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Academic year: 2021

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Economia Política do Poder e Subjetividade

José Henrique de Faria

Resumo

O artigo trata da Economia Política do Poder como uma nova forma de olhar as organizações, uma opção epistemológica, com fundamentos teóricos e metodológicos próprios, vinculada a uma teoria crítica, baseada na interação dos fundamentos econômicos, sócio-históricos, políticos, culturais e psicanalíticos, na tentativa de juntar estas instâncias para entender as organizações. Enfoca de modo privilegiado a interdisciplinaridade, no intuito de alcançar a compreensão da sociedade, da cultura, da ideologia, do imaginário, do simbólico, das relações sociais e de produção das condições materiais de existência, desvendando o mundo do poder e as formas de controle social em suas formas objetivas e subjetivas.

Gestão Organizacional Contemporânea e Tecnologia de Gestão e Subjetividade são temas relacionados a uma subárea da linha de pesquisa Economia Política do Poder e Análise Organizacional, a qual se constitui em um Grupo de Pesquisa, com o qual este autor tem trabalhado já há algum tempo e que se encontra registrado no CNPq desde o ano de 2001. Portanto, é necessário organizar esta exposição iniciando por localizar as razões pelas quais se estruturou este tipo de pesquisa que procura compor uma análise objetiva sobre as relações entre a objetividade e a subjetividade nos estudos organizacionais. Para tanto, convém fazer um histórico resumido desta trajetória de maneira a destacar os pontos importantes para desenvolver os argumentos.

Em abril de 1978, o Professor Maurício Tragtenberg foi ministrar um seminário sobre trabalho e sindicalismo no Programa de Pós-Graduação em Administração – PPGA. Era um período em que recomeçavam as greves do ABC paulista. Tal seminário despertou a atenção do autor para o desenvolvimento de uma pesquisa que serviu de base para uma dissertação de mestrado sobre os movimentos operários do ABC paulista em 1978-1979 na perspectiva que foi chamada de autoritarismo nas organizações.

A pesquisa propiciou a participação em discussões sobre as greves, sobre a situação de vida dos operários, sobre relações de poder e de trabalho. A tese defendida era a de que aqueles movimentos operários, que deflagraram as greves em 1978 e 1979, eram organizados não em torno apenas da questão salarial como se acreditava, mas em torno de relações autoritárias de trabalho. Em geral, as pessoas, a mídia, os analistas ora diziam “a greve é

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econômica”, ora “a greve é política”. Toda greve é política, é econômica e é ideológica. Não existe greve “só econômica”, ou “só política”. A questão era a de que não somente a greve era econômica, política e ideológica, como era uma forma de resistência e de enfrentamento às relações autoritárias de trabalho. Embora as lideranças sindicais nem sempre tivessem a exata noção disto, o que mobilizava os operários era em grande parte o sentimento de serem tratados coercitivamente. Aqueles movimentos respondiam a um processo autoritário de gestão das empresas que se refletia nas relações de trabalho. Assim, se um dos elementos desse autoritarismo era o salário, o salário não era tudo.

O nível de repressão naquelas organizações, naquelas empresas, era de tal ordem, que descrevendo talvez seja inacreditável. Empregados eram tratados como escravos. Como até hoje são, com outros elementos, mas ainda são. As cenas que foram presenciadas nas fábricas e as conversas com operários são quase inimagináveis, difíceis de traduzir. Por exemplo, o controle sobre a satisfação de necessidades fisiológicas: os trabalhadores tinham horário para ir ao sanitário e um tempo determinado para usá-lo; era no máximo duas vezes por dia para uma determinada necessidade e quatro vezes por dia para outra, com tempo cronometrado. Algumas grandes empresas multinacionais, de marcas famosas, tinham um controle tão rigoroso sobre esse tipo de acesso ao “banheiro”, que criou uma função para esta finalidade. A pesquisa permitiu encontrar um empregado que fazia este trabalho e que pela descrição da tarefa poderia ser classificado como “gerente de latrina”, porque a função dele na empresa era a de gerenciar o uso das mesmas, era organizar, dirigir e controlar. Controles desse tipo parecem incríveis, mas são verdadeiros. Com esse conjunto de fatores, aliado a uma repressão por parte do Estado, os operários não podiam se reunir livremente, não podiam conversar, não podiam falar, não podiam protestar. Havia um aparelho de Estado repressivo, uma empresa altamente coercitiva, salários baixos, condições de trabalho ruins. A pesquisa estudou o movimento dessa perspectiva.

Depois, entre 1983 e 1986, foi pesquisada uma das conseqüências desse movimento, as comissões de fábrica, entre 1980 e 1985. As comissões foram saudadas por alguns intelectuais como a nova forma de participação dos empregados na gestão, como a ofensiva dos trabalhadores na empresa, como a mudança do palco da luta do plano externo para o plano interno da fábrica. A pesquisa defendia uma outra tese, que era a de que, de fato, as comissões de fábrica eram uma forma de luta, mas não apenas isto. Entendia que as lutas nunca se transferiram de fora para dentro da fábrica porque que nunca saíram dela e tampouco que haviam deixado o terreno externo para o interior da fábrica, porque igualmente nunca haviam deixado o terreno externo. Em síntese, a idéia de uma prática ora dentro, ora fora da

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fábrica, era decorrente de uma visão que valorizava a forma e não o conteúdo. As lutas sempre foram, historicamente, dentro e fora das fábricas. Não se pode confundir estratégias de resistência com o conteúdo da mesma.

