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Fabiana Helma Friedrich

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Academic year: 2021

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Fabiana Helma Friedrich

O TESOURO DAS FAMÍLIAS: CADERNOS DE RECEITAS E A ADAPTAÇÃO DA CULINÁRIA DOS IMIGRANTES ALEMÃES (RIO GRANDE DO SUL: 1850-1930).

Santa Maria, RS 2012

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Fabiana Helma Friedrich

O TESOURO DAS FAMÍLIAS: CADERNOS DE RECEITAS E A ADAPTAÇÃO DA CULINÁRIA DOS IMIGRANTES ALEMÃES (RIO GRANDE DO SUL: 1850-1930).

Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de Graduação em História, do Centro Universitário Franciscano, como requisito parcial para obtenção do grau de – Licenciada em História.

Orientador: Prof.ª Dr.ª Nikelen Acosta Witter

Santa Maria, RS. 2012

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Fabiana Helma Friedrich

O TESOURO DAS FAMÍLIAS: CADERNOS DE RECEITAS E A ADAPTAÇÃO DA CULINÁRIA DOS IMIGRANTES ALEMÃES (RIO GRANDE DO SUL: 1850-1930).

Trabalho Final de Graduação apresentada ao Curso de Graduação em História, do Centro Universitário Franciscano, como requisito parcial para obtenção do grau de – Licenciada em História.

____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Nikelen Acosta Witter – Orientador (UNIFRA)

___________________________________________________ Prof.ª Me. Roselâine Correa Casanova (UNIFRA)

___________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Roberto Rangel (UNIFRA)

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Dedico este trabalho aos meus pais Fátima Dalpaz Friedrich e Reinaldo Almiro Friedrich (In memorian) pela vida e educação, que me deram base perfeita para construir o meu saber.

E às pessoas mais especiais deste mundo, agradeço por todo amor, carinho, compreensão e incentivo, pelos momentos de angústias e preocupações causados por mim, pelas ausências durante a realização deste estudo, dedico-lhes essa conquista com gratidão e amor. Sandro, Victória e Lorenzo esta vitória é muito mais de vocês do que minha.

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AGRADECIMENTOS

Hoje, vivo uma realidade que parece um sonho, mas foi preciso muito esforço, determinação, paciência, perseverança, ousadia e maleabilidade para chegar até aqui, e nada disso eu conseguiria sozinha. Minha terna gratidão a todos aqueles que colaboraram para que este sonho pudesse ser concretizado.

Grata a Deus pelo dom da vida. Agradeço aos meus pais, em especial a minha mãe Fátima, meu maior exemplo. Obrigada por cada incentivo e orientação, pelas orações em meu favor, pela preocupação para que estivesse sempre andando pelo caminho correto.

Aos meus irmãos, Tatiana e Éder, juntamente com meus sobrinhos, Bruno, Erick e Leonardo por todo amor e carinho e por compreender a minha ausência nesta etapa.

Aos meus tios, tias, avós, tias avós e primos que sempre estiveram presentes, ainda que à distância. Este trabalho tem muito de todos vocês.

Ao meu marido, Sandro, por todo amor, carinho, paciência, incentivo e compreensão que tem me dedicado. Agradeço as horas de escutas sobre os temas de História da Alimentação. Sei que sabes tanto quanto eu sobre o assunto, pois teve paciência de ouvir e concordar ou, às vezes, discordar, ajudando-me a refletir sobre o estudo.

Aos meus filhos amados, Victória e Lorenzo, por aceitar a minha ausência e, mesmo assim, enxerem-me de carinho e amor. Eu sou muito orgulhosa em ser mãe de vocês.

Ao meu sogro, Olivério Soares, pelo apoio e cuidados com os meus filhos, além das caronas para a faculdade e estágio. Sem o senhor esse estudo não seria possível e esta etapa não seria vencida. Tenho o senhor como um pai.

À professora Nikelen Acosta Witter que, com muita paciência e atenção, destinou seu valioso tempo para me orientar em cada passo deste trabalho, sempre dedicando carinho e amizade. Sei que a nossa caminhada não acaba aqui, ainda teremos muitas conversas gostosas a caminho, que serão regadas a bolos, escondidinhos, assados ou mesmo só um café.

A professora e coordenadora do curso Roselâine Casanova Corrêa, pelo convívio, pelo apoio, pela compreensão e pela amizade, foste indispensável nesta jornada.

Aos professores da instituição (UNIFRA), Paula Bolzan, Janaina Teixeira, Carlos Roberto Rangel, Alexandre Maccari, Leonardo Gueeds, assim como, os professores que hoje não estão mais presentes na UNIFRA, Lenir Agostini, Elizabeth Weber e Luís Augusto Farinatti, pela contribuição na minha vida acadêmica e por tanta influência na minha futura vida profissional.

Aos meus colegas Sibele, Daiane, Emanuela, Gibran, Arioli, Carlo e Fabrício, a quem aprendi a respeitar pelas suas individualidades. Obrigada por todos os momentos em que fomos estudiosos, brincalhões, atletas e cantores. Obrigada pela paciência, pelo sorriso, pelo

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abraço, pela mão que sempre se estendia quando eu precisava. Esta caminhada não seria a mesma sem vocês.

Aos meus amigos por todo apoio e cumplicidade. Porque mesmo quando distantes, estavam presentes em minha vida.

Aos professores da escola Rômulo Zanchi, em especial a Professora Marta e a Professora Cleni, aos alunos da turma 202 e 82, agradeço a oportunidade de ter convivido com vocês e a recepção calorosa que foi me dada no período do estágio.

A todas as mãos que se dedicaram a engrossar o caldo desta pesquisa, deixando muitos aromas no ar, o meu mais profundo agradecimento.

Obrigada a todos que, mesmo não estando citados aqui, tanto contribuíram para a conclusão desta etapa e para a Fabiana que sou hoje.

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RESUMO

A alimentação dos imigrantes alemães que vieram habitar a colônia Santo Ângelo, entre os anos de 1850 a 1930, não foi um transplante direto das regiões de onde estes partiram. Foi necessário adaptar receitas e gostos aos ingredientes e sabores encontrados no Novo Mundo. Partindo da avaliação das diferenças entre o local de origem dos imigrantes e o Rio Grande do Sul, buscou-se identificar as receitas e os ingredientes trocados entre estes e a população local, bem como a adaptação dos gostos importados aos novos produtos e padrões de consumo. Para isso, foram analisados cadernos de receitas, cartas pessoais, relatos de viajantes e fotos à luz da bibliografia específica da história da alimentação. Tal material é de grande importância para os estudos das culturas alimentares, considerando a evolução histórica das cozinhas, as quais estão permanentemente associadas à esfera social e étnica dos seres humanos. Ao longo do primeiro período da ocupação imigrante alemã deste território, ocorreram intensas trocas entre os recém-chegados e a população local, mesmo que, de ambos os lados, houvesse resistências à culinária do outro. Este intercâmbio ultrapassou preconceitos e dificuldades econômicas, tornando-se a alimentação um agente social que atuava dentro e fora das colônias de imigrantes, na região central do Rio Grande do Sul.

Palavras-chave: alimentação – imigração – cotidiano familiar – receitas.

ABSTRACT

Feeding the German immigrants who came to live colony Sant'Angelo, between the years 1850 to 1930, was not a direct transplant of the regions where they departed. It was necessary to adapt recipes and taste the ingredients and flavors found in the New World. Based on the evaluation of the differences between the place of origin of immigrants and Rio Grande do Sul, we sought to identify the ingredients and recipes exchanged between them and the local population, as well as adapting to new products imported tastes and consumption patterns. For this, we analyzed notebooks of recipes, personal letters, reports and photos from our literature in the light of the specific history of food. Such material is of great importance for studies of food crops, considering the historical evolution of the kitchens, which are permanently attached to the sphere of social and ethnic humans. During the first period of German immigrant occupation of this territory, there were intense exchanges between the newcomers and the local population, even though, on both sides, there was resistance to the cuisine of another. This exchange and prejudices surpassed economic difficulties, becoming a social worker power that worked inside and outside of immigrant communities in the central region of Rio Grande do Sul.

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“Aquele que não alimentar os gatos, terá que alimentar os ratos.”

Provérbio Alemão.

“Cultura é gente, diversa, plural, multifacetada, que na identidade de cada um forma o caldo que alimenta a História.”

