• Nenhum resultado encontrado

O modelo do cérebro triúnico em interface com a psicanálise e outras teorias tripartites da mente

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O modelo do cérebro triúnico em interface com a psicanálise e outras teorias tripartites da mente"

Copied!
245
0
0

Texto

(1)

RIO GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA

O MODELO DO CÉREBRO TRIÚNICO EM INTERFACE COM A PSICANÁLISE E OUTRAS TEORIAS TRIPARTITES DA MENTE

DORIVAL GARBINATO JUNIOR

Ijuí – RS 2018

(2)

DORIVAL GARBINATO JUNIOR

O MODELO DO CÉREBRO TRIÚNICO EM INTERFACE COM A PSICANÁLISE E OUTRAS TEORIAS TRIPARTITES DA MENTE

Trabalho de Conclusão do Curso de

Psicologia – Departamento de

Humanidades e Educação – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Psicólogo.

Orientadora: Professora Mestre Ana Maria de Souza Dias

Ijuí – RS 2018

(3)

AGRADECIMENTO E DEDICATÓRIA

Agradeço o apoio e a atitude de meus pais Dorival Garbinato e Vera (Friedrich) Garbinato, sempre presentes ao longo de minha vida, competentes e hábeis em equilibrar seus sistemas instintivo, emocional e lógico-racional (e espiritual) em seu casamento de 52 anos, nas relações profissionais e sociais e na família. A eles dedico este trabalho.

(4)

At any time in the past people have had views of how the universe works which was for them definitive, whether it was based on myths or research, and at any time those views they held were altered by changes in the body of knowledge. (In: “The Day the Universe Changed”, documentary by James Burke, 1985).

(...) dentre as referências mais recorrentes a Freud, estão a Bíblia, Goethe e Shakespeare. (In: “Psicanálise e literatura: fundação e função, Eduardo Melo França, 2014, p. 266).

O ser humano é muito complexo para que uma única teoria possa explicá-lo por inteiro. (In: “Psicopatologia do comportamento organizacional: organizações desorganizadas, mas produtivas”, de Cecília Whitaker Bergamini e Rafael Tassinari, 2008, p. 39).

(...) a mente não é uma coisa simples; ao contrário, é uma hierarquia de instâncias superiores e subordinadas, um labirinto de impulsos que se esforçam, independentemente um do outro, no sentido da ação, correspondentes à multiplicidade de instintos e de relações com o mundo externo, muitos dos quais antagônicos e incompatíveis (...) para ter um funcionamento adequado é necessário que a mais elevada dessas instâncias tenha conhecimento de tudo o que está acontecendo e que sua vontade penetre em tudo, de modo que possa exercer sua influência. (In: “Uma dificuldade no caminho da psicanálise”, Sigmund Freud, 1996 [1917], p. 151).

(5)

RESUMO

A temática deste trabalho focaliza “O modelo do cérebro triúnico em interface com a psicanálise e outras teorias tripartites da mente”. A questão fundamental que orienta a investigação é: “Afinal, o que querem os humanos?” Trata-se de uma pesquisa bibliográfica sobre a etiologia dos conflitos internos que acometem os humanos e que nos levam a tomarmos decisões irracionais sem sabermos o motivo. Descrevemos conceitos da Teoria do Cérebro Triúnico (1990 [1970]), de Paul D. MacLean, e da teoria psicanalítica (mais especificamente freudiana e lacaniana), com ênfase no estudo de artigos sobre a aplicação do modelo macleaniano à psicologia infantil, sobre as hierarquias neurais e mentais e sobre uma outra proposta de integração entre a psicanálise e a neurologia. Investigamos a possibilidade da integração da Triune Brain Theory (1990 [1970]) com a psicanálise e com outras teorias triárquicas da mente localizadas nas psicologias, nas literaturas, nas mitologias, nas filosofias e nas religiões. Com o auxílio da ferramenta hermenêutica, abordamos mais detidamente o novo rumo integrativo que vislumbramos no horizonte das diferentes teorias, que pode ajudar homens e mulheres (e até crianças) a lidar melhor com seus conflitos intrapsíquicos inerentes a todos nós, humanos. A título de exemplo dessa visão conciliadora, apresentamos a perspectiva de um psicoterapeuta brasileiro sobre o tratamento das fobias e dos medos. A resposta parece estar na própria pergunta – como sempre – porque sabemos que não sabemos bem ao certo o que queremos. Agora (após Freud e MacLean) sabemos ao menos que há razões bem reais para essas flagrantes contradições, incoerências e incongruências internas que carregamos conosco na condição de seres mortais (onto e filogeneticamente). De posse dessas informações privilegiadas, cabe a nós valorizarmos muito mais em nossas decisões essa instância racional de que somos dotados e que ainda é muito influenciável por drives de nossos centros cerebrais mais antigos e voltados aos instintos básicos e às emoções mamíferas.

Palavras-chave: Cérebro Humano. Evolução. Mitologia. Literatura. Religião.

Filosofia. Neurologia. Psicologia. Psicanálise. Cérebro triúnico. Teorias tripartites da mente.

RESUMEN

La temática de este trabajo enfoca "El modelo del cerebro triuno en interfaz con el psicoanálisis y otras teorías triárquicas de la mente". La cuestión fundamental que orienta la investigación es: "Después de todo, ¿qué quieren los humanos?" Se trata de una investigación bibliográfica sobre la etiología de los conflictos internos que acometem los humanos y que nos llevan a tomar decisiones irracionales sin saber el motivo. Describimos conceptos de la Teoría del Cerebro Triuno (1990 [1970]), de Paul D. MacLean, y de la teoría psicoanalítica (más específicamente freudiana y lacaniana), con énfasis en el estudio de los artículos sobre la aplicación del modelo macleaniano a la psicología infantil, sobre las jerarquías neurales y mentales y sobre otra propuesta de integración entre la psicoanálisis y la neurología. Investigamos la posibilidad de la integración de la Triune Brain Theory (1990 [1970]) con el psicoanálisis y con otras teorías triárquicas de la mente localizadas en las psicologías, las literaturas, las mitologías, las filosofías y las religiones. Con el auxilio

(6)

de la herramienta hermenéutica, abordamos más detenidamente el nuevo rumbo integrativo que vislumbramos en el horizonte de las diferentes teorías, que puede ayudar a hombres y mujeres (y hasta niños) a lidiar mejor con sus conflictos intrapsíquicos inherentes a todos nosotros, humanos. A modo de ejemplo de esta visión conciliadora, presentamos la perspectiva de un psicoterapeuta brasileño sobre el tratamiento de las fobias y los miedos. La respuesta parece estar en la propia pregunta - como siempre - porque sabemos que no sabemos bien lo que queremos. Ahora (después de Freud y MacLean) sabemos al menos que hay razones bien reales para esas flagrantes contradicciones, incoherencias e incongruencias internas que cargamos con nosotros en la condición de seres mortales (onto y filogeneticamente). Ante esas informaciones privilegiadas, nos corresponde a nosotros valorar mucho más em nuestras decisiones esa instancia racional de que somos dotados y que aún es muy influenciable por “drives” de nuestros centros cerebrales más antiguos y orientados a los instintos básicos y las emociones mamíferas.

Palabras clave: Cerebro Humano. Evolución. Mitología. Literatura. Religión.

Filosofía. Neurología. Psicología. Psicoanálisis. Cerebro triuno. Teorías tripartitas de la mente.

