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Vida e obra de Cheikh Anta Diop: o homem que revolucionou o pensamento africano

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Vida e obra de Cheikh Anta Diop:

o homem que revolucionou o pensamento

africano

Diallo, Alfa O um ar'Diallo, Cíntia Santos2

In trod u ção

Cheikh A nta Diop nasceu em 1923 num vilarejo senegalês c ham ado Caytou. N a época, a África estava sob dominação co­ lonial européia, depois do perío­ do do tráfico negreiro que se in i­ ciou no século XVI. A violência da qual a África foi alvo não foi exclusivamente de n a tu re z a m i­ litar, política e econômica. Mas teóricos (Voltaire, Hume, Hegel, Gobineau, Lévy Bruhl, etc.) e in s­ tituições européias (o In stitu to de Etnologia da França, criado em 1925 por L. Lévy Bruhl, por exemplo) se em penham p a ra ju s ­ tificar estes atos abomináveis le­ gitimando, no plano moral e filo­ sófico, a inferioridade intelectu ­ al do negro. A visão de u m a Áfri­ ca sem história, cujos habitantes, os negros, n u n ca foram respon­ sáveis, por definição, por um único fato de civilização, impõe- se agora nos escritos e se fixa nas mentes. O Egito é, assim, a rb i­ trariam en te, ligado ao Oriente e

ao m undo m editerrâneo geográ­ fica, a n tro p o ló g ica e c u l t u r a l ­ mente.

E neste contexto sin gular­ m ente hostil e o bscu ran tista que Cheikh A nta Diop foi induzido a questionar, a tra v és de u m a in ­ vestigação científica, metodoló­ gica, os fundam entos da c u ltu ra ocidental em relação à gênese da h u m a n id a d e e da civilização. O renascim ento da África, que im ­ plica a restau raç ão da consciên­ c ia h i s t ó r i c a , a p a r e c e p a r a Cheikh A nta Diop como um a t a ­ refa inevitável à qual ele consa­ g ra rá toda a su a vida.

I - O s p rim eiro s p a s s o s d o C h eik h A nta D iop

O jo v e m C h e i k h A n t a Diop “corre o risco, pela m á dis­ posição do seu professor, o S e ­ nhor Boyaud, de rep etir pela te r ­ ceira vez o último ano do p rim ei­ ro g rau , o que m o tiv a ria sem

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sombra de dúvida a su a exclusão do liceu. O Senhor Boyaud é um p ro fesso r sin g u la r, sen d o que tive a oportunidade, desde seus p rim e iro s p a sso s no liceu, de con statar su a hostilidade à nos­ sa raça, às autoridades. Suas te ­ orias sobre a raça, que fazem dele um discípulo de Gobineau, são d as m ais p e rn ic io sa s e fazem com que aum ente o abismo e n ­ tre o negro e o branco cada dia

U

..”3

E s ta carta, redigida em agosto de 1941 por um dos re s ­ ponsáveis pela adm inistração do liceu Van Vollenhoven de Dakar, foi endereçada p a r a o inspetor geral do ensino na África Ociden­ ta l F ran cesa (AOF). O Senegal não existia ainda, e o clima que reinava no meio do ensino, assim como na pesquisa universitária, e sta v a fo rtem e n te im buído de c o lo n ia lis m o e de r a c i s m o antinegro.

C heikh A nta Diop vai p e g ar o contrapé teórico deste meio soli­ dam ente estabelecido n a u n iv e r­ sidade francesa. Prim eiro pela a p re se n ta çã o da su a tese, que será recusada, depois pela publi­ cação do seu livro Nações negras

e cultura, em 1954.