Sergio Mamberti

“Diferente e inimiga das dieticistas, a cozinheira não tem o menor interesse em alimentar seus convidados de forma racional. O que deseja é mata-los de prazer.”

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SUMÁRIO

LISTA DE TABELAS...10

LISTA DE MAPAS...11

LISTA DE FOTOS...12

INTRODUÇÃO...13

1 Fugindo da fome e trazendo as receitas...18

1.1 A Colônia de Santo Ângelo: o local da chegada dos imigrantes e o ponto de partida desta história...18

1.2 O desafio: Apresentado as fontes...26

2 Da fome a fartura na mesa...35

2.1 Construindo as raízes alimentares no Rio Grande Do Sul...35

2.2 Conhecendo a comida e os ingredientes mais usados através dos cadernos e livro de receitas...49

3 O cotidiano do imigrante e a atuação das mulheres, na colônia Santo Ângelo...57

3.1 O cotidiano do imigrante...57

3.2 As mulheres imigrantes entre o poder administrativo, a cozinha e os bordados...66

CONSIDERAÇÕES FINAIS...75

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01: Profissão e opção religiosa dos primeiros imigrantes da Colônia Santo Ângelo RS:...20. Tabela 02: Crescimento populacional e densidade demográfica da colônia Santo Ângelo...38.

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LISTA DE MAPAS

Mapa 01: Planta da Colônia Santo Ângelo:...19. Mapa 02: Linhas do Morro Pelado:...37.

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LISTA DE FOTOS

Foto 01: Capa do livro de culinária “O Grande Livro da cozinha alemã” do ano de 1900...30. Foto 02: Como cortar as peças dos animais, para aproveita-los sem desperdiço...30.

Foto 03: Os utensílios devem ficar muito

limpos...30. Foto 04: Primeira e segunda geração de imigrantes alemães da colônia Santo Ângelo:...39. Foto 05: Terceira geração de uma família de imigrantes de Santo Ângelo:...39. Foto 06: Quarta geração de imigrantes alemães da colônia Santo Ângelo:...40.

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INTRODUÇÃO

Os estudos sobre a comida e a alimentação invadem as ciências humanas, a partir da premissa que a formação do gosto alimentar não se dá, exclusivamente, pelo seu aspecto nutricional, biológico. O alimento constitui uma categoria histórica, pois os padrões de permanência e mudanças dos hábitos e práticas alimentares têm referências na própria dinâmica social. Os alimentos não são somente alimentos. Alimentar-se é um ato nutricional, comer é um ato social, pois constitui atitudes, ligadas aos usos, costumes, protocolos, condutas e situações.

O objetivo principal nesse estudo foi de compreender o que ocorreu com a culinária dos imigrantes que, com a travessia do oceano e a mudança de continente, devido à imigração da Europa para o Brasil, na metade do século XIX e nas três primeiras décadas do século XX, não dispunham mais dos insumos de costume à sua alimentação original. Esses imigrantes tiveram de adaptar seus pratos aos ingredientes, até então desconhecidos, que encontraram em seu novo território.

Essa discussão sobre a adaptação dos imigrantes alemães iniciou há quase dois anos. Primeiramente, em nível de curiosidade e depois como uma pesquisa de relevância para a “História da Alimentação”, sob a orientação da Prof.ª Drª. Nikelen Acosta Witter, investigando as relações sociais dos imigrantes e a adaptação da forma de conduzir as práticas alimentares na terra nova, sendo possível compreender a nova identidade cultural, que surgiu com a troca entre o que se carrega como experiência e o que se conheceu e aprendeu no além mar.

Na pesquisa, buscou-se identificar e apontar as práticas culinárias dos imigrantes e as características da apropriação dos novos ingredientes encontrados no Rio Grande do Sul, através de cadernos de receitas, diários de memória, cartas de imigrantes e os escritos do viajante alemão Robert Avé-Lallemant que foram as fontes de inspiração, juntamente de um levantamento bibliográfico sobre o tema da alimentação. Sendo os livros e cadernos de receitas as principais fontes primárias do estudo.

Ao dar início a esta pesquisa, utiliza-se os livros de receitas e os cadernos que ocuparam um lugar muito importante na cozinha dos imigrantes. Essas fontes encontra-se, na maior parte das vezes, nas mãos de particulares, portanto, não é raro ouvir, de suas

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possuidoras, a seguinte advertência: “Tome cuidado, que este é um tesouro da minha família”. Tal frase pode dar margem a múltiplas interpretações, pois de fato ela tem um significado muito profundo. Estes textos eram e são tratados com o cuidado e a reverência de relíquias, sendo guardados como memória preciosa da história familiar. Esses “tesouros da família” são guardados como memória daqueles primeiros imigrantes que chegaram ao Brasil, é como se estivessem vivos e participando do cotidiano.

Existe, no corpo físico dos cadernos e livros de receitas, uma memória mesmo que distante do tipo de vida levado pelos ancestrais e um respeito a esta. Vêm memórias dos cheiros e gostos peculiares da infância, junto de seus primeiros donos. Perder estes livros seria, igualmente, deixar de preservar os sabores do passado, cortando os seus vínculos com os dias de hoje.

Nos últimos anos, a pesquisa em torno do universo da História da Alimentação tem sido ampliada. Isso decorre dela aparecer na sequência de uma fase de transformação do tema "alimentação" em um novo campo de saber, passando a ser objeto de estudo nas Ciências Humanas. Este processo se inaugurou a cerca de 80 anos, mais especificamente com os Annales, quando os historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre, representantes da Primeira Geração, pensaram em trazer as questões do cotidiano para dentro da história. Marc Bloch escreveu um artigo sobre história da alimentação como um capítulo da obra Encyclopédie Française de Lucien Febvre, a qual foi publicada ao final da década de 1930 (BURKE, 1997).

Na Segunda Geração da escola dos Annales, dois trabalhos foram bastante importantes para refletir sobre as questões alimentares dentro da história: as obras dos historiadores Fernand Braudel e Ernest Labrousse. Após surgem exposições sobre o tema, ainda que modestamente, algumas publicações a respeito da temática da História da Alimentação. Nessa perspectiva, historiadores como Jean-Louis Flandrin e Jean-Paul Aron, passaram e se ocupar dos estudos sobre alimentação, sendo alguns estudos traduzidos no Brasil, desde a década de 1990. No Brasil, o tema história da alimentação ganha destaque, encontrando importantes reflexões nos trabalhos dos historiadores Josué de Castro, que fez o primeiro levantamento da fome no Brasil e escreveu, na década de 1930, a Geografia da fome; Luis da Câmara Cascudo, com suas obras Antologia da alimentação no Brasil e História da alimentação no Brasil, descreveram a comida e os hábitos alimentares de várias regiões do país.

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Atualmente, o historiador Carlos Roberto Antunes dos Santos, que escreveu, entre outros trabalhos a respeito da comida, a A alimentação e seu lugar na história: os tempos da memória gustativa, mostra toda uma trajetória historiográfica do tema história da alimentação, divulgando, inclusive, novas pesquisas e trabalhos de graduações que surgiram nos últimos anos. Sendo esse um novo movimento da História, que busca dar voz ao passado por portas diferentes, ou seja, comida faz parte, sim, da história e da formação cultural dos povos.

É fato que os hábitos alimentares são instrumentos vivos que marcam a história das civilizações humanas. Em cada época, os alimentos refletiram os comportamentos da sociedade de acordo com o pensamento político, social e avanço científico. Neste sentido, não se pode negar que a culinária de um povo representa suas tradições culturais, sua compreensão étnica e de grupo. Guarda em suas receitas um valioso patrimônio que deve ser preservado como qualquer obra de arte ou monumento. Cozinhar é um ato cultural e toda nação ou região tem uma marca que identifica sua cultura culinária. No caso dos imigrantes, mesclam a sua alimentação tradicional com produtos locais, reformulando suas receitas.

