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Tecendo uma rede em comum ou pensando pelo meio (de onde se tecem as redes).

Dulci Boettcher

Se quisermos entender o mundo em que vivemos, em qualquer domínio, precisamos pensar sobre a noção de rede. Mas se elegemos a figura da rede como principal metáfora para entendermos as transformações em curso, não podemos entender sua importância e extensão se a reduzimos ao fato histórico da emergência das novas tecnologias de comunicação e do ciberespaço. O pensamento das redes está relacionado com a filosofia da rede, estética da rede, a rede como nova dimensão da comunicação. Áreas tão distintas quanto a filosofia, as ciências humanas e exatas, a arte e a tecnologia permitem diferentes abordagens sobre as questões das redes. A rede se tornou uma dimensão, ontológica e prática, de modelo de mundo e de subjetividade.

Vannevar Bush (1945) descreveu o ―Memex‖ como uma máquina baseada em microfilme, capaz de armazenar textos e imagens e criar associações entre eles, remetendo ao pensamento de rede, ao mesmo tempo em que (Houaiss, 2001) sinaliza para a compreensão da inteligência como ―faculdade de conhecer, compreender, aprender‖ de forma coletiva, uma vez que pensar e conhecer pressupõe a interdependência de idéias, pensamentos, módulos cognitivos, de neurônios, de células, organismos, de espécies, etc., justificando a palavra ―inteligência coletiva‖ de (Lévy, 1998). Porém, pensar de forma coletiva e em tempo real tornou-se possível com o surgimento da Internet, que surge, no ano de 1970, na Universidade do Havaí, quando estudantes usaram o sistema Arpanet pela primeira vez para trocar mensagens de computador.

A palavra rede, retis, no latim, significa o entrelaçamento de fios formando um tecido, tendo ampliado seu significado ao longo da história, como a idéia de uma malha, com diferentes usos, redes virtuais ou presenciais, formadas por células, nós e outras conexões. O conceito de

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rede no contexto social pode ser associado à idéia de organização, flexibilidade, conectividade e descentralização.

A Biologia foi responsável pela conceitualização da rede como sistema de realimentação. "Sempre que olhamos para a vida, olhamos para redes", nos alerta (Capra, 1997), defendendo a rede como o único padrão de organização comum a todos os sistemas vivos.

Participação, movimento, colaboração, conectividade, realimentação, descentralização, capilarização, dinamismo, entre outras, podem ser as características necessárias para que uma rede seja funcional. O conceito de rede aproxima elementos aparentemente tão diferentes entre si como corpo humano, linguagem e Internet. Levy (1998) destaca que a partir da cibercultura, um mundo novo no qual o conhecimento e a informação são a principal riqueza, a "moeda corrente". A Internet, por disponibilizar informações das mais diversas origens, passa a funcionar como meio de democratização da sociedade, configurando-se como rede de discussões que, por sua vez, provoca novas redes de debates.

A idéia de uma forma coletiva de pensar não é nova. Surgiu em 1925 com Teilhard de Chardin que cunhou a expressão ―Noosfera‖ - do grego noos, mente (de noogenese - desenvolvimento ou evolução do espírito) para designar uma teia de informação e conhecimento.

Ninguém pode negar que uma rede mundial de filiações econômicas e psíquicas está sendo tecida numa velocidade que aumenta sempre, que abraça e constantemente penetra cada vez mais fundo em nós. A cada dia que passa, torna-se um pouco mais impossível para nós agir ou pensar de forma que não seja coletiva.”(A Formação da Noosfera, 1947)

A rede, portanto, está presente na concepção filosófica desse jesuíta e paleontólogo francês (1881-1955) e segundo ele, a Humanidade caminha no sentido de uma evolução ―universal‖, participativa de um processo que se dá na natureza, no mundo, em toda parte, integrando mentes em um nível de relacionamento humano. A Noosfera, ou rede invisível da consciência humana, virtualmente engloba todo o planeta terra e através da convivência e interdependência com seus semelhantes, os seres se

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complementam mutuamente e formam vínculos de solidariedade. Acreditava este estudioso que o homem segue num caminho de ascensão, superando obstáculos e vencendo seus próprios limites, evoluindo na direção de uma realização cada vez mais plena, alcançando a compreensão

de sua posição no Todo.