O livro soa como um trovão no céu tranqüilo do “estabelecim en­ to” intelectual: o au to r faz aí a

dem onstração de que a civiliza­ ção do Egito antigo e ra negro- africana , justificando os objeti­ vos da su a pesquisa nestes ter- mos^

A explicação da origem de u m a civilização afri­ can a se to rn a lógica e aceitável, séria, objetiva e científica, somente se a g en te ch eg asse, por q u a l q u e r v ia , a e s te branco místico em re la ­ ção ao qual não temos a m enor preocupação em justificar a sua chegada e instalação nessas regi­ ões. E n ten d e m o s, sem dificuldade, como os s á ­ bios deviam ser condu­ zidos no seu raciocínio, nas suas deduções, lógi­ cas e dialéticas, à noção de “brancos de pele n e ­ g ra ”, m uito ex p an d id a no meio dos especialis­ tas da Europa. Tais sis­ tem as são evidentem en­ te sem futuro, pois lhes fa lta m u m a base real. Eles se explicam somen­ te pela paixão dos seus autores, a qual aparece sob as a parências de ob­ jetividade e de seren id a­

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Se a o b ra in c o m o d a os guardiões do templo, isto acon­ tece não somente porque Chiekh A n t a Diop p r o p ô s u m a “descolonização” da história afri­ cana, mas tam bém porque o li­ vro cria um a “H istória” africana e se coloca n a s f r o n t e i r a s do engajam ento político, a n a lis a n ­ do a identificação das gran d es correntes m igratórias e a form a­ ção das etnias! a delimitação da á rea c u ltu ral do m undo negro, que se estende até a Ásia Ociden­ tal, no Vale do Indus; a dem ons­ tra ç ão da ap tid ão das lín g u a s africanas p a ra suportarem o p e n ­ sam ento científico e filosófico, e fazendo, p ela p r im e ir a vez, a t r a n s c r i ç ã o a f r i c a n a n ã o etnográfica destas línguas...

Q uando da su a p u b lic a ­ ção, o livro pareceu tão revoluci­ onário que poucos in te le c tu a is africanos tiveram a coragem de aderirem à causa. Somente Aimé Césaire se entusiasm ou, no seu discurso sobre o colonialism o, evocando “o livro mais audacio­ so que um negro ja m a is escre­ veu”5. Precisou-se tam b ém espe­ ra r 20 anos p a ra que u m a g r a n ­ de p arte das suas teorias fosse reconhecida, d u ra n te o colóquio internacional do Cairo de 1974, organizado pela UNESCO, r e u ­ n in d o os m a i s e m i n e n t e s egiptólogos do mundo inteiro6.

Precisou-se e sp e ra r mais de 20 outros anos p a r a que su a obra fosse le v ad a em consideração, isso após a sua morte. Algumas idéias de Cheikh A nta Diop, p rin ­ cipalm ente a historicidade das sociedades africanas, a an terio ­ ridade da África e a africanidade do Egito, não são mais discuti­ d a s7.

II - O e m b a t e a c a d ê m ic o

Em u m a época em que jo­ vens intelectuais africanos, de­ cepcionados com o conceito de negritude, buscavam um a ideo­ logia n egra e m ilitante de su b s­ tituição, p a ra Cheikh A nta Diop, u m a d a s c o n d iç õ e s da federalização do continente p a s ­ sava pela consciência. R enovan­ do a história, u m a consciência histórica p a ra os africanos, ele desejava sobretudo restabelecer s u a d ig n id a d e . Q uem p o d e ria então acusá-lo de um a ta l inicia­ tiva, a ssim como as ideologias que ele combatia?

Ao lado do “e n te n d im e n ­ to cordial”, a controvérsia gira­ va em torno de três pontos im ­ p ortantes: Cheikh A nta Diop era a c u s a d o p e lo s e u e g ito - centrismo, im portância a trib u í­ da à noção de raça e a grande influência do seu combate p o lítr

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co sobre suas teorias científicas. Sua obra ficaria im p reg n ad a de ideologia. E preciso relem brar, como fez o S enhor Aboubacary Moussa Lam, professor da F acul­ dade de Letras e Ciências H u m a ­ nas da U niversidade de Dakar, que “Cheikh A nta não escolheu seu terreno de com bate; ele so­ m ente respondeu aos d ebates da sua época”.

