• Nenhum resultado encontrado

O brincar e a interferência da tecnologia

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O brincar e a interferência da tecnologia"

Copied!
30
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

DHE - DEPARTAMENTO DAS HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA

FABIANA ANDRESSA ESTIGARRIBIA

O BRINCAR E A INTERFERÊNCIA DA TECNOLOGIA

SANTA ROSA 2018

(2)

FABIANA ANDRESSA ESTIGARRIBIA

O BRINCAR E A INTERFERÊNCIA DA TECNOLOGIA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Psicologia, do Departamento das Humanidades e Educação, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), como requisito parcial para conclusão do curso de formação de Psicólogo.

Orientador: Taís Cervi

SANTA ROSA 2018

(3)

DEDICATÓRIA

Dedico essa conquista aos meus pais Nelvi Lúcia Estigarribia e Jorge Venilton Estigarribia, e ao meu namorado Cristhian Alexandre Jurinich, que estiveram presente durante essa caminhada.

(4)

AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha orientadora Taís Cervi que incentivou para a realização da escrita. Agradeço também aos demais professores e aos colegas que contribuíram para minha formação.

(5)

“É inegável a importância da infância para toda a nossa vida, a neurociência constata que o desenvolvimento do bebê se dá na combinação da genética com as

relações do ambiente em que ele está inserido e aos estímulos produzidos pela cultura de cada época as crianças reagem’’(Julieta Jerusalinsky, 2018).

(6)

RESUMO

O presente trabalho refere-se à reflexão da importância do brincar para a constituição psíquica da criança e os efeitos da tecnologia no brincar contemporâneo, pois o brincar faz da parte da vida cotidiana e está presente em todas as culturas. O objetivo do trabalho foi apresentar os aspectos que o brincar traz enquanto constituinte da criança e os aspectos da interferência da tecnologia no brincar da atualidade. O trabalho foi estruturado em dois capítulos, sendo o primeiro destinado a importância do brincar para a constituição psíquica da criança e o segundo capítulo destinado as possíveis interferências da tecnologia no brincar. Sendo abordados na pesquisa os fatores importantes do brincar e as preocupações em relação à tecnologia.

(7)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1. A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR PARA A CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA DA CRIANÇA ... 8

2. AS POSSÍVEIS INTERFERÊNCIAS DA TECNOLOGIA NO BRINCAR ... 15

2.1 A interferência da tecnologia nas relações com o outro ... 15

2. 2. Os jogos da contemporaneidade ... 23

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 26

(8)

INTRODUÇÃO

A pesquisa destina-se a pontuar aspectos importantes para a constituição psíquica da criança a partir do brincar, e como o uso excessivo da tecnologia pode influenciar na relação com o outro. O brincar está presente na vida cotidiana das pessoas e está presente em diversas culturas. Atualmente percebe-se que há novas formas de brincar, pois, dificilmente vemos as crianças brincando de pega-pega, jogando bola, ou então criando um novo brinquedo e não vemos mais crianças brincando com brinquedos antigos. O que se percebe, é uma geração voltada para as telas, aos celulares e tablets.

O uso das tecnologias e suas inovações fazem parte do cotidiano do sujeito. Por esse motivo, tem sido importante uma reflexão acerca dos impactos que elas podem causar na vida psíquica do sujeito. O interesse pelo tema surgiu a partir da escuta clínica com crianças, realizada no decorrer do estágio de psicologia clínica no Curso de Psicologia da Unijuí. Essa experiência possibilitou compreender as representações que a criança produz em seu brincar, a importância do mesmo no seu processo constitutivo e, também, as formas de brincar e tipos de brinquedos que, com o passar dos anos, acabam se modificando conforme o contexto cultural e social em que a criança está inserida.

O estágio despertou o interesse em aprofundar o estudo da influência da tecnologia no brincar e em relação ao outro, porque vivemos em uma sociedade voltada para a tecnologia, no qual, muitas vezes as relações pessoais corpo a corpo deixam de existir, tornando-se apenas virtual. Diante disso, surgem questões de como as crianças da atualidade estão inseridas nesse mundo virtual. No primeiro capítulo do trabalho será abordado ao que se remete o brincar, qual é a sua importância para a constituição psíquica da criança e as relações da criança com o Outro. No segundo capítulo do trabalho será abordado as possíveis interferências da tecnologia no brincar contemporâneo e a sua influência na relação da criança com o Outro.

(9)

8

1. A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR PARA A CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA DA CRIANÇA

O brincar está presente na vida das crianças, e é parte constitutiva do psiquismo. Independente da cultura, o brincar está presente e se apresenta de diferentes formas, sendo que ao longo das gerações é possível observar as mudanças do brincar e até mesmo o tipo de brinquedo utilizado.

O significado da palavra brincar no dicionário Larousse (2001) é “divertir-se, folgar e zombar”. Nesse sentido, é possível fazer uma reflexão sobre a forma como as crianças se divertem atualmente e qual é a sua relação com o outro no brincar.

Para entender a relação da criança com o outro, é importante discorrer sobre as primeiras relações da criança. Schmidt (2008) propõe a ideia de Lacan que o sujeito existe mesmo antes de nascer, nas referências imaginárias e simbólicas presentes no discurso parental, no qual confirma um lugar psíquico no desejo dos pais. O bebê não nasce com a estrutura psíquica constituída. Esta é antecipada por um Outro que a acolhe, ou seja, quem ocupa esse lugar de referência psíquica para a criança ao nascer, é quem exerce a função materna, o Outro primordial.

Nesse sentido, Coriat (2006) trabalha a ideia de que quando o bebê nasce, ele é mergulhado em um universo de linguagem. Esse “banho” de linguagem deixa marcas singulares em cada criança, pois lhe conferem uma significação, fazendo com que o simbólico cubra o real. Nesse sentido, podemos pensar que é pela linguagem que ocorrerá a constituição psíquica do sujeito, nessa relação de investimento do Outro em relação ao sujeito. O brincar seria o encontro da criança ao se apropriar da sua inscrição no universo simbólico. Para Coriat (2006), foi Klein quem estabeleceu de modo mais consistente o brincar enquanto técnica na psicanálise de crianças. Para ela, por meio do brincar, a criança expressa suas fantasias, desejos e experiências de modo simbólico, ou seja, a criança irá representar aquilo que ela está vivenciando, aquilo que está em seu inconsciente e que se apresenta enquanto questão para ela. Pelo brincar a criança consegue trabalhar essa questão de forma simbólica, pois no real ela não conseguirá falar sobre isso.