Neste trabalho, buscou-se contribuir nas análises das metodologias empregadas nas pesquisas sobre cozinhas regionais, ao se aprofundar a discussão sobre a utilidade em recorrer aos cadernos de receitas de imigrantes como fontes importantes de pesquisa. Os cadernos de receitas apontam para um enorme campo de possibilidades para estudos históricos que pensem a comida e as relações sociais. Esse material é uma importante forma de conhecer o passado, bem como a percepção cotidiana de uma cozinha que se adapta e se recicla diante dos desafios de um mundo diverso daquele no qual a cultura imigrante se originou. Cada folha de um caderno de receita tem um contexto amplo a ser explorado, a ser vasculhado para ser compreendido, cabendo ao historiador dar importância a esse instrumento rico a favor da história, pois não se podem desperdiçar fontes para essa linha de pesquisa que é a “história da alimentação”.

Para dar conta desses objetivos e do recorte temporal de pesquisa, procurou-se entender os aspectos culturais do alimento, considerando o alimento uma categoria histórica (SANTOS) e fazendo uso de conceitos como habitus (BOURDIEU), gosto (BOURDIEU e BRILLAT-SAVARIN), comensalidade, memória, civilidade (ELIAS) arte culinária, cozinha, "comida" e "comida da casa" (DA MATTA), "comida da alma" (HORTA), para que se pudesse construir um referencial teórico que embasasse a pesquisa. O autor Câmara Cascudo foi fundamental para o trabalho, em razão da importância de seus estudos na área da história da alimentação.

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Sobre a imigração é vasta a gama de produções históricas, no entanto não tendo nenhum trabalho de pesquisa sobre o que e como essas pessoas fizeram para adaptar-se a culinária do Rio Grande do Sul, sendo que os ingredientes disponíveis eram diferentes aos que estavam acostumados na Europa e, considerando que era um contexto histórico em que o “supermercado” não existe, algumas perguntas começam a surgir.

Embora a imigração europeia para o Brasil Meridional, especificamente para o Rio Grande do Sul (RS), já viesse ocorrendo desde os primeiros séculos de ocupação da América, o fluxo mais intensivo de imigrantes de origem europeia para o Rio Grande do Sul se insere no fenômeno das migrações transoceânicas entre a Europa e o Brasil no século XIX.

Até o início do século XIX, a Alemanha manteve-se essencialmente rural. A revolução agrícola e demográfica, que ocorreu neste século, serviu de fator propulsor ao desenvolvimento do processo de industrialização e urbanização. O principal reflexo dessa revolução no campo foi o desmantelamento da estrutura feudal, o que ocasionou a expulsão de grande parte dos pequenos camponeses alemães. Essa conjuntura favorável à imigração encontrou respaldo nos interesses do Governo Imperial brasileiro em recrutar colonos, a fim de estimular o desenvolvimento econômico através da ocupação efetiva do território.

Em vista das profundas transformações políticas e sociais ocorridas na Europa, desde o início do século passado, entre elas as lutas pela unificação nacional da Alemanha, a guerra Franco-Prussiana e o crescimento do capitalismo industrial, contingentes populacionais tornados excessivos ao novo contexto econômico produtivo, passaram a encaminhar-se para a América, sendo o sul do Brasil, um dos principais destinos.

O fenômeno da imigração, no Brasil, vincula-se ao momento histórico em que se dá, no âmbito nacional, a transição das relações escravistas para as relações assalariadas. Além disso, segundo o próprio discurso oficial da época, a introdução do imigrante europeu alemão, no RS, teve como objetivo superar a agricultura praticada pela população local, pois a carência de produção de excedentes agropecuários para abastecer os núcleos urbanos, era uma situação em que o Estado achou que o projeto de imigração era a solução, incentivando a implantação de colônias para produção diversificada de excedentes, o que, na concepção corrente da época, só poderia ser feito pelos colonos europeus.

A Colônia Oficial de Santo Ângelo, atuais municípios de Agudo, Paraíso do Sul, parte de Dona Francisca e Cachoeira do Sul (Região Central do RS), constituiu-se em um resultado

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concreto das aspirações do governo provincial em estabelecer um núcleo de produção agrícola na região central do Rio Grande do Sul, até então desprezada pelos criadores de gado por ser uma região de banhados, matas fechadas, distantes de áreas urbanas e com precárias estradas.

Os imigrantes europeus foram fundamentais para a organização de novas estruturas socioeconômicas, políticas e culturais no sul do Brasil. Esse processo exigiu dos imigrantes e de seus descendentes a construção de uma identidade de imigrante alemão. E dentro de muitas novidades trazidas pelos imigrantes estava a alimentação.

No capítulo 01, intitulado “Fugindo da fome e trazendo as receitas”, é apresentada formação do espaço geográfico da pesquisa, sendo o projeto de imigração, implantado pelo governo da província do Rio Grande do Sul, responsável pela criação do espaço. As fontes utilizadas para o estudo serão apresentadas neste capítulo, explicando o porquê da escolha destas.

No capítulo 02, chamado “Da fome a fartura na mesa”, que dá enfoque à chegada dos imigrantes e a sua acomodação na colônia de Santo Ângelo. Inicia-se uma breve apresentação sobre a adaptação da alimentação dos imigrantes alemães através dos cadernos e livros de receitas.

No capítulo 03, O cotidiano do imigrante e a atuação das mulheres, na colônia

Santo Ângelo, o qual a pesquisadora acredita ser o mais importante da pesquisa, trata do

cotidiano dos imigrantes na colônia Santo Ângelo e as mulheres, que são detentoras do conhecimento culinário e da administração dos ingredientes e da casa. Neste capítulo, está a alma da pesquisa, pois se fala do coração de uma casa, a cozinha.

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01. FUGINDO DA FOME E TRAZENDO AS RECEITAS.

O capítulo apresenta o espaço geográfico da pesquisa e as fontes que serviram de inspiração para a realização do estudo sobre a adaptação da alimentação dos imigrantes alemães, no Rio Grande do Sul, no recorte temporal de 1850 a 1930.

1.1 A Colônia de Santo Ângelo: o local da chegada dos imigrantes e o ponto de partida desta história.

“Amado Brasil, terra sagrada e abençoada por Deus e que me recebeu sem perguntar minha origem ou quem eram os meus pais. Lá eu enriqueci. No Brasil, na Colônia Santo Ângelo sou feliz e vivo em liberdade. Amo o meu Brasil mais do que tudo”. Frederico Treptow1 O marco inicial da colonização alemã no Rio Grande do Sul foi o ano de 1824, quando foi fundada a primeira colônia e atual município de São Leopoldo. A partir daí, vários outros núcleos foram criados, inclusive pela migração de muito destes colonos para outras áreas do estado (ROCHE, 1969). Na metade do século XIX, inicia-se a segunda fase da colonização estrangeira no Rio Grande do Sul. Neste período, foram fundadas as colônias provinciais alemãs de Santa Cruz, em 1849; Santo Ângelo, em 1857; Nova Petrópolis, em 1858 e Monte Alverne, em 18592.

Em 1847, o Presidente da Província, Manoel Antonio Galvão, notificou a Câmara Municipal de Cachoeira do Sul, pedindo informações sobre a existência, no município, de lugar apropriado para estabelecer uma colônia de alemães. Segundo Werlang (1995), para dar parecer sobre este assunto foi nomeada uma comissão presidida pelo brigadeiro José Gomes Portinho, que alegou que havia na margem esquerda do Rio Jacuí, no lugar denominado Agudo, terras devolutas e apropriadas para o desenvolvimento da agricultura. Tal relatório resultou no ano de 1855, na criação da Colônia de Santo Ângelo (atuais municípios de Agudo, Paraíso do Sul, parte de Dona Francisca, e de Cachoeira do Sul) pelo Governo Provincial. A colônia pertenceu, inicialmente, ao município de Cachoeira do Sul, distante da cidade cerca de 80 quilômetros e bastante próxima do Rio Jacuí, em torno de 12 quilômetros. Werlang (1995) apoia a versão de que:

1

Imigrante pomerano que veio para o Brasil e depois de 10 anos voltou à Alemanha e foi preso, pois os policiais alemães não acreditavam que um pomerano pudesse progredir (Werlang, 1995).

2

Santa cruz da origem ao município de Santa Cruz do Sul, criado em 1887; Santo Ângelo se transforma no final de 1960, no município de Agudo, desmembrando-se de Cachoeira do Sul; Nova Petrópolis se torna município em 1954 e Monte Alverne compõe um dos distritos de Santa Cruz do Sul, também em 1877.

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foi organizada pelo governo da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, com o apoio do Império. O nome dado a Colônia Santo Ângelo foi uma homenagem ao seu fundador Ângelo Muniz Ferraz, então Presidente da Província. (Werlang, 1995, p. 47).