Mesmo não conseguindo contestar as idéias do in telectu ­ al sobre a origem africana da h u ­ manidade, o professor e sociólo­ go P a t h é D ia g n e n ão “divide mais seu egito‘centrism o. Com este recuo, é como se o professor sociólogo não tivesse se e n g a n a ­ do sobre o Egito, m as vislumbra- se que ele tin h a estudado som en­ te o Egito”. U m ponto de vista c o m p a r t i l h a d o p e lo S e n h o r Amady Aly Dieng, professor e a n ­ tig o c o m p a n h e i r o de C h e i k h A nta Diop, é o seg u in te : “Como Senghor, e talvez aí esteja o ú n i­ co ponto de convergência, ele con­ tinua m ed iterrâneo-centrista na su a análise da história africana. O professor P ath é Diagne coloca a Grécia no centro e n quanto que o professor Amady Aly Dieng cen­ traliza sobre o Egito. E se ele não desenvolve u m a visão t r a n s a ­ tlântica. é p a ra valorizar a cul­ tu r a negra. E por isso que ele si­ lencia sobre o tráfico negreiro.”

Uma crítica que se encon­ tr a em Ib rah im a Thioub, h isto­ riador moderno: “Mesmo que o tráfico e a colonização re p re se n ­ tem um segundo olhar da h istó­ ria egípcia, é im possível fazer tá b u a ra s a neles. Pois é a nossa h istória tam bém e a nossa a t u a ­ lidade, senegaleses e africanos. E por isso que suspeito que ele ten h a atribuído m u ita im p o rtân ­ cia ao Egito, em toda fé, sem se dar conta.”

N um outro plano, se a d i­ visão da h u m an id ad e em raças e o fundam ento da distinção b r a n ­ co/negro são considerados como provenientes de um a raciologia an tig a re fu ta d a pelo desenvolvi­ m ento da genética, pergunta-se em qual m edida podemos acusar Cheikh A nta Diop de utilizar a te rm in o lo g ia da s u a época. O Senhor Alain Froment, antro p ó ­ logo na Orstom, explica que o fí­ sico “ficou d u ra n te muito tempo fiel à separação racial que exis­ tia na p rim eira m etade do sécu­ lo XX, o que a genética p ra tic a ­ m e n te d e s m a n te lo u h á m u ito tempo”8. Em relação à genética, ele evoca as datas de 1982 e 1984, ou seja, quatro e dois anos an tes do falecimento de Cheikh A nta Diop, portan to m uitos anos após a publicação das suas principais obras.

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Como d e m o n s t ra r a m os S e n h o r e s M a m a d o u D io u f e Mohamed M’Bodj, dois intelectu­ ais senegaleses^

P o d e r-se -ia a d m i t i r a acusação de racismo [...] se os danos causados em nome da ‘raça’ se encon­ trassem de forma igual de um lado e do outro, o que evidentem ente não foi o caso. O u tro ssim , este ‘racismo negro’ t e ­ ria um valor se ele p u ­ desse criar um comple­ xo de culpabilidade nos europeus, o que não era o o b je tiv o de C h e i k h A nta Diop. Diop, assim como ele não procurava c o n fo rta r u m a c re n ça popular,' ele e s c re v e u p a r a u m a e lite f o r t e ­ m e n te c o n v e n c id a da igualdade da espécie h u ­ m a n a .9

Por isso, é incontestável que ele se utilizou das mesm as arm a s que seus “adversários ci­ entíficos”; portanto, não podemos acusar Cheikh A nta Diop de r a ­ cismo. Os testem unhos são u n â ­ n im e s em a p r e s e n t á - l o como u m a g r a n d e f i g u r a do h u m a n is m o : “O problem a, ele explica na sua intervenção no co­ lóquio de A te n a s , o rg a n iz a d o

pela UNESCO, em 1981; é p re ­ ciso reed u car a nossa percepção do ser hum ano, p a ra que ela se desp ren d a da aparência racial e se polarize sobre o homem des­ provido de todas as coordenadas éticas?.” “E u não gosto de u s a r a noção de raça (que não existe) [...]. Não devemos dar um a im ­ po rtâ n c ia excessiva à noção de raça. E o acaso da evolução.”10

De fa to , C h e i k h A nta Diop sonhava d iscretam en­ te com u m a síntese entre a p u ­ reza e a mestiçagem cultural. “A plenitude cultural torn a um povo mais apto p a ra contribuir ao pro­ gresso geral da h u m a n id a d e e p a ra se aproxim ar de outros po­ vos em conhecimento de causa.”11 Hoje os discípulos do “último dos f a r a ó s ” ( T h é o p h i l e O b e n g a , Aboubacary M oussa Lam, etc...) continuam a defender com brilho os re su ltad o s da s u a pesquisai claram ente, 53 anos após a p u ­ blicação da obra “Nações negras e C u ltu ra ”, os principais tem as desenvolvidos no seu livro são ainda de atualidade.