ABSTRACT

The theme of this work focuses on "The triune brain model in interface with psychoanalysis and other triarchic theories of the mind". The key question guiding research is: "What do humans want after all?" It is a bibliographic research about the etiology of the internal conflicts that affect humans and that lead us to make irrational decisions without knowing the reason. We describe concepts of Paul MacLean’s Triune Brain Theory and psychoanalytic theory (more specifically Freudian and Lacanian), with emphasis on the study of articles on the application of the MacLean model to child psychology, on neural and mental hierarchies, and on another proposal of integration between psychoanalysis and neurology. We investigated the possibility of integrating the Triune Brain Theory (1990 [1970]) with psychoanalysis and other triarchic theories found in psychologies, literatures, mythologies, philosophies, and religions. With the help of the hermeneutic tool, we are taking a closer look at the new integrative path that we glimpse at the horizon of different theories, which can help men and women (and even children) better cope with their intrapsychic conflicts inherent in all of us humans. As an example of this conciliatory view, we present the perspective of a brazilian psychotherapist on the treatment of phobias and fears. The answer seems to be in the question itself – as always – because we know that we do not know for sure what we want. Now (after Freud and MacLean) we know at least that there are very real reasons for these blatant contradictions, inconsistencies and internal incongruities that we carry with us as mortal beings (onto and phylogenetically). In the face of this privileged information, it is up to us to value much more in our decisions that rational instance of which we are endowed and that is still very much influenced by drives of our older brain centers and directed to the basic instincts and the mammalian emotions.

Keywords: Human Brain. Evolution. Mythology. Literature. Religion. Philosophy.

(7)

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – O modelo do cérebro triúnico de Paul MacLean (1990 [1970]) ... 13

Figura 2 – Paul MacLean e o seu modelo do cérebro triúnico (1990 [1970]) ... 23

Figura 3 – Primeiro quadro esquemático do aparelho psíquico freudiano e seus sistemas- ... 40

Figura 4 – Quadro esquemático do aparelho psíquico freudiano – A segunda tópica: Id, Ego, Superego ... 41

Figura 5 – Os três registros da teoria de Lacan: Real, Imaginário e Simbólico. A cadeia borromeana ou o nó borromeano ... 48

Figura 6 – O Dr. Paul D. MacLean em idade avançada ... 66

Figura 7 – “A mente é como um iceberg que flutua com um sétimo de seu volu- me acima da superfície” ... 87

Figura 8 – Desenho do Modelo do Cérebro Triúnico (1990 [1970]) ... 92

Figura 9 – “Animais míticos. CENTAURO. Intelecto versus instinto” ... 115

Figura 10 – The Triune Brain Model by Paul MacLean (1990 [1970]) ... 125

Figura 11 – Sereia de gravura francesa (1573) ... 145

Figura 12 – O poço dos desejos ... 148

Figura 13 – Símbolo de três pernas da Sicília e da Ilha de Man ... 154

Figura 14 – Estátua e Balança da Justiça ... 159

Figura 15 – Símbolos alquímicos do fogo e da água, a Estrela de Davi e o Selo de Salomão ... 163

Figura 16 – Interação entre os domínios de aprendizagem ... 179

Figura 17 – Gráfico freudiano sobre a formação dos sintomas ... 182

Figura 18 – Escudo da Trindade ou diagrama tradicional Scutum Fidei do simbolismo medieval cristão ocidental, desde o século XII ... 195

Figura 19 – O tridente dos deuses Netuno (romano), Posêidon (grego) e Shiva (hindu) ... 200

Figura 20 – O caduceu e o esculápio ... 202

Figura 21 – Símbolo Yin e Yang – Chinês ... 204

Figura 22 – “Esquema de um átomo. A liberação de sua energia revolucionou a história humana” ... 224

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 O MODELO DO CÉREBRO TRIÚNICO, A PSICANÁLISE E OS CONFLITOS INTERNOS DO SER HUMANO ... 10

1.1 As bases neurobiológicas da conduta humana, o jogo entre o cérebro instin- tivo – emocional e o cérebro racional ... 11

1.2 O estudo sobre as hierarquias neurais e mentais ... 21

1.3 Uma proposta integrativa para a psicanálise e a neurofisiologia ... 23

1.4 A psicanálise segundo Freud e Lacan: três instâncias e três registros ... 37

1.5 O projeto de Freud para uma Psicologia Científica ... 59

1.6 Outros artigos localizados nas bases da dados PubMed, BVS e Scielo ... 66

2 O MODELO DO CÉREBRO TRIÚNICO EM INTERFACE COM A PSICANÁ- LISE E OUTRAS TEORIAS TRIPARTITES DA MENTE ... 83

2.1 Princípios norteadores de Freud e do evento “Nós Outros Gaúchos” ... 83

2.2 Breve articulação entre as teorias de MacLean e de Freud (psicanálise) .... 85

2.3 Os efeitos dessa integração nos adultos ... 116

2.4 O exemplo do tratamento das fobias e dos medos ... 121

2.5 Outras conexões teóricas possíveis ... 132

2.6 A visão judaico-cristã da saúde mental e dos conflitos humanos ... 180

3 CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS ... 197

CONCLUSÃO ... 222

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 228

APÊNDICE A – VESTÍGIOS DO TRIUNE BRAIN EM “HOMEM DOS RATOS”.. 241

(9)

INTRODUÇÃO

A temática deste trabalho focaliza “O modelo do cérebro triúnico em interface com a psicanálise e outras teorias tripartites (triárquicas) da mente”. A questão fundamental que orienta a investigação é: “Afinal, o que querem os humanos?” Trata-se de uma pesquisa sobre a etiologia dos conflitos internos que nos acometem e que nos levam a tomarmos decisões irracionais sem sabermos o motivo (inconsciente)1.

No primeiro capítulo, descrevemos conceitos da Teoria do Cérebro Triúnico (1990 [1970]), de Paul D. MacLean, e da teoria psicanalítica (mais especificamente freudiana e lacaniana), com ênfase no estudo dos artigos sobre a aplicação do modelo macleaniano à psicologia infantil, sobre as hierarquias neurais e mentais e sobre uma outra proposta de integração entre a psicanálise e a neorologia.

No segundo capítulo, investigamos a possibilidade da integração da Triune

Brain Theory (1990 [1970]) com a psicanálise e com outras teorias tripartites das

psicologias, das literaturas, das mitologias, das filosofias e das religiões.

Com o auxílio da ferramenta hermenêutica, abordamos mais detidamente esse novo rumo integrativo que vislumbramos no horizonte dessas diferentes teorias, que pode ajudar homens e mulheres (e até crianças) a lidar melhor com seus conflitos intrapsíquicos. Há um subcapítulo específico sobre o tratamento das fobias e dos medos, escrito para exemplificar nossa perspectiva.

As “Considerações adicionais” do terceiro capítulo trazem outras reflexões nossas acerca da temática deste trabalho.

Tínhamos preparado a inclusão (em apêndices) de pesquisas que realizamos sobre a existência de vestígios “arqueológicos” da Triune Brain Theory em duas obras psicanalíticas do Doutor Freud, segundo a nossa interpretação: a história clínica do “Homem dos Ratos” e “O mal-estar na civilização”. Abandonamos a ideia (que fica para futuro trabalho), em razão do grande volume de páginas que esses adendos requereriam.

Foi mantido o apêndice (de uma só página) que traz letra de música de artista nacional para livre análise do leitor.

1 Com base em nosso “Projeto do trabalho de conclusão do curso de psicologia”, disciplina

(10)

1 O MODELO DO CÉREBRO TRIÚNICO, A PSICANÁLISE E OS CONFLITOS INTERNOS DO SER HUMANO

Desejamos começar nosso estudo pela pergunta que fizemos constar na Introdução sobre nossa definição do problema de pesquisa.

Afinal o que querem os humanos?

Ela inspira-se em citação atribuída a Sigmund Freud, como consta em nota do editor inglês do livro “Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos”, com o registro de Ernest Jones:

Pouca dúvida existe de que Freud julgava a psicologia das mulheres mais enigmática que a dos homens. Disse uma vez ele a Maria Bonaparte: ‘A grande questão que jamais foi respondida e que ainda não fui capaz de responder, apesar de meus trinta anos de pesquisa da alma feminina, é: ‘O que quer uma mulher?’. [grifo nosso]. (FREUD, 1996 [1923], p. 274).

Nessa dúvida que externou, Freud referia-se, no entanto, talvez mais à vida sexual das mulheres adultas (vista por ele como um “continente negro”, em sua obra “A questão da análise leiga”) do que propriamente à psicologia e à alma femininas. (FREUD, 1996 [1926], p. 205-206).

Outra questão, além das que embasam nosso tema central de pesquisa é a seguinte: por que um ser humano, mesmo sabendo ser má escolha para seu jeito de

ser, sente atração por outro ser humano com perfil mais para cafajeste2 do que para confiável com o objetivo de manter um relacionamento estável de longo prazo?