Em 1857, os primeiros imigrantes alemães chegaram a Cerro Chato, atual município de Agudo, na margem esquerda do Rio Jacuí. Segundo Werlang (1995), o Presidente da Província nomeou para todas as suas colônias um diretor, um delegado da administração central. A Colônia Santo Ângelo teve dois diretores até sua emancipação em 1882, Floriano Zurowski (diretor de outubro a dezembro de 1857) e o Barão Von Kahlden que administrou a colônia em duas ocasiões (diretor de 19 de dezembro de 1857 a 1882 e depois nos anos 1882 a 1885). A seguir, o mapa da colônia de Santo Ângelo com as linhas dos lotes demarcados para a ocupação dos imigrantes.

Mapa 01: Planta da Colônia Santo Ângelo.

Planta da Colônia Santo Ângelo. Barão von Kahlden. 1878. Werlang, William. A Família de Johannes Heinrich Kaspar Gerdau: Um estudo de caso sobre a industrialização no Rio Grande do Sul - Brasil. Editora Werlang. Agudo. 2002. p. 179.

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Os primeiros imigrantes chegaram da Europa no vapor “Irene”, vindos de Hamburgo para o Rio Grande do Sul, a maior parte dos que se estabeleceram na colônia eram originários da cidade de Lubow, Província da Pomerânia (região de Naustettin/Alemanha) (WERLANG, 1995). Os colonos imigrantes exerciam as mais variadas profissões em sua Pátria de origem, entretanto, seguindo a Lei da Imigração, o governo Provincial destinou-os para os lotes rurais e eles se tornaram agricultores. Segundo Cunha (1988), através de dados analisados do Relatório de KOSERITZ expõe que:

a população pioneira da colônia de Santo Ângelo é bastante jovem, sendo grande o número de solteiros que ocupam singularmente lotes e que as famílias são igualmente jovens, ou seja, de constituição recente [...]. (CUNHA, 1988, p. 89). Muitos dos jovens citados por Cunha (1988) vinham buscar o casamento com mulheres residentes em outras colônias de imigrantes. À primeira vista esta homogeneidade na origem territorial, isto é, a Pomerânia, não significava identificação cultural. Os colonos imigrantes da Colônia de Santo Ângelo eram iguais na extrema pobreza que os impulsionou a sair de seu país natal, mas diferentes culturalmente: língua, religião, hábitos e costumes. As diferentes profissões e ambições os colocavam em classes sociais distintas. Pedro Rockenbach, que veio menino para o Brasil, acabou confirmando esta informação no seu caderno de memórias, dizendo que, a colônia recebeu três grupos de imigrantes, sendo os dois primeiros basicamente formados por agricultores e artesãos e o último por ex-militares que se juntariam ao exército no Brasil ou se transformariam nos comerciantes da colônia. Esta informação também é apontada por Werlang (1995), como podemos perceber na tabela 01 abaixo, mostrando a profissão e a religião dos imigrantes.

Tabela 01: Profissão e opção religiosa dos primeiros imigrantes da Colônia Santo Ângelo-RS.

Profissão Imigrantes Protestantes Católicos

Agricultor/ lavrador 8 5 3

Agrimensor/ Eng. Agrônomo 2 1 1

Alfaiate 1 1 0

(21)

Carpinteiro 5 4 1 Comerciante 2 2 0 Construtor de Pontes 1 0 1 Coveiro 1 1 0 Engenheiro 1 0 1 Escrivão civil 1 1 0 Ferreiro 2 2 0 Fotógrafo 1 1 0 Jardineiro 1 1 0 Lapidário 1 1 0 Marceneiro 3 3 0 Médico e Pintor 1 1 0 Militar alemão 1 0 1 Moleiro 2 2 0 Músico 1 1 0 Oleiro 1 1 0 Pedreiro 1 1 0 Professor 1 1 0 Retratista 1 1 0 Sapateiro 3 3 0

(22)

Tecelão 3 3 0

Torneiro 2 2 0

Técnico instalação de moinhos 1 1 0

Tipografista 1 - -

Vidraceiro 1 1 0

Total 55 46 8

Fonte: pesquisa de campo e Werlang (1995). * Militar mercenário.

A composição profissional das pessoas da colônia Santo Ângelo era variada, como pode ser visto na tabela 01, formando diferenças culturais devido ao trabalho e à formação religiosa. O que os igualava, de certa forma, era a aventura de imigrar para um lugar desconhecido aos olhos. Isso porque o Brasil era conhecido, ao menos, no imaginário desta leva de imigrantes. Eles haviam recebido informações dos imigrantes vindos na primeira leva, interrompida pela guerra farroupilha. Com o fim da revolta civil, teve prosseguimento o processo imigratório alemão para o Rio Grande do Sul. Os imigrantes que daí em diante vieram, tomaram assentamentos nos Vales do Caí, Taquari e Jacuí. E é neste período que ocorre a ocupação da região central do Rio Grande do Sul, com a formação das colônias de Santa Cruz do Sul (1849) e de Santo Ângelo (1855).

Neste momento da imigração, a divulgação por parte do governo foi ampla, com muitas propagandas, sendo, inclusive, feita a publicação em panfletos com cartas de algumas pessoas que já se encontravam no Brasil. Estes eram noticiados nos países germânicos, enfatizando as melhores condições de vida no novo país, como informa Renate Gierus na sua tese de doutorado de 2006. Este autor informa ainda que, os jornais mais usados foram os patrocinados pela igreja Luterana, ganhando assim, credibilidade entre os alemães como mostra no trecho abaixo;

O jornal tinha o objetivo de divulgar o trabalho realizado pela Sociedade Evangélica de Barmen, de conseguir dinheiro para enviar pastores e missionários ao sul do Brasil, entre outros países, de angariar fundos para apoiar as comunidades já formadas no Rio grande do Sul. (GIERUS, 2006, p. 15).

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Além dos jornais trabalhados por Gierus, existem as correspondências que buscavam seduzir com a felicidade e tranquilidade àqueles que tinham ficado do outro lado do Atlântico, claro que, muitas vezes, as cartas eram usadas também para acalmar os parentes e amigos. Analisando o contexto de dificuldades e fome que as pessoas passavam nos países germânicos na metade do século XIX, uma carta dizendo que uma empreitada tão difícil quanto a imigração estava rendendo frutos, tornava-se uma boa propaganda.

Segundo Wille (2011), uma carta correu os países germânicos provocando uma “febre de imigrar para países onde vigorava essa liberdade” (WILLE, 2011, p. 50), de vencer as dificuldades econômicas que passavam, motivados pelo sonho de adquirir sua própria terra. A carta mencionada por Wille (2011) ficou conhecida como “a carta de Búfalo”, escrita por Züngler, em 1835, e usada muitas vezes nos jornais como um motivador para sair da Europa (WILLE, 2011, p. 49).

O próprio Barão Von Kalden, diretor por 25 anos da Colônia Provincial de Santo Ângelo, considerou as cartas escritas a parentes como “uma manivela poderosa para o maior desenvolvimento da emigração para cá”. Por isso, sugeriu ao Governo que remetesse regularmente as cartas dos colonos até Hamburgo, garantindo desta maneira que todas chegassem a seu destino, pois “elas relatam muito vantajosamente aos respectivos parentes as circunstâncias nesta colônia e do país em geral, convidando-os a vir emigrar para cá...” (KALDEN, 1858)3.

Percebe-se que os imigrantes não vinham tão desprovidos de conhecimentos do que poderiam encontrar na terra nova, mas é claro que nem tudo que acreditavam encontrar, dentro do imaginário que construíram, era verdade. Pedro Rockenbach expõe em suas memórias que muitos alemães quando chegam ao alojamento da colônia ficavam surpresos com as condições que encontravam. Apavoram- se com o mato que teriam que derrubar para construir suas moradias e lavouras, mas complementa Rockenbach: mesmo assim, estavam felizes, pois fome não passariam mais.

Ao chegar ao Brasil, após uma longa viagem, onde muitos perderam parentes, os imigrantes eram direcionados as suas respectivas colônias e, mais uma vez, alguns iriam trabalhar com a sonhada terra/ agricultura e outros iriam aprender a mexer nela. Em um primeiro momento, os imigrantes foram “alojados em um galpão e depois que as linhas de

3

Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Colônia de Santo Ângelo, Diretoria, L 296, Correspondência de Kalden ao Presidente da Província, Cons. Ângelo Muniz da Silveira Ferras, em 15.3.1858.