Klein (1981) propõe que no trabalho de interpretação analítica com crianças, é preciso acompanhar as flutuações entre o amor e o ódio representadas no brincar, sendo que as emoções podem ser expressas no jogo, podendo manifestar-se diversificadamente, como os sentimentos de frustração e rejeição, que podem estar

(10)

associados ao ciúme do pai ou da mãe. Além disso, os sentimentos de amor e ódio em relação a um irmão recém-nascido, ou, a própria ansiedade como culpa e necessidade de reparação (reparação enquanto processo no qual o ego anula os danos causados pela fantasia, preservando e reavivando os objetos). No jogo também é possível a criança repetir suas experiências da vida diária. Para a autora, a análise do brincar permite as crianças transferirem suas fantasias, ansiedade, culpas para objetos distintos das pessoas, possibilitando assim um alívio para a criança

Jerusalinsky (2004) discorre que o Outro primordial, a mãe, interpreta e dá sentido para aquilo que o bebê lhe apresenta. Como exemplo, o cocô da criança seria um presente, a mãe dá um sentido realizando assim, uma inscrição simbólica para a criança. O sujeito antes mesmo de nascer já está antecipado no discurso parental, sua constituição perpassa pela linguagem, é necessário que o Outro faça um investimento nele.

O referido autor também sinaliza que o brinquedo seria um representante de “a”, objeto que não é o que é, ou seja, o objeto perdido. Remete as brincadeiras de “jogos de borda”, em que a criança joga os brinquedos para fora do berço, espia pelas frestas, anda pelas beiradas que lhe expõe algum risco, sendo que por meio desses brinquedos estruturantes há a possibilidade de estruturação de espaço e as condições de separação, possibilitando assim, as articulações necessárias para a constituição psíquica criança (JERUSALINKSY, 2004).

Coriat (1990) propõe que os significantes inscritos na criança remetem à história dos seus pais, pois delimitaram as zonas erógenas no corpo do filho, recortando os objetos pulsionais. Assim, a brincadeira seria um trabalho de elaboração por parte da criança, “é sempre desde o brincar que se produz uma criança” (p.26). Para Coriat (1990), as crianças brincam sozinhas ou com outras, e o brincar ocorre por si, alegre e produtivo. É a atividade central e constituinte da criança, e por esse motivo, precisa ser espontâneo. As crianças descobrem o gosto pelas brincadeiras que implicam o seu corpo. Porém, às vezes a presença de um adulto pode lhe incomodar, por mais que o cenário do jogo, tudo que nele compõem foi apostado por um Outro. Este Outro seria a representação dos próprios pais da criança, pois os significantes de sua história, o discurso, o lugar dado a criança foi marcado no seu corpo ainda quando era um bebê. Quando essa inscrição não opera, não se sustenta, as regras do jogo dizem que outro adulto deve passar a cumprir, nesse caso, o papel dos pais.

(11)

10

Winnicott (1975) propõe a ideia de que existe um espaço potencial entre o bebê e a mãe. Esse espaço diferencia as experiências da vida do bebê em relação a sua mãe, e ao mundo interno e a realidade externa. O brincar seria universal, facilita o crescimento, leva aos relacionamentos grupais e pode apresentar-se como uma forma de comunicação. A importância do brincar é a fragilidade do interjogo entra e realidade psíquica do sujeito e a experiência de controle de objetos reais. A criança apresenta no brincar objetos e fenômenos da realidade externa, resultante de uma realidade interna, ou seja, representará suas fantasias do inconsciente. Winnicott introduziu os termos “objetos transicionais” e “fenômenos transicionais’’ para tratar a área intermediária de experiência entre o polegar e o ursinho, entre o erotismo oral e a verdadeira relação de objeto.“O objeto transicional representa a transição do bebê de um estado em que este está fundido com a mãe para um estado em que está em relação com ela como algo externo e separado” (p.30). Nesse sentido, o objeto transicional pode ser percebido nas creches, nas escolas, no qual a criança necessita levar o objeto, que para ela apresenta-se enquanto um conforto, uma segurança simbólica perante o afastamento da função materna. Muitas vezes a criança não permite que seja lavado o seu objeto, pois não permite a separação do mesmo.

Jerusalinsky (1999) trata da teoria Winnicottiana em relação ao objeto transicional, em que cada brinquedo deve ser tomado como um substituto do objeto que causa o desejo, este, enquanto objeto de gozo e significante da falta. Para o autor, o brincar apresenta o gozo, a repetição e a capacidade de representar o futuro da criança em que na cena do jogo demonstra.

Para Winnicott (1975) na vida do bebê, os ursinhos, as bonecas e os brinquedos duros são adquiridos. Os meninos tendem a passar usar objetos duros e as meninas destinam-se para algo da família. Os objetos transicionais são acariciados, amados, mutilados, e não poderão ser mudados a não ser pelo próprio bebê. Em relação ao brincar, o autor cita como é difícil para as pessoas visualizarem que as crianças brincam para dominar as suas angústias, controlar seus impulsos que ainda não foram dominados, sendo que, a angústia seria um fator importante na brincadeira, porque conduz a uma repetição. É pela brincadeira que a criança vai adquirindo experiência e vai ao encontro da fantasia. A personalidade da criança evolui pelo encontro das suas próprias brincadeiras e também pelas brincadeiras do outro, proporcionam a capacidade de criação e a sua vivência. Através da brincadeira, há uma organização de relação social da criança com o outro, essa relação possibilita

(12)

seu desenvolvimento de contato social. O mesmo aponta que na psicanálise de crianças pequenas, o desejo de se comunicar pela brincadeira é colocado em lugar da fala dos adultos (WINNICOTT, 1975).

Aberastury (1992) na obra A criança e seus jogos, desenvolve a ideia de que o brinquedo possui muitas das características dos objetos reais. Considerando que é a criança quem conduz e domina-o, poderá ser um intermédio para o domínio de situações traumáticas. Para ela, o brinquedo possibilita que a criança repita as situações traumáticas que não podem ser reproduzidas no mundo real.

Conforme a autora, um dos primeiros brinquedos que é dado para as crianças, é o chocalho, por ele ter algo que aparece e desaparece - o som. A criança descobre que ao bater em um objeto poderá produzir sons. Quando a criança atira o brinquedo no chão e espera para que alguém lhe devolva, ela experimenta o poder perder e recuperar o que ama. Para a autora, as crianças fazem transferências positivas e negativas com os objetos, pois este, poderá se modificar de bom para mau, de aliado ou inimigo. O brinquedo é uma forma de representar os conflitos do passado e do presente (ABERASTURY, 1992).