Buscando explicar esse comportamento humano incoerente e incongruente, o psiquiatra, psicoterapeuta e escritor paulista (falecido em 2016) Flávio Gikovate3 teoriza sobre a associação entre sexo e agressividade, em seu livro “A libertação sexual: rompendo o elo entre o sexo, o poder e a agressividade” (2001):

Ao sermos capazes de entender a importância da associação entre o sexo e as manifestações agressivas, podemos passar a olhar – sem pena nem compaixão – para uma mulher de ótimo caráter, gentil, generosa, meiga e dedicada a um marido cafajeste, boêmio, infiel, displicente. Ela é fascinada

2 Cafajeste: ou, nos termos da teoria gikovateana, o perfil psicológico mais conhecido como “egoísta”

(referência à obra de Flávio Gikovate: “O mal, o bem e mais além: egoístas, generosos e justos”. São Paulo: MG Editores, 2005).

3 Flávio Gikovate: médico, psiquiatra e psicoterapeuta paulista, formado pela USP em 1966, autor e

conferencista consagrado, com várias obras publicadas – inclusive no exterior – que somam mais de um milhão de livros vendidos, lamentavelmente falecido em 2016, cuja teoria audaciosa foi pouco valorizada pelos seus pares brasileiros que atuam na área da saúde mental. Prestamos aqui nossa sincera homenagen à sua obra (in memorian).

(11)

pela ousadia dele: tem grande inveja de sua capacidade de ser desleal, raiva por ser traída e, por outro lado, se sente muito atraída sexualmente. Por intermédio dele, exerce uma faceta de sua personalidade que ela talvez nem sequer se permita saber da existência. Ao mesmo tempo, pode se achar explorada e um tanto mártir, o que determina certo tipo de excitação sexual relacionado com o masoquismo essencial ao qual já me referi. A mulher inteligente e bem formada poderá preferir um companheiro desleal – e por isso mesmo atraente – em vez de alguém de caráter similar ao seu, mas que não lhe seja sexualmente excitante. (...) Não devemos nos surpreender com o inverso. Muitos homens se excitam demais por terem parceiras exuberantes e nada leais. [grifo nosso]. (GIKOVATE, 2001, p. 143-144).

Bem, a Teoria do Cérebro Triúnico (do Cérebro Trino, do Cérebro Triuno ou dos Três Cérebros), originalmente denominada em língua inglesa The Triune Brain

Theory, de Paul Maclean, (1990 [1970]), aliada a outras teorias que serão citadas

no presente trabalho, pode ajudar a esclarecer esses aparentes mistérios.

Resumidamente: nosso cérebro é composto por três camadas que foram sobrepostas ao longo de uma demorada evolução sobre a Terra: o cérebro reptiliano (físico, ou reptilian brain – R-Complex), o cérebro mamífero (emocional, ou

paleomammalian brain – lymbic system), o cérebro lógico-racional (neocórtex, ou neomammalian brain).

1.1 As bases neurobiológicas da conduta humana, o jogo entre o cérebro instintivo-emocional e o cérebro racional

Há uns nove anos tomamos contato com a teoria do cérebro triúnico4 (ou trino), de Paul MacLean (1990 [1970]), que fala sobre a evolução, no estilo darwiniano, de três cérebros que foram sobrepondo-se uns aos outros, a partir do mais primitivo: o reptiliano (instintivo, físico), incluídos nele o cerebelo, o tronco encefálico e o sistema reticular.

Na origem, o modelo da serpente5 (espinha dorsal e um micro cérebro, útil mais para a luta/fuga, sobrevivência, alimentação, procriação/sexualidade). Ele lida com as funções (conhecidas das neurociências) do cerebelo e adjacências: muitas delas do sistema nervoso autônomo parassimpático (respiração, frequência

4 Referência à obra de MACLEAN, P. D. The triune brain in evolution: role in paleocerebral functions.

New York: Plenum Press, 1990.

5 Aliás, curiosamente, na Bíblia Sagrada (Gênesis 3,15), há menção a Maria pisando sobre a

serpente (talvez no sentido da espiritualidade e da racionalidade imperando sobre a irracionalidade?); serpente essa que, portanto, já consta da história bíblica sobre o paraíso e a origem do homem e da mulher. (BÍBLIA, 2001).

(12)

cardíaca, etc.), como escreve a pediatra Inés Merino Villenueve6 (2016), em seu artigo “Una nueva vacuna: la vacuna del autoconocimiento. Bases neurobiologicas

de la conducta humana. El juego entre el cerebro instintivo-emocional y el cerebro racional”.

Diz Robert Lent em seu livro “Cem Bilhões de Neurônios”:

Finalmente, outras regiões [...] sabidamente participam de diferentes aspectos da memória implícita: o cerebelo parece relevante para os comportamentos associativos de condicionamento clássico, e o corpo estriado participa da aprendizagem motora de hábitos comportamentais. (LENT, 2001, p. 675).

O cerebelo [...] ocupa cerca de um quarto do volume craniano no homem, e contém cerca de 80% do total de neurônios do cérebro, o que dá uma ideia de sua importância funcional. Tudo indica que a evolução brindou o cerebelo com a maior taxa de crescimento dentre as regiões cerebrais: embora seja o córtex cerebral a região que mais cresceu em volume, é o cerebelo o que mais cresceu em número de neurônios. (LENT, 2001, p. 452).

Após esse “cérebro” primitivo originário, o segundo desenvolveu-se como um cérebro emocional (o sistema límbico): do qual fazem parte a amígdala, o hipocampo, o tálamo, o hipotálamo, entre outros componentes. É o cérebro dos mamíferos, que permite a formação de grupos (estabelecimento de vínculos), dada a emotividade requerida para esse tipo de aglomerado animal, como é o caso dos mamíferos inferiores, por exemplo, e de vários outros bandos de animais. Ele ajuda a trabalhar e a mediar o que se passa no meio exterior com o que se passa no interior do organismo (permite socialização). (VILLENEUVE, 2016).

Escreveram sobre o tema, em 2002, os autores Bear, Connors e Paradiso na obra “Neurociências: desvendando o sistema nervoso”:

O termo sistema límbico foi popularizado em 1952 pelo fisiologista americano Paul MacLean. De acordo com MacLean, a evolução de um sistema límbico permitiu aos animais experimentarem e exprimirem emoções, além de tê-los emancipado do comportamento estereotipado ditado pelo tronco encefálico. (BEAR, 2002, p. 587).

Esses dois “cérebros” formam um sistema instintivo-emocional e ajudam a garantir a sobrevivência (VILLENEUVE, 2016).

(13)

Preferimos, particularmente, manter a quantidade de três cérebros, como consta nos títulos das obras de Paul MacLean e como ele demonstrou em sua teoria (1990 [1970]).

Figura 1 – O modelo do cérebro triúnico de Paul MacLean (1990 [1970]).

Fonte: “Neural and mental hierarchies” (WIEST, 2012). Image courtesy of Springer Verlag. Recobrindo esse cérebro emocional, desenvolveu-se o terceiro cérebro, o lógico-racional (o cérebro executivo, o neocórtex): essa área que nos permite o pensamento, a razão, a decisão, o controle dos impulsos, as estratégias e táticas, a linguagem, a motivação. (VILLENEUVE, 2016).

Controlar os impulsos do sistema formado pelos dois cérebros mais primitivos (o sistema instintivo-emocional) é função do cérebro lógico-racional, típico dos mamíferos superiores. Essa área, mais ligada à racionalidade, faz os humanos diferentes das demais espécies (lobos pré-frontais). Daí viria nossa inteligência emocional. (VILLENEUVE, 2016).

Viria mesmo daí, ou viria da mediação feita pela razão a partir dos comandos emocionais-instintivos? Os cérebros ancestrais (mais inconscientes) tem grande peso e influência em nossos pensamentos e nosso cérebro lógico-racional ajuda nas decisões que temperam as emoções e os instintos com a inteligência.