O fato, portanto, era que as comissões se constituíam em uma iniciativa estratégica organizada pelos operários dentro da fábrica, porque a estrutura sindical não permitia que os operários fizessem uma ação sindical dentro da fábrica, porque em alguns sindicatos os presidentes nomeados não eram da confiança dos operários, porque os sindicatos eram sujeitos à intervenção estatal, porque nem todo dirigente sindical defendia os sindicalizados em algumas empresas e porque as bases já tinham diferenças de postura. Estas diferenças podem ser percebidas hoje, embora não muito enfaticamente, nas ações das centrais sindicais. Ao estudar as comissões de fábrica foi possível entender que aquilo que era uma forma organizada de estratégia operária, passou a ser também uma forma estratégica articulada pelas empresas para exercer o seu controle, o seu domínio sobre o operário. As empresas usavam a estrutura e as ações das comissões para melhorar a efetividade de sua gestão, especialmente na área de produção. Em resumo, nada, absolutamente nada, na vida organizacional e na vida em sociedade é possível de ser traduzido sem que se analise o movimento, a dialética e a contradição. Não existe um fato ou outro fato, mesmo sendo opostos, mas uma unidade de contrários. Um fato é o que ele afirma e ao mesmo tempo sua negação Se não se analisar desta perspectiva não se compreende o processo.

A realidade se expressa pela tese e pela antítese e o resultado deste embate, a síntese, será uma nova tese, em um movimento permanente. Assim, a diferença, o choque entre tese e antítese provoca um outro fenômeno com sua contradição e assim sucessivamente. Para a dialética não existem duas coisas, o bem e o mal: isso é maniqueísmo. Existe uma única coisa com as suas contradições. Assim, os sujeitos são contraditórios, suas atitudes, suas organizações são contraditórias, e o que tem que ser visto é este processo.

Mas, aquela pesquisa, feita no campo empírico das entrevistas entre 1983 e 1986, mas considerando os dados disponíveis desde 1980, não tinha visto as mudanças nas forças produtivas, especialmente as tecnologias. Então, foi necessário realizar uma pesquisa que estudasse o impacto da introdução de novas tecnologias no processo de trabalho e de produção em empresas intensivas de capital no Brasil, o que foi feito em 1988-1989. Ainda não se falava em reestruturação produtiva, mas já se tinha incorporado à literatura o chamado “modelo japonês”, hoje chamado toyotismo, gestão flexível, produção enxuta, etc. A pesquisa tratava do impacto da introdução dessas novas tecnologias de base microeletrônica, ou seja, os softwares CAD, CAM, CAE e CIM, e o robô industrial, a máquina ferramenta de controle

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numérico computadorizado - MFCNC, etc., sobre o processo de trabalho. A conclusão foi a de que a alta competitividade das empresas que se encontram no núcleo do desenvolvimento tecnológico as levavam a adotar estas novas tecnologias físicas e de processo, mas para serem de fato competitivas elas precisariam introduzir as tecnologias de gestão. Porque as novas tecnologias físicas e de processo de base microeletrônica não são compatíveis com o modelo taylorista-fordista da gestão da fábrica. Esta foi a primeira pesquisa no Brasil a relacionar as tecnologias físicas de base microeletrônica com os novos modelos gerenciais da produção flexível. Também foi nesta pesquisa que foi cunhado o conceito de tecnologia de gestão, de tecnologia física, de processo e de produto. Os conceitos de “tecnologia de gestão”, “tecnologia física”, “tecnologia do processo” e “tecnologia do produto”, viraram verbetes em um dicionário sobre tecnologia organizado pelo Professor Catani, da UFRGS. Hoje, usam-se normalmente estes conceitos, ou seja, já estão incorporados ao cotidiano das organizações e da literatura. O conceito de tecnologia de gestão, proposto em 1989, também mereceu críticas, porque o termo tecnologia estava vinculado apenas à sua natureza física.

Que tecnologia de gestão era necessária para obter maiores resultados, maior produtividade e maior controle? A chamada gestão participativa. O que era a gestão participativa? Era apenas uma estratégia de gestão das empresas para compatibilizar a nova necessidade de gerenciamento do processo de trabalho dadas as tecnologias de base física. Na época, esta abordagem foi inovadora, polêmica e bastante questionada. Atualmente, com o desenvolvimento destas relações, com outras pesquisas que confirmam o que havia sido descoberto naquele estudo, esta concepção já é comum.

A experiência pessoal do autor durante o período em que esteve na Administração Universitária, permitiu refletir sobre um mundo para cuja explicação a teoria estudada até então não era suficiente. Aquilo que se chama de “o mundo dos porões”, “os subterrâneos da universidade”, “os bastidores da academia”, “o esgoto da organização”, esta parte noturna em que as pessoas trabalham como ratos ou como vermes e se reproduzem e tramam assaltos e revoluções, como diria o Chico Buarque, só era conhecida superficialmente. A falta de experiências concretas neste mundo que é real, mas oculto da vida organizacional, torna difícil apreendê-lo. O pesquisador é obrigado a conhecer a outra face do poder pelos efeitos e não pelas tramas.