Aberastury (1992) propõe que o brincar de se esconder é a primeira atividade lúdica, no qual a criança irá elaborar a angústia de desapego por um objeto que precisa perder. Nesse sentido, a autora pontua o que Freud desenvolveu em relação à teoria do Fort-Da. Freud (1920) observou seu neto que tinha um ano e meio, e brincava com o aparecimento e o desaparecimento de um objeto, o menino pegava objetos que pudesse agarrar e atirá-los longe, o som que emitia o-o-ó que representava a palavra alemã fort (embora), ele brincava de ir embora com seus brinquedos. O menino tinha um carretel de madeira amarrado por um pedaço de barbante. Arremessando o carretel sobre a borda de sua cama e o segurando-o pelo barbante, fazia com que este objeto desaparecesse, enquanto emitia o som o-o-ó. Após, puxando o carretel de volta, celebrava seu reaparecimento com a palavra alemã da (ali). A brincadeira implicava o desaparecimento e o retorno do objeto. A interpretação dada por Freud era a encenação do desaparecimento e o retorno. Sendo uma forma simbólica de representar uma perda.

Seguindo essa linha teórica, Dolto (1999) também desenvolve a ideia a partir do Fort-Da. A autora trata que para o bebê um dos primeiros jogos de prazer é esconder o rosto e mostrá-lo de novo e também o jogo de arremessar um objeto, como no caso do Fort-Da, pois é em torno dos três anos que os meninos brincam de guerras e todos

(13)

12

são generais, já as meninas brincam de bonecas e todas são princesas. Nesse sentido, o jogo seria mediador de desejo, traz uma satisfação e permite que a criança expresse seus desejos.

Aberastury (1992) propõe também a importância dos jogos e o que eles representam na vida da criança. Os jogos como de dominó e banco imobiliário abrem um novo mundo para a criança, o competir significa ao princípio de aniquilar, ou seja, arrasar, no qual é possível triunfar ou vencer sobre alguém. O jogo do banco imobiliário possibilita pensar o manejo e o significado do dinheiro daquele que está no jogo, os atos de generosidade e avareza podem revelar a forma de relação com o dinheiro, possibilita a elaboração de angústias. Já o jogo de damas e xadrez, seria como motor inconsciente da necessidade de enfrentar os pais, entrar em seu mundo adulto e competir com eles.

Oliveira (2014) na obra O brincar e a criança do nascimento aos seis anos, trata que no brincar há a espontaneidade e a criatividade com a aceitação de regras sociais e morais. Pelo brincar a criança humaniza, elabora o luto da perda dos cuidados maternais, encontra estratégias para pensar por si mesma, fazendo também por si mesma, assumindo então uma responsabilidade e fortalecendo assim, a autonomia. Outro ponto importante que a autora apresenta, é que o brincar possibilita a projeção de conteúdos ameaçadores:

Não nega portanto, a agressividade, mas ao contrário, contribui para sua evidência, possibilitando um movimento de recuperação e de restituição da imagem de si mesmo e do outro, através de um chegar perto de uma situação de tensão ou conflito, de forma simbólica, e não através de uma atuação (OLIVEIRA, 2014, p. 19).

Conforme Oliveira (2014) quando a criança não consegue controlar as suas fantasias de destruição, ela passa a ter medo de que isso possa se tornar realidade, podendo apresentar assim, insegurança. Nesse sentido, a autora aponta a importância de oferecer condições para a criança brincar, para que ela aprenda a lidar com a destrutividade. Apresenta também a ideia, de que o brincar coletivo permite a criança lidar com as possíveis frustrações, pois nem sempre seus desejos serão realizados no brincar coletivo, e a criança terá que esperar por sua vez para poder jogar. A partir desse brincar coletivo, a criança começa a perceber outras possibilidades de interação do qual ela está acostumada.

(14)

Dolto (1999) propõe que as crianças necessitam de limites para sentir-se seguras, mas esses limites devem ser apenas ao perigo real, no sentido de que a criança não pode fazer tudo que deseja o que não significa que ela não possa expressar seus desejos e alegrias.

Todos sabem que uma criança saudável é uma criança que se diverte, que se ocupa com qualquer coisa e explora tudo quanto está ao seu alcance. O que é verdade para uma criança quando está sozinha, ou é também para uma criança quando está com outras. Privar uma criança de brincar significa privá-la do prazer de viver (DOLTO, 1999, p. 109).

Dolto (1999) pontua a importância do lugar dos jogos com a água, areia, terra, os de transbordar e esvaziar com recipientes, pois a água permite o contato com os problemas que a mesma apresenta, como sua densidade, flutuação e objetos que escoam, e a partir disso, a criança vai se desenvolvendo e evoluindo em sua inteligência.

Levin (2007) também propõe que pelo brincar a criança enfrenta seus medos, é corajosa, brinca com personagens dos quais ela tem medo. No faz de conta, a criança é capaz de dominar e ter a sensação que pode controlar aquilo que ela tem medo. Quando as crianças brincam umas com as outras, as regras que são impostas nesse brincar, são mais atraentes do que a própria brincadeira, pois no caso em que a criança brinca sozinha, é ela que impõe suas regras, permeada pelo prazer de brincar de contorná-las, pelo grande prazer de trapacear. Essa questão de contornar as regras é visível em algumas sessões terapêuticas, no qual a criança não possibilita uma construção de regra do jogo, validando apenas a regra dela (DOLTO, 1999).

Para Dolto (1999) o jogo é uma esperança de prazer, as crianças gostam de brincar sozinhas e com os amiguinhos. A autora enfatiza sobre a importância da ludoteca, pois nesses locais as crianças emprestam os brinquedos, devolvem e buscam outros brinquedos, sendo importante variar os brinquedos, porque por eles a criança irá experimentar sua sensorialidade e inteligência. “Brincar é aprender a ser, é aprender a viver tanto sozinho quanto com os outros trocando brinquedos” (p. 118).

Considerando as ideias apresentadas pelos autores em relação ao brincar, percebemos o quanto ele é fundamental para a constituição psíquica da criança. Fundamental para a elaboração das angústias, dos medos, das frustrações, em que são representados nesse mundo “faz de conta” permeada pela fantasia, mas que elabora uma realidade da criança. Nesse sentido, pensamos nos dias atuais em como

(15)

14

está sendo o brincar das crianças, e como estão os seus laços sociais? Questionamentos que vão compor o tema do próximo capítulo.