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terra foram medidas e distribuídas, seguiram para os lotes para organizar a área recebida” (WERLANG, 1995)4. Na carta que o Barão Von Kahlden enviou a Presidência da Província informando que os alojamentos haviam ficado prontos, afirmou também que o local fora mal escolhido, pois: o “lugar é abafado, úmido e ao mesmo tempo tem água só em grande distância”.5

Muitas mulheres ficaram com as crianças pequenas no galpão e só os homens iniciaram o trabalho nas linhas (WERLANG, 1995). Havia, porém, mulheres que, desde o início, iam, junto com os filhos, acompanhar os maridos, ficando nos loteamentos de forma improvisada e usando as roupas para não dormir no relento. Uma das primeiras coisas a fazer era limpar a área de mato e construir uma “Choupana”, mesmo que improvisada.

Segundo Werlang (1995),relatando também as memórias do menino Rockenbach, as mulheres que ficaram no galpão eram acostumadas e criadas com algum conforto na Europa e que, provavelmente, seriam elas que teriam ficado apavoradas. De acordo ainda com o autor (1995), essas mulheres possuíam muito mais bagagens que as demais. Por muito tempo, a historiografia sobre imigração defendeu a ideia de que os sofrimentos dos imigrantes eram fruto do “abandono” destes pelos governantes do novo país, cujas dificuldades de instalação os tornavam heroicos. No entanto, é preciso que se tenha em mente que, quando se decide migrar, isto é feito porque as condições de vida já não estavam bem há muito tempo, por vários motivos. O deslocamento aparece como uma chance de se ter as esperanças renovadas. Os imigrantes alemães que chegaram ao Brasil estavam acostumados a um sistema econômico ainda com muitos resquícios feudais. Neste, estavam acostumados a ter alguém responsável por suas vidas e pela terra que usavam para trabalhar, um padrão que já durava há séculos. No Brasil, os imigrantes se defrontam com um modelo diferente, no qual, sendo proprietários, eles seriam responsáveis por sua terra. Assim, as primeiras levas receberam ajuda financeira, nas seguintes teriam de pagar suas despesas e as do seu lote de terra. No trabalho antropológico sobre a colônia de Santo Ângelo, elaborado por Froehlich (2008), nota-se como as dificuldades percebidas pelos primeiros colonos:

Os mais antigos diziam que, de primeiro, tudo era muito difícil, que foram abandonados nesta terra. [...] Aqui era tudo mato, e que com bastante dificuldade e com união e trabalho foi se abrindo picada tudo a facão. Até as mulheres e as crianças ajudavam. (V. W. agricultor). (FROEHLICH, 2008, p. 162).

4

Para acolher os imigrantes que chegavam à colônia de Santo Ângelo foram construídos “três galpões”, que ficavam localizados nas terras de posse de Firmino José de Camargo, os imigrantes logo que chegavam ficavam nesses galpões até receber suas picadas. (Werlang, 1995).

5

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No relato do agricultor pode-se notar um sentimento de mágoa e até mesmo desprezo quando fala que foram “abandonados nesta terra”. Contudo, afastados da fala emocional dos colonos, pode-se fazer outra leitura. No Brasil, os imigrantes receberam ou compraram a sonhada propriedade, puderam livrar-se da fome que os atingia na sua terra natal, e seria justo que se unissem para buscar recursos de sobrevivência. E, quando se diz que os imigrantes passaram por dificuldades, isso não seria nenhuma novidade. Qualquer pessoa que vai para outro país, onde não se fala a mesma língua e com culturas próprias definidas de acordo com sua região, sofrerá traumas, irá se sentir deslocado e sim, passará privações, sendo nada exclusiva à imigração alemã, mas sim a todos os imigrantes, conclui autora da pesquisa.

Por outro lado, como foi apontada acima, uma boa parte dos colonos, ao contrário do que almejavam as autoridades da época, não se constituíam somente em agricultores. Existiam entre eles várias habilidades profissionais, desde carpinteiros, marceneiros e ferreiros, até comerciantes, professores e artistas. Estes diferentes profissionais vinham para a América a fim de melhorar de vida e, apesar de terem sido obrigados a se dedicarem inicialmente a atividades agrícolas – para ser “colono” se exigia que esse se dedicasse a atividades agrícolas –, muitos logo passaram a desenvolver outras atividades nas próprias colônias ou nas cidades próximas. As inovações e conhecimentos trazidos pelos imigrantes germânicos logo geraram mudanças na economia e na vida cultural da região central gaúcha, suscitando certo dinamismo econômico e fortalecimento da organização social, o que tornou possível o desenvolvimento da colônia e sua integração na economia do Estado (MELLO, 2006; ROCHE, 1969; WERLANG, 2002).

Segundo Cunha (1988), a colônia de Santo Ângelo prosperou, tornando-se um importante fornecedor de alimentos, o que foi considerado pelo governo como um objetivo atingido. Nesse momento, também, ocorreu reestruturação no espaço territorial, pois serão nele inseridas novas formas de utilização advindas dos conhecimentos técnicos trazidos pelos colonos. Seus hábitos, costumes, língua, religião, culinária entre outras manifestações socioculturais foram ressignificados, pois agora não eram mais “alemães” e sim “imigrantes alemães” no Brasil.

As diferenças culturais que existiam no território de origem, foram lentamente esmaecendo fora dele. “O valor da pátria somente se aprende a estimar, quando não a se tem

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mais”.6

Inicia-se assim uma nova construção de identidade. Segundo Lévi Strauss (2010), o homem ao chegar a um lugar diferente do que é seu conhecido, percebe-se vulnerável e suscetível a forças maiores que ele, e devido ao medo do novo, busca unir-se aos mais próximos que se conhece, neste caso, a outros imigrantes.

Quando se toma a decisão de imigrar, está sendo tomando a decisão de deixar um pouco da sua história, do que se viveu até aquele instante. Neste momento o que se carrega de identidade pessoal está na memória, nos poucos pertences que se traz na bagagem para a nova vida e no nome que se usa para apresentar-se. É próprio supor que, é uma nova pessoa que está a surgir. As memórias da sua terra natal estarão mais fortes do que nunca, porque ninguém quer se desfazer de suas bagagens culturais. Trata-se de uma maneira de proteger sua história, sem que sejam perdidas suas recordações. Pois, como coloca Hall:

[...] a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo ‘imaginário’ ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre ‘em processo’, sempre ‘sendo formada’. ( 2006, p. 38),

Uma memória cultural e uma identidade fantasiada de certa forma tornam-se real. Neste contexto de ajuda mutua7, o panorama da região central do Rio Grande do Sul modificou-se. A região onde ficava localizada a colônia de Santo Ângelo – antes considerada improdutiva e indesejada pelos pecuaristas, por suas áreas pantanosas, alagadiças e montanhosas, de difícil acesso – viu-se transformada à medida que estes detalhes eram superados. A produção de uma ampla variedade de gêneros agrícolas pelos colonos tornou as antigas áreas desprezadas, proveitosas aos olhos da província e ajudou a fortalecer uma identidade imigrante alemã.

1.2 O desafio: apresentado as fontes.

Pensando dentro das concepções teórico-metodológica a partir dos anos 90, que se verifica na produção historiográfica das últimas décadas, percebem-se novas possibilidades em termos de fontes, aproximando a História de outras áreas do conhecimento. É o caso da Antropologia e da Sociologia, com as quais se pode abrir espaço para que se construa um campo documental original.

6

Arquivo da Igreja Luterana de Agudo, carta de D.A. Fevereiro de 1884.

7

As colônias dos imigrantes foram construídas em forma de mutirão (ROCHE, 1969). Segundo Werlang (1995) era comum os imigrantes da colônia de Santo Ângelo ajudar uns aos outros, nas construções, nas colheitas - sistema de vizinhança.