O pesquisador imagina sempre o mundo do poder de uma perspectiva teórica mais racional, entende que é possível analisar toda a questão do poder com um conceito em que apenas a racionalidade está presente. Mas, existe um mundo nas organizações que o marxismo (econômico, jurídico-político, ideológico) não dá conta de trabalhar de forma competente, que

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a ciência política não cobre, que a sociologia percebe apenas em parte e que a psicossociologia elabora, que é a análise do sujeito. Entretanto, a psicossociologia não leva em consideração aspectos importantes das perspectivas marxistas, políticas e sociológicas. É fundamental uma concepção interdisciplinar para buscar não um sujeito isolado em si mesmo, mas um sujeito do trabalho, individual ou coletivo. É necessário dar voz ao sujeito, porém sem abrir mão da centralidade do trabalho, que é o núcleo categórico do pensamento marxista. Alguns marxistas não aceitam este enfoque que dá voz ao sujeito, inclusive em sua subjetividade, seu inconsciente, porque entendem que tal análise não é histórica e porque acham incompatível juntar teórica e epistemologicamente Freud com Marx. Do ponto de vista do sujeito histórico, Lukács e Vygotsky, cada um a seu modo, já responderam a esta questão. Sobre juntar Freud e Marx, não se pretende discutir este tema aqui, pois ele é, por si só, muito complexo, mas convém lembrar que Eric Fromm fez isso, que Marcuse fez isso e que Enriquez e outros mais fazem isto.

Ao conhecer esse mundo dos bastidores, as formas de articulação política, essas coisas que não podiam ser faladas, o não dito, todas as “mentiras, sussurros, ardis” (usando de novo o Chico Buarque), apareceram nas reflexões. Exatamente porque foi necessário lidar com o visível e com o não visível, com o discurso pronunciado oficialmente e com o discurso não falado, com aquilo que é dito, e dentro do dito, com aquilo que não é dito. O jogo de bastidores é um jogo muito perverso, em que prevalece a ética da conveniência, como diria Weber.

Ao final desta experiência, em abril de 1998, conhecendo estes aspectos da realidade, as pesquisas foram retomadas, agora considerando a incorporação da chamada teoria psicossociológica, sem abandonar o marxismo. Descortina-se o espaço da Teoria Crítica, na perspectiva frankfurtiana. Tarefa complexa, polêmica e dolorida. Não se pretendia e não se pretende adotar uma concepção psicanalista, fazer psicanálise organizacional, porque é inadequado e irresponsável fazer o que só o psicanalista pode fazer. O que se pretendia era apenas utilizar alguns dos instrumentos teóricos da psicanálise (insiste-se no teórico), como um psicanalista pode utilizar fundamentos da economia para analisar seu paciente do ponto de vista de sua inserção no mundo do trabalho capitalista. Utilizaram-se referenciais da psicanálise para pensar as relações nas organizações e com isso tentou-se integrar a visão macroeconômica do mundo com a visão do sujeito. E é exatamente a isso que se acabou então chamando de Economia Política do Poder, que é o que se vai resumidamente, nesta segunda parte, tentar mostrar a seguir.

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Antes, convém sintetizar o que foi exposto até o momento: as pesquisas começaram estudando, de um ponto de vista objetivo, com algumas incursões na subjetividade, o autoritarismo nas organizações; depois estudando as formas de organização operárias na fábrica; em seguida o impacto da introdução de novas tecnologias no processo e na gestão do trabalho. Os temas são claros: poder e controle. Em seguida, vem a experiência em uma situação de gestão na qual há um enfrentamento com a relação objetividade-subjetividade, a qual redireciona as pesquisas e levam ao tema da Economia Política do Poder.

Economia Política do Poder é uma nova forma de olhar as organizações, é uma opção epistemológica, com fundamentos teóricos e metodológicos próprios. É necessário fazer uma pequena introdução sobre o que é o tema e trabalhar então com as questões de forma de controle e nível de análise, ou seja, o que se deve estudar nas organizações, os fundamentos desta visão, as formas de organização social que se deve trabalhar, o ambiente social que se deve investigar, onde se localiza o contexto destas formas de controle e finalmente uma conclusão. Que se comece com o óbvio: a introdução.

O primeiro ponto é Economia Política do Poder e Teoria Crítica. O que é Teoria Crítica? A Teoria Crítica decorre de uma formulação feita pela Escola de Frankfurt, criada por marxistas que são conhecidos hoje como a parte do marxismo ocidental. Estes pesquisadores à época (e a razão da vinculação do Grupo de Pesquisa a esta Escola decorre muito disto) trabalham em uma perspectiva de uma análise marxista voltada à emancipação, a um combate ao autoritarismo (de esquerda ou de direita). Estes pesquisadores da Escola de Frankfurt, perseguidos pelo nazismo, faziam a defesa de uma sociedade diferente daquela que os perseguia, que era autoritária, com intenso controle social, impositiva e preconceituosa. Eles se dão conta de que ao fazer a defesa de uma sociedade emancipadora, mais humana, democrática e justa, defrontam-se com um modelo não capitalista na União Soviética que reproduz, de alguma maneira, a mesma razão totalitária que eles criticam no capitalismo nazista.

