) ou nas etapas subsequentes (b – c).

b) Tipagem sanguínea: nesta etapa, os estudantes realizam a tipagem sanguínea do sistema ABO e do fator Rh para confirmar ou identificar o fenótipo do indivíduo em questão. Para isso, são utilizados kits artificiais de diagnóstico, que simulam os resultados obtidos com o teste real. De posse do tipo sanguíneo, os estudantes analisam e interpretam os resultados obtidos e tentam conciliá-los com a etapa anterior (análise do heredograma). O protocolo de produção dos kits está detalhado nos Apêndices B e C.

c) A situação-problema: com todos os dados analisados até aqui, é nesta fase que o problema se delineia nitidamente. Os estudantes são convidados a confrontar o problema com os dados das etapas anteriores, de maneira a perceber que sua correta compreensão exige a busca por novos conhecimentos. É importante salientar que as pistas cruciais são fornecidas pelo médico supervisor da equipe de residentes (uma personagem presente no roteiro). Estas pistas são estratégias para promover e orientar a conexão entre os saberes aprendidos e aqueles necessários para a conclusão do caso. Deste modo, espera-se que o cenário colocado frente aos estudantes os motivem a seguir um percurso investigativo, centrado na aprendizagem acerca do problema.

d) Investigação: é o período que os grupos utilizam para buscar informações necessárias ao esclarecimento do caso, produzir um relatório e elaborar a apresentação com a resolução do caso para a etapa seguinte (e). Como preconizado pela metodologia de ABP (BORGES et al., 2014), disponibilizamos momentos de orientação (ou tutorias), um deles presencial e o outro à distância, adaptado para a nossa realidade, utilizando fóruns de discussão na plataforma Moodle.

e) O Congresso Interno do Hospital Caxias: foi a etapa de culminância da atividade. Os estudantes apresentaram à turma os seus respectivos casos clínicos, as evidências coletadas, e o caminho percorrido para a resolução dos problemas. Eles também produziram um relatório onde sistematizaram a elucidação do caso.

Coleta e análise dos dados

Este estudo consistiu em uma pesquisa de campo por meio da observação participante onde a avaliação da adequação da proposta didática foi realizada de forma quali-quantitativa (GIL, 2008). Realizamos apontamentos, por escrito, em um caderno de registros durante todo o tempo dispendido para a aplicação dos Estudos de Caso (2ª – 4ª semana). Também realizamos análise documental a partir das respostas contidas nos roteiros da aula prática e as informações presentes nos slides das apresentações elaboradas pelos grupos. Além disso, registramos o grau de motivação dos estudantes por meio de suas atitudes e engajamento durante as aulas.

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Durante a aplicação da aula prática (2ª semana) procuramos responder: os conhecimentos prévios fornecidos foram suficientes para a interpretação dos heredogramas? Os conhecimentos prévios fornecidos foram suficientes para a interpretação da tipagem sanguínea? O roteiro elaborado permitiu a autonomia dos estudantes na execução da tipagem sanguínea? Na 3ª semana registramos a procura dos estudantes pelos momentos de tutoria e o tipo de interação realizada. Durante a apresentação dos alunos (4ª semana) avaliamos: Os alunos alcançaram o conteúdo conceitual mínimo para a correta resolução dos casos? Quais objetivos propostos na atividade não foram contemplados? Que outros aspectos relacionados aos casos foram trazidos pelos alunos de forma espontânea (isto é, conteúdos e discussões que não foram exigidos/previstos pela atividade)?

Com essas perguntas, buscamos identificar o atingimento de (1) conteúdos conceituais mínimos (CCM), que são aqueles necessários para a elucidação/conclusão dos caso, (2) conteúdos conceituais adicionais (CCA), ou seja, que não são necessários à conclusão dos casos mas que refletem o aprofundamento no tema proposto pela atividade e (3) conteúdos atitudinais (CA), a atividade não exigia CA em sua elaboração. Dessa forma, os CA analisados correspondem às discussões espontaneamente trazidas pelos alunos durante suas apresentações.