(16)

2. AS POSSÍVEIS INTERFERÊNCIAS DA TECNOLOGIA NO BRINCAR

2.1 A interferência da tecnologia nas relações com o outro

Se nos remetermos a alguns anos, os brinquedos utilizados na infância eram muitas vezes fabricados em casa, e simples objetos tornavam-se brinquedos, pois não havia poderes aquisitivos para comprar um brinquedo novo. Ao longo do tempo, o acesso para compra se tornou mais fácil e dificilmente encontramos brinquedos fabricados em casa. Os primeiros brinquedos surgiram por diferentes meios, em oficinas de madeira, em fábricas de velas como bonecos de cera, em oficinas de torneiro. Entre os séculos XIX e XX as crianças brincavam com brinquedos fabricados por madeiras, brinquedos artesanais, bolas, bonecas, aros, objetos de puxar. As bonecas mais usadas eram aquelas que poderiam ser manipuladas, as crianças colocavam em cena a capacidade materna (LEVIN, 2007).

Observa-se que, atualmente, algumas crianças remetem-se a alguns brinquedos que não permitem uma relação de intermédio com o outro, como por exemplo, os jogos eletrônicos. As redes sociais, por sua vez, acabam sendo um meio de comunicação, que não permitem uma relação de vivência de corpo a corpo. Com os avanços das tecnologias, partes dos brinquedos foram substituídos pelas telas, como computadores, tablets, celulares, sendo possível nos questionarmos acerca do lugar do brincar na infância na atualidade. Em fala proferida por Julieta Jerusalinsky (2018), intitulada como Intoxicações eletrônicas na primeira infância, apresentada no café filosófico, a autora desenvolve a ideia de que a neurociência compreende que o desenvolvimento do bebê ocorre pela combinação da genética com as relações do ambiente em que a criança está inserida. A criança que está em processo de constituição na faixa do 0 a 3 anos precisa de um estabelecimento de vínculo com os demais. Os pais buscam as respostas dos comportamentos dos seus filhos por meio de blogs, procurando no Google o check list de sintomas dos seus filhos, sendo que esse modo de encontrar respostas não permite nenhuma elaboração e ainda cria uma fragmentação do sujeito. Não há uma resposta pronta, a resposta é resultante da relação que está estabelecida com a criança, considerando também que é necessário fornecer um tempo para construir a reposta que os pais procuram, considerando a vida singular da criança.

(17)

16

Julieta Jerusalinsky (2017) propõe que a criança passa a fazer a apropriação do seu corpo, no momento em que a mãe faz o banho de linguagem com a criança, pelos estímulos apresentados a partir do discurso, da fala endereçada à criança, podendo ser, por exemplo, a significação de cócegas, no qual a mãe diz “que gostoso”, ou então, quando a criança caí e a mãe diz: “aí”, a criança vai tomar o “aí” como sendo seu. Nesse sentido, é pelo olhar do Outro primordial para a criança, que irá se produzir uma imagem do eu ideal, ou seja, a função materna reconhece a criança: “Esse é você, meu filho!” (p. 23).

Julieta Jerusalinsky (2017) trata que o sujeito ao estar conectado com as telas e a internet, está exposto à rápida velocidade de imagens, que acabam acumulando o sistema perceptivo, ou seja, essa quantidade de percepção altera o processamento mental, considerando as percepções auditivas e visuais, pois é necessário um tempo para fazer a elaboração daquilo que está sendo exposto.

Para a autora há uma ruptura nos laços sociais resultante da era digital, sendo possível pensar que internet transformou as formas do sujeito relacionar-se, pois a internet tem um efeito discursivo em relação à experiência de viver. A partir disso, a autora trabalha que as redes sociais parecem ocupar esse lugar em relação ao outro, no qual produz o ato de amor-ódio, ciúmes, rivalidade consigo e com os outros. Outro ponto a ser pensado, é a ilusão de liberdade, considerando que as pesquisas virtualmente deixam pegadas digitais. Os pais que acabam vigiando os seus filhos pelas câmeras domésticas, controlando assim seus afazeres, e muitas vezes não participando da vida do seu filho.

O sujeito que está em constituição ao se deparar com os aplicativos eletrônicos (que possui uma linguagem automática, programada e sem desejo) cria-se um enigma para o sujeito, pois ele passa a pensar de que precisa repetir de forma automática aquilo que está exposto a ele. Essa reprodução de linguagem pode ser percebida na repetição da criança sem que isso tenha um sentido para ela ou então falar em si na terceira pessoa, ocorrendo um desaparecimento do sujeito nessa enunciação. As crianças ficam em uma posição de espectadoras frente aos brinquedos automáticos, pois estes falam, riem, andam. Os pais preferem fornecer muitos objetos ao dizer não para a criança, deixando assim, a criança em um gozo perverso (JULIETA JERUSALINSKY, 2017).

Essa nova forma de laço social que a autora apresenta, é permeada por consequências, pois as crianças repetem os fragmentos sonoros da internet no qual

(18)

não fazem nenhum sentido para elas e nem para aqueles que estão em seu meio. Muitas vezes a criança passa a repetir sons sonoros de um joguinho, por exemplo quando algo dá errado no seu joguinho o aplicativo acusa um barulho, quando algo dá errado no real a criança apenas repete esse mesmo barulho, e o celular ou tablet acaba sendo o Outro (JERUSALINSKY, 2018).

Jerusalinsky (2018) aponta também para o ambiente atual em que as crianças estão inseridas, no qual os pais estão sempre online. Quando os pais estão brincando com as crianças e ocorre uma chamada no celular por uma demanda de trabalho, essa ligação acaba sendo atendida, nesse momento a brincadeira se rompe. As crianças acabam convivendo com os adultos sempre ocupados, focados nas telas.

Os aparelhos eletrônicos passaram a ser oferecidos no lugar dos brinquedos. Atualmente são fabricados mais jogos eletrônicos do que os brinquedos, os próprios pais também estão conectados e não tem mais tempo para estarem com seus filhos, e quando estão com seus filhos, acabam atendendo chamadas de trabalho durante o período que seria de lazer. Essa facilidade de acesso de estar conectado acaba fragilizando os espaços entre a vida profissional e espaço privado, e como consequência esses aparelhos passam a desconfigurar a borda entre o espaço de lazer e de trabalho, pois os olhares estão voltados apenas para o virtual (JULIETA JERUSALINSKY, 2017).

Nesse sentido, para Levin (2007) houveram mudanças no mundo e na cultura das crianças, trazendo como exemplo os brinquedos atuais. Para ele, atualmente há outro jeito de brincar, imaginar, sofrer e construir a realidade infantil. As experiências e vivências infantis estruturam-se e se desenvolvem de maneira diferente do que em épocas anteriores. O autor traz que as representações mudaram e não se sustentam mais no objeto externo e sim em uma realidade informatizada. Como consequência disso, é possível pensar que os transtornos e os sintomas das crianças se manifestam com frequência e intensidade, podendo até serem comparados como os dos adultos. Para Levin (2007) os jogos tecnológicos interativos reproduzem uma aparência de diálogo e participação, as máquinas seriam instrumentos no qual a criança não brinca, mas interage, no qual ela acaba se tornando parte integrante do maquinário e nessa posição desempenharia a função de “ativa”. O autor propõe que a infância é um tempo em trânsito, ou seja, é uma etapa em que a criança está se desenvolvendo, está se estruturando, no primeiro momento o seu universo de representações

(19)

18

depende de um Outro primordial, para que então a criança consiga criar eu próprio universo. Nesse sentido, a segunda infância seria quando as crianças podem criar o elemento infantil brincando, ou seja, quando exercem a criatividade simbólica.