E verdade que o contex­ to da época (1954) era um te r r e ­ no pro p ício às m a n ip u la ç õ e s , pois, até 1848, a escravidão es­ ta v a a in d a na p rá tic a legal da E uropa. Tam bém a segregação racial e stav a ainda em vigor em

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países como os Estados Unidos da América ou a África do Sul, sem contar a colonização que es­ tava nos seus últimos anos.

III - A África, b erço da civilização?

P a ra falar dos traços físi­ cos do negro, os argum entos de um cientista ocidental tão “sério” como C ham pollion-Figeac s u s ­ tentavam , entre outros, não sem provocar o sorriso brincalhão de Cheikh A nta Diop, que “[...] es­ ta s duas qualidades físicas (os cabelos crespos e a pele negra) não são suficientes p a ra carac­ terizar a raça n egra L.].”12

De fato, n e sta iniciativa tão laboriosa quanto desesp era­ da, Champollion-Figeac queria s u s t e n t a r os resu ltad o s de um c i e n t i s t a fra n c ê s de boa-fé, o C o m te [ t r a t a - s e de A u g u s t o Comte] de Volney (1757-1820), que tin h a observados nos coptas - o povo de onde se originaram os faraós - os mesmos traços da célebre esfinge d e sc o b e rta no E gito. “[...] A co lo n iz aç ão de Volney, relativa à origem antiga da população egípcia, é forçada e inadm issível”, diria a r b itr a ri­ am ente Champollion sem a rg u ­ mentos. “Este Champollion to r­ nou-se daltônico”, pensou o ho ­

mem que revolucionou o p e n s a ­ m ento negro, pois, com toda a evidência, estávam os longe das leis cientificas. E por isso que o cientista senegalês retrucou di­ zendo que “agora não b astav a só ser negro da cabeça aos pés e ter cabelos crespos p a ra ser negro!”. Champollion-Figeac era o irm ão de Campollion o jovem - o p ri­ m eiro c i e n t i s t a o c id e n ta l que conseguiu decifrar os hieróglifos —, m a s ele usou e s ta fa ç a n h a p a ra contornar u m a realidade da época: os traços negros dos a n ti­ gos egípcios.

Estes seres selvagens que eram capturados no mato p a ra serem a b a r r o ta d o s como gado n a s c a r a v e l a s com d e s ti n o à América, “estes homens com os rostos sombrios”, segundo a ex­ pressão favorita dos ra c ista s - ig n o ra d o s e h u m i l h a d o s , são aqueles que deram ao m undo as b a s e s d a c iv iliz a ç ã o . I n a c r e d i t á v e l ! I n a d m is s í v e l ! Q u e m a c r e d i t a r i a n is so ? Champollion não foi o único, in ­ felizmente, nesta tarefa de t e n ­ ta r provar cientificamente a i n ­ ferioridade intelectual e cultural dos negros.

Os fatos relembrados e as provas trazidas por Cheikh A nta Diop não deixam n en h u m a d ú ­ vida de que são os negros que

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ex-p a n d ira m a civilização nos ou ­ tros povos do mundo, prim eiro através da N úbia - a tu a l Sudão - (em torno de 6000 a.C.), e de­ pois no Egito (em torno de 4000 a.C.), portanto muitos milênios antes da Grécia em torno de 2000 a.C.) e mais tarde em Roma em torno de 700 a.C.).

Não satisfeito, Comte de Gobineau, idealizador do n a zis­ mo no estado bruto, com o seu pseudocientificismo, queria ex­ plicar o porquê da superioridade da raça b ranca sobre os negros e os o u t r o s 13. U m a c e le b rid a d e como Pierre Larousse, n u m a das suas teses sobre a arte africana, afirma de forma peremptória que “o cérebro dos africanos tem o mesmo desenvolvimento que o cérebro do macaco, um outro ele­ mento que comprova o seu lado anim al e sua fraqueza intelec­ tual”. E prossegue afirmando que “o cérebro dos negros é menor, mais leve e menos volumoso que o cérebro do branco, e como em toda a série animal, a in teligên­ cia tem uma ligação direta com as dimensões do cérebro, do n ú ­ mero e da profundeza”. Outros “a f r i c a n i s t a s ”, como M a u ric e Delafosse, S u r e t C anale, etc., mesmo sendo mais cautelosos e m a i s m o d e r a d o s do que Gobineau ou Larousse, negaram a evidência que Comte descrevia.