Com relação a interconexão Theillard de Chardin considera a evolução humana em termos intelectuais e espirituais.

Segundo o padre jesuíta, no mundo físico existem duas energias: uma energia radial (correspondente ao conceito de força newtoniana de causa e efeito) e uma energia tangencial (que vem de dentro, de onde o divino aparece). Essa energia tangencial seria de três níveis, que Chardin chama de pré vida (para os objetos inanimados), vida (para os seres vivos) e consciência(para os homens). A pré vida corresponde à formação de matéria inorgânicas, a vida corresponde ao aparecimento de matérias orgânicas e a consciência ao aparecimento do homem e, consequentemente, do pensamento reflexivo. Assim, camadas sucessivas vão se empilhando umas sobre as outras : o mundo mineral, o mundo animal e o mundo da consciência. Esse camada da consciência, Chardin chama de Noosfera.([Lemos,2002,P.28].

O introdutor do conceito moderno de rede é Saint Simon (1760-1825), pois sua concepção avança para uma concepção de rede como um sistema de fluxos, falando de corpo bruto uma construção regular do tipo geométrico, como o cristal, e corpo organizado, definido como uma rede de circulação como vasos, artérias, etc. Mas a rede, em seu entender, apresenta também uma terceira variação, a híbrida, entre as duas primeiras, a rede como um organismo, a qual tinha a ver com sua preocupação de assegurar a passagem do sistema feudal ao sistema industrial, ou seja, da dominação à associação, somente assegurada com o desenvolvimento das redes de comunicação entre os sujeitos. Esses três elementos essenciais nesse processo (a associação, a comunicação e a comunhão), causaram a fundação de uma religião saint-simoniana. Nesse sentido, muitas redes constituídas através de meios de comunicação, em especial, através de

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redes como a Internet, e que se pretendem "comunidades" poderiam ser analisadas sob a ótica de uma herança saint-simoniana.

A rede como laço universal da sociedade contemporânea, interconectada entre a tecnologia, economia e organização, inspirou muitos autores e essa concepção é bastante próxima do trabalho de Manuel Castells (2000). Na descrição de uma Sociedade em Redes, é perfeitamente perceptível a visão de Saint-Simon (uma rede de fluxos para a circulação do dinheiro) onde se realiza a passagem (do corpo) do feudalismo para o (corpo do) sistema industrial. Essa passagem ocorria através de princípios éticos e religiosos dos sujeitos envolvidos nessa associação.

Já Michel Serres (2000) traz o conceito de rede pensada a partir dos fundamentos episistemológicos, considerando-a não apenas no modelo topológico e sim ontológico (pela possibilidade de criar caminhos ainda não pensados), não vista como representação, mas como próprio engendramento. Rede, enfim, para entender o surgimento de novas possibilidades.

Para Serres (2000), um diagrama em rede é constituído por uma pluralidade de pontos (sem subordinação nem privilégio) ligados entre eles por uma pluralidade de ramificações ou caminhos, uma rede criando outras redes, diagrama de processo e não de estados, podendo ser percebido uma semelhança com a concepção deleuziana de "mille plateaux". Serres (1994) retoma a idéia de rede como um ser intermediário, um anjo que anuncia o futuro de uma "nova humanidade"

Como contraponto da dialética - pois não da conta da complexidade - a rede de Serres é mais do que um caminho, não apenas muitas redes

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dialéticas juntas, mas pelo contrário, como um conjunto complicado e em constante evolução, representando uma situação instável de poder, distribuindo perfeitamente suas armas ou argumentos num espaço de trama irregular (Serres,1994, p.10). Talvez, a partir deste raciocínio, o mais adequado seria não classificar a rede, porém observar como ela se move de um lado ao outro.