Resultados e discussões a partir de considerações caso a caso

Inicialmente é importante ressaltar que a repercussão desta atividade foi, claramente, bastante positiva. Durante a atividade prática, foi perceptível o alto nível de motivação e engajamento dos alunos ao entrarem em contato com os casos e travarem discussões com seus colegas de grupo. Destaca-se a fala do aluno 1: “essa é uma das atividades mais legais que eu fiz na escola. Por que não fazemos isso mais vezes?”. Outras falas indicaram a alegria de poder simular situações reais, usando termos que poderiam ser entendidos como “médico de faz-de-conta”. Observamos a busca de autonomia por parte dos estudantes. Durante a aula prática, por exemplo, os mesmos começaram a realizar pesquisas em seus celulares, procurando pistas para o caso estudado. Ao passo que é correto afirmar que a etapa de investigação (d) e tutoria, para alguns grupos, foi antecipada e aconteceu eventualmente no laboratório, no curso da atividade experimental. Nesse caso, as interações durante a aula prática foram especificamente relacionadas aos CCM. Além disso, todos os grupos conseguiram interpretar os heredogramas, identificando os genótipos e a transmissão de genes, bem como identificar o resultado da tipagem sanguínea artificial.

Foi curioso notar que os estudantes não aproveitaram o tempo reservado para a tutoria presencial, contrariando a expectativa docente. Foi realizada apenas uma interação pontual via plataforma Moodle:

Aluno 2 – “Professora, eu entendi que Epistasia é quando um gene inibe a manifestação de outro gene, porém não compreendi como a epistasia está relacionada com o Falso O... é meio que o Falso O não produz antígenos (A, B nem H ) pois um outro gene impediu a atuação do gente "responsável"

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pelo sistema ABO, impossibilitando a produção dos antígenos A, B e H? Se sim, que gene é esse que impediu?

Nota-se que o aluno 2 já havia reunido informações importantes para a resolução do caso 4. O aluno foi orientado a revisar, nos slides da aula teórica (1ª semana), a relação existente entre a substância H e os antígenos A e B. Isso indicou que incluir o ensino da substância H como conhecimento prévio foi uma escolha acertada. A respeito da baixa procura pelos momentos de tutoria, destacamos que a mesma não era obrigatória, visto que seria realizada em um horário à parte das aulas regulares. Acreditamos que a não adesão à tutoria, conforme planejado, pode ser uma possível explicação para o fato de que alguns CCA não tenham sido satisfatoriamente atingidos pelos grupos, sugerindo que são conceitos que precisam de maior mediação. Assim, para futura reprodução dessa metodologia, seria interessante incluir a etapa da tutoria no tempo previsto para as aulas regulares. Não obstante, todos os grupos atingiram satisfatoriamente os CCM requeridos para a resolução dos casos, o que será discutido mais adiante em conjunto com os CCA alcançados ou não.

Para Barrows e Tamblyn (1980, p. 1, grifo nosso) a ABP é “a aprendizagem que emerge do processo de trabalhar para a compreensão ou a resolução de um problema. (...)”. Sob esta perspectiva, escolhemos avaliar a adequação da atividade proposta, de forma quali-quantitativa, através da análise da aprendizagem que emergiu deste processo. Para isso, foram feitos apontamentos durante as apresentações acerca da elucidação dos casos, destacando as discussões mais relevantes suscitadas. A análise indicou os resultados de aprendizagem – conteúdos conceituais e atitudinais – obtidos pelos estudantes e proporcionados pela atividade. De modo geral, todos os grupos alcançaram os conhecimentos mínimos requeridos para a conclusão satisfatória dos problemas. A seguir, teceremos comentários e análises pontuais, ressaltando o atingimento dos objetivos (conteúdo conceitual mínimo (CCM) e conteúdo conceitual “adicional” (CCA)) e das discussões espontâneas trazidas pelos alunos que refletem os conteúdos adicionais (CA). Também discutiremos as limitações observadas em cada caso.