O neocórtex é encontrado apenas em mamíferos e muito mais desenvolvido nos humanos: “NEOCÓRTEX: tipo de córtex cerebral de aparecimento recente na

(14)

evolução, característico dos mamíferos. Apresenta um número maior de camadas do que os tipos corticais mais antigos.” (LENT, 2001, p. 364).

Segundo Bear, Connors e Paradiso (2002):

Diferentemente do hipocampo e do córtex olfativo, o neocórtex é encontrado somente em mamíferos. Assim, quando dizíamos, anteriormente, que o córtex cerebral expandiu-se ao longo do curso da evolução humana, estávamos realmente querendo significar que o neocórtex sofreu essa expansão. De maneira semelhante, quando mencionamos que o tálamo é como um portal de entrada para o córtex, queríamos dizer um portal de entrada para o neocórtex. A maioria dos neurocientistas (nós próprios incluídos) é tão chauvinista do neocórtex que, quando emprega o termo córtex sem adjetivos qualificativos, geralmente está se referindo ao neocórtex cerebral. (BEAR, 2002, p. 195).

Ainda segundo Oliver Sacks, em sua obra “Um antropólogo em Marte”: Uma das mais impressionantes peculiaridades do cérebro humano é o grande desenvolvimento dos lobos frontais – são muito menos desenvolvidos em outros primatas e apenas visíveis em todos os demais mamíferos. São a parte do cérebro que mais cresce e se desenvolve após o nascimento (e seu desenvolvimento não se completa até por volta dos sete anos). Mas nossas ideias sobre a função do lobo frontal, e seu papel, tiveram uma história tortuosa e ambígua, e ainda estão longe de serem esclarecidas. Essas dúvidas foram bem exemplificadas pelo célebre caso de Phineas Gage e pelas interpretações e equívocos por ele desencadeados, de 1848 até o presente. (SACKS, 2000, p. 75).

Embora este cérebro de produção mais recente ocupe o volume de 85% do total encefálico, os pequenos cérebros ancestrais (reptiliano e emocional) dominam o racional nos momentos (críticos da vida e) das decisões – por uma questão óbvia de serem capazes de fazer escolhas rápidas para a garantia da sobrevivência do organismo e da perpetuação da espécie. (VILLENEUVE, 2016).

O cérebro reptiliano visa necessidades básicas: fome, frio, medo, sexo. O emocional busca afeto, ausência e presença (Fort Da)7, aprovação, segurança. A função executiva requer “una maduración del lóbulo prefrontal y sus múltiples

conexiones corticosubcorticales” – diz a pediatra Inés Merino Villeneuve (2016, p.

87).

Ao comentar o franco desenvolvimento desses três cérebros evolutivos nas crianças: até o primeiro ano de vida (o reptiliano), a partir do primeiro ano (o emocional-mamífero) e por volta dos três anos de vida (o lógico-racional), respectivamente.

7 Fort Da – conceito psicanalítico que refere-se aos jogos de ausência e presença (brincadeira infantil

(15)

A ontogênese, repete a filogênese:

This means that the vanishing of primitive reflexes is closely related with the maturation of the nervous system, in particular the frontal cortex, which obviously exerts an inhibitory effect on these instinctual reflexes. The gradual replacement of inherited and automatic movements by intentional and goal-directed movements reminds one of Haeckel’s proposal that in human development ontogeny recapitulates phylogeny, at least to some extent (Haeckel, 1866, 1874). This developmental peculiarity confirms, on the other hand, that motor development and motor organization obeys hierarchical principles, i.e., that higher or mature motor systems control or inhibit lower and automatic ones. (WIEST, 2012, p. 2).

Por isso, a presença “do outro”8 é muito importante na infância: o cérebro executivo não está bem fortalecido ainda. Um adulto ensina e ajuda a controlar instintos, impulsos e emoções. Na nossa (cada vez mais) complexa sociedade moderna (que pretendemos chamar “civilização”), essas presença e auxílio têm sido cada vez mais necessárias e, com isso, temos visto estender-se cada vez mais no tempo o período da adolescência, por exemplo. (VILLENEUVE, 2016).

Fomos criados para sobreviver e procriar, basicamente. Atualmente, como bem refere Villeneuve (repetindo outros pensadores anteriores e ao mesmo tempo criando inovação aplicável às suas pacientes crianças, com muita propriedade), não temos mais leões andando pelas cidades. No entanto, nosso sistema instintivo-emocional reage como se houvesse esse tipo de perigo ancestral, mesmo em situações não tão estressantes assim, gerando reações de luta e fuga (inclusive o pânico) em situações inofensivas. (VILLENEUVE, 2016).

Assim, nós, os humanos, somos muitas vezes agressivos indevidamente, nos envolvemos com o perfil cafajeste9 do sexo oposto (fêmea mais atraente ou mais exuberante, macho mais forte ou mais indiferente) mesmo sabendo racionalmente que é má escolha para uma relação afetiva de longo prazo, tememos falar em público, temos “brancos” durante testes escolares, praticamos bullying, assassinato, maus-tratos, traições, gritamos com outros humanos, por exemplo, sem

ao menos sabermos o porquê – agir e depois não saber o porquê é a ideia base

do inconsciente.

8 Referência que lembra o termo criado pela releitura da teoria freudiana feita pelo psicanalista

francês Jacques Lacan – “O inconsciente é o discurso do Outro” (LACAN apud COLLIN et. al., 2012, p. 123) e também as ideias do psicólogo russo Lev Vygotsky (para o qual nossas experiências formativas são sociais: “Construímos nossa identidade pela relação com os outros” (VYGOTSKY apud COLLIN et. al., 2012, p. 270).

(16)

E no caso oposto aos desprazeres também há esse conflito, diz Villenueve (2016): os prazeres ativam outras determinadas áreas cerebrais, liberam dopamina (desejo e motivação) e isso nos faz querer repetir a conduta inicial – como na compulsão por comer doces, por exemplo10.

Uma passagem do livro da jornalista Sônia Hirsch, “Sem açúcar, com afeto” ilustra o conflito intrapsíquico envolvido no que ela denomina o “doce vício”:

Tenho um amigo que come muito açúcar. Um dia perguntei a ele se já tinha ouvido falar no Sugar Blues, do William Dufty, um livro sobre açúcar completamente radical. Ele disse que já. “Mas não quero ler, não”, explicou. “É uma porrada muito forte. Eu adoro tudo que é doce, bala, porcaria. No cinema gasto mais com os bombons do que com a entrada. Em casa, quando não tem um doce na geladeira eu fico louco. Já saí altas madrugadas rodando pela cidade atrás de um pudim de leite. Agora: se eu leio um livro desse, tô perdido. Porque eu vou ficar sabendo que faz um mal danado, vou me sentir obrigado a tentar parar e a minha vida vai virar um inferno porque eu não vou conseguir. Pode crer. Não vou conseguir viver sem açúcar”. (HIRSCH, 2009 [1984], p. 18-19).

Quem é esse “eu” que adora tudo que é doce, que não quer ler o livro, que

fica louco quando não tem um doce na geladeira, que sái dirigindo alucinado pela

cidade atrás de um pudim de leite e que não vai conseguir viver sem açúcar?

E isso explica, de maneira singela, a (vista como) eterna dúvida freudiana ainda não respondida pela psicanálise desde o mestre: “Afinal, o que querem as mulheres?” – pergunta que deveria ser reescrita, talvez, como segue: “Afinal, o que querem os humanos?”. Freud percebe, ao registrar essa sua famosa frase, os diferentes projetos evolutivos desses núcleos neurológicos em conflito?

Simples: esses cérebros estão servindo a dois senhores (de novo a letra da Bíblia Sagrada, livro dos mais antigos da história da humanidade). Estão agindo a partir de centros cerebrais descoordenados entre si e com agendas diferentes. E “quem manda” são os dois mais antigos. Fica difícil explicar certas condutas e ações humanas racionalmente, de fato. Não sabem, pois, os humanos, bem ao certo o que querem, agem contra seus próprios interesses, por não saberem integrar esses três cérebros (curiosamente, de modo contrário ao que ensinam as ciências orientais da

Yôga e da Meditação Chinesa, por exemplo, sobre o alinhamento dos chacras ou

centros de energia corpo-mente).