Na mitologia, o simbolismo da rede está intimamente associado à arte antiga de tecer panos com expressões como entrelaçar, tecidos, fios, nós.

(...) O tecido, como o fio é antes de tudo um laço, mas é também uma ligação reconfortante, ele é símbolo de continuidade, superdeterminado no inconsciente coletivo pela técnica circular ou rítmica de sua produção. O tecido é o que se opõe à descontinuidade (...) A trama é o que o subtende" Durand, 1969, p36).

A amplitude do conceito de rede deve-se, provavelmente, a

complexidade do corpo humano, ou seja, há tantas coisas além do que podemos olhar e tocar - que Anne Cauquelin (1986) define como um vinculo invisível dos lugares visíveis - justificando a rede como o laço invisível, ao mesmo tempo externo e interno ao corpo, lembrando a tradição esotérica, porque "o imaginário da continuidade do fio e do tecer participa também na produção do conceito de rede nas ciências da vida que recuperam tecidos sobre e no corpo humano" (Pierre Musso, 1993, p.34).

Uma onipresença da noção de rede e a rede como saco de metáforas, figura intermediária entre ordem e caos, prótese técnica da utopia social são referencias, são mencionados por Musso em Parente (2004, p.31), tendo a rede como ´uma estrutura de interconexão instável, composta de elementos em interação e cuja variabilidade obedece a alguma regra de funcionamento´, ao mesmo tempo em que diz ser possível fazer a distinção de três níveis na definição de rede: como estrutura composta de elementos em interação, como estrutura de interconexão instável no tempo e ainda a modificação da estrutura obedece a alguma regra de funcionamento.

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Para Virginia Kastrup em (Parente 2004, ps. 80 a 90) a palavra rede é oriunda da topologia, tendo como único elemento constitutivo o nó, não importando suas dimensões, podendo ser aumentada e diminuída sem perder sua característica. Não pode ser, portanto, definida por sua forma, limites, mas por conexões (bifurcações e pontos de convergência). A rede deve ser entendida como base na lógica de conexões e não de superfície como, por exemplo, a rede ferroviária, neural, imunológica, informacional, que são capazes de crescer através de seus nós, por todos os lados e em todas as direções, podendo, ainda, ser vazada, composta de linhas e não de formas espaciais, remetendo, conforme já referido antes a Michel Serres, ao conceito de rizoma de Deleuze e Guattari.

Virginia Kastrup, em seus estudos relacionados a perspectiva de rede, leva em conta as relações entre o sujeito cognoscente (cognição híbrida) e a técnica, ou seja, o objeto técnico visto como uma espécie de prolongamento do corpo no comportamento de solução de problemas, nas relações de equivalência entre o sistema cognitivo humano e um objeto técnico em particular, o computador e por ultimo com a questão das relações entre técnica e sujeito e o processo de invenção do sujeito do conhecimento. Esta ultima maneira, no que se refere enfoque das redes, responde pela questão das relações entre técnica e cognição, representando a ontologia em rede um vasto campo para estudos atuais sobre dispositivos técnicos.

Ainda Kastrup em (Parente 2004, p.84) explica que retoma aos princípios do rizoma devido a sua importância em relação ao conceito de rede utilizado por Bruno Latour (1994) para pensar os híbridos, que para ele emergem da rede, bem como a própria ciência que os recusa, pois ambos são produtos da rede (composta de natureza, sociedade, intelectuais, políticos, matéria e instituições).