Caso 1 – Reação febril não-hemolítica. O objetivo educacional deste caso foi permitir a quebra de paradigmas no conceito de compatibilidade sanguínea e transfusão entre indivíduos compatíveis para os sistemas ABO e Rh. Esse CCM foi alcançado por todos os grupos. Tal reflexão propiciou maior aproximação com a realidade dos procedimentos, precauções e riscos advindos de qualquer transfusão entre indivíduos compatíveis para esses sistemas. É comum encontrarmos, na maioria dos livros didáticos, a ideia de que a transfusão entre indivíduos compatíveis (sistemas ABO e fator Rh) é isenta de problemas (PSCHISKY, 2003). Contudo, essa é uma visão limitada da realidade. Por exemplo, os tipos sanguíneos O e AB são, respectivamente, considerados doadores e receptores universais na transfusão de sangue total, ignorando as implicações decorrentes das aglutininas (BATISTETI et al., 2007a, 2007b). Assim, por meio deste caso, tivemos a oportunidade de discutir esta questão (CCA) durante a apresentação. No entanto, apenas 1 grupo conseguiu, satisfatoriamente, alcançar esse CCA.

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Com esse caso, os estudantes refletiram sobre a influência dos demais componentes sanguíneos nas transfusões, perceberam que antígenos dos leucócitos e das plaquetas, bem como proteínas (citocinas) produzidas por leucócitos não são inertes, mas podem ser relevantes no que tange às reações transfusionais (CCM). Nesse sentido, consideramos que ensinar sobre Tecido Sanguíneo previamente foi um fator facilitador. Além disso, notamos que o caso 1 foi atravessado por questionamentos e comentários, durante a apresentação dos alunos, que versavam sobre ética na doação de sangue (CA); riscos de contaminação por doenças infecciosas; o pensamento de alguns grupos religiosos sobre a doação de sangue (CA); e até mesmo a restrição temporária de doação por parte de homens homossexuais (CA) (BRASIL, 2016). Destaco, contudo, a ausência de discussões efetivas sobre doação de hemoderivados (CCA).

Caso 2 – Doação de Medula Óssea. Este caso inseriu o conhecimento sobre a possibilidade de alteração do tipo sanguíneo mediante transfusão de medula óssea (MO), onde o receptor tem sua MO colonizada pelas células transplantadas do doador, CCM alcançado por todos os grupos. Incialmente, eles se depararam com uma incompatibilidade sanguínea entre os pais e seu filho, paciente que necessitava de transfusão de sangue. Durante a aula prática, registramos que as hipóteses predominantes entre os grupos foram: a criança seria fruto de um outro relacionamento, adotada, ou teria acontecido uma falha no teste laboratorial. Uma vez discutidas e descartadas, tais hipóteses deram lugar a outras mais fundamentadas, auxiliados pela informação (pista) de que o paciente havia sofrido de leucemia e obtido a cura após transplante heterólogo de MO.

Foi um caso extremamente rico e promissor para aquisição de novos conhecimentos contextualizados com tal realidade simulada. Na apresentação do caso, os estudantes abordaram a gênese do tecido sanguíneo (CCM), a leucemia – definição (CCM) e sintomas (CCA) –, doações de MO – em que situações ela é necessária e os procedimentos empregados (CCA), a colonização da MO por novas células e a possibilidade de mudança do tipo sanguíneo como uma possível consequência dessa colonização3 (CCM).

Além disso, as discussões levantadas pelos estudantes permitiram compreender a dificuldade de compatibilidade entre doadores de MO e a importância de manutenção de um banco de doadores de MO. As discussões foram permeadas por aspectos éticos, sociais e tecnológicos. Nesse sentido, observou-se a apropriação de CA.

Caso 3 – Doença Hemolítica do Recém-Nascido (DHRN). Este caso é sobre o nascimento de irmãs gêmeas, onde apenas uma delas apresenta sintomas clássicos da DHRN. A compreensão sobre a DHRN, portanto, foi o principal objetivo educacional deste caso (CCM). A partir do diagnóstico, os estudantes buscaram entender as causas do quadro clínico e o porquê apenas uma das gêmeas manifestou-o. As perguntas norteadoras

3 Curiosamente, no momento de redação desse artigo, noticiou-se o segundo caso de cura de pessoas

soropositivas após transfusão de MO em decorrência de uma leucemia (“Paciente fica ‘livre’ de HIV após transplante de células-tronco”, 2019). Acredito que o caso 2, de algum modo, tenha aberto a possibilidade de compreensão do ocorrido por parte dos estudantes que participaram dessa atividade. Esse é um exemplo prático de como casos simulados podem favorecer o entendimento de aplicações biotecnológicas com impacto na saúde e na sociedade.

