A
Bib60teca Pública
. Em Face da
*
manda Social Brasileira
••••
RQPONMLKJIHGFEDCBA
( D U 0 2 7 .5 2
A n tô n io A g e ro r
B rq u e tl
d e i
L e rrD s
I
IHGFEDCBA
A B i b l i o t e c a p ú b l i c a p e r m a n e c e s e n d o
• • i n s t i t u i ç ã o a fa s t a d a d o s s e t o r e s
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
fiec o m p õ e m am a i o r i a d a n o s s a l O C i e d a d e ,p e r d i d a e n t r e o s o n h n d e c o p i a ru m s u p o s t o m o d e l o u n i v e r s a l e ac o n d i ç õ e s o b j e t i v a s d e u m p a í s d e p e n d e n t e . N ã o p a r e c e v á l i d o
"'Por
q u e s e p o s s a a t i n g i r u m e fi c i e n t e d e a e n l J o l v i m e n t ob i b l i o t e c á r i o s e m q u elllte,.ed e fi n a m a s fu n ç õ e s q u e a s b i b l i o t e c a sd e s e m p e n h a r ã o n o p r o c e s s o d e ' u p e r a ç ã o d a d e p e n d ê n c i a .
P
eço-lhes que formem em suas mentesa seguinte imagem. Estamos no
salão de uma biblioteca pública
munici-pal. Numa cidade nova, fundada há
cerca de quarenta anos, capital de um
Esta-do em acelerado crescimento. Nesse
salão de leitura encontram-se umas duas
dezenas de jovens, estudantes do primeiro
e segundo graus. À direita, numa sala
separada por um balcão, acham-se
dispos-tas estantes de livros, vigiadas por atentos
servidores. Os leitores não têm livre
acesso às estantes. À esquerda, na sala
de trabalho dos funcionários, o catálogo
da biblioteca. Os leitores não têm acesso
ao catálogo. Os estudantes, disciplinada
e mecanicamente, copiam de
esfrangalha-* Conferência proferida na sessão de abertura
da I Semana de Estudos Bibliotecários
na Paralba,· em 23/10/1978, organizada
pela Associação Profissional de Bibliotecá-rios da Paraíba.
* * Professor do Departamento de
Biblioteco-nomia da Universidade de Brasflia.
,81bIiotecon.Ooc.12 (3/4): 203-210, ju'/dez. 1979
Antônio Agenor Briquet de Lemos
das enciclopédias as suas "pesquisas",
com o indicador esquerdo
percorren-do as linhas do texto enquanto a direita
transcreve os passos considerados
relevan-tes. Mãos e braços movem-se com a
arti-culação de um pantógrafo. As mentes
estão distantes. No centro do salão,
domi-nadcr, mas desleixadamente sentado no
canto de uma mesa, um guarda de
segu-'rança, uniformizado e apetrechado, impõe
respeito à integridade dos livros utilizados,
enquanto a mão direita repousa,
ostensi-vamente, sobre o cabo do revólver no
coldre pendente da cintura. Todos os
que entram naquele '1emplQ. do saber"
não podem esquivar-se dessa visão. Espaço
e tempo dessa imagem: agosto de 1978,
Goiánia, capital Goiás.
Ali não trabalham bibliotecários
devidamente qualificados. O diretor é
um escritor que freqüenta as rodas do
poder. Como é amante da boa leitura
foi requisitado de suas funções em outro
órgão. O seu salário é duas vezes superior
ao de um bibliotecário do serviço público
federal. E por que ele não se encontra
aqui na biblioteca? Porque a biblioteca
funciona muito bem e apenas de vez
em quando ele dá um pulinho aqui para
despachar no seu gabinete. E por que
tantos conti:oles? Por que não há livre
acesso às estantes? Por que não há livre
acesso nem mesmo ao catálogo? Por
que não se emprestam livros para
lei-tura da biblioteca? Porque este povo
é muito ignorante,. porque se se der uma
colher de chá ele vai estragar tudo; os
catálogos, os livros, e vai roubar, ou não
devolver os livros emprestados. Enfim,
esse povo está num baixo astral.