Latour, o filósofo e sociólogo das ciências, criou a noção de rede para pensar os coletivos heterogêneos, ou seja, fazer uma leitura empírica e

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pragmática da ciência, considerando os incontáveis mediadores (instrumentos, artigos, competências tecno-científicas, administrativas, recursos financeiros, etc,). Criou, dessa maneira, a noção de 'híbrido' para falar dos objetos produzidos pelo conhecimento, no nosso cotidiano. Em outras palavras, os objetos que resultam são o misto dos objetos naturais purificados, da ciência, dos objetos resultantes do modo determinado da organização social e os objetos de linguagem, com sua forma dada pela ordem do discurso. Em seus estudos sobre as redes cientificas define a rede como real, coletiva e discursiva e, tal como o rizoma, articula elementos heterogêneos (saberes e coisas, inteligências e interesses) (Parente 2004 p. 85).

Latour utiliza a noção de ator no sentido semiótico, ou seja, um ator se define como qualquer pessoa, instituição ou coisa que tenha agência, isto é, que produza efeitos no mundo e sobre ele. Na acepção de Latour, um ator é ´caracterizado pela heterogeneidade de sua composição; ele é, antes, uma dupla articulação entre humanos, e não- humanos e sua construção se faz em rede` ( Latour1992, p. 59).

Em outra obra (Latour, 1993, p. 261) afirma que ‗rizoma‘ é uma palavra perfeita para rede‖ e Kastrup (1997, p. 38) complementa que a rede seria a versão empírica do rizoma. Como já mencionado anteriormente, o modelo das redes de Latour é inspirado na noção de rizoma, de Deleuze e Guattari, e segue o 'método' do pensar rizomático, formulado pelos dois em

Mil Platôs.

Como os rizomas de Deleuze e Guattari, as redes de Latour (...) não respeitam as distinções estabelecidas entre coisas e pessoas, sujeitos pensantes e objetos pensados (...). Tudo que for capaz de produzir uma diferença em uma rede será considerado como um ator (...). Esta concepção do ator nos leva a pensar de forma simétrica os homens e os dispositivos técnicos. As máquinas são feitas por homens, elas contribuem para formar e estruturar o funcionamento das

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sociedades e as aptidões das pessoas, elas muitas vêzes efetuam um trabalho que poderia ser feito por pessoas (.KASTRUP, 1999,p.27.)

O conceito de rizoma nos leva a considerar um domínio anterior a todas as dicotomias, como pensamento e ser, sujeito e objeto e, conforme (Deleuze1992, p.45) afirmá-lo como um caso de sistema aberto aparecendo como condição dos regimes e das formas existentes. Assim, se pensamos em rizoma estamos entendendo que há um outro domínio, que vai alem das formas, ao que Kastrup (Parente 2004) acrescenta que o rizoma do ponto de vista das formas é um outro domínio, mas que é também o meio do qual as formas emergem, defendendo a idéia de que se a cognição pretende dar conta da invenção deve não apenas exceder o domínio das formas, mas ultrapassa-lo na direção de outro domínio.

Na arte, mais do que em qualquer outro campo, a rede se faz presente e segundo Roy Ascott (Parente, 2004), o homo telemáticus, a Arte Interativa, os artistas, enfim, pela possibilidade de antecipar as emergências da conectividade cultural, podem participar com os cientistas na criação da vida como ela poderia ser.

Vida Artificial é a tentativa de colaborar com a vida, interagir com ela,

para nos vermos como parte de uma rede infinita de conectividade (....)

a concepção chave na Vida Artificial é o comportamento emergente. A

vida é o comportamento que emerge de todas as interações locais entre

os comportamentos individuais.( (Parente 2004, 241).

A rede funciona num espaço virtual, juntamente com os objetos, as ferramentas e os sujeitos, sendo necessária uma complementaridade entre os seres implicados,

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colaboração de forma coletiva. O artista, nesse sentido, se relaciona com o mundo tornando visível o invisível, inventando novas formas e sentidos.

A cultura como uma rede fechada de coordenação de ações e emoções e como um âmbito gerador de interobjetividade é também o pensamento de André Parente (1999, p.69) que focaliza o hipertexto como um texto reticular, uma rede composta de nós formando o seu tecido, podendo-se associá-los (os nós) a palavras-chave como obras, autores, temas, conceitos, representados sob a forma de textos, imagens e sons.