Estes intelectuais começam a entrar então em um confronto contra essas formas de totalitarismo independente da sua origem, se era de certa teoria ou outra. Então, a questão básica é: a Teoria Crítica é uma teoria que se contrapõe a toda forma de totalitarismo, de autoritarismo, de coerção. Centra-se, então, na emancipação, na liberdade, no esclarecimento. Esta é a questão nuclear. Portanto, tem fundamentos marxistas, mas de certo marxismo; tem fundamentos no sujeito sem escorregar para o individualismo, e eles foram os primeiros a fazer a ligação do pensamento da psicanálise com o marxismo para tentar inserir o sujeito na análise e isto é importantíssimo porque o marxismo até então não dava conta dessa relação. A

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Economia Política do Poder vincula-se a uma teoria crítica; é baseada na interação dos fundamentos econômicos, sócio-históricos, políticos, culturais e psicanalíticos. É uma tentativa de juntar estas instâncias para entender as organizações.

Com este propósito, foi criado em 2001 um grupo de pesquisa, registrado no Diretório do CNPq e Certificado na UFPR, chamado Economia Política do Poder e Estudos Organizacionais, que pode ser consultado entrando na plataforma Lattes. O grupo já produziu diversos trabalhos acadêmicos, dissertações, teses e pesquisas em organizações, trabalhando no campo empírico com diversos objetos de estudo, com ênfase em organizações produtivas sob o comando do capital e em seu oposto, a autogestão nas unidades produtivas. Este é o segundo ponto que se deseja abordar, ou seja, a concepção teórico-metodológica e epistemológica.

Economia Política do Poder, ou EPP, é uma proposta epistemológica porque junta em um mesmo tipo de enfoque, correntes teóricas diferentes, mas epistemologicamente compatíveis. Muito se fala nos cursos de mestrado e doutorado que a pesquisa tem que ser teoricamente coerente. Sem dúvida. Mas, para que isto ocorra é necessário, antes, que ela seja epistemologicamente coerente. É possível usar diversas teorias, conversar com várias teorias, utilizar subsidiariamente várias teorias, mas é a coerência epistemológica que tem que ser garantida. Não importa que se possa emprestar, aqui ou ali, um ou outro conceito ou referência de pesquisas de outras correntes, desde que não sejam importados os pressupostos epistemológicos destes.

A linha de pesquisa tem defendido há alguns anos que não existe trabalho teórico relevante se não existir uma epistemologia que guie este trabalho. Apesar de ter preferência por um tipo de análise, no caso, o materialismo histórico e dialético, não se pode negar a existência de outras formas, não se pode deixar de reconhecer que elas têm seus méritos, seus fundamentos. Pode-se não concordar com elas, pode-se não adotá-las, mas não lhes negar existência e propriedade. Por exemplo, atualmente, nos estudos organizacionais está em evidência a teoria institucional, herdeira do funcionalismo, e os esquemas interpretativos, herdeiros da hermenêutica. Esta não é, definitivamente, a teoria que mobiliza o Grupo de Pesquisa EPP, porque ela traz consigo os traços do funcionalismo, do neofuncionalismo, do neobehaviorismo, do neokantismo, da hermenêutica tradicional e da visão sistêmica. Epistemologicamente, estas vertentes são compatíveis entre si e a teoria institucional representa um avanço nos estudos organizacionais nesta perspectiva, especialmente porque rompe com a visão gerencialista, abre espaços para os estudos de redes e de processos decisórios baseados em avaliações estratégicas, entre outros. Mas, para os propósitos da EPP,

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elas são inúteis, porque se utilizam de categorias não apenas abstratas, mas idealistas, porque colocam a centralidade na instituição e não nas relações sociais de produção das condições de existência, porque admitem cortes não históricos, porque não são dialéticas. Para tal concepção, a pesquisa consiste em que a realidade é apenas uma confirmação de uma teoria que já está dada, que tudo explica, que oferece alternativas interpretativas. Não interessa qual seja a realidade, a teoria já existe independentemente dela, do real. Assim, a pesquisa geralmente é feita para confirmar ou negar uma teoria. Esta opção está errada? De forma alguma. Não se trata de erro ou de acerto, mas de opção. Assim, esta teoria é incompatível com a Teoria Crítica e não serve aos propósitos da EPP.

A EPP tem uma visão diferente sobre a relação com o real. Primeiramente, porque atribui primazia ao real. Assim, pode perguntar: é possível conviver com teorias diferentes? Sem dúvida. Cada uma tem sua racionalidade, sua maneira de explicar a realidade. Quando se escolhe uma linha de trabalho, esta é a sua linha. Todas têm suas limitações e suas vantagens e quando se escolhe uma delas o pesquisador acredita que a escolhida é a que oferece mais vantagens. Entretanto, a escolha se dá em grande medida por afinidade de pensamento, pelas experiências sociais acumuladas, pelo tipo de respostas que se procura, pelo desafio ou pelo conforto, entre outros fatores objetivos e subjetivos.

A tentativa da EPP de integrar a economia, com a política, a sociologia, a história, a psicologia, a psicanálise, a psicossociologia ou a sociologia clínica, a antropologia, a lingüística, a filosofia, entre outras, é uma escolha pela interdisciplinaridade, porque apenas desta perspectiva se pode pretender alcançar a compreensão, ainda que restrita, da sociedade, da cultura, da ideologia, do imaginário, do simbólico, das relações sociais e de produção das condições materiais de existência. Portanto, a questão que se coloca não é uma nova metodologia de pesquisa. A metodologia de pesquisa é a mesma que se usa cientificamente. O que interessa é conversar com a realidade.