Evidentemente essa não é uma
situa-ção típica em todos os seus detalhes.
Felizmente nem todas as bibliotecas
públicas brasileiras chegam a tal nível
204
de proibições, de intolerância e de eSPí.
rito repressivo. Por outro lado, eSSa
imagem indica que, apesar de tudo, existe
uma demanda social pelos serviçosRQPONMLKJIHGFEDCBAd a
biblioteca, pois os usuários não deSani.
mam diante dos controles e dos obstáculos
ao uso dessa instituição.
É mais do que sabido que são Os
estudantes, príncipalmente io s do ensino
fundamental, o mais representativo g r u .
po de usuários da biblioteca pJÍblica.
Estudos realizados mostraram que eles
correspondem a cerca de 9 0 % do total
de freqüentadores da biblioteca. Este
fato não é, em si mesmo, negativo ou
con-trapoducente. Reflete determinadas carae,
'tenstícas da. realidade social e de Como
objetivos atribuídos à biblioteca,
trans-plantados de uma outra cultura para
o meio brasileiro, são negados ou alterados
pela própria prática social.
Contrapro-ducente é a maneira desorientada,
meca-nicista e ineficaz como os estudantes
fazem uso da biblioteca e da leitura, o
que certamente reflete a [inefícíêncía e a
desorientação do processo educacional e
de reformas educacionais que se pretende
impor sem a correspondente
infra-estru-tura institucional.
Pode-se dividir a população de usuá·
rios da biblioteca pública em dois grandes
grupos. Um seria o que já vimos, formado
por estudantes que a ela se dirigem para
fazer suas "pesquisas" escolares. Sua ida
à biblioteca não resulta de outras
motiva-ções, mas é o desencargo, muitas v~es
com enfado e desinteresse, de um de~er
escolar. Pode-se até admitir que o hábl~O
de freqüentar a biblioteca em grupos s:
uma forma inconsciente de superar o .
dio e o desagrado de uma atividade cuJo
significado não lhes foi explicado adeq:
damente. Terminados os anos de est~1
livre da coerção de ir à biblioteca f
R .b r a s .B ib lio te c o n .D o c . 1 2 (3/4): 2 0 3 - 2 1 0 . ju l/d e z . 19 71
A Biblioteca Pública Em Face da Demanda Social Brasiki.raL
ísas", terá sobrado a ojeriza a esse
e a incompreensão dos objetivos da
. Da mesma forma que a
obriga-de analisar gramaticalmente
IHGFEDCBA
O s L u s i a-levou milita gente a odiar Camões.
detestar o latim, depois de Júlio César
,,{cero.
O outro grupo, que corresponde a
JIIIflos de 1 0 % dos leitores da biblioteca
,..Hca, é constituído de adultos que
~am a técnica da leitura e que
pro-.fehnente se utilizam da biblioteca
p J P . a leitura recreativa ou cultural. Por
. razão desenvolveram um hábito
leitura e dispõem de tempo para se
a isso. Mas a representatividade
ltística desse grupo é praticamente
ante. Usualmente partimos do
ssuposto que o aumento do número
bibliotecas e a melhoria de suas
Con-de funcionamento servirão para
um maior número de usuários
grupo. Tal pressuposição admite
hl!ja uma motivação espontânea
a leitura sem levar em consideração
. complexo de fatores econômicos,
iais e culturais que funcionam em
IU d o contrário, estorvando a aqui
si-do hábito de ler.
Ê importante que lse compreenda
a leitura não tem um significado
nte individual, que se poderia
. no prazer de ler por ler. A leitura
se na medida em que assume
Validade social, em que faz parte
tO d o um projeto de construção de
SOciedade voltada para o objetivo
o de assegurar condições de vida
iveis Com a dignidade da pessoa
Somente no âmbito de um
pro-~ desenvolvimento em que a
valori-CO:
tegraIdo ser humano é
considera-lIIIiao Objetivo máximo, ao qual tudo
deve estar subordinado, é que se
• • • • iO té c o n .D o c . 1 2 (3i4): 2 0 3 - 2 1 0 . ju l/d e z . 1 9 7 A
pode almejar tomar universal e
conse-qüente o acesso àleitura.