10 Novamente, mesmo sabendo ser tal conduta prejudicial ao nosso organismo (que se mantém

(17)

Assim registrou o Apóstolo Mateus 6,24: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará a um e amará o outro, ou dedicar-se-á a um e desprezará o outro.” (BÍBLIA, 2001).

Robert Zajonc, polonês, doutor em psicologia pela Universidade de

Michigan, investigou a relação entre sentimento e pensamento – a intersecção entre emoção e cognição – e descobriu que as preferências dos humanos não são racionais:

Em um artigo intitulado “Feeling and thinking”, de 1980, Zajonc argumenta que os sentimentos e os pensamentos são totalmente independentes um do outro. Os sentimentos não só precedem os pensamentos na complexa operação de resposta a um estímulo, como são, também o fator determinante mais significativo para a tomada de atitudes e decisões do indivíduo. (...) Ele sugere que, ao contrário do que se acredita, não é a razão ou a lógica que pautam as nossas decisões; na verdade, tomamos decisões rápidas, instintivas e baseadas em emoção antes de termos a chance de usar a cognição – julgamos sem ter informações. (COLLIN et. al., 2012, p. 232-234).

A autora Villeneuve (2016, p. 88) fala de um “intérprete” que temos no hemisfério esquerdo do cérebro, com redes neuronais capazes de “dotar de sentido

y coherencia a las condutas insconscientes y automáticas del sistema instintivo-emocional”. Tal intérprete “es capaz de justificar cualquier tipo de conducta, incluso a custa de inventar parte de la historia” – seria, este, nosso conhecido mecanismo

(apontado pela psicanálise) da racionalização?

Racionalização: o indivíduo constrói uma argumentação intelectualmente convincente e aceitável, que justifica os estados “deformados” da consciência. Isto é, uma defesa que justifica as outras. Portanto, na racionalização, o ego coloca a razão a serviço do irracional e utiliza para isso o material fornecido pela cultura ou mesmo pelo saber científico. Dois exemplos: o pudor excessivo (formação reativa), justificado com argumentos morais; e as justificativas ideológicas para os impulsos destrutivos que eclodem na guerra, no preconceito e na defesa da pena de morte. (BOCK, 1999, p. 53).

Para a pediatra Inés, a inteligência emocional11, já muito estudada na literatura científica (GOLEMAN, 2001), vem da função (a mais humana de todas) dos nossos lobos pré-frontais, que têm a habilidade de avaliar e ponderar todos esses dados que nos chegam do ambiente e de moderar os impulsos emocionais

11 Referência à obra de GOLEMAN, D. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que define o

(18)

automáticos (por vezes, prejudiciais) que vêm do sistema instintivo-emocional para obter respostas conscientes e mais humanizadas. (VILLENEUVE, 2016).

Escreve ainda, a médica pediatra, sobre um “câmbio de paradigma”. De uma conduta reativa (defensiva), nascida dos dois primeiro cérebros (impulsiva, automática). De outra mais humana (governada pelo córtex cerebral, pelos lobos pré-frontais). Diz que predomina em nossa sociedade a primeira conduta, a da competitividade. E que a educação pode mudar isso: pela capacidade de modular com a razão as respostas do cérebro instintivo-emocional12. (VILLENEUVE, 2016).

É possível uma psicoeducação?

A médica Villeneuve (2016) pensa ser essencial a disseminação do conhecime nto em neurociências. Pensa em dotar crianças de ferramentas, como as do criador da logoterapia13, a “Terceira Escola Vienense de Psicoterapia,” o psiquiatra e psicoterapeuta Victor Frankl, quando o mesmo diz: “entre el estímulo

externo y nuestra consiguiente reacción hay um espacio en el que podemos elegir dar la respuesta que más nos favorezca”. Verdade. Trata-se de conteúdo essencial

da grande obra dele: “O homem em busca de sentido” (FRANKL, 2008).

Villeneuve sonha com a passagem de um mundo reativo a um mundo da razão. A um mundo apoiado sobre um sistema “ganha-ganha”14 (ou win-win, fazendo uso de linguagem emprestada da Economia e da Administração – de acordo com o conteúdo do capítulo sobre “Os seis paradigmas da interação humana” – da obra de COVEY, 2002).

Em seu breve artigo, a médica pediatra conta a história de um lobo bom e outro mau, a partir de um conto indígena15. A qual deles iremos alimentar? Quem

12 Assim, talvez não seja uma ideia tão boa falar em “ética da psicanálise” no sentido de dar livre

vazão ao “desejo” humano (do inconsciente), que por sinal parece ser uma interpretação equivocada da ideia lacaniana – LACAN, 2008 [1986]. Os psicanalistas que posicionam-se como ortodoxos “acreditam no Inconsciente” (e isso aproxima-se muito de uma reverência religiosa; neste caso, de um sistema neuronal primitivo, voltado à agressividade e ao egoísmo originais). O inconsciente de fato existe, talvez localizado no sistema instintivo-emocional, mas dar livre vazão ao “desejo” é dar livre curso ao sexo e à pulsão de morte no nível individual e no social, com as desastrosas consequências que temos acompanhado atualmente. A propósito, essa é uma interpretação equivocada da psicanálise autêntica. Por outro lado, equilibrar e integrar os instintos (ou as pulsões), as emoções e a razão pode ter efeitos, inclusive sociais, mais saudáveis. É o que pensamos. É o que Freud pensava.

13 Referência à obra de FRANKL, V. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração.

São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2008.

14 Referência à obra de COVEY, S. R. Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes. São Paulo:

Editora Best Seller, 2002, p. 263-304.

15 Teria isso a ver com a ideia que o nosso imaginário ocidental popular tornou notória: de que temos

no ombro direito um diabinho (o mal) e no esquerdo um anjinho do bem (ou vice-versa) que nos confundem no momento de fazer escolhas? Ou isso teria relação mais com os hemisférios

(19)

dirigirá nossas vidas? “El sistema instintivo emocional, o los lobos prefrontales?”. Cita, então, conhecimento, educação, prática, paciência e perseverança como armas para ajudar nossas crianças a aprenderem a responder de modo não automático (tudo aquilo que os antigos filósofos e os grandes e velhos livros da humanidade sempre disseram e que as tradições racionais e espirituais sempre apontaram). (VILLENEUVE, 2016).

Achamos interessante transcrever a história do livro de Philip Dunn (2003), “A arte da paz: equilíbrio e conflito em A arte da guerra, de Sun-Tzu”, de pequeno capítulo em que trata sobre a consciência, porque a transcrição ipsis litteris preserva nossa perspectiva e também a intenção dele (na espada, o instintivo-emocional; na consciência: o instinto, a emoção e a razão integradas):

O que é conhecido não tem valor, o que foi visto não é precioso, o que foi ouvido não tem relevância – a não ser por meio da consciência e do amor. Até aprendermos a ter consciência – ou seja, a estarmos conscientes de nós mesmos – não saberemos, não veremos nem ouviremos nada verdadeiramente. Quando somos inconscientes, tudo o que sabemos é aquilo que nos foi ensinado, tudo o que vemos é aquilo com que nos identificamos, e tudo o que ouvimos é aquilo que selecionamos por meio de nosso sofrimento. Essas coisas não são relevantes, a não ser no que diz respeito a nosso sofrimento e a nossos medos. A consciência, algo verdadeiramente simples, abre o coração para a vida por meio da liberdade, abre os olhos ao cego e desperta nossos ouvidos. Uma vez conscientes, sentimos como se tivéssemos sido cegos, surdos e mudos até aquele momento. É com grande surpresa que percebemos que tudo ficou nítido pela primeira vez, pois, até então, o ego privado de visão fora nossa única possibilidade de ver. Eis aqui uma excelente história que nos ajudará a entender essa verdade. Hakuin, mestre Zen, recebeu um guerreiro samurai que viera até ele pedir conselhos. Um samurai é um grande soldado, e este, em particular, era altamente respeitado por todos, inclusive pelo imperador. Ele perguntou a Hakuin: – Existe inferno? Existe paraíso? E, se o inferno e o paraíso existem, onde estão seus portões? Onde estão suas entradas? Como posso evitar o inferno e escolher o paraíso? Ele era um simples guerreiro e disse: – Sou um samurai, um líder de samurais. Até mesmo o imperador tem respeito por mim. Hakuin riu e disse: – Você? Um samurai? Você mais parece um mendigo! O orgulho do samurai ficou ferido, seu ego ficou arranhado. Esqueceu-se do motivo pelo qual tinha vindo. Tirou a espada e estava a ponto de matar Hakuin. Esqueceu-se de que viera visitar o mestre para perguntar onde ficavam os portões do inferno e do paraíso. Hakuin, então, disse: – Este é o portão do inferno. Nesse espada, nesse ódio, nesse ego... aqui se abre o portão. Um guerreiro é capaz de entender esse tipo de raciocínio, e ele o entendeu imediatamente. Aquele era o portão. Ele recolocou a espada na bainha, e Hakuin disse: – Aqui se abre o portão do paraíso. (DUNN, 2003, p. 69-70).

esquerdo (mais racional) e direito do cérebro (mais criativo)? – e com a especialização hemisférica (LENT, 2001, p. 706-707).