Convém tentar explicar um pouco melhor o que significa isso. Às vezes, os pesquisadores estudam uma teoria, se debruçam sobre os livros, escrevem o chamado referencial teórico, selecionam variáveis, montam um questionário, depois vão atrás da realidade para saber como é que a colocam dentro do modelo. O modelo existe antes da realidade, existe na cabeça do pesquisador. Este afirma que vai “testar a teoria”, mas na verdade o que vai testar é a sua idéia, ainda que esta se apóie em teoria. O que pode acontecer? Ou a realidade sobra na teoria ou falta. O que pode fazer o pesquisador? Refazer a teoria para acomodá-la à realidade ou recortar a realidade para caber na teoria. Ambas as opções são uma forma de falsear o real, embora possam ter aspectos esteticamente bonitos.

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Em primeiro lugar, é preciso trabalhar a realidade. Se o pesquisador vai trabalhar uma determinada realidade, ou seja, se vai debruçar-se sobre um determinado campo empírico, deve começar conversando com essa realidade, deixando-a falar. Obviamente, o pesquisador já tem alguma formulação teórica, mas vai conversar, vai ver o que as pessoas fazem, ouvir o que dizem, tentar ter uma atitude de empatia para compreender como que elas olham para a sua realidade. Dizem os críticos que este é um procedimento subjetivo, que trabalha com percepções. Se for isto, a definição do modelo teórico antes do teste empírico é também uma escolha absolutamente subjetiva: porque esta teoria e não aquela?

Para reduzir a subjetividade do pesquisador cumpre adotar procedimentos das ciências sociais. Trata-se, então, em primeiro lugar, de conversar com a realidade. Depois, refletir sobre ela. Daí, então, construir um mecanismo de sistematização, de organização, para apreender esse real e poder traduzi-lo. A relação do pesquisador com o real é, portanto, de interação. A realidade não está na mente do pesquisador em uma forma teórica prévia; tampouco está no objeto e vem para cabeça do pesquisador (tal como está, em sua forma primitiva), a qual se encontra totalmente vazia. Se o conhecimento sobre o objeto sai do real e vem para a mente, pura e simplesmente, é empirismo; se sai da idéia e vai para a realidade, pura e simplesmente, é idealismo ou racionalismo. O que o pesquisador deve fazer? Deve interagir com o real. Precisa ser elaborado e re-elaborado. Todos fazem isso, no dia-a-dia. Talvez não se dêem conta deste fato, mas fazem isso.

Mas, quando a elaboração e a re-elaboração são realizadas de acordo com um método científico, o sujeito adquire não apenas conhecimento sobre o objeto, mas capacidade de formular teoria sobre ele. Qual é a conclusão que se chega com o tempo? Que toda vez que se vai para as organizações analisar estratégias organizacionais, racionalidades, instituições, comportamentos, teoria do conhecimento, políticas, desempenho, comprometimento, etc., conhece-se apenas a parte superficial da organização, aquilo que é visível. Isto é pouco. Não responde às grandes questões. Não se consegue estudar totalmente um fenômeno caso se examinem apenas as aparências. Como afirmou Marx, se a essência dos fenômenos, aquilo que ele é, fosse igual à sua aparência, não necessitaríamos de ciência. Bastaria olhar para o objeto, o objeto já diria o que é e o sujeito já conheceria imediatamente o objeto. Não seria preciso aprofundar cientificamente a investigação.

Convém abordar, agora, o terceiro ponto. Nos estudos organizacionais é preciso desvendar o mundo do poder e as formas de controle social em suas formas objetivas e subjetivas. O que se quer dizer com isso? Que toda organização visa controlar para produzir, como já assinalava Enriquez. Essa é uma conclusão a que as pesquisas realizadas permitem

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chegar. A organização é um sistema de controle objetivo e subjetivo. Controla resultados pela produção, pelas normas, pelas estratégias e pela gestão. Controla os sujeitos, controla os comportamentos, impõe medos, receios, aciona mecanismos de defesa, conformismo ou resistências. Isto convida a voltar ao questionamento sobre como enfrentar ou responder a essas questões. Se o sujeito não consegue ir além do visível, não encontrará respostas às questões colocadas, porque é preciso ir muito além daquilo que se encontra nas aparências.

Pode-se perguntar: “se o mundo é tão ruim, se as organizações são tão controladoras, se o autoritarismo está presente nas organizações, por que as pessoas não reagem?”. É uma pergunta pertinente. Tanto que é necessário devolvê-la: por que não reagem quando se sentem insatisfeitos, infelizes, experimentando um sofrimento insuportável? Considerem-se algumas possibilidades. Primeira: por medo das conseqüências materiais imediatas (perda de emprego ou de vantagens, ostracismo, etc.); segunda: por receio de não ser reconhecido pelo grupo ou de ser expulso do grupo; terceira: pela necessidade de negação da evidência, pois o reconhecimento dos fatos provoca muita dor, ou seja, pela necessidade inconsciente de negar aquilo que se está vendo.

Por que se nega? Porque assumir que o que se está vendo é mesmo o que é, que o que é não é aquilo que se gostaria que fosse, significa enfrentar a dor de ver e de saber que se participa daquele processo de sofrimento. Então, o sujeito não quer ver, ele nega, ele afirma que o que vê não existe da forma como vê. A organização, é bom ter claro, não tem e não mantém nenhuma relação de afeto com seu empregado. Sua relação é de utilidade e conveniência. O sujeito desenvolve uma relação (necessária, diga-se de passagem) de afeto com a organização, pois precisa encontrar algum prazer na convivência com ela. É uma relação libidinal (esta energia que alimenta os instintos da vida). Mas, a organização não tem qualquer relação de afeto com o sujeito e nem pode ter. Ela somente pode ter uma relação de trabalho ou de pertença.