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do roteiro os levaram a responder em que situações a DHRN acontece e as formas de prevenção (CCM). Os estudantes também discutiram os testes clínicos adicionais para o fechamento do diagnóstico (CCA). A realização do acompanhamento pré-natal foi levantada por todos os grupos, o que proporcionou a conscientização sobre a importância do pré-natal para a saúde da gestante e do nascituro (CA).

No entanto, foi observado que os grupos não conseguiram, satisfatoriamente, correlacionar a possibilidade de um dos bebês4 sofrer DHRN em virtude dos anticorpos

maternos anti-A (CCA). Isto sugere uma limitação dos dados fornecidos pelo estudo de caso ou, ainda, os conhecimentos prévios da aula teórica não foram suficientes para viabilizar o aprendizado. O foco da pergunta está no reconhecimento de que as aglutininas anti-A poderiam, por analogia à aglutinina anti-D, atacar as hemácias fetais. De fato, é mais raro encontramos a abordagem sobre a DHRN relativa ao sistema ABO em livros didáticos (PSCHISKY, 2003), sendo esta uma discussão não trivial. Esperava-se, ainda, discutir a ocorrência de anticorpos ditos “naturais” (anti-A e anti-B) em contraposição aos anticorpos produzidos mediante exposição prévia (anti-D) (CCA). Este objetivo educacional, porém, não foi alcançado.

Caso 4 – O Falso O. Este caso demandou a inserção de um novo tipo de herança genética, a Epistasia. Neste estudo de caso, os estudantes depararam-se, inicialmente, com as limitações atreladas a simples análise de heredogramas, mas também do teste laboratorial. Foi possível perceber e discutir que há maior complexidade fenotípica sobre o sistema ABO do que é habitualmente ensinado (CCM).

Um ponto facilitador foi incluir o ensino da substância H como conteúdo prévio, como explicitado anteriormente. A premissa está em informar sobre a existência de um carboidrato que, posteriormente, será fundamental para a compreensão desta Epistasia e de incompatibilidades transfusionais (CCA) entre os fenótipos O e falso O. Um dos resultados que merece destaque foi o fato de que dois dos três grupos apresentaram a notícia de uma recente doação de sangue falso O, que envolveu um brasileiro (doador), e um bebê colombiano (receptor)5. Adiante, discutiremos como esse caso facilitou a aula

seguinte sobre Epistasia.

Analisando coletivamente os ganhos educacionais relatados, destacamos que, além da introdução a novos conhecimentos e quebras de paradigmas conceituais, essa abordagem pedagógica teve suas dimensões ampliadas pela óptica dos educandos, de tal modo que cada grupo trouxe suas colaborações, curiosidades e contextos proporcionais ao envolvimento individual e interesses que emergiram das interações colaborativas. Em outras palavras, enquanto um grupo se deteve em aspectos mais conceituais sobre o caso 1, o grupo de outra turma deu mais ênfase aos aspectos éticos com relação aos critérios

4 No caso, propõem-se que uma das gêmeas nasceu saudável (sem DHRN) e tem tipo sanguíneo A.

5 A notícia veiculada conta sobre o primeiro caso de doação de sangue internacional de um brasileiro,

residente no Ceará, com o fenótipo falso O. A receptora foi uma bebê colombiana. A reportagem diz, ainda, que há apenas 11 famílias brasileiras com tal fenótipo registradas (“Sangue raro presente em apenas 11 famílias brasileiras salva bebê na Colômbia”, 2017).

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de doação de sangue, por exemplo. Dinâmica observada para a maioria dos casos.

Acreditamos que a ênfase dada pelos diferentes grupos a respeito de discussões sobre um mesmo caso é explicada, justamente, pelo caráter ativo da metodologia. Enquanto sujeitos, os educandos partiram do tema gerador, cumpriram um “currículo mínimo” para a resolução do caso e se aprofundaram na temática de acordo com suas possibilidades de aprendizado e interesses. Fato que reafirma que Grupos Sanguíneos é um tema multidimensional e cheio de possibilidades. A Tabela 1 resume a análise quantitativa dos conhecimentos alcançados pelos estudantes em cada caso e especifica a etapa.

Tabela 1: resumo dos conteúdos conceituais e atitudinais obtidos em cada caso.

Os Estudos e Caso estão numerados de I – IV Fonte: dados da pesquisa.