Redes também podem ser encontradas na teoria biológica de Humerto Maturana (1984, 1981, 1990) ao evidenciar que a organização comum a todo sistema vivo unicelular é a autopoise ou produção de si próprio. A célula é uma rede de processos, na qual cada elemento constitutivo participa da produção de outros. Sistemas vivos são máquinas que se distinguem por sua capacidade de autoproduzir-se e Maturana (1990, p.37), palavras são nós de coordenações condutuais consensuais, que as palavras constituem operações no domínio de

existência como seres vivos dos que participam na linguagem que, como resultam no fluir de trocas corporais, posturas e emoções destes, tëm a ver com o conteúdo de seu linguajar. Resulta que o que fazemos tem conseqüências em nossa dinâmica corporal, e o que passa em nossa dinâmica corporal tem conseqüências em nosso linguajar.

Através das conversações pode-se chegar a consensos que levem em conta o respeito a diversidade de pontos de vista, pela observação de alguns parâmetros como: o que é racional é resultado de nossas percepções, que precisamos harmonizar razão e emoção (proposta do modelo complexo), uma cultura é uma rede de conversações que define o modo de viver. A cultura é definida pelos discursos que nela predominam e que se originam nas conversações. Os consensos sociais resultam dos discursos que resultam das redes de conversações.

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conversando, por isso Maturana (1984), afirma que o humano se constitui quando surge a linguagem na linguagem humana, explicando que a palavra conversar vem da união de duas raízes latinas, ―cum‖, que significa ―com‖, e ―versare‖, que significadar voltas. (dar voltas com outro).

A importância das conversações como redes evidencia um sistema de ressonâncias circular, não linear, explicado por Maturana (1984) como a causa desencadeante ao viajar ao redor do círculo, sofre o efeito de seu próprio ato, causando a conseqüente reconfiguração de todo o sistema. Através da linguagem, reflexivamente, nos descrevemos, descrevendo nós mesmos através de distinções de distinções. Essa autoconsciência, segundo o autor, depende da linguagem como fenômeno de recursão lingüística, sendo também um fenômeno social. Conforme suas palavras, somos o que conversamos.

Experiências ocorrem em nós. Nós nos reencontramos na experiência na medida em que a distinguimos como tal, e fazemos dela um problema a ser resolvido. Ao necessitarmos dar conta dessa experiência. Enquanto refletimos sobre nós mesmos, nós nos refletimos nessa reflexão e crescemos com isso. Não preexistimos à nossa auto-distinção reflexiva. ( Maturana, em

PELLANDA, .M.C.PELLANDA, 1996).

A partir da compreensão de uma integração entre organismo e meio, num processo independente – autopoiese - precisamos lembrar, ainda a importância do trabalho de Francisco Varela (2003), que busca no campo das Ciências Cognitivas a postulação de uma construção de si e do mundo através do que ele denomina de enaction, mostrando que pelo acoplamento organismo-meio, há aprendizagem sem representação. Há uma espécie de emergência de novas habilidades, de novos operadores, sem a necessidade de se representá-los.

Nos últimas décadas autores como Edgar Morin (1990,1996) criticam o pensamento hegemônico do modelo linear-cartesiano, o que já é possível perceber na

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filosofia de Baruch Espinosa (1983, 1992, 2003): a imanência e o diálogo incessante entre pensamento e sentimento, objetividade e subjetividade, a razão e as paixões.

O que nos remete a idéia de rede na filosofia espinosiana é que uma idéia isolada nada significa, pois é preciso conhecer também os modos pelos quais ela se liga a outras idéias. Através da reflexão, o pensamento retrocedendo sobre si mesmo para alcançar o conhecimento e esse auto-conhecimento pode nos conduzir a uma mudança em nosso modo de ver a nós mesmos, os outros e o mundo, possibilitando-se, pela interação, a construção de um mundo melhor.