Jerusalinsky (2018) aponta que as crianças preferem olhar os celulares ao invés de entrar em uma relação com o outro. Preferem ficar na lógica fixa ao invés de convidar o outro para brincar com ela. O brincar, é partilhar os dramas, é preciso ter afinidade e a brincadeira tem uma coerência de ficção. Nesse sentido, podemos pensar no que Levin (2007) propõe de que não é pela posse que se estabelece o universo infantil, mas sim, por aquilo que está na infância, que recria a existência, pois é pelo brincar que as crianças inventam a realidade. O que aparece enquanto questão, é que atualmente o brinquedo é quem passa a ocupar o lugar de sujeito e a criança acaba se tornando objeto passivo, pois, eles são prontos e não permitem a criança criar, explorar, descobrir, acaba limitando o simbólico e o imaginário da criança. Ainda para Levin, a televisão acaba sendo um sistema de martketing na publicidade e venda de determinados brinquedos, pois a criança quer aquele determinado brinquedo, rotulados por marcas e que acabam por influenciar no desejo da criança. E aquele brinquedo é desejado apenas por um momento, pois com o movimento acelerado da tecnologia, novos brinquedos são anunciados, lançados nas propagandas e esses novos brinquedos são desejados pela criança.

Nessa ideia, Levin (2007) trabalha o contexto familiar, em que os adultos compram brinquedos, mas não tem tempo para brincar com as crianças, não havendo a relação com o outro e tornando-se solitários. Um exemplo disso são os cantos de ninar, estes acabam sendo substituídos por objetos musicais. Outro ponto que Levin nos remete a pensar em relação às telas, é das horas, do tempo, em que a criança fica nesse mundo. A criança acaba não tendo uma realidade de tempo em que está ali. Não há um limite, a criança fica em uma posição passiva.

Para as crianças, a tela funde conteúdos, sintetiza imagens, recorta formatos, cria estéticas para o consumo e o grande mercado. Neste panorama, como eixo da comunicação contemporânea, o pequenino terá de constituir a aventura de infância criando sua própria historicidade, que nunca estará totalmente nos televisores e monitores, mesmo que eles a impregnem (LEVIN, 2007, p. 36).

Mesmo que a tecnologia faça parte da evolução do homem, e que não há como a retirar das vidas das pessoas, é preciso pensar nos reflexos do uso excessivo e dos

(20)

seus impactos na relação com o outro. Um dos riscos latentes que o autor cita, é de que a criança permanece limitada à posição de objeto da tela. A questão é de que as telas não desejam e acabam gerando uma dependência. São conexões que deixam a criança em uma posição passiva e não ativa e, portanto, alienada. Esse formato de alienação não permite uma relação corporal e uma encenação, ao contrário, a criança fica imobilizada, repetindo muitas vezes, sons e gestos dos quais ela não sabe o que

significa (LEVIN, 2007). Conforme o Levin (2007) é possível pensar, que a memória da imagem exposta

para a criança será de um curto prazo, pois para ela não evocará nenhum sentido, nenhuma representação, apenas fornece uma ilusão de algo irreal. As telas atraem as crianças pelo poder, ou seja, as crianças brincam de terem poderes das imagens, acabam competindo por esse poder, o que resulta em uma sequência irreal. Os jogos de videogames deixam as crianças alienadas, nos quais, elas acham que estão livres, que podem fazer o que quiserem no jogo. Entretanto o jogo é programado para um início e um fim. Os riscos do uso de videogames e computadores, é de que determinam um certo comportamento dos interlocutores.

Para que o objeto possa se tornar um brinquedo, é preciso que a criança realize uma operação de esvaziamento, ou seja, fazer um ato simbólico em que ela precisa construir uma ficção, no qual ela constrói uma ausência de objeto, e o resultado seria o singular brinquedo, no qual ela começa a narrar e representar sua história. O brinquedo é flexível, na medida em que a criança vai brincando, ela vai criando função, mudando e transformando-o. O brinquedo é símbolo de um gerador de novas imagens, permite a criança usar sua imaginação, dar um sentido aquele objeto (LEVIN, 2007).

Para Levin (2007), na realidade atual, os “brinquedos para não brincar” (p.49) é o que está em “alta”, são objetos de consumo, não são compartilhados e nem mesmo se brincam com eles. Esse formato de alienação deixa marcas e descaracteriza a busca da curiosidade infantil, pois a criança fica limitada aquela imagem que está exposta, ela não cria um universo imaginário e não encena sua realidade.

Para o autor antigamente as crianças brincavam de papai e de mamãe, elas se fantasiavam, maquiavam, conversavam, dormiam, faziam comidas e cenas de ir trabalhar, recriando de maneira imaginária o que queriam. Nessa criação de cena, do faz de conta, elas inventavam o prazer corporal de ser gente grande, experimentavam

(21)

20

o universo adulto, que é desejado e ao mesmo tempo temido. O faz de conta permite que a criança brinque com as vivências e os segredos ocultos. A criança implica sempre em uma antecipação, como o brincar de gente grande, no qual está antecipado o que ela será, na expectativa de encontrar consigo mesma em uma presença de um novo. O brincar seria o encontro de compartilhar a ausência e os medos que ela tem, pois no brincar a realidade se concretiza. As crianças acabam construindo laços sociais com a imagem, elas se desligam em uma realidade e se aprofundam em outra, seus pensamentos são voltados para imagens digitais, para elas é mais fácil aproveitar a habilidade das imagens do que para pensar nas letras, ou palavras contidas de um relato, pois é algo pronto (LEVIN, 2007). Nesse mesmo sentido, Jerusalinsky (2018) propõe que nas telas, nos dispositivos o cenário está dado, está pronto, não é preciso criar.

Levin (2007) também propõe que as imagens virtuais que são oferecidas nas telas acabam sendo descartáveis, pois sua durabilidade é de forma rápida. Não têm uma relação com o outro, e se for exposta sem controle, poderá ser uma isca para esgotar o desejo infantil. Isso ocorre porque é a máquina quem irá fazer tudo e gerar a animação desejada, sendo uma realidade visual artificial, onde as crianças acabam pensando que são elas quem dominam e comandam aquela realidade virtual que está nas telas. As crianças acabam ficando em uma vivência solitária, pois não existe uma correspondência.