A Figura 2 ilustra a produção dos educandos por meio de slides representativos de suas apresentações.

Figura 2 – Exemplos da produção dos educandos.

Categorias Etapas

envolvidas Casos/ Avaliação Conteúdos

Conceituais Mínimos

(CCM)

Conteúdos necessários para a elucidação e/ou conclusão do

caso. a, b, c e I, II, III, IV Todos os grupos atingiram (100%). Conteúdos Conceituais Adicionais (CCA)

Conteúdos não necessários à conclusão dos casos, mas que

refletem o aprofundamento no tema proposto pela atividade.

d e

I, II, III – apenas um grupo atingiu (33,3%); IV – dois grupos atingiram (66,7%). Conteúdos Atitudinais (CA)

Conteúdos contextualizados que contribuem na formação de valores e atitudes, avaliados a

partir de discussões espontaneamente trazidas pelos

alunos. e I – todos os grupos apresentaram, pelo menos, um tipo de CA (100%); II – dois grupos atingiram (66,7%); III – todos os grupos

atingiram (100%); IV – nenhum grupo

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A) caso 1, reconhecimento da possibilidade de ocorrência de complicação transfusional entre indivíduos compatíveis para os sistemas ABO e Rh (CCM). B) caso 2, discussão sobre doação de

medula óssea (CCA); C) caso 3, elucidação do caso com montagem final do heredograma da família estudada (CCM) e D) caso 4, demonstração da organização de informações e levantamento de hipóteses importantes para a resolução do caso (CCM). Fonte: dados da

pesquisa.

Expansão da proposta – Introdução à Epistasia. Sua ocorrência nos livros didáticos geralmente versa sobre cor da pelagem de roedores e/ou penas de aves. Poucos livros abordam a temática do Falso O (PSCHISKY, 2003). Ao longo da prática pedagógica da autora e docente, foi percebido que Epistasia costuma ser um tema desinteressante e de difícil compreensão. Quando a docente passou a utilizar o exemplo do Falso O ou efeito de Bombaim por meio de estudos dirigidos, o aumento da curiosidade e interesse dos alunos foi perceptível. No entanto, o tema ainda era percebido com dificuldades. Assim, nossa estratégia foi dar sequência ao conteúdo curricular de Epistasia na semana seguinte (5ª semana) à finalização dos estudos de caso, partindo de um momento motivacional favorável, fomentado pelas discussões levantadas durante a apresentação da resolução do caso 4. Nesse relato de experiência, observamos que os alunos se mostraram bastante receptivos e curiosos com relação à matéria. Nossa metodologia consistiu na leitura de um texto sobre o Falso O e, em seguida, na realização de exercícios sobre Falso O e grupos sanguíneos. Também resgatamos as discussões e exemplos trazidos pelos estudantes durante a apresentação de seus trabalhos. Para complementar, após a correção das atividades propostas, seguiu-se uma aula expositiva-dialogada sobre outros exemplos de Epistasia, retomando e reforçando conceitos discutidos no caso 4 e apontando as diferenças entre Epistasia recessiva e dominante. Assim, a partir de nossas experiências, concordamos que “Os questionamentos surgidos no trabalho com o Caso podem facilitar,

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em uma etapa subsequente, o estudo de novos conteúdos relacionados aos assuntos que despertaram o interesse dos alunos” (MONTANHER, 2015). Os estudantes interagiram com a docente ao longo da aula demonstrando domínio e interesse pela matéria.

A ABP tem sido aplicada como método de ensino e aprendizagem em diferentes áreas. Estudos utilizando ABP para o ensino de Ciências (MORGADO et al., 2016), Geografia (DE FARIAS, 2017), Química (LOPES et al., 2011) e Estatística (FREI, 2020), desde o âmbito do Ensino Fundamental ao Ensino Superior também registraram experiência exitosa envolvendo um aumento do desempenho cognitivo, autonomia, promoção da interdisciplinaridade e aquisição de habilidades.