(20)

Para a pesquisadora Villeneuve, as crianças podem ser ensinadas a respeito desses três cérebros (e dos conflitos entre os objetivos deles) por meio de jogos, e podem aprender a dar mais valor às decisões mediadas pelo cérebro racional, deixando aos poucos, por meio da mudança de hábitos, os cérebros instintivo e emocional em segundo plano, quando estes estiverem se excedendo em suas funções (essenciais que são, igualmente, para a vida humana na Terra). (VILLENEUVE, 2016).

Há vários autores na psicanálise que utilizam como técnica terapêutica a linguagem lúdica dos jogos e do brincar infantil (tais como Melanie Klein: jogo como uma forma de acting e via régia ao inconsciente, como os sonhos e as associações livres para os adultos, Françoise Dolto, Donald Winnicott, Maud Mannoni, cada qual com seus diferentes esquemas referenciais). (ARZENO, 1995, p. 47-48).

Concordamos com a pediatra espanhola. Achamos que a grande descoberta está mesmo no triune brain de MacLean, no entanto. E com os grandes filósofos, mestres e livros de todos os tempos.

A excelência moral, então, é uma disposição da alma relacionada à escolha de ações e emoções, disposição esta consistente num meio termo (o meio termo relativo a nós) determinado pela razão (a razão graças à qual um homem dotado de discernimento o determinaria). Trata-se de um estado intermediário, porque nas várias formas de deficiência moral há falta ou excesso do que é conveniente tanto nas emoções quanto nas ações, enquanto a excelência moral encontra e prefere o meio termo. Logo, a respeito do que ela é, ou seja, a definição que expressa a sua essência, a excelência moral é um meio termo, mas com relação ao que é melhor e conforme ao bem ela é um extremo. (ARISTÓTELES, 2001).

O elogio do filósofo à razão humana é muito importante, o que pensamos é que talvez o contexto dos conflitos internos dos humanos não envolva a excelência

moral ou ética (porém represente, em aparência, questões dessa natureza).

Agora, com certeza, a integração dos extremos está no meio termo.

O trabalho de Inés Merino Villeneuve (2016) produz uma síntese muito bem feita da teoria macleaniana (voltada para o desenvolvimento infantil) e, por isso, foi escolhido para auxiliar-nos com a sua singular objetividade no capítulo inicial deste trabalho de conclusão do curso de psicologia.

Ao longo do processo de criação deste texto, vários outros artigos e teorias foram pesquisados, de modo que pretendemos abordar muito mais elementos teóricos, conceituais e práticos, em especial a relação do triune brain com os

(21)

conceitos psicanalíticos freudianos (Id, Ego e Superego) e lacanianos (Real, Imaginário e Simbólico) – bem mais conhecidos da academia.

1.2 O estudo sobre as hierarquias neurais e mentais

Gerald Wiest16 escreveu artigo17 em 2012 – “Neural and mental hierarchies” – sobre a segunda das seguintes tradições que influenciaram a história das ciências do cérebro humano: uma delas que mantém ainda hoje o estudo das neuroimagens apoiado nas primeiras teorias da frenologia18; outra abordagem que origina-se das teorias neurológicas hierárquicas de Hughlings Jackson19 (que foi influenciado por Herbert Spencer). Ele ainda refere outra marca da tradição hierárquica: a inerente à metapsicologia psicanalítica, que considera tanto a perspectiva evolucionista ontogenética quanto a filogenética. (WIEST, 2012).

Não vamos aprofundar muito a pesquisa bibliográfica baseada neste autor. Somente acrescentar que o modelo de Paul MacLean, segundo Wiest, é uma teoria mais sofisticada da função cerebral, que incorpora a morfologia neural e os aspectos evolucionistas do comportamento. (WIEST, 2012).

Os críticos dizem que a abordagem macleaniana é muito simplista ou incompatível com as atuais teorias evolucionistas. MacLean tem recebido críticas da perspectiva psicanalista no sentido de que seu modelo utiliza conceitos jaksonianos para separar razão e emoção e para sugerir que o comportamento racional é “melhor” do que o comportamento emocional. (WIEST, 2012).

Para Jaak Panksepp (1988), citado por Wiest (2012), o trabalho de MacLean é baseado em pesquisas experimentais e foi utilizado por Panksepp em sua proposta de um modelo neuroevolucionista do sistema emocional (autor do livro

“Affective Neuroscience”)20.

16 Gerard Wiest: Department of Neurology, Medical University and Vienna Psychoanalytical Society,

Vienna, Austria.

17 Referência ao artigo de WIEST, G. Neural and mental hierarchies. In: Frontiers in Psychology.

Vienna, Austria. November, 2012, Vol. 3, Article 516.

18 Frenologia. s. f. Estudo do caráter e das funções intelectuais do homem, baseado na conformação

do crânio (doutrina hoje abandonada). (NOVO DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO LUSO-BRASILEIRO, 1958).

19 Hughlings Jackson: neurologista britânico, um dos pais fundadores da neurologia clínica.

20 Referência à obra de PANKSEPP, J. Affective Neuroscience: The Foundations of Human and

(22)

Panksepp (2011) apud Wiest (2012) propôs, após estimulação elétrica cerebral, que comportamentos instintivos-emocionais e sentimentos emanam de funções cerebrais homólogas em todos os mamíferos, que regulam regiões cerebrais mais evoluídas. Esses achados sugerem processamento afetivo em ninhos hierárquicos, sendo que funções emocionais primárias são base para o processo secundário de aprendizagem e memória que fazem interface com funções do processo terciário de cognição e pensamento.

Cory and Gardner (2002) apud Wiest (2012) conduziram extenso reexame da validade das teorias de MacLean em seu livro “The evolutionary neuroethology of

Paul MacLean: convergences and frontiers”.

O artigo pesquisado ainda traz importante observação no sentido de que o próprio Paul MacLean apontou as analogias entre os recursos comunicativos não verbais dos cérebros reptiliano e mamífero com o processo primário descoberto por Freud. (WIEST, 2012).

Além disso, informa que vários autores tem tentado encontrar pontes entre os princípios hierárquicos da organização cerebral com a metapsicologia psicanalítica. Cita ainda autores pioneiros21 na combinação das descobertas da neuroetologia evolucionista com os conceitos psicanalíticos do aparelho psíquico e com os distúrbios psiquiátricos. (WIEST, 2012).

Após outras importantes correlações (entre as quais, inclusive o mecanismo de regressão), Wiest conclui que os modelos hierárquicos do cérebro e da mente podem ser encontrados em várias disciplinas, desde a neurologia, neuropsicologia e etologia até a psicanálise. (WIEST, 2012).