Assim, sendo possível pensar no que Jerusalinsky (2018) aponta nas escolas, no qual os educadores afirmam que os recreios têm sido marcados por brincadeiras obscenas e violentas, pois as crianças estão se relacionando com o outro ausente, e quando precisam se relacionar com o outro presente, não sabem. A diferença entre as relações, é que a relação virtual não permite uma passagem ao ato, que é totalmente diferente de quando o outro está presente na relação.

Para Alfredo Jerusalinsky (2017) são os sujeitos pequenos que estão mais expostos aos riscos dos dispositivos eletrônicos, esse “Outro” oculto precisa ser ágil, resolver tudo no tempo, para que o humano acredite que isto resolveu seu problema, e nessa ilusão, o sujeito fica como dependente do objeto.

Nesse sentido, para Gueller (2017), é comum ver as crianças jogando nos ipads ou celulares em uma mesa de restaurante, e que é menos difícil de ver os pais solicitarem para que os filhos esperem o pedido chegar. Mas isto não significa que essas crianças serão mais pacientes, pelo contrário, com a tecnologia poderá deixar

(22)

mais ansiosos, inquietos e intolerantes em relação ao “celular travou”, “tablet bugou”, se pensarmos pela hipótese freudiana de que o psiquismo funciona no princípio do prazer, tudo que nos agrada desejamos com mais pressa. Nesse sentido, a autora aponta que quanto mais a tecnologia avança, mais nos faz regredir.

Quanto mais tempo as crianças ficam jogando ou assistindo, mais afasta os afetos prazerosos que dão origem aos sentimentos de excitação, estes percebidos enquanto proibidos ou perigosos. As crianças têm dificuldades para dormir após terem ficado horas conectadas, a distração é estimulante e deixa a criança em estado de excitação, mas sem oferecer vias de processamento. Tudo está pronto, não é preciso pensar ou contar história, as crianças ainda ficam em um estado de abstinência, ficam em estado de tédio (GUELLER, 2017).

Gueller (2017) ainda ressalta que os celulares são oferecidos para as crianças cada vez mais cedo. Muito cedo elas já possuem acesso para tudo, abrem várias janelas simultaneamente, fazem os deveres da escola enquanto conversam no Facebook, e tiram e postam fotos no Instagram.

Para Dunker (2017) a tecnologia nos convoca a pensar as novas formas de cuidado e educação para com as crianças. Atualmente as crianças entre zero e dois anos, já estão expostas aos tablets, estes que reproduzem variedades de imagens atraentes moldadas para as demandas da criança. Esse dispositivo acarreta em prejuízos para o desenvolvimento da atenção da criança e cria uma ilusão em que o outro estará sempre disponível para ela.

A intoxicação digital crônica é uma patologia discursiva, ou seja, deve ser entendida simultaneamente como uma alteração do laço social, da economia de gozo e da relação de reconhecimento, as três perspectivas que presidiram a construção tardia do conceito de discurso em Lacan (DUNKER, 2017, p. 119).

Dunker (2017) propõe que a intoxicação digital infantil é decorrente de uma nova moral civilizada, ou seja, que altera as práticas sociais e uso da linguagem, e que essas superfícies (dispositivos) quando são tocados determinam alterações e mudança dessa imagem. Sendo que esses dispositivos podem ser instalados nos móveis como os carrinhos de bebê, nos automóveis.

As crianças entre zero e dois anos, que estão expostas aos tablets acabam desenvolvendo uma ligação extrema com a presença do outro, este que representado por uma oferta de imagens que são atraentes e que fornecem um estímulo auditivo e

(23)

22

sensorial já adaptado à demanda da criança. Essa chupeta eletrônica não só acarreta prejuízos para a formação do sistema viso-motor ou da atenção, mas estabelece uma novidade intersubjetiva, na crença de que o outro está disponível. Os tablets reagem apenas aos gestos, e a criança pensa que o outro, como um mercado tem como dever de agradá-lo e estar a sua disposição (DUNKER, 2017).

Partindo da suposta ideia que o Outro é quem toma a iniciativa e move a demanda, intercedendo na formação das atitudes como dar, receber e pedir, nota-se que quando esse Outro não oferece nada, não move a demanda, é compreendido como signo de desamor e indiferença, sem interessar-se ao outro. Nesse sentido, há duas posições que podem sofrer prejuízos, que seria amar e ser amado e o amor e ódio, no qual ser amado se identifica pela oferta, e já a ausência se traduz por desamor e indiferença. Sendo assim, a vida digital constrói muros de indiferença pela seletividade de oferecimentos, selecionados por um público alvo que repetem escolhas anteriores, tornando cada vez mais invisível a diferença, ou seja, com a exclusão do outro, a recusa da diversidade e o bullyng digital são signos desta patologia de demanda (DUNKER, 2017).

Outro ponto que Dunker (2017) trabalha é que o primeiro sinal de intoxicação digital seria a ausência de si, ou seja, o sentimento de que a criança desfez o seu saber de se relacionar com os outros. Para o autor, a intoxicação digital crônica é uma neurose da atualidade, no qual imobiliza o sujeito em um discurso universitário em que o saber lidera o laço social.

Mena (2017) propõe que a preocupação atual com os gadgets (aparelhos) esteja ligada com a desconexão do mundo. O fato de uma criança não responder quando sua mãe lhe chama para almoçar não incomoda por não responder a essa demanda, mas sim pelo fato da criança não demandar nada. É como se o tablet ou outro aparelho completasse a criança, ela sem apresentar nenhuma falta, e expulsando o Outro das suas operações.

Mena (2017) trata que no uso dos gadgets há o apagamento do corpo, em tentativa de calar o gozo que insiste em lhe perturbar. Os gadgets parecem proporcionar uma defesa contra o gozo do corpo, possibilitando esse apagamento durante o uso. Para o autor é a sociedade que fornece os utensílios para as crianças ficarem aceleradas e estimuladas, pois são fabricados e fornecidos tablets cada vez mais coloridos, os jogos com múltiplas possibilidades.

(24)

Refletindo sobre esse apagamento do Corpo, Levin (2007) também propõe a ideia de que as imagens virtuais não são uma elaboração da encenação do corpo infantil, porque a criança não consegue experimentar, ela apenas imagina as imagens sem poder sentir, havendo assim uma ruptura entre a tela e o corpo.

2. 2. Os jogos da contemporaneidade

Quando as crianças estão voltadas para a linguagem adulta-infantil da tecnologia digital-virtual, elas acabam se excluindo do seu mundo (LEVIN, 2007).