Neste contexto, não seria u m a s u rp re sa ver o m undo cien­ tífico ocidental perder a cabeça e ficar im potente diante da a n t í ­ tese das suas teorias, trazida por um jo v e m n eg ro . O c i e n t i s t a Cheikh A nta Diop (matemático, físico, químico, egiptólogo, h isto­ riador, lin g ü ista, além de d e s­ tru ir as teses mais “sólidas” que p re te n d iam que a civilização v i­ esse do m undo ocidental. Diop provou que todos os hom ens são ig uais, q u a lq u e r que seja s u a raça, e, por conseqüência, a colo­ nização e, pior, a escravidão não podem serv ir p a r a ju s tific a r a su p e rio rid a d e da ra ç a b ran ca. Pois, além da dívida moral devi­ da aos n e g ro s e longe de um apagão do passado, é necessário reescrever a verdadeira história da hum anidade.

IV - O s t e s t e m u n h o s d o s s á b io s g r e g o s

N u m a b u s c a ló g ic a , Cheikh A n ta Diop trouxe os te s ­ t e m u n h o s dos a n tig o s gregos Heródoto, Estrabo, Deodoro da Sicília, etc..., esses mesmos que são testem u n h o s oculares da ci­ vilização egípcia. Q uerendo ex­ plicar o fenômeno das i n u n d a ­ ções do Nilo, Heródoto, conside­ rado o p ai da historiografia, es­

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creverá em relação ao Egito que “[...] a terceira razão vem do fato de que o calor do lugar torn a as pessoas p re ta s L..]”14. O mesmo Heródoto prosseguirá, p a ra s u ­ blinhar a origem egípcia na base grega, afirmando: “[...] E q u a n ­ do eles acrescentam que e sta si­ lh u eta era negra, Heródoto nos faz e n te n d e r que esta mulher, isto é, C le ó p a tra , e ra egípcia [...]." O sábio grego diria o m es­ mo em relação aos h a b ita n te s de Colchide nos arredores do a tu a l M ar Negro, perto da T urquia, pois queria su b lin h ar a su a ori­ gem egípcia. “[...] Os egípcios pensam que estes povos são des­ cendentes de u m a p arte das tro ­ pas de Sésostris.15 Eu os exam i­ no com base em dois critérios: o prim eiro é que eles são negros e que eles tê m cabelos cre sp o s

U . ”1B

Outros cientistas gregos d a a n t i g u i d a d e , E s t r a b o , P i t á g o r a s , T a le s , E u c l i d e s , Deodoro, cuja maioria iniciou-se no Egito, confirmarão os te s t e ­ munhos de Heródoto. Mesmo que a lg u n s o m ita m a info rm ação , notadam ente Platão, sobre a fon­ te dos seus conhecimentos (reco­ nhecendo todos sua iniciação no Egito em todas as áreas das ci­ ências da época deles!), os p a p i­ ros redigidos pelos sac e rd o te s negros que resistiram ao tempo

provarão que foi atribuída, por engano, aos gregos a p a te r n id a ­ de das descobertas do Egito a n ­ tigo. C heikh A n ta Diop revela q u e u m a p e r s o n a g e m como E stra b o não hesitou em t r a t a r P i t á g o r a s como “v u l g a r plagiador”....

Cheikh A nta Diop s u ste n ­ ta sua tese sobre os fu n d a m e n ­ tos lingüísticos, então científicos, fazendo a demonstração do p a ­ rentesco genético entre o Egito antigo e as línguas negro-africa- n a s 17, colocando o acento sobre vários ritos, tradições, religiões e costumes negros que sobrevi­ veram além do Egito antigo. Bus- car-se-ão, sem sucesso, os m es­ mos traços no Ocidente... Melhor ainda, são os argum entos forne­ cidos pelos próprios egípcios, que se re p resen tav am como negros, isso reforçado por novas técnicas de pesquisa, tais como o carbono 14 p a ra a datação, m as tam bém a química, a antropologia, a a r ­ queologia, a paleontologia.