Seu artigo é uma tentativa de demonstrar que os conceitos hierárquicos de diferentes disciplinas científicas facilitam uma visão integrativa da relação mente/corpo e que essas teorias podem representar um denominador comum para

21 Referência aos textos de PRICE, J. The dominance hierarchy and the evolution of mental illness

(1967); e PRICE, J. The triune brain, escalation, de-escalation, strategies, and mood disorders (2002). Além de outra publicação com outros autores: PRICE et. al. The social competition hypothesis of depression (1994). E também FEINBERG, T. E. Altered egos: How the brain creates the self. (2001); FEINBERG, T. E.; ROANE, D. M. Anosognosia, completion and confabulation: the neutral-personal dichotomy. (1997); FOTOPOULOU, A. The affective neuropsychology of confabulation and delusion. (2010); KOPELMAN, M. D. Varieties of confabulation and delusion. (2010); FEINBERG, T. E. From axons to identity: neurological explorations of the nature of the self. (2009); SOLMS, M. Happy reading for a psychoanalyst. (2010); SALAS, C.; TURNBULL, O. H. In self-defense: disruptions in the sense of self, lateralization, and primitive defenses. (2010); FOTOPOULOU, A. et. al. Mirror-view reverses somatoparaphrenia: dissociation between first- and third-person perspectives on body ownership. (2011).

(23)

as ciências que lidam com a natureza do cérebro, da mente e do comportamento. (WIEST, 2012).

Figura 2 – Paul MacLean e o seu modelo do cérebro triúnico (1990 [1970]).

Fonte: http://justwriteonline.typepad.com/.a/6a0120a55c9cd1970c01b8d13eb787970c-pi A teoria do cérebro triúnico é um modelo teórico e, como tal, tem suas utilidades e fragilidades. Precisa ser mais estudado. Alterado. Evoluído, se for (e parece ser) o caso. Substituído, se comprovadamente estiver equivocado. Assim também os demais modelos teóricos (sempre provisórios que são), inclusive a psicanálise. Não é uma questão de uma teoria “superar” as demais.

1.3 Uma proposta integrativa para a psicanálise e a neurofisiologia

A professora doutora Andréa Pereira de Lima22 escreveu o artigo intitulado “O modelo estrutural de Freud e o cérebro: uma proposta de integração entre a psicanálise e a neurofisiologia” (LIMA, 2010)23.

22 Andréa Pereira de Lima: Universidade Federal de Uberlândia (UFU), União Educacional de Minas

Gerais (Uniminas). Graduação em Ciências Biológicas e em Psicologia, Mestre e Doutora em ciências – Fisiologia.

23 Localizado com o auxílio da professora doutora Lála C. L. Nodari, que ministrou no primeiro

semestre de 2018 a disciplina “Seminário de pesquisa em psicologia” (Curso de Psicologia, UNIJUÍ), em que foi elaborado o projeto deste trabalho de conclusão do curso de psicologia.

(24)

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica que cita outros artigos recentes em língua estrangeira (que corroboram a visão da autora no sentido de que “as visões psicanalítica e neurocientífica podem ser complementares e mutuamente enriquecedoras”) e que esclarece que o modelo apresentado em seu estudo não é algo definitivo, porém “constitui um diálogo fértil entre a psicanálise e a neurociência, indicando que as clássicas descrições de Freud sobre a mente têm lugar perfeitamente na neurofisiologia de hoje” (LIMA, 2010, p. 7).

Surpreende-nos que a autora não faz nenhuma menção ao modelo do cérebro triúnico (MACLEAN, 1990 [1970]) em seu artigo, embora apresente uma proposta muito semelhante àquela que abordamos neste trabalho de conclusão do curso de psicologia, no sentido da integração “entre a segunda tópica de Freud e o encéfalo, na tentativa de estabelecer um diálogo entre a psicanálise e a neurofisiologia, para melhor compreensão da mente humana.” (LIMA, 2010, p. 3).

A diferença, portanto, em relação à nossa perspectiva (também integrativa) é que focamos numa visão macro do encéfalo (relacionando, com amparo no modelo de Paul MacLean, os cérebros instintual-Id, emocional-Ego e racional-Superego), enquanto que a visão fisiológica da doutora Andréa volta-se para regiões mais específicas do cérebro que ela relaciona às instâncias freudianas da segunda tópica: Id, Ego e Superego.

Concordamos com relação ao Id estar relacionado aos circuitos neurais filogeneticamente mais antigos. Ela, no entanto, relaciona o Ego ao córtex pré-frontal (que, no modelo do triune brain faz parte do cérebro lógico-racional) e liga o Superego ao núcleo central da amígdala (e outras estruturas que estariam relacionados ao sistema límbico – ou cérebro emocional).

Em nossa interpretação (com base em Paul MacLean), na descrição da chamada instância mediadora do aparelho psíquico psicanalítico, o Ego estaria mais conectado ao lymbic system (ou cérebro emocional), enquanto que o Superego estaria relacionado entre as várias funções cognitivas superiores desempenhadas pelo cérebro lógico-racional que diferencia o Homo Sapiens dos demais mamíferos e dos primatas (nosso parentes mais próximos na linha evolutiva animal).

Essas distinções não invalidam o excelente estudo da Doutora Andréa, nem inviabilizam nossa ideia de integração da psicanálise e da teoria macleaniana (e também das demais psicologias), pois os pontos de concordância são vários.

(25)

Ela também parece ver como necessário o reconhecimento e o respeito à importância da teoria comportamental, por exemplo, quando estamos lidando com o sistema cerebral que denominamos instintivo-afetivo (ou réptil-emocional), se seguirmos a perspectiva de Villeneuve (2016):

(...) as atividades desses núcleos, com seus produtos neuroquímicos, corresponderiam aos correlatos neurais de Freud denominados drives ou pulsões (...) nessas áreas predomina a atividade inata, pré-programada, involuntária e inconsciente. (LIMA, 2010, p. 284).

O Id, escreve a psicóloga e bióloga Doutora Andréa, tem conteúdos inconscientes, em parte hereditários e inatos e em parte adquiridos e recalcados:

Foi concebido como um conjunto de conteúdos de natureza pulsional e de ordem inconsciente, constituindo o polo psicobiológico da personalidade. É considerado a reserva inconsciente dos desejos e impulsos de origem genética, voltados para a preservação e propagação da vida.” (LIMA, 2010, p. 281).

Segundo a autora, a iminência anunciada da morte da psicanálise não se efetivou, apesar dos tratamentos medicamentosos, das críticas ao método psicanalítico (por este não ocorrer em ambiente controlado) e da tentativa de biologização das afecções psíquicas (LIMA, 2010).

Kandel (2000) apud Lima (2010), afirma que a convergência entre a neurobiologia e a psicanálise é benéfica para o corpo teórico-técnico desta24. Houve muita evolução nas conquistas daquela (assuntos importantes para os psicanalistas – a consciência, a memória, a percepção, processos mentais inconscientes, a pulsão, o desejo, a sexualidade). Para a compreensão profunda da mente, dependemos desse diálogo.

Lima cita numerosas investigações que confirmam essa associação frutífera. Soussumi (2006) apud Lima (2010, p. 281), fala da mesma visão integrativa que sugerimos neste trabalho (mais direcionada às neurociências e à psicanálise)25. Para ele, a “visão fragmentada conduz à perda da visão do todo”, pois o encadeamento contínuo das manifestações corporais e psíquicas é indissociável.

24 Referência à obra de KANDEL, E. R. Biology and the future of psychoanalysis: a new intelectual

framework for psychiatry revisited. (2000).

25 Referência à obra de SOUSSUMI Y. Tentativa de integração entre algumas concepções básicas

(26)

O “vaticínio de Freud de que no futuro as hipóteses psicanalíticas seriam explicadas pela biologia” poderá tornar-se realidade (SOUSSUMI, 2006 apud LIMA, 2010, p. 281-282).

Schussler (2002)26 e Winograd (2005)27 apud Lima (2010, p. 282) trazem dados que suportam a teoria freudiana de que “o inconsciente domina a maior parte dos processos psicofisiológicos.”

Para Winograd (2004) 28 apud Lima (2010, p. 282), por sinal, as experiências da primeira infância “influenciam o padrão de nossas conexões cerebrais e, correlativamente, o padrão de nossos comportamentos e pensamentos”.

Outros autores citados, conectam as emoções e seu papel na formação dos sonhos. Ainda outros, reafirmam pelas suas pesquisas a hipótese de Freud sobre o processo de “recalque”. (LIMA, 2010).