eor mais que . .cJ)mp~ndamos qu
deva ser o papel da bibliote_ca .püblíca
em nossa sociedade contemporânea nãQ
podemos deixar de admitir que ela é
apenas um _d.pS-elementos-na estrutur
~e serviços culturais e..eJlu~o!!ais. Supor,
por exemplo, que a difusão do livro seja
intríseca e qualitativamente superior e
desejável à de outros meios de
comunica-ção será confundir o meio com a
mensa-gem.
r . ~ode guerer gue a biblio!c.
c!.-eSteja...:.aciméL.dO.L..c.olldicionamentes
políticos..-8nciais e econômiÇQ§.; acima
~teresses de classe. intocável na sua
imparCialidade_<4lltu~protegidL-.p~l
;mra de uma cultura u~,_desc9mpro_
metida,"s.uJJlime e quase-ange1ic~
A formação dos acervos das
biblio-tecas está sujeita a diferentes tipos de
cerceamento, como.os paradigmas
cultu-rais dOminant,es', os modismos, as
ideolo-gias que justificamj o poder político, os
. currículos educacionais e o consumismo
. estimulado pela indústria cultural.
ll~
-tícamente, ~p..ill1e.;s~_m~~Lque a biblioteca
é toda a memória do mundo, mas, com
efeito, emcada momento histórico,...!!uma
Ckterminada sociedade, o leitor estará
e.xpl~~o ~ ~amªºas 1!ll!!S sup~rficiaiS"
porque contemporâneas, __dessa memória.
Nem todos descerão às camadas mais
profundas ou terão possibilidades de ler
~sa ~ ~ t i : _~~do um. código_qu~
contrane_~po~çõ~ interesses daqueles
'que, afínal de contas, têm o seu controle.
'pas mãos, A estes interessa que a leitura _
talvez fosse melhor dizer "as leituras" _
não contribua para o processo de
abando-no da chamada consciência ingênua e a
conquista da consciência crítica que
per-mite a compreensão do processo social
e a ação visando a sua mudança.
A Biblioteca Pública Em Face da Demanda Social Brasileira
contrar um vazadouro para as
dupli-ItaS e livros sem valor algum que estão
.pando espaço em suas bibliotecas
articulares.
Enquanto isso, as classes para as
ais supostamente tinham sido criadas
ssas bibliotecas não as utilizavam,
fos-porque carecessem da necessária
motiva-fosse porque não dispusessem de
:po livre, ou, simplesmente, porque
analfabetas.
Existe, dentro do contexto do qual
as características foram ressaltadas
na, uma demandá por serviços de
bí-loteca pública. Há uma demanda
efe-a, que pode ser conhecida, embora
forma não muito confiável,
consul-do-se as estatísticas do 1BGE. E há
Ia demanda potencial que pode ser
imada em função da população
alfa-betizada existente. Por sua vez, a
biblio-teca exerce uma demanda sobre o
mer-. d d ndente, men da edição de livros, revistas, jornais
Na socieda e . ;pee individual d materiais au diovisu ais , uma vez que
caba-se o ,~alor '~~:~as feito".RQPONMLKJIHGFEDCBAe u lt tem de se prover desses recursos
do-saber de expen b dominar um oft entais, a fim de prestar serviço a
não é aquele qu~ sa e ue tem condi clientela efetiva e potencial.
cio ou uma técnica e q erfeita inteta Cálculos .e.essimistas aP..Q!!!am a
ine-de estabelecer uma p Culto é aquel nciª de biblioteca pública em cerca
com a própria. nature~~curso sancionad - ~pios brasileiros.