Os jogos digitais desenvolvem a captação de estímulo, que por sua vez induz a criança a procurar uma reação rápida e certeira que gera nela uma memória plana em face do estímulo. A criança reitera-se no mesmo em vez de repetir-se na aventura da diferença. Alienando-repetir-se na tela, ela constrói uma memória presente e reiterada na uniformidade, pensa e sente em imagens (LEVIN, 2007, p. 44).

Outro ponto a ser pensado em relação aos jogos virtuais, é a realça por um excesso sensorial, ou seja, a criança fica em uma posição passiva, enquanto observadora em meio de um bombardeio de percepções, que não têm recursos simbólicos para processar (JULIETA JERUSALINSKY, 2017).

Podemos evocar o episódio ocorrido no Japão em 16 de dezembro de 1997, que ficou conhecido como “Pokemon Shock”, no qual aproximadamente 700 crianças foram parar no hospital e tiveram diagnóstico de epilepsia, além de tonturas, desmaios, visão turva, náuseas, após um episódio no qual o personagem Pikachu usa seu “choque trovão” para destruir mísseis virtuais. Na cena, intercalam-se rapidamente luzes azuis e vermelhas, que teriam sido a causa de tal impacto sensorial demasiadamente forte para alguns que apresentam maior fotossensibilidade (JULIETA JERUSALINSKY, 2017, p. 30).

Nesse sentido, a autora trata que em alguns casos clínicos, como dos meninos que jogam games, eles pedem para que o analista assista enquanto eles jogam. Isso pode até possibilitar um ponto de partida para associar uma narrativa, de para quem é, ou para quem ele está lutando no game. Outro ponto que a autora ressalta é dos youtubers (usuários que tem o canal no youtube), no qual as crianças falam deles como se fossem amigos até sabem sobre a vida deles, mas não há uma reciprocidade. Outro fenômeno que a autora traz, é do “Pokemon Go”, que ocorreu em 2016, no qual vimos crianças e adultos caçando “bichinhos” e “pokeovos”, no qual parece que se perdeu o fio simbólico que alinhava o fazer, desconhecendo as bordas reais e

(25)

24

simbólicas do nosso mundo, sendo um comportamento fora do contexto e as passagens ao ato que se coloca enquanto um risco real (JULIETA JERUSALINSKY, 2017).

Os brinquedos que são mecanizados com respostas programadas, como por exemplo, os bonecos que fazem de tudo, como dormir, falar, cantar, comer e fazer xixi, como também os ursos de pelúcia que têm sons como cantigas de ninar, os cachorrinhos que quando puxados pela coleira abanam o rabo, todos estes brinquedos acabam por não permitir que a criança faça seu enredo e sua encenação da sua própria história (LEVIN, 2007).

Segundo Levin (2007) um dos primeiros brinquedos interativos foi o “Tamagochi”. Foram cinquenta milhões de Tamagochis vendidos após o lançamento. Essa espécie de brinquedo tinha forma de chaveiro com pequena tela que pode ser ligada ou desligada, esse brinquedo tinha animação de fome e sede, no qual a criança alimentava. Para o autor, a criança interage com o programa que não pode ser alterado, navega nos códigos eletrônicos e não tem uma re-signficação.

Um jogo popular de computador o “The Sims”, é um jogo atual que vem substituindo as brincadeiras de brincar de papai e mamãe. Esse jogo consiste em criar uma família que recebe uma quantia de dinheiro para comprar uma casa e os adereços da casa. Esse jogo possibilita escolher o aspecto físico e a personalidade dos membros da família, é a criança que irá determinar as ações dos personagens do jogo. Porém, as características do jogo são de rapidez e a dependência, ou seja, é preciso suprir a tela porque há um limite de tempo, esse dispositivo virtual obriga o jogador a estimular a imagem sem parar e transforma as crianças em consumistas solitários e individualistas (LEVIN, 2007).

No ciberespaço, as crianças podem optar também pelos jogos de guerra, aos quais todas têm acesso, seja qual for a idade, mesmo as pequeninas, pois, ainda que não possam brincar, elas ficam olhando atentamente para as telas, acompanhando os procedimentos e desejando que chegue a sua hora de poder brincar com os outros. Isto ocorre com muita freqüência quando irmãos mais novos participam ativamente, olhando seus irmãos mais velhos brincarem (LEVIN, 2007, p .79).

Levin (2007) propõe que um dos jogos de combate corpo a corpo como o famoso “Mortal Kombat”, que tem como objetivo matar o rival aplicando socos, pontapés e poderes (raio, bolas de fogo), remete a pensar a agressividade em que é exposta ali, sendo um jogo que não permite fantasiar, construir, a criança fica alienada

(26)

obedecendo aos comandos da tela, pois, as crianças não conseguem desmentir a virtualidade daquilo que vêem ou acreditam na tela, a imagem do corpo se separa do esquema corporal, é um imaginário que acaba conflitando com o simbólico, pois a criança não consegue pensar naquilo que está vendo.

Nesse sentido, Dunker (2017) propõe que surgem crianças em que os videogames e as redes sociais não são apenas a causa, mas como também são uma solução para a decepção com o outro. O autor aponta como exemplo o jogo de videogame “Candy Crush” ou “Mine Craft”, jogos em que são viciantes e colocam a criança em uma posição de “agir sem pensar”.

Mena (2017) propõe também a ideia em que algumas vezes as crianças podem acabar recorrendo para o gadget na busca de conseguir lidar com a aproximação excessiva do Outro, sendo uma tentativa de fuga desse olhar invasivo, tentando assim se proteger.

Nesse sentido para o referido autor, as crianças tentam pelos gadgets lidar com as questões que a contemporaneidade lança aos adultos, como lidar com a divisão subjetiva em um mundo que nega a castração através da propagação de objetos, ao mesmo tempo servir-se de objeto para consistir um Outro que não serve enquanto garantia (MENA, 2017).

Para Mena (2017) o gadget pode ser bom ou ruim, podendo ser uma causa ou solução, mas que isso irá depender do seu uso e modo de uso.

Nesse sentido podemos pensar o que está em questão é o uso excessivo da tecnologia, a forma como isso está sendo colocando na sociedade, a maneira de como está sendo usados os dispositivos.

(27)

26

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na escrita do trabalho de conclusão de curso perpassaram por fatores importantes constantes no brincar da criança. Observamos que no brincar a criança consegue elaborar seus conflitos internos, repetir suas experiências da vida diária e elaborar suas frustrações. Que é pelo olhar, pela aposta do Outro que a criança se constitui enquanto sujeito, e que vem ao encontro daquilo que ela produz no seu brincar. A infância é um tempo em que a criança está se estruturando, ela precisa de um Outro para poder criar seu próprio mundo.