Qual é o problema de pesquisa proposto? O que se está tentando investigar? O desafio é examinar como é que se podem ver as formas de poder e controle e como essas formas aparecem tanto no não dito quanto no que é dito. Ou seja, no dito dos discursos, dos regulamentos, dos resultados a serem alcançados, dos objetivos do planejamento estratégico, da missão, das atitudes, daquelas coisas todas que se conhece. Por exemplo, quando se lê a missão da empresa, pode-se observar que o dito está expresso na missão, mas ali também está o não dito. Quando se consegue traduzir o que não está dito naquilo que está dito, pode-se começar a entender a lógica contraditória da organização. Se o sujeito acredita naquilo que

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está dito como se fosse a última e a única verdade, ele não conhece os fundamentos da organização. Então, o que é preciso ser feito?

É preciso tentar entender este mundo de racionalidades, que se pode escrever no planejamento estratégico, e também o de subjetividades e intersubjetividades, que não se pode encontrar formalmente expresso. Será que se pode ignorar que aquilo que está “dentro do sujeito”, que estas coisas da vida que ele acumula, que estão no inconsciente, que foram “jogadas” lá porque muitas vezes ele não soube conviver com a dor que elas provocaram, que foram sendo “depositadas” nos arquivos a que não se recorre cotidianamente, não aparecem quando ele vai participar da formulação de objetivos, planos, discursos ou ofícios?

O fato do inconsciente não ser acessível diretamente não significa que não exista. Portanto, o desafio do pesquisador é como investigar o que não vem à tona. Não se pode colocar uma organização no divã. Porém, a pesquisa tem que compreender a lógica da atitude e do discurso. Convém exemplificar com uma pesquisa realizada em 1999-2000 sobre ética com cerca de 250 dirigentes de empresas privadas e públicas e de órgãos públicos, que pretendia compreender os paradoxos entre a ação e o discurso. Foi uma pesquisa muito interessante porque o discurso dos entrevistados era o de que a empresa ou organização deve ser ética, que deve ser democrática. Cerca de 85% dos respondentes defenderam posturas éticas e democráticas na gestão. Entretanto, quando perguntados como que eles achavam que os outros dirigentes que eles conheciam agiam, ou seja, qual seriam as atitudes dos outros e não as suas, ocorreu o inverso. Cerca de 85% achavam que os demais dirigentes não eram éticos e nem democráticos na gestão. A pesquisa permitiu encontrar sete tipos de paradoxos. Importa, então, compreender que o sujeito tem um julgamento relativo a si e outro relativo aos outros sujeitos. Mas, ao falar do outro ele não fala de si?

O que não pode ser pronunciado às claras, onde que é dito? O melhor lugar da organização para fazer investigações do não dito é o ambiente informal. Da sala do cafezinho às reuniões fora da empresa. Oficialmente, a organização não admite a crítica. Ao contrário, reprime, pune. Não havendo espaço para a crítica efetiva na empresa, ela vai se dar fora. Acentua-se efetiva, porque aquela crítica conduzida, através de artifícios técnicos, é uma crítica contida, em que somente se pronuncia o que pode ser dito. Por este motivo muitos programas que avaliam o clima organizacional não conseguem desvendar além do clima de superfície.

Às vezes se fala no porão organizacional porque se é reprimido no ambiente institucional, porque neste não há lugar para a manifestação dos desejos, das fantasias. Ao não poder se pronunciar às claras, os sujeitos buscarão um lugar nas instâncias obscuras, que às

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vezes nem são tão obscuras quanto se pensa. Assim, o que é dito, que é possível dizer, está nas instâncias manifestas, está onde pode ser falado. Todo o lugar e circunstância em que se pode falar é a instância do dito. Mas, e a instância do não dito? Como é que podem ser estudados o dito e o não dito? Primeiro: pelas pesquisas que têm sido feitas pelo Grupo de Pesquisa EPP, conseguiu-se identificar três níveis (econômico, político-ideológico e psicossocial) e treze formas de controle. E estas formas se manifestam de maneira objetiva e subjetiva, o que permite identificar os mecanismos de controle. Este conjunto somente pode ser compreendido em sua totalidade, como processo concreto e, portanto, com configurações específicas, históricas e dialéticas.

Por exemplo, controle físico. O que se controla objetivamente? Divisão do trabalho, horário, limitação de movimentos, adestramento do corpo, a maneira correta de executar a tarefa. O que se controla subjetivamente? Atitudes, comportamentos, sofrimentos psíquicos fisicamente somatizados. Outro exemplo, controle normativo. O que se controla objetivamente? As normas, o regulamento, as regras. O que se controla subjetivamente? O recalque, os valores assimilados. E assim é possível listar várias formas, como o controle da propriedade, do aparato hierárquico-burocrático, da disciplina, da transmissão ideológica, da alienação, dos resultados, do compartilhamento, dos símbolos, dos vínculos e do monopólio da sedução. Todas estas formas foram desenvolvidas tendo por campo empírico várias pesquisas e concluídas com uma pesquisa realizada em parceria com o Institute of Labor and Industrial Relations, da University of Michigan, em Ann Arbor.