Esti-capaz de ru~mar ~' mesmo quand mais otimistas diminuem esse
pelas elit~s 1~t~lec:c~~ seja desum . -para-.5~ Se essas cifras se
a ideolog1~ ai nnp I cionamento d m a bibliotecas que
apresentas-dora e v101ent~ o re a a naturezà. D ... uma média de desempenho
cornpatr-homens entre S1 e com ciedade col uma norma mínima de prestação
mesma forma que ~~; seus orat. ,'iIIn'iços, até que elas poderiam ser
os senhores const a não se radas aceitáveis. O que acontece,
e capelas particulares, par nas das bib • é que a um número reduzido
rarern com a plebe, o~ ~ece -se nOS IItbliotecas eficientes contrapõe-se uma
tecas públic~ hom1Z~avamber lon' maioria de serviços ineficientes,
templos partIculares ~' ~so ' das ••••..cos' medíocres, para não dizer
mí-ambiente pouco pres 191 ,.•••••ia.., ,
de leitura públ~ca: . blicas, ttI ; No ~ríodo 1973/1974 a
popula-E as blbhotecas pu eliteS, JIlfabetizada residente nas áreas
urba-não freqüentadas por es:s se traU · do País era da ordem de 43 milhões
por elas lembradas quan
.Ant&oio Agenor Briquet de Lemos
Nã'o
Se
pode afirmar que, passados167 anos desde que se fundou a primeira
biblioteca pública em Salvador, essa
insti-tuição tenha sido cooptada pela sociedade
brasileira como um todo. E, menos ainda,
pelo Estado. Comprova isso, no âmbito
administrativo, o fato de que as
bibliote-cas públicas,' tanto as antigas como as
novas, têm tido o seu destino definido
pelos caprichos dos governantes, que
fazem caso omisso dos argumentos dos
técnicos e dos próprios usuários.
Durante...Jl1uitos anp.S a fun
,Sk-bibliotecas públicas no Brasil del'.•.
en-<leu mais da
iniciativa.JJÇJ!!la_cJ~~JIlé-dj~.•Jl!tel3f,
jit,..
natureza p~t!.W2niali~,,91ja consciência ingênua via a
_edllca窺-como o único fatQL-.que determinaria.2
Brogre.S$o. Essa era uma visão que não
pertencia exclusivamente à época e a
este país, mas remontava a outros tempos
e lugar$ls. Para esse tipo de consciência
os males da sociedade seriam defeitos
de instrução e os vícios e erros dos
ho-mens o resultado da simples ignorância.
A biblioteca pública, numa
socie-dade atrasada, dependente e periférica,
servia para que as classes dominantes
flertassem com as classes dominadas,
oferecendo a estas uma instituição que é
reconhecida universalmente como símbolo
de civilização e progresso. E essa ação
devolvia ao seu sujeito os valores
implí-citos nesse símbolo, proporcionandO
tam-bém mais reconhecimento e prestígio
social. Por outro lado, de acordo com
seu espírito tutelar, apregoava que quem
quisesse subir na vida pelo estudo e sacri-fício pessoal teria à sua disposição escolas
e bibliotecas. É a atitude íarisaica de quem
diz que, num paísde tantas oportunidades,
somente é pobre quem quer. Ou só não
estuda quem não quer. Trata-se ainda
do arrazoado que se baseia na crença
carismática de que uma instituição isolada
206
pode levar as mudanças sociais sem qut
seja antes necessário fazer mudanças
na própria infra-estrutura econômica e
social.
Esse tipo de biblioteca pública
vem marcado pelas aspirações e pelos
mitos dos membros ditos cultos das elas
ses médias. Ora, como não existe UIIlé
única cultura que emane de todos 0 1
homens, mas, sim, diferentes cultufal
correspondentes aos diferentes estamemo
e classes sociais, é, compreensív~l q U I
seria a cultura sancionada pelos padrõe
de refmamento vigentes que estaria repre
sentada na biblioteca pública outorga
pela munificência tutelar. Mas, parad
xalrnente, .as mesmas classes que abri:
bibliotecas para "democratizar" a cultu
continuavam cultivando o hábito
formar suas enormes bibliotecas particul
res.
R .bras.Bibliotecon.Doc. 12 (3/4): 203.210,ju 1 /
dt
" Ibllotecon.Doc. 12 (3/4): 203-210,jul/dez. 1979
de habitantes. Somando-se todos os
acervos existentes em todos os tipos de
bibliotecas do país, em dezembro de
1974, havia então um total de 20
mi-lhões de livros à disposição da
popula-ção alfabetizada urbana, estando aí
in-cluído o acervo da Biblioteca Nacional,
que se aproxima dos dois