Interessa-nos citar algumas análises feitas em seu inteligente artigo pela Doutora Andréa (sempre apoiadas por autores por ela pesquisados), por sustentarem posição semelhante a que tomamos neste trabalho:

Trazendo as clássicas descrições do Id para o campo neurobiológico, pode-se considerar que essa instância psíquica estaria voltada basicamente para os processos vitais mais primitivos, como a conservação da vida (beber e comer), a defesa da vida ou do território (ataque e agressão), a propagação da vida (reprodução), e com a obtenção de prazer. (...) Obviamente, todas essas estruturas não atuam isoladamente, mas sofrem constantemente influências modulatórias, principalmente por parte do córtex pré-frontal. Em geral, um aumento da atividade de sinapses serotonérgicas inibe a agressão. Por essa razão, alguns clínicos têm usado drogas serotonérgicas para tratar comportamentos violentos em humanos. Estudos sugeriram que o álcool pode estimular a agressão, interferindo de forma inibitória na função do córtex pré-frontal que tem função modulatória sobre o comportamento. (...) Passemos, agora, do controle do comportamento reprodutivo ao prazer. Ao falar do Id, não se poderia esquecer que essa instância psíquica é regida pelo princípio do prazer. (...) Assim, todo comportamento que produz uma resposta emocional positiva é reforçado, ou seja, ocorrem alterações em determinados circuitos neurais que promovem a repetição do comportamento. (...) Esse sistema está relacionado aos estados motivacionais, os quais instigam comportamentos que visam à satisfação das necessidades biológicas, como beber, comer e copular. Substâncias estimulantes e que causam dependência, como cocaína e anfetamina, atuam nesse circuito, causando um aumento na liberação de dopamina no núcleo acumbens, o que, por sua vez, leva a uma grande sensação de prazer. (...) o núcleo acumbens como o sistema de busca de prazer por excelência, em que a

26 Referência à obra de SCHUSSLER G. The current conception of the unconscious – empirical

results of neurobiology, cognitive sciences, social psychology and emotion research. (2002).

27 Referência à obra de WINOGRAD, M. et. al. Resenha: um diálogo entre a psicanálise e a

neurociência. (2005).

28 Referência à obra de WINOGRAD, M. Matéria pensante – a fertilidade do encontro entre

(27)

excitação dopaminérgica pode conduzir a quadros de fixação e de adicção, correspondendo, segundo sua interpretação, ao que Freud denomina como “sistema de luxúria”. (...). [grifo nosso]. (LIMA, 2010, p. 283-284). Apenas para esclarecer o termo específico da neurologia utilizado na citação, núcleo acumbens é um dos circuitos neurais filogeneticamente mais antigos e uma das estruturas envolvidas no reforço aos comportamentos (repetição) e nos estados motivacionais (que “instigam comportamentos” que visam à satisfação de necessidades básicas: beber, comer, copular). (LIMA, 2010). Como veremos adiante, em nossa perspectiva, copular não é uma “necessidade” do ser humano.

Pode ser que a autora esteja correta nas relações que faz entre partes mais específicas do encéfalo e as instâncias freudianas. Nossa tentativa de fazer conexões entre os modelos freudiano e lacaniano (entre outras teorias tripartites que serão citadas neste trabalho) tem intenção similar à da estudiosa em seu artigo. Reconhecemos que a versão macleaniana pode não ajustar-se às instâncias de outras teorias psicológicas exatamente da forma que estamos sugerindo, de modo que tantas outras ideias semelhantes podem ajudar-nos a pensar essa integração teórica (inevitável para o futuro da ciências).

Sobre o artigo em tela, ainda temos alguns apontamentos a fazer, como é o caso da citação que faz de Winograd (2004 apud LIMA 2010, p. 285), no sentido de que: “Danos na região límbica frontal que produzem confabulações prejudicam os mecanismos de controle cognitivo – base da monitoração normal da realidade –, intensificando a influência do desejo na percepção, na memória e no julgamento”. A autora junta informações de vários pesquisadores para corroborar sua tese de que “o córtex pré-frontal pode muito bem sediar as funções do ego”.

Em nossa visão, o córtex pré-frontal há de ajudar sim na mediação com o meio exterior e de integrar os estímulos de todas as demais estruturas cerebrais, mas está situado no lobo frontal (neocórtex), sendo, portanto, parte do cérebro lógico-racional (“é a parte mais desenvolvida do cérebro [...] encontra no homem a sua expressão mais evoluída”, como bem refere a autora – nos animais não encontramos consciência, nem Ego no sentido humano do termo psicanalítico). (LIMA, 2010, p. 285).

Percebemos o significado de situações sociais, reagimos emocionalmente a situações muito complexas envolvendo outras pessoas, sim, como também aponta a autora, porém essa função está mais ligada, em nossa modesta visão, ao cérebro

(28)

emocional, ou lymbic system – de modo que, por isso, relacionamos (neste trabalho de conclusão do curso de psicologia) a função egóica a esse núcleo do modelo macleaniano. (LIMA, 2010, p. 285).

A doutora Andréa ainda liga o Superego freudiano à estrutura cerebral denominada núcleo central da amígdala, por que este nos permite aprender que uma determinada situação é perigosa e pode trazer consequências ruins (LIMA, 2010, p. 285). Neste ponto, também discordamos de sua interpretação, porque a função do Superego estaria, pensamos, mais conectada às atividades cognitivas superiores e à capacidade de reflexão crítica executadas pelo cérebro lógico-racional (a amígdala pode até acionar parte do mecanismo descrito por Freud como superegóico, de fato o cérebro está interconectado em praticamente todas suas funções, mas sem a razão tal evolução humana em relação aos animais não seria possível). Até porque decidir sobre os complexos casos cotidianos que envolvem um juízo moral dependem da razão e da lógica. O Superego é um “freio inibitório”. Inibitório do quê? Do livre curso, em sociedade (em relação ao ambiente grupal), dos primitivos desejos reptilianos e do descontrole emocional.

Acreditamos que é melhor vermos o quadro todo de uma perspectiva mais ampla, como o modelo do triune brain, de Paul MacLean, e absorvermos o Superego entre outras tantas importantes funções desempenhadas pelo nosso extraordinário cérebro lógico-racional (ou sistema, para Villeneuve), do que procurarmos mecanismos mais específicos para fazermos essa comparação neuropsicanalítica.

Talvez o Superego não seja exatamente um dos três centros de comando do ser humano, pode ser uma das funções da razão que emerge do fato de termos, nós, os humanos, um neocórtex poderosíssimo.

Todavia, em respeito ao trabalho aprofundado em fisiologia e psicologia da professora, psicóloga e bióloga Andréa Pereira de Lima (área em que é mestre e doutora), temos que reconhecer que ela está em melhores condições do que nós para posicionar-se com segurança em relação ao conhecimento específico de todas essas localizações e funções cerebrais, de modo que citamos in verbis um exemplo que traz em seu artigo sobre sua forma de ver a conexão entre as instâncias freudianas do aparelho psíquico e a neurociência. Ela pode, com efeito, estar certa em sua corajosa abordagem:

Consideremos uma situação hipotética. Você deseja comprar um carro, que é o carro dos seus sonhos. Representando o prazer antecipado da

Referências

Documentos relacionados

Com o intuito de registrar tais alterações, anúncios de revistas premiados pelo 20º Anuário do Clube de Criação de São Paulo são apresentados de forma categórica como

(grifos nossos). b) Em observância ao princípio da impessoalidade, a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, vez que é

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

devidamente assinadas, não sendo aceito, em hipótese alguma, inscrições após o Congresso Técnico; b) os atestados médicos dos alunos participantes; c) uma lista geral

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

The case studies show different levels of problems regarding the conditions of the job profile of trainers in adult education, the academic curriculum for preparing an adult

Nesse sentido, neste artigo o objetivo foi buscar compreender fatos que acarretaram em mudanças e continuidades ocorridas na disciplina Laboratório de Ensino

Equipamentos de emergência imediatamente acessíveis, com instruções de utilização. Assegurar-se que os lava- olhos e os chuveiros de segurança estejam próximos ao local de