Não há como explicar aqui todas estas formas, mas é possível destacar alguns pontos. Se o empregado se envolve com o ideário da organização, conscientemente ou não, torna-se um cúmplice dela, porque é um devedor de algum benefício. A gestão participativa, ou a participação na decisão em todos os níveis, desde o estratégico até o operacional, pode ser democrática, mas pode ser apenas uma parafernália, algo acessório para legitimar o exercício do poder. Sobre o controle simbólico-imaginário, podem-se destacar os modelos de ação. Por exemplo, o fundador de empresa, o mito fundador, é um modelo de ação, que serve como espelho, como maneira de ser, como uma história embutida para ser tomado de referência. Outro exemplo é o do funcionário modelo, o que mais vendeu, o que nunca se atrasou, enfim, o que mais se coaduna com o mito fundador. Estes são modelos que devem ser copiados para que os empregados se identifiquem com a organização.

Sobre as competições internas, existem os casos dos grupos de controle de qualidade, ou as equipes (times) de trabalho, por exemplo. Estes grupos competem entre si e no final do processo se ganha um diploma, uma medalha, um chaveiro personalizado. Do ponto de vista

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subjetivo, pode-se destacar a fantasia do sujeito potente. Como o sujeito não consegue realizar seu ideal do ego, projeta seu ideal no ideal da empresa. Transfere essa projeção inconsciente da potência que ele gostaria de ter, de ser o melhor, o mais admirado, o mais inteligente, o mais amado, etc., para o projeto da empresa. Se a empresa é a melhor, o sujeito é o melhor, porque ele está projetado subjetivamente nela, ele se realiza nela, se satisfaz com a satisfação dela, se sente um vencedor na vitória dela. Essas são projeções do inconsciente, são fantasias projetadas na realidade do outro, da empresa. A potência que o sujeito não tem ele projeta na potência do outro. São suposições de desempenho, em que a vida do sujeito não tem sentido a não ser o sentido de trabalhar cada vez mais pra ser reconhecido pelo grupo, ser amado pelo grupo, ser gostado pela empresa (que, como se viu, é uma fantasia), ser admirado pelo seu trabalho. O sujeito, enfim, se vende de corpo e alma. A organização tem um controle quase que total sobre sua vida.

Uma pesquisa muito interessante sobre este tema em desenvolvimento no Grupo de Pesquisa está em andamento. Trata-se do problema do vínculo. Vínculo é um projeto social comum, ou seja, quando vinculados a uma organização, qualquer que seja ela, os sujeitos adotam um objetivo comum, fazem certo contrato em que os interesses, as necessidades e as metas da organização são pactuados. Este é o lado objetivo. Do lado subjetivo, ocorrem as identificações inconscientes, as relações amorosas, as relações libidinais (no sentido psicanalítico de pulsão). Os sujeitos amam a organização, desenvolvem uma paixão por ela. Como se sabe, essa paixão tem uma medida, mas é uma relação amorosa. É uma relação apaixonada, uma relação de dependência, pois o sujeito não pode mais viver sem a organização. Ela o consome. O sujeito é um moderno escravo da empresa e de si mesmo com relação a ela. Às vezes, um escravo contente, porque alienado. Há um sentimento de pertença. O sujeito, portanto, se sente pertencendo àquela empresa, faz parte da família organizacional, veste a camisa. Deste modo é que ocorre uma transferência egóica. O ego do sujeito é “transferido” para o ego da empresa, para um outro aparelho psíquico. O sujeito entrega-se à vigilância repressora de seu alter ego, que é assumido no plano do trabalho pela organização, pois é nela que ele confia tanto quanto em si e dela ele espera que a fidelidade castradora que ela exerce tenha a mesma intensidade que o amor edípico que ele dispensa integralmente a ela.

No nível de sedução monopolista, constata-se que a organização utiliza diversos mecanismos de sedução. Por exemplo, políticas integradoras de gestão de pessoas. As estratégias comportam a participação de grupos que discutem atividades esportivas e "sociais". Os empregados são tratados como colaboradores, mas são mesmo empregados,

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constituem a massa assalariada que enquanto estiver dando conta do trabalho estão empregados. Se não estiver dando conta do trabalho, o sujeito não colabora em mais nada, pois a organização tratará de dispensá-lo. Deste modo, existem atividades "sociais" e recreativas e, ao mesmo tempo, sujeitos submissos, conformados e absolutamente crédulos no saber dos dirigentes.

Em resumo, juntando as instâncias de análise com os níveis de controle, pode-se melhor compreender o funcionamento de uma organização. Portanto, é preciso considerar em qualquer análise as instâncias mítica, social-histórica, institucional, organizacional, grupal, individual e pulsional. Quando se analisa a organização nessas sete instâncias e em cada uma delas se debruça sobre os níveis de controle, tanto os objetivos quanto os subjetivos, tem-se uma matriz analítica. Esta matriz encontra-se bem detalhada no livro Economia Política do Poder1, especialmente no terceiro Volume. Tem-se, então, um conjunto de elementos constitutivos do campo empírico. É o que se está fazendo em diversas pesquisas. Já foram investigadas várias empresas produtivas sob o comando do capital e se está expandindo a investigação para órgãos públicos e empresas capitalistas do setor de serviços, mostrando como o sistema de controle funciona nestas organizações, considerando as instâncias de análise e os níveis de controle. A pesquisa é exaustiva, mas é bastante instigante.