Refletimos o quanto é importante a relação do jogo na vida da criança, as regras, o brincar coletivo, e quanto contribui para o desenvolvimento psíquico da criança. E também como pode ficar fragilizado quando o uso da tecnologia é excessivo, quando a criança não demanda nada de alguém, quando a criança fica em uma posição passiva frente às telas, esperando que faça o que ela deseja. E o quanto isso irá impactar na sua vida psíquica, tanto como criança, adolescente e posteriormente adulta.

Vivemos em uma era do imediatismo, há algumas famílias que não têm tempo para brincar com seus filhos, acabam recorrendo para os aparelhos eletrônicos e deixando de conviver com as crianças. Sendo possível pensar, em como as crianças estão se relacionando com o outro da tecnologia.

O brincar é marcado pela fantasia, pela encenação, por amigos imaginários, pelo brincar a criança cria seu próprio mundo. Os jogos eletrônicos e as telas não permitem uma relação de contato corpo a corpo, a criança algumas vezes acaba perdendo a percepção de tempo, e nas telas a criança não consegue elaborar suas questões. Pois com a tecnologia, muitas vezes o cenário está dado, nesse sentido, a criança não precisa criar e elaborar, acaba ficando em uma posição de expectadora e passiva.

Em alguns casos, a criança não demanda nada, não apresenta nenhuma falta, nesse sentido podemos pensar os sintomas e transtornos que acabam se produzindo em virtude do uso excessivo da tecnologia, e esses sintomas podem ser comparados com os sintomas dos adultos, em relação à intensidade e a freqüência. Essas são algumas preocupações em relação ao uso excessivo da tecnologia na vida do sujeito, principalmente o sujeito que está em processo de desenvolvimento.

(28)

Não há como abolir a tecnologia, sabemos da importância que ela tem para nosso cotidiano. Consideramos também, que a tecnologia faz parte de uma cultura, está presente em nosso dia-a-dia, porém, é preciso pensar de que forma está sendo colocado e utilizado na sociedade.

(29)

28

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

ABERASTURY, Arminda. A criança e seus jogos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

CORIAT, Elsa. Escritos da criança. 2ª edição. Porto Alegre: Centro Lydia Coriat, 1990.

CORIAT, Pinho. Escritos da criança. 2ª edição. Porto Alegre: Centro Lydia Coriat, 2006.

DOLTO, Françoise. As etapas decisivas da infância. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

DUNKER, Christian Ingo Lenz. Intoxicação digital infantil. In: BAPTISTA, Angela; JERUSALINSKY, Julieta. Intoxicações eletrônicas: o sujeito na era das relações

virtuais. Salvador: Ágalma, 2017.

GUELLER, Adela Sttopper de. Droga de celular! Reflexões psicanalíticas sobre o uso de eletrônicos. In: BAPTISTA, Angela; JERUSALINSKY, Julieta. Intoxicações

eletrônicas: o sujeito na era das relações virtuais. Salvador: Ágalma, 2017.

JERUSALINSKY, Alfredo. Psicanálise e desenvolvimento infantil. Porto Alegre: Artes de ofícios, 2004.

JERUSALINSKY, Alfredo. Homo web: o fascínio da lógica eletrônica. In: BAPTISTA, Angela; JERUSALINSKY, Julieta. Intoxicações eletrônicas: o sujeito na era das

relações virtuais. Salvador: Ágalma, 2017.

JERUSALINSKY, Julieta. Intoxicações eletrônicas na primeira infância. Entrevista. Programa Café Filosófico do dia 04/03/2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CJCrRouBNAY. Acesso em: 02/11/2018.

JERUSALINSKY, Julieta. Que rede nos sustenta no balanço da web? o sujeito na era das relações virtuais. In: BAPTISTA, Angela; JERUSALINSKY, Julieta. Intoxicações

(30)

JERUSALINSKY, Julieta. As crianças entre os laços familiares e as janelas virtuais. In: BAPTISTA, Angela; JERUSALINSKY, Julieta. Intoxicações eletrônicas: o

sujeito na era das relações virtuais. Salvador: Ágalma, 2017.

KLEIN, Melanie. Psicanálise da Criança. 3ª Edição. São Paulo: Mestre Jou, 1981.

LEVIN, Esteban. Rumo a uma infância virtual? A imagem corporal sem corpo. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.

MENA, Luis. O objeto entre o corpo e a inexistência do Outro. In: BAPTISTA, A.; JERUSALINSKY, J. Intoxicações eletrônicas: o sujeito na era das relações

virtuais. Salvador: Ágalma, 2017.

OLIVEIRA, Vera. O brincar e a criança do nascimento aos seis anos. Rio de Janeiro: Vozes, 2014.

SCHMIDT, M. Aquisição da linguagem na criança. Trabalho de conclusão de curso. Departamento de Humanidades e Educação, curso de Bacharel em Psicologia. Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Santa Rosa, 2008.

SIGMUND, Freud. [1920-1922]. Além do princípio do prazer, psicologia, de grupo e outros trabalhos. In: Edição Standart Brasileiras das Obras Completas de

Sigmund Freud. Vol. 18. Rio de Janeiro: Imago,1996.

VÁRIOS AUTORES. Dicionário Larousse: Língua Portuguesa. São Paulo: Ática. 2001.

Referências

Documentos relacionados

narrador procura localizar e fixar as imagens imprecisas da infância e, assim como ocorre nessa fase da vida, não consegue separar nitidamente sujeito e objeto. Nesse sentido,

Nesse sentido, o presente trabalho se propõe a trazer para sala de aula, oficinas de afrosaberes, observando como se dá as relações étnico-raciais em duas turmas de infantil

Como podemos observar, o estudo da cultura organizacional é complexo e, nesse sentido, (Fleury, 1989) propõe que, para desvendar a cultura de uma organização, é necessário

De outro modo, não rejeitando todo e qualquer uso de psicofármacos, podemos pensar a noção de sintoma infantil para além do sentido estrito do discurso médico, com o intuito de

Nesse sentido, construir junto aos docentes, momentos para pensar sobre a aprendizagem, numa perspectiva não prescritiva do sujeito e sim, a partir da compreensão de que todas

De outro modo, não rejeitando todo e qualquer uso de psicofármacos, podemos pensar a noção de sintoma infantil para além do sentido estrito do discurso médico, com o intuito de

veremos, nesse sentido, que “as crianças não começam a tentar compreender a escrita apenas quando entram no 1º Ano; elas podem avançar muito, no final da

Nesse sentido, o que se propõe pensar é como as características do trabalho imaterial podem, a partir da criação de novas possibilidades, servir como estratégias de emancipação do