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No momento em que se fez a opção pelo estudo da adaptação dos imigrantes alemães aos produtos alimentares do Rio Grande do Sul, tinha-se consciência da complexidade e das múltiplas possibilidades de abordagem. Diante também da escassa produção bibliográfica sobre o cotidiano alimentar dos colonos, buscaram-se alternativas em termos de fontes para a pesquisa das formas de alimentação dos imigrantes, vistas aqui como configurações da sociabilidade familiar e privada. Exatamente por esse caráter de domesticidade, o assunto pedia que se recorresse a outros tipos de fontes que não apenas as tradicionais.

Segundo Massimo Montanari (2008), os aspectos comuns e recorrentes ligados ao cotidiano familiar, apesar da riqueza de dados que podem apresentar à análise, não receberam, por parte dos historiadores, o devido tratamento. Sendo assim, considerando os aspectos culturais relacionados à alimentação, foram selecionadas as fontes, algumas inéditas em termos de tratamento em trabalhos sobre o assunto no Rio Grande do Sul (como é o caso dos cadernos de receitas)8.

A colônia de imigrantes alemães, palco deste estudo, será a que recebeu o nome de Santo Ângelo, hoje desmembrada nas cidades de Agudo, Paraíso do Sul, Dona Francisca, parte do interior de Restinga Sêca (Vila Rosa), que, no passado, pertenceram como distritos ao município de Cachoeira do Sul. Foram escolhidas estas comunidades por serem relacionadas à maioria das fontes desta pesquisa (cadernos de memória e receitas, assim como livros de culinária, registros do viajante Robert Avé-Lallemant, cartas e fotos), as quais se pretende utilizar para dar conta do objetivo de compreender as formas como ocorreram as adaptações alimentares dos imigrantes alemães no Rio Grande do Sul.

Nas fontes utilizadas para desenvolver o presente estudo, algumas são registros privados, o que exige intimidade, facilitada pelo conhecimento que as autoras dos diários e cadernos de memórias, assim como, as herdeiras de cadernos de receitas e livros de culinária têm sobre quem é a pesquisadora. É válido ressaltar que se as pessoas que possuem estas fontes, não conhecessem a origem da pesquisadora, provavelmente não seria permitido o acesso as mesmas. O segundo nome da pesquisadora (Helma), junto com o sobrenome (Friedrich), foi o que abriu as portas durante o processo de investigação, porém, também serviu para que esta pudesse pensar elementos importantes da cultura que as produziu.

8

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As fontes (cartas, fotos, cadernos e livros de culinária) pertencem a mulheres descendentes diretas de famílias de imigrantes da colônia de Santo Ângelo, algumas netas e bisnetas, assim como tataranetas dos primeiros colonos. Elas são residentes hoje, nas cidades de Agudo, Cachoeira do Sul, Santa Cruz do Sul, Restinga Sêca e Santa Maria no Estado do Rio Grande do Sul, perfazendo um total de nove guardiãs de memória da culinária de imigrante alemã.

As outras fontes estão disponíveis na Casa do Imigrante, de Agudo, como O Grande Livro da cozinha alemã; no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, a Correspondência do barão Von Kalden9; no Arquivo Histórico de Cachoeira do Sul, O diário de Pedro Rockenbach10, Atas do ano de 1850-1857 do Senado Federal, documentos disponíveis on line11 e as Atas da Igreja Luterana de Agudo, em Agudo.

As características comuns a habitantes de pequenas cidades do interior constroem medos sobre as pessoas de fora do convívio familiar. Daí as reticências das proprietárias das fontes em cedê-las e emprestá-las, demonstrando, inclusive, medo de perder contato de lembrança com o passado. Como elas não cansam de repetir: “é um tesouro da minha família”. Percebe-se nesta frase muitas leituras, não só do que é dito, mas do que esta sendo recordado, pois se lembrar de comida, neste caso, é lembrar-se de uma história de vida. As senhoras que cuidam desses “tesouros” são pessoas de idade acima dos 60 anos, algumas com mais de 90 anos.

Do recolhimento de fontes primárias, realizada nas localidades, foram coletadas quatro obras publicadas na Alemanha em anos variados, que vão desde 1842 a 1900; e duas obras públicas no Brasil, dos anos de 1970 e 1976, sendo estes últimos compilações de algumas receitas de imigrantes, realizadas pela instituição Casa da Amizade. Esta instituição entre outros objetivos, se propõe a preservar traços culturais dos grupos emigrados.

Essas obras foram encontradas por meio de indicação do administrador e historiador da Casa do Imigrante, da cidade de Agudo, o Sr. William Werllang. Sendo que uma das publicações é de pertencimento da Casa de Memória do Imigrante. As demais obras foram selecionadas a partir da indicação das famílias que as possuíram, marcando uma teia invisível

9

Arquivo Histórico do Rio Grande Do Sul, colonização, lata 296, maço 66.

10

Avulsos da Caixa 3, Série: Diários de memória , Subsérie: particular.

11

Disponível em: www.senado.gov.br/.../ATAS4terceiroconselhodeEstado 1850-1857, acesso em: 14/02/2012

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das relações sociais que as receitas e os alimentos criavam, e ainda criam, no contexto social. Como explica Cascudo (2004):

Nenhuma outra atividade será tão permanente na história humana. Além da importância do ponto de vista fisiológico e nutricional da alimentação para o ser humano, existe um valor simbólico do alimento para os grupos sociais. Assim, o entendimento da alimentação passa pela cultura (CASCUDO, 2004, p. 339).

Dos quatro livros de culinária publicados nos países germânicos, todos foram escritos em língua alemã gótica, ou seja, na forma clássica do idioma. Três das obras foram digitalizadas e se encontram em posse da pesquisadora. Uma única foi quase completamente traduzida e teve grande importância neste estudo. Trata-se do livro Brosses Ilustrists Kochbuch (O Grande Livro da cozinha alemã), de autoria de Mathilde Ehrhardt, publicado em 1900, com mais de 700 páginas. A obra chegou como um presente de casamento, a um jovem casal em 1906. As demais obras vieram para o Brasil12, provavelmente, na bagagem dos seus possuidores que, dele, esperavam tirar conhecimentos para sua alimentação na nova terra ou enviado como citado acima, como presente. Observando, porém, o livro de Ehrhardt, se percebe que aquele não era simplesmente um livro de receitas e, sim, um verdadeiro manual para as práticas alimentares dos imigrantes. De fato, acredita-se mesmo que esta era a intenção em sua posse, tanto quanto a utilidade das receitas ali existentes.

Na figura 01, a capa do livro de culinária Brosses Ilustrists Kochbuch (O Grande Livro da cozinha alemã), publicado no ano 1900. Estes livros de culinária eram dados às moças como um presente de noivado ou de casamento, sendo inclusive, indicado as mulheres que tinham ocupação de governanta. As mulheres alemãs eram conhecidas como excelentes governantas e educadoras, por apresentar conhecimentos administrativos e por serem letradas. Além disso, os seus doces ficaram muito conhecidos na Europa, depois das guerras Napoleônicas, por terem características clássicas e elegantes para a época. No Brasil, seriam usados como manual de orientação e sobrevivência (acredita-se por seus conteúdos), principalmente as jovens recém-casadas.

12

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Figura 01: Capa do livro de culinária “O Grande Livro da cozinha alemã” do ano de 1900. Fonte: Mathilde Ehrhardt.

Figura 02: Como cortar as peças dos animais, para aproveita-los sem desperdiço. Fonte: EHARHARDT, 1900, p. 323.

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No livro (Figura 01), constam mais de 2000 receitas, entre salgados, doces, carnes e bebidas, além de dicas de cortes de carnes e preparos (Figura 02), com informações dos melhores utensílios. Da mesma forma, podem-se encontrar dicas de higiene para habilitar os alimentos ao consumo e dos apetrechos da cozinha (Figura 03). Além disso, também se encontram informações de como semear hortaliças e verduras, com informações sobre o tempo de plantio e colheita. O livro também traz receita de como se fazer sabão, aproveitando as gorduras (animais e vegetais); além de dicas sobre como “quarar” as roupas brancas, utilizando anil no enxágue, e mantendo-as limpas. A questão da limpeza vai aparecendo e sendo valorizada como uma característica distintiva do imigrante.