Considerações finais.

O tema das redes é sem dúvida fascinante ou não haveriam tantos

autores empenhados em ressaltar suas características e abordagens. Temos, entre outros, Pierre Musso que se debruça sobre a filosofia da rede, Bruno Latour com a noção de rede para pensar os coletivos heterogêneos, fazendo uma leitura empírica e pragmática da ciência, utilizando a noção de ator no sentido semiótico (o trabalho de Latour é um cruzamento entre as filosofias de Serres e de Deleuze &Guattari). Michel Callon enfatiza o papel das redes sócio-técnicas, Virginia Kastrup, traz a rede como figura empírica da ontologia do presente e André Parente, mostra o pensamento, as redes, e a transformação e subjetividade. Entre outros mais, podemos citar ainda, Michel Serres, uma referência necessária, não só porque as coisas estão aí presentes na condição de híbridos, mas porque lança luz sobre uma genealogia das coisas, das trocas entre humanos e não-humanos, definida por Latour como um dos pontos relevantes da filosofia de Serres.

Por sua visão da ciência como um vetor de devir, Deleuze & Guattari são também referências importantes necessárias, uma visão da ciência que leva em conta o devir. A noção de rede está implicada filosoficamente com a filosofia mestiça de Serres e, ao mesmo tempo, encontra ressonâncias com a filosofia da diferença de Deleuze & Guattari.

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Temos Henry Atlan mostrando seu posicionamento do conceito de rede-máquina, rede-vivente, Anne Canquelin defendendo a rede como ferramenta da produção de passagem, Humberto Maturana, introduzindo as redes autopoiéticas (redes de conversação) e Espinosa com sua imanência e por acreditar que a partir das emoções (e o que ocorre no corpo – onde ocorrem nossas interações com o mundo), contribui decisivamente para o pensamento complexo.

Por fim, Pierre Levy, talvez o maior estudioso das redes, mostrando como tanto as máquinas informáticas são dispositivos de inteligência atuando em interface com os humanos ou permitindo redes de subjetividades, cuja produção é uma inteligência coletiva, como as próprias instituições sociais — escola, família, hospital, burocracia estatal. A rede presente na Internet, configurada como uma inteligência coletiva e potencializadora das riquezas humanos, devido aos recursos disponíveis, compõem um novo cenário de relacionamentos, reforçando a possibilidade de realização de uma Noosfera, através da rede mundial de computadores e potencial nela contido e que integram o pensamento da humanidade. Exemplos disso, a proliferação dos grupos de discussão chats, fóruns, e.mails etc.

A lógica das redes, pelo modo como os intercâmbios e agenciamentos surgem, permitem que se desfrute os sentidos do mundo das mais diferentes maneiras, pois a rede é um lugar de experimentação, um espaço de intenções, nômade, com possibilidades ilimitadas para o imaginário. Pierre Lévy enfatiza a importância da dimensão técnica e coletiva da cognição ao afirmar que os seres humanos jamais pensaram sozinhos: o conjunto do mundo humano, com suas instituições, linguagens, objetos e ferramentas pensam em cada sujeito, tornam a Rede Internet um espaço de construção e reconstrução, um lugar de hibridismos.

Após esta tímida viagem com estes estudiosos das redes fica em mim a idéia de que já não sou a mesma de antes, pois pensar em rede faz com que pensemos de uma outra forma, lembrando o filósofo grego Heráclito dizendo ―Tudo é Um‖, nos conduzindo ao conceito de ―inteligência coletiva‖, defendido por Levy. Um compartilhamento de saberes

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produzidos pela Humanidade como um todo, e a Internet, o cyberespaço, a Noosfera de Chardin, uma possibilidade de consciência coletiva potencializando a forma de agir e pensar de toda a humanidade.

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Referências

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