Encontram-se na literatura diferentes propostas metodológicas que visam ensinar Grupos Sanguíneos, tais trabalhos reúnem métodos lúdicos (DE CAMPOS JÚNIOR et al., 2009), aulas práticas simuladas e inclusivas para alunos cegos (ARNOLD et al., 2012), determinação do fator Rh (ESQUISSATO; ARRUDA; SOARES, 2007), sequências didáticas que aliam aulas práticas reais de tipagem sanguínea a jogos (PINHEIRO; COSTA; SILVA, 2013) e práticas simuladas de cunho investigativo (MIRANDA; TORRES, 2018). Em relação às duas últimas propostas citadas, observou-se o intento de identificar possíveis doadores de sangue, discutindo-se a compatibilidade transfusional. Além disso, Miranda e Torres (2018) propuseram a identificação de vínculos de filiação por meio de um caso hipotético de troca de bebês na maternidade.

No que tange à contextualização de Grupos Sanguíneos com situações-problemas, é interessante notar uma convergência de ideias entre esses autores e nossa atividade. A proposta que ora apresentamos, entretanto, é orientada, especificamente, pelo percurso proporcionado pela Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) e objetivou a aquisição de conteúdos conceituais e atitudinais acerca dos grupos sanguíneos.

Considerações finais

Neste trabalho apresentamos a proposta de associar o modelo de aula prática de tipagem sanguínea com a metodologia de ABP do tipo estudo de caso. Neste modelo, os alunos receberam um caso completo, organizado pela docente, e que contemplou os conhecimentos prévios dos alunos. Historicamente, a ABP foi desenvolvida em íntima relação com o ensino em áreas da saúde, tais como medicina e enfermagem, com a finalidade de oferecer uma formação técnico-científica em prol da formação profissional (BERBEL, 2011). Todavia, como mostrado neste trabalho, é possível ampliar as possibilidades de aprendizado por meio da contextualização com temas que envolvem ética, tecnologias e seus impactos sociais, com vistas a propiciar a formação dos estudantes enquanto cidadãos. Nesse sentido, destacamos os CA espontaneamente trazidos pelos alunos. Adicionalmente, foi possível discutir alguns erros conceituais recorrentes em livros didáticos e aprofundar conteúdos por meio de alguns CCA. Isto evidencia que a elaboração e a condução dos casos devem ser cuidadosamente planejadas, com o intuito de permitir estas discussões, o que salienta o papel fundamental do professor no universo das Metodologias Ativas. A não adesão à tutoria presencial

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representou, possivelmente, uma limitação para o aprendizado de alguns CCA.

Como revisto por Souza e Dourado (2015), a inserção da ABP no cotidiano de ensino pode provocar percepções negativas por parte dos docentes, gerando inseguranças quanto à sua implementação. Os autores destacam algumas inquietações tais como, inadequação curricular e preocupação com o tempo. Em consonância com estes resultados, Santana e Franzolin (2018) acrescentam o desafio no planejamento, a escassez de ideias e a falta de espaço apropriado. Nesta experiência pedagógica, as três turmas participantes não sofreram nenhum tipo de prejuízo quanto ao conteúdo curricular a ser coberto, bem como quanto ao tempo dispendido para a conclusão da atividade. Nesta perspectiva, ressaltamos a importância do planejamento cuidadoso da SD, que viabilizou a organização do tempo disponível em função do ensino-aprendizagem do conteúdo curricular.

Consideramos que a experiência aqui relatada foi extremamente exitosa, a começar pela grande motivação dos estudantes durante a aula prática, o que se refletiu no engajamento e na qualidade de sistematização dos saberes apresentados no trabalho final. A formalização do conhecimento construído indicou que os instrumentos de aprendizagem oferecidos foram adequados para a aquisição dos CCM almejados. Tais ferramentas permitiram, a partir da realidade simulada, a aplicação dos conhecimentos prévios dos alunos e o desenvolvimento de novas competências, saberes e valores, entrando em contato com o fazer científico ao explorarem hipóteses, evidências e proporem soluções. Por fim, esperamos ter contribuído para que mais docentes possam lançar-se no desafio de implementar métodos de ensino-aprendizagem ativos mais criativos e dinâmicos. Agradecimentos

Agradecemos à Christiane Coelho Santos pelas produtivas discussões e críticas nas fases iniciais de elaboração desse manuscrito.

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Figura 1 – Objetivos de cada etapa da atividade de ABP “Estudos de Caso sobre Grupos  Sanguíneos”
Tabela 1: resumo dos conteúdos conceituais e atitudinais obtidos em cada caso.

Referências

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