A autora do livro é Mathilde Ehrhardt, nascida em 1834, em Wurtemberg, na Pomerânia, era filha de uma família abastada, “privatier”, isto é, de alguém que não dependia do trabalho para sustento, vivendo de rendas diversas. Como uma boa moça de família, recebeu a mais alta educação da época, o que incluía, além de uma boa formação básica voltada para a administração do lar, aulas de piano e de língua francesa. Mais tarde, casou- se com Carl Ehrhardt, médico do hospital de Wurtemberg. Mathilde colecionava receitas, como muitas mulheres de sua época, e, por influência do marido, passou a organizá-las para orientar a elaboração do cardápio de pessoas adoentadas. Nas fontes, tem- se dois livros de edições diferentes da mesma autora, um do ano de 1856 e um de 1900 (o mais analisado).

A primeira edição do livro de Mathilde é do ano de 1846, na metade do século XIX, quando ainda era raro às mulheres escreverem livros de culinária. A grande maioria das obras de culinária era escrita por homens. Portanto, este é um dos primeiros a ser publicado, e atingiu um enorme sucesso de público, sendo reeditado por várias décadas. Obras como a de Mathilde eram uma novidade num universo em que a maioria dos livros tinham como autores renomados cozinheiros, que prestavam serviços a senhores ricos e poderosos, como reis, imperadores e duques.13 Estes eram textos elaborados para atender a alta nobreza ou o patriciado urbano. No decorrer do século XVIII, no entanto, surgiu um número crescente de livros de receitas voltados a um público burguês. No século XIX, as publicações aumentaram em número, dando origem a uma vasta literatura culinária, cujas publicações discutem as mais diferentes questões relacionadas à nutrição, arte gastronômica e a cultura da mesa. Entre estas publicações tem- se também livros populares de receitas, estes sim, geralmente escrito por

13

Sobre a história dos livros de culinária impressos, cf. Bruno Laurioux, “Kochbücher am Ende des Mittelalters”, em Lothar Kolmer & Christian Rohr(orgs.), Mahl und Repräsentation: Der Kult ums Essen ( Paderborn/ Munique/ Viena/ Zurique: Verlag Ferdinand Schöningh, 2000).

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mulheres, nos quais tradições culinárias regionais eram registradas e difundidas para formar um “conhecimento nacional identificando uma identidade coletiva” (TREFZER, 2009, p. 12). Os livros escritos por mulheres para mulheres, são dirigidos a grupos mais amplos da população. Sua finalidade é transmitir conhecimentos básicos na administração da cozinha e do lar e estar à disposição como obra de consulta no dia a dia. “Livros de receitas cumprem diferentes funções, de acordo com a época e o público a que se dirigem” (TREFZER, 2009, P. 13). Por muito tempo foi comum tratar doenças através da alimentação e a maioria dos livros de culinária traziam dicas para alguns males do corpo, sendo esta a principal motivação de Mathilde Ehrhardt, que escreve influenciada pela ocupação do marido. As primeiras publicações da autora tinham por volta de 300 páginas, o que foi aumentando a cada edição. Segundo Rudolf Trefzer, foram um total 24 edições, e a edição do ano de 1900, fonte da presente pesquisa, têm mais de 730 páginas. Mathilde Ehrhardt descreveu em detalhes uma concepção significativa das áreas de armazenagem e de cozinha, como organizar a estética da mesa, quase como um design de mesa e as consequências de não seguir algumas regras. Cada refeição tem um significado e a mulher deve passar para as novas gerações o que sabe sobre as práticas domésticas. Trata-se de uma obrigação da mulher mais velha da família, se não o fizer será cobrada.14

Segundo Trefzer (2009), Mathilde Ehrhardt escreveu em um padrão sem precedentes. O livro era para todas as mulheres, inclusive mulheres que não tinham grandes orçamentos para refeições sofisticadas. Com apenas poucos ingredientes era possível preparar uma refeição elegante e saborosa. De acordo com Mathilde, pedia-se que abusassem dos legumes, pois eles coloriam a mesa e alimentavam o corpo. Para Trefzer (2009), a leitura da obra rapidamente desponta pensar como era trabalhosa a preparação das refeições, principalmente, para alimentar uma família grande. Um pequeno trecho do livro Mathilde Ehrhardt sobre as obrigações da dona de casa, chega ao ponto de pegar para si os cuidados administrativos da casa, sendo a mulher responsável pelos acertos e erros:

Decorar onde diligência ordem, e economia / Na casa sempre governar / E o amor, o cuidado, a bondade / Fazendo a dona de casa / Como a alegria e a felicidade estão em casa / com você se sentar em mesas / E a alegria se vai e por fora / E a alegria e frescura / A dona de casa pensar sobre essas coisas cedo e tarde / O que cada um começar bem / Vamos comer ou um bom conselho / O que é melhor religioso / Os

14

Ver Norbert Elias (1994), em O Processo Civilizador, especialmente no capítulo em que analisa a civilização como transformação do comportamento humano – inclusive do comportamento à mesa.

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membros da Câmara ou Gast '/ que ninguém faltava o que / À mesa e a alegre celebração / A Glória da dona de casa (EHRHARDT, 1900, p. 22).

O texto da Mathilde parece meio sem sentido para o século XXI, mas para o século XIX não. Neste sentido, os manuais de economia doméstica revelaram-se de uma riqueza inesperada para o trabalho. Não somente fornecendo elementos para se investigar as práticas relacionadas à cozinha e à arte culinária, vistas como atribuições básicas da mulher, da dona de casa "perfeita"; como também se mostram divisões importantes do ideal de mulher: feminina, carinhosa, dedicada à família, prendada e submissa em uma sociedade patriarcal. Recorreu-se a esse material com a preocupação inicial de buscar nele dados sobre alimentação, já que, trazem "conselhos" às donas-de-casa e/ou moças que estão sendo preparadas para o casamento. Entretanto, verificou-se que poderiam fornecer muito mais que isso. Assim, foram obtidos subsídios para discutir um pouco mais acerca dessas mulheres que em algum momento de suas vidas tiveram a preocupação de organizar um caderno de receitas. A grande dificuldade apresentada para análise das fontes documentais foi efetuar a tradução das obras, como no trecho antecessor. Para isso foi necessário usar o apoio de páginas eletrônicas e contar com ajuda de quem guarda as fontes. Ainda assim, alguns termos utilizados neste estudo não puderam ser traduzidos, ficando, portanto, escritos na língua publicada. Outra dificuldade em relação às fontes deu-se em razão do zelo com que algumas de suas proprietárias cederam os livros para consulta, na maioria das vezes, disponibilizando-os para pesquisa apenas em seu próprio local de residência, sem a pdisponibilizando-ossibilidade de usar máquinas fotográficas.

Esses documentos fornecem dados e informações que ajudam a esclarecer a conjuntura social, política e econômica da época. Interessam para a pesquisa informações sobre a imigração estrangeira, as políticas de intervenção/atuação dos governantes com relação ao comércio de gêneros alimentícios e à agricultura na região, assim como algumas receitas escritas com os seus ingredientes.

As principais fontes, são os cadernos e livros de receitas. Nos cadernos de receitas buscaram-se verificar quais eram as condições de criação e preservação das receitas e como eram sistematizadas nesse material. Examinou-se que tipo de receitas eram anotadas, como eram estruturadas, que ingredientes eram mais utilizados, qual a forma de preparo dos pratos, a quantidade de receitas doces ou salgadas. Enfim, informações referentes à pessoa que copiava e/ou criava essas receitas e por quem eram preservadas. Esses manuscritos são fontes

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primárias e é através deles que se conhecem alguns pratos dos imigrantes alemães que ainda hoje são apresentados como “tradição”. Esses “tesouros de família” levam a uma viagem de sonhos culinários, com monstruosas construções alimentares, enriquecidos com temperos e quantidade generosa de bom senso. Juntamente aos cadernos e livros de receitas teremos uma análise com os diários e cartas de pessoas que viveram o recorte temporal da pesquisa, cruzando ainda com o viajante Robert Avé-Lallemant que passou pela colônia de Santo Ângelo, nos anos de 1958 e 1959, podendo revelar o que nem mesmo os atuais nativos perceberam pela força do hábito.

Unindo essas fontes uma vez que se tem interesse pelos aspectos do cotidiano relacionados à alimentação e ao ato de comer, acreditasse que pode ser de grande ajuda para tentar compor o quadro social de tempos anteriores ao período em questão e verificar quais eram os alimentos consumidos pela população.