Alguns ideólogos ociden­ tais vão te n ta r elaborar um a n e ­ b u l o s a t e o r i a da c i v i liz a ç ã o h a m ita ou camita, perdendo de vista a referência ao Cam (um dos filhos de Noé, o p a tria rc a da Bíblia), um a personagem que foi amaldiçoada, segundo esses m es­ mos ideólogos. Segundo a Bíblia, Cam seria o primeiro negro... Os

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h a m ita s seriam, segundo os de­ fensores da “civilização b ra n c a ”, u m a ramificação desta civiliza­ ção ocidental que eles queriam a p re se n ta r como precursora da civilização h u m a n a. Em outros termos, num momento em que o conceito de civilização não exis­ tia no espírito dos ocidentais, os h a m itas tin h am colocado as b a ­ ses da civilização nos negros... an tes de desaparecerem.

O obstáculo p rin c ip a l a este tipo de m asturbação intelec­ tu a l é que em nen h u m lugar no mundo encontrou-se, pelo menos e n t r e os d e fe n s o re s da “r a ç a b ranca”, traços de civilização que dominam ao mesmo tempo a ge­ ometria, a arquitetura, a a ritm é ­ tica, a química, a a stro n o m ia, etc., na época do Egito antigo negro e pelo menos dois m ilêni­ os depois do surgimento desta ci­ vilização. Pois, d u ra n te m uito tempo, o Egito foi o único centro intelectual do mundo.

A estas teses fan tásticas do h a m ita “civilizador”, a respos­ ta de Cheikh A nta Diop foi t a m ­ bém fantástica^ “[...] Vê-se então que, dependendo da causa e da necessidade, Cam é maldiçoado, preto e se torn a o an cestral dos negros. E o caso toda vez que se fala das relações sociais contem ­ p o r â n e a s . M as ele é e m b r a n ­ quecido toda vez que se busca a

origem da civilização, pois ele está presente no primeiro país ci­ vilizado do m undo.”18

U m a das m an o b ras mais grotesca por pa rte dos cientistas o c id en tais foi, sem so m b ra de dúvida, a criação de todas as p e ­ ças do crânio de um “hom em ”, p a ra reforçar a tese da raça b r a n ­ ca.

V - A n ov a a p r o x im a ç ã o

Até o seu falecimento em 1986, C heikh A n ta Diop sempre defendeu a tese segundo a qual é o negro que migrou em direção aos outros continentes p a r a se a d a p ta r a estes locais, em todos os estágios da evolução do h o ­ mem, inclusivo o H om o sapiens

sa p ien s (que corresponde ao ho ­

mem moderno). E assim que as o u tras raças te ria m aparecido. O fóssil de H om o sapiens mais a n ­ tigo da época, segundo Cheikh A nta Diop, é um negro (Omo I, em torno de 150.000 a.C.), e as o u tra s descobertas sobre os con­ t i n e n t e s são do tipo n eg ró id e (Homem de Grimaldi, etc.).

A te se de C h e ik h A n ta Diop não foi d e sm e n tid a pelas recentes descobertas. Segundo a rev ista “A H istória “ de dezem ­ bro de 2004, os p e sq u isa d o re s ach a ra m em 2003 um novo fós­

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sil... na Etiópia! A revista indica que o fóssil se a p re se n ta “sob a forma de centenas de frag m e n ­ tos, que são os re sto s de dois adultos e de um a criança sendo atribuídos por Tim White a um Sapiens: Homo Sapiens Id a ltu - esta últim a palavra significa ‘a n ­ tigo’ na língua local... Ele foi d a ­ tado de 160.000 anos.” Conclu­ são: “Eis e n tã o o m a is antigo Homo S a p ie n s conhecido nos nossos dias.”