O último ponto a abordar é o que se refere aos fundamentos epistemológicos da EPP. Neste ponto é necessário destacar quatro questões. A primeira é de que tanto o sujeito pesquisador, a pessoa que investiga, quanto o objeto, estão em movimento, em evolução. Quando se vai a uma organização, esta está se movendo, porque é dinâmica. E o sujeito também. Ambos se movem em uma condição em que ambos se constroem durante a trajetória de investigação, ou seja, tanto o sujeito aprende com a organização, quanto ela reage às suas intervenções. O que se conhece hoje, amanhã se conhece mais um pouco. O pesquisador, ao conversar com o real, apreende dele o que ele manifesta e procura extrair dele o não manifesto. Este saber é assimilado pelo pesquisador e acomodado ao seu modelo de interpretação, ao seu esquema. Mas, ao fazer isto, o esquema já não é mais o mesmo, pois ele incorpora elementos que o real forneceu. Com este novo esquema, o sujeito percebe o real de uma forma mais ampla, que antes não era possível porque seu esquema “original” ou esquema de partida, era mais restrito. O esquema somente se amplia pela primazia do real. Com o esquema ampliado, o pesquisador tem condições de assimilar mais do que assimilou em sua aproximação precária ou em sua relação primeira. Note-se que o modelo de interpretação é

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dinâmico, ele mesmo complexo e contraditório e, portanto, não é um esquema que recebe, processa e age, como o modelo do esquema interpretativo utilizado por outra corrente epistemológica.

De fato, se o pesquisador não compreender que este processo está em movimento terá um retrato simples de algo que, quando terminar de descrever, já não será mais como era. O pesquisador não vai escrever o movimento como se fosse um diário, vai escrever o processo, até onde investigou. O sujeito pesquisador e a condição de interpretação daquilo que está pesquisando move-se à medida que investiga, de forma que é preciso ter clareza sobre como deve ser investigado esse processo para sistematizá-lo teoricamente. Se a teoria está pronta antes da investigação, o pesquisador, que neste caso faz uma mera conferência, apenas compara a teoria com a realidade.

De qualquer forma, existem alguns limites que são próprios da condição humana. Outros são específicos da condição humana. Se o sujeito não tem condições pessoais, sensibilidade, desenvolvimento interno, para ler o que o real lhe fornece, não poderá compreender a realidade senão muito parcialmente. Se o pesquisador não tem essa condição interna, não a terá externamente. A condição de leitura do real precisa estar também dentro do sujeito e não apenas em seu conhecimento teórico, em sua condição racional. Se fosse tão simples, uma pessoa poderia ler um excelente livro sobre educação infantil e imediatamente se tornar um professor de crianças. Conhecer teoricamente não é ter sentimento, atitude, empatia. Se o simples conhecimento teórico mudasse a forma de ser, qualquer sujeito leria todos os livros de psicanálise e teria resolvido todas as suas crises, angústias, etc. Conhecimento teórico é importante, mas não basta.

A partir do momento em que o sujeito assimila e reacomoda o seu pensamento à realidade, é necessário compreender que, ao final, a realidade ainda é desconhecida para o sujeito. Mesmo que ele saiba o quanto desconhece, o sujeito deve reacomodar a leitura do real e refazer a sua leitura. A cada dia, o sujeito, mesmo que minimamente, renova a maneira de pensar, pois esta é a forma que toma o processo de desenvolvimento do saber.

A segunda questão é a perspectiva sócio-histórica. É necessário considerar a organização estudada no interior do processo de desenvolvimento do capitalismo, da reestruturação produtiva, do Estado Capitalista Contemporâneo. Sobre o Estado, é oportuno indicar que ele é, ao mesmo tempo, um intérprete dos interesses dominantes e um fator de coesão da unidade de uma formação social, pois ele é a forma organizada da sociedade. Ao mesmo tempo em que interpreta os interesses dominantes, o Estado tem que dar conta das manifestações populares e esta é a sua dinâmica contraditória. Sobre o modo de produção capitalista, o

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pesquisador de organizações precisa levar em conta o sócio-metabolismo do capital, especialmente a fase da reestruturação produtiva.

A terceira questão refere-se às relações de poder. O pesquisador da área de organizações que não desvenda as relações de poder nas organizações que investiga, não consegue compreender seu funcionamento real, apenas o aparente. Poder entendido como a uma capacidade que tem um grupo social de definir e realizar seus interesses objetivos e subjetivos específicos.

Em decorrência desta, aparece a quarta questão, que é aquela sobre a qual foram iniciadas estas reflexões, qual seja, relações de trabalho e formas de controle. Tem-se, então: (i) a garantia da coerência epistemológica que oferece suporte para a escolha teórica e metodológica; (ii) a perspectiva sócio-histórica que garante que o objeto de estudo e o campo empírico estejam localizados em seu contexto; (iii) as relações de poder que permitem desvendar todo o processo de articulação dos interesses dos grupos sociais; (iii) as relações de trabalho e as formas de controle, que permitem compreender o real funcionamento das unidades produtivas, pois é nelas que se pode analisar o trabalho organizado e é nelas que o controle é permanentemente exercido e renovado. Este é o arcabouço da Economia Política do Poder. Estes são os fundamentos desta disciplina na área de estudos organizacionais.

Referências

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