A leitura dessas obras foi importante por fornecer diversas visões da colônia de Santo Ângelo, seus costumes e dificuldades. Especialmente as em forma de memórias15 foram o subsídio para esclarecer hábitos da população (especialmente hábitos alimentares) e outros aspectos do cotidiano familiar relacionados à alimentação, dos quais as pessoas sentiam saudades. Autores como Roberto Da Matta, Pierre Bourdieu, Norbert Elias, Luis da Câmara Cascudo, Jean-Louis Flandrin, Jean-François Revel, Michelle Perrot, Jean-Paul Aron e outros foram usados como aporte teórico para o andamento do estudo, na medida em que contribuíram para o entendimento de algumas categorias explicativas, tais como: alimento/comida; habitus; gosto; civilidade; comensalidade; cozinha; sociabilidade; memória; cotidiano; domesticidade.

As fontes apresentadas formam uma documentação importante, cujo emprego é indispensável para a pesquisa. Esta, por tratar de um tema que envolve aspectos simbólicos relacionados ao ato de comer e ao cotidiano familiar, pois nas opções que somam a documentação tradicional da história, não há publicações que enfatizam a alimentação do Rio Grande Do Sul, com enfoque na alimentação dos imigrantes alemães. As fontes utilizadas no presente trabalho foram utilizadas para dar um sentido geral ao estudo, como informantes das práticas alimentares dos imigrantes.

15

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2 DA FOME A FARTURA NA MESA

2.1 Construindo as raízes alimentares no Rio Grande do Sul

Na introdução foi abordada a fuga dos alemães da fome e da miséria decorrentes de vários problemas políticos/sociais ocorridos nos países germânicos. A partir de agora, se investigará os passos para a fartura, pois a grande maioria dos alemães conseguiu tirar da tão sonhada terra própria o sustento para a família. O capítulo tratar das descobertas dos imigrantes sobre a nova terra, através dos relatos encontrados nas cartas e livros de culinária, fortalecidos com as discrições feitas pelo viajante Robert Avé-Lallemant, pelos relatórios da Igreja Luterana e pelos funcionários públicos da Província do Rio Grande do Sul.16

É certo que a vida não foi fácil de início. Ao menos até os ritmos da nova terra ser organizados e resolvidos, contaram com “trabalho pesado de derrubar mato, sofrer ataques de animais e algumas moléstias” (KÜHN, 2007, p. 88). Os relatos das decepções dos imigrantes, quando descobriram, ao desembarcarem no solo gaúcho, “que se tratava de uma grande região de difícil acesso, devido à falta de infraestrutura como estradas, pontes, transportes, indústrias e comércio” (WERLANG, 1995, p. 12) são inúmeros, mas pertencem, em sua maioria, aos primeiros anos. Somavam-se a isso as grandes distâncias, que levavam dias para serem percorridas. Como contam Eduard e Johanna, quando escrevem cartas aos pais que ficaram em Hamburgo:

“Cada imigrante e cada servo liberado recebe do governo de 2 a 300 extensões da selva que eles têm de transformar em terra arável. É impossível cultivar algo durante os primeiros três anos. Primeiro são removidos os cipós das árvores e, então, estas são cortadas e depois de três semanas tudo é queimado.” (Carta de Eduard, 1871. Arquivo pessoal da Família Falk).

“Perto da casa temos um riacho onde buscamos a água e, diversas vezes, vimos aí um jacaré. Eduard queria matá-lo, mas cada vez que chegava perto ele mergulhava.” (Carta de Johanna, 1871. Arquivo pessoal da família Falk).

Sem dinheiro para voltar ou comprar uma colônia já cultivável, o desafio era resistir e lutar para sobreviver. Nos relatórios enviados ao governo provinciais sobre as colônias, aparecem muitas preocupações em relação à pobreza e a miséria em muitos lugares da colônia, os quais apresentavam sérios problemas sanitários:

16

Relatório de Koseritz, funcionário público da província do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande Do Sul, colonização, lata 296, maço 66.

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Se com o problema de todos os construtores de afastar o cheiro desagradável de cozinha dos demais compartimentos da casa, fica resolvido, os colonos resolveram de um modo não menos simples evitarem as emanações ainda mais incômodas das latrinas, eliminando-as de dentro e de fora das casas e deixando a cada um a escolha conveniente ao ar livre. Os numerosos porcos espalhados pelos quintais cuidam por seu lado da pronta remoção desses inevitáveis detritos, e mostram-se tão zelosos nisso que se torna difícil fugir-se à precipitação desses zelosos animais, sendo por isso necessário armar-se de pedras ou pau quando não se pode nesses casos evitar o encontro (CANSTATT, 1954, p. 392. ).

Até organizarem seus lotes de terra, os imigrantes ergueram prédios muito simples, os cômodos eram construídos sem divisão no início, sem infraestrutura, as latrinas ou patentes, quando tinham, eram construídas não muito distantes da casa principal causando incômodos de mau cheiro, sem falar nas questões de contaminação que, como se sabe hoje, aconteciam. Diz, em seu diário, Josef Umann (apud FLORES, 1976):

Erguida à primeira choupana, minúscula e improvisada, recebia os baús e pertences indispensáveis que haviam sido trazidos, constatando-se logo que ela era por demais reduzidas para acomodar os objetos e permitir um lugar para dormir. O leito era geralmente feito de vara de palmito. Como mesa serviam os baús, e para cadeiras usavam-se pequenos troncos de árvore, que levavam a vantagem de não quebrarem o espaldar ao caírem. Em vez de polido fogão, espetavam-se duas forquilhas no chão e sobre elas se deitava uma pequena vara e se dependurava uma ou duas chaleiras. Nos primeiros tempos este fogão ficava ao relento, porque faltava tempo e também tabuinhas lascadas para erguer uma cobertura provisória (1976, p. 34).

Passado o primeiro susto, os imigrantes foram ajudando uns aos outros, buscando motivação para construir e desenvolver a colônia. Segundo Werlang (1995), a primeira plantação da colônia foi na Picada Morro Pelado, de forma comunitária. Quanto à alimentação, plantaram inicialmente a batata no primeiro ano, como na Alemanha, pois além ser uma colheita relativamente rápida (em torno de 45 dias), já conheciam o processo de cultivo. No segundo ano, já haviam descoberto o milho, a mandioca e o feijão, produzindo também o trigo e outras culturas, como o fumo. O viajante Robert Avé-Lallemant ao chegar a uma colônia de imigrantes, escreve que alguns imigrantes não gostavam do que recebiam como alimentos do governo e quando iniciam a produzir conseguem comer com mais prazer. A seguir o mapa da localidade Morro Pelado com as respectivas linhas de divisões de terras onde os imigrantes fizeram as primeiras roças.

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Mapa 2:Planta da localidade de Morro Pelado da colônia Santo Ângelo. Barão von Kahlden. 1878. Fonte: Werlang, William. A Família de Johannes Heinrich Kaspar Gerdau: Um estudo de caso sobre a industrialização no Rio Grande do Sul - Brasil. Editora Werlang. Agudo. 2002. pág. 179.

Os primeiros anos foram marcados pela preocupação – devido à experiência da escassez vivenciada na Europa – em garantir a produção de alimentos para o consumo (FROEHLICH; DIESEL, 2004). A colônia de Santo Ângelo, no segundo e terceiro ano da colonização, tornou- se uma grande produtora de arroz, sendo os imigrantes responsáveis pela introdução do produto no estado. Usou-se inicialmente a técnica de plantação do arroz no seco e depois o arroz irrigado. O arroz era um produto conhecido dos brasileiros, desde a abertura dos portos comerciais. Com a vinda da Família Real ao Brasil, o produto passou a ser importado e depois de alguns anos os imigrantes do Rio Grande do Sul iniciam a agricultura do arroz. Segundo o relatório de Koseritz de 1878, a Colônia Santo Ângelo era o maior exportador de arroz do Rio Grande do Sul, com 2050 sacas. Dedicou-se ativamente ao comércio de arroz, centeio, feijão, milho, fumo que eram remetidos em carroças para o comércio de Cachoeira.

Os imigrantes tiveram que trabalhar pesado para tirar da terra o sustento, mas obtiveram resultado, que demonstravam (e ainda demonstram através de seus descendentes) e celebravam, com mesas fartas, carregadas de invenções saborosas, que alimentavam seus filhos e os seus visitantes (português). O viajante Robert Avé- Lallemant relatou várias vezes

Referências

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