Todavia, se a quase to ta ­ lidade dos cientistas do m undo concordam hoje sobre a origem a fr ic a n a do h om em , eles não com partilham as vias escolhidas por Cheikh A nta Diop. U m a p e r ­ sonalidade científica como o fran ­ cês Yves Coppens, que fazia p a r ­ te do grupo que descobriu o mais antigo esqueleto de astralopiteco até os nossos dias (3,2 milhões de anos), é adepto da teoria do policentrismo. Em o u tra s p a la ­ vras, o Sr. Coppens tende p a ra a teoria que quer d em o n strar que houve u m a separação no estágio do hom o erectus (“o homem de pé”, a n te rio r ao H om o sa p ien s

sapiens) e que muito centros h u ­

manos se desenvolveram em v á ­ rios lugares do mundo no e s t á ­ gio do Sapiens...

Conclusão

Mesmo que o debate e ste ­ ja aberto neste estágio da pesqui­ sa, ele não resolve o problema da origem da civilização. Querendo s a n a r todas as dúvidas sobre os traços negros de Ram sés II (uma das m úm ias mais conservadas), ap esa r das provas trazid as hoje p e l a a r q u e o l o g i a ( p i n t u r a , e statu etas, língua, etc.), Cheikh A nta Diop revelou na sua obra “Civilização e b arbárie” que soli­ citou às autoridades egípcias, por ocasião do congresso científico de 1974, alguns milímetros da pele do f a r a ó p a r a f a z e r t e s t e s laboratoriais. Ele não teve êxito, sob a alegação de que não queri­ am tocar na integridade física da múmia...

D u ran te toda a sua vida, o pesquisador senegalês se con­ frontou com este tipo de m a n o ­ bras. O seu principal objetivo era de provar a raça negra dos a n t i ­ gos egípcios que fundaram a p ri­ meira civilização do mundo.

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LARCHER. Hérodote - Histoire. Avec d e s n o t e s de B o c h a r d , Wesseling, Scaliger.. [et al.] Paris: Editions Charpentier, 1950.

(Footnotes)

1 L e t t r e d a t é e d u 7 a o û t 1941, Dossier Cheikh A nta Diop, Archives N ationales du Sénégal, Dakar. 2 Cheikh A nta Diop, Nations nègres et culture, t. I, Présence africaine, Paris, 1979. 3 A im é C é s a ir e , D is c o u rs s u r le colonialism e, P ré se n c e africaine, Paris, 1955. 4 KIZERBO, Joseph. Histoire générale de 1

Afrique'-E tu d e s et docum ents, v. I. Paris: Unesco, 1978. 5 Actes du colloque “L ’o eu v re de C h e ik h A n ta Diop: la ren aissance de 1 ’A f r i q u e a u s e u i l d u t r o i s i è m e m i l l é n a i r e ”, D a k a r - C a y t u , 26 février-2 m a rs 1996. 6 F R O M E N T , A l a in . O r i g in e e t évolution de l’homme dans la pensée de Cheikh A n ta Diop : une analyse critique.

CahiersD

’études Africaines

, Paris, n. 121-122, 1991.

7 D IO U F , M a m a d o u ! M B O D J , M ohamad. The Shadow of Cheikh A n ta Diop. In:

The Surreptitious Speech'-

Présence africaine a n d the Politics of O therness, 1947-1987. Chicago:

(12)

The U n iversity of Chicago Press, 1 9 92.p . 135 .

8 Conférence du C e ntre G eo rg es- Pompidou, 7 juin 1985,

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, P a r is , n. 1-2, 1990; BERNA L, M artin.

B lack A

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Revue Ankh, éditions Khepera, BP 11. 91192 Gif-sur-Yvette Cedex. n Cheikh Anta Diop, A ntériorité des civilisations nègres: m ythe ou vérité historique?

Présence africaine . Paris, 1967. p. 185.

10 CHAMPOLLION-FIGEAC,

E gypte A ncienne

Paris: Firmin-Didot, 1950, U n Volu­ me In-8°, 500 p.

11 G O B I N E A U , J o s e p h - A r t h u r (Comte de) (1816-1882).

Essai su r 1

inégalité des races h u m a in es (1853­ 1855)

. P a r i s : E d itio n s P ie rr e Belfond,

1967.878 p.

12 HÉRODOTE. H istoire, trad, du grec p a r Larcher,' avec des notes de Bochard, Wesseling, Scaliger [et al.]. Paris: Charpentier, 1950.

13 Sésostris é a forma grega do nome dos três faraós da XIIa d in astia do

império. O nome egípcio, Sénousert, significa “a deusa O use rt”, que fa ­ zia p a rte da composição do título real como nome de As-Rê ou nomen. 14 Hérodote, Livre II.

15 P a re n té génétique de 1

’é g y p t i e n p h a r a o n i q u e e t d e s langues né gro-africaine s, IFAN Edi­ to ra NEA, Dakar, 1977.

16 Nations Nègres et Culture. Notas

1 Doutor em Direito Internacion al pela UFRGS, Coordenador do Curso de R e l a ç õ e s I n t e r n a c i o n a i s do U N I L A S A L L E / R S , m e m b r o fundador do In stitu to Brasileiro de Estudos Africanos - IBEA.

2 G r a d u a d a em H i s t ó r i a e P e d ag og ia, M e str e em E d u c a çã o p e la U N IS U L /S C , p r o fe s s o ra da R ed e P ú b l ic a do E s t a d o de Rio Grande do Sul e membro fundadora do In stitu to Brasileiro de Estudos Africanos — IBEA.

3 L ettre datée du 7 août 1941, Dossier Cheikh A nta Diop, Archives N ationales du Sénégal, Dakar.

4 Cheikh A nta Diop, Nations nègres et culture, t. I, Présence africaine, Paris, 1979.

5 Aimé Césaire, Discours sur le colonialisme. Présence africaine, Paris, 1955.

6 KIZERBO, loseph. Histoire générale de

l ’Afrique: Etudes et documents, v. I. Paris:

Unesco, 1978.

7 Actes du colloque “L'oeuvre de Cheikh Anta Diop: la renaissance de 1 ’ Afrique au

(13)

seuil du troisième millénaire”, Dakar- Caytu, 26 février-2 mars 1996.

8 F R O M E N T , A la in . O r i g in e e t évolution de l’homme dans la pensée de Cheikh A nta Diop: une analyse c r i t i q u e . C a h ie r s D ’é tu d e s Africaines, Paris, n. 121-122, 1991.

9 D IO U F , M a m a d o u ; M B O D J , M ohamad. The Shadow of Cheikh A n ta Diop. In: The S u r r e p titio u s

Sp eech •' Présence africaine an d the

Politics of O the rne ss, 1947-1987. Chicago: The U niversity of Chicago Press, 1992. p. 135 .

10 Conférence du Centre Georges- Pom pidou, 7 ju in 1985, N om ade, P a r i s , n. 1-2, 19901 B E R N A L , M a r t i n . B la c k A t h e n a ■' T he A f r o a s i a t i c R o o ts of C l a s s i c a l C iv iliz a tio n , to m o s I e II. New B r u n s w ic k : R u t g e r s U n i v e r s i t y P r e s s , 1988-1991. Veja t a m b é m OBENGA, Théophile. Cheikh Anta Diop, Volney et le Sphinx. Présence africaine et Khepera, Paris, 1996. Revue Ankh, éditions Khepera, BP 11, 91192 Gif-sur-Yvette Cedex. 11 Cheikh A nta Diop, Antériorité des civilisations nègres: mythe ou vérité h i s t o r i q u e ? P r é s e n c e a fric a in e . Paris, 1967. p. 185.

12 C H A M P O L L I O N - F I G E AC,

E g y p te A n c ie n n e . P a ris : F irm in -

Didot, 1950, U n Volume In-8°, 500

P-13 GOBINEAU, Joseph-A rthur (Comte de) (1816-1882). Essai su r

l ’inégalité des races h u m a in es (1853-1855). Paris: Éditions Pierre

Belfond, 1967. 878 p.

14 HÉRODOTE. H istoire, trad , du grec p a r Larcher.: avec des notes de

Bochard, Wesseling, Scaliger [et al.]. Paris: Charpentier, 1950.

15 Sésostris é a forma grega do nome dos três faraós da XIIa dinastia do império. O nome egípcio, Sénousert, significa “a deusa Ousert”, que fazia parte da composição do título real como nome de As-Rê ou nomen.

16 Hérodote, Livre II.

17 P a re n té génétique de l’égyptien p h a ra o n iq u e et des langues négro- a f r i c a i n e s , IFA N E d i t o r a NEA. Dakar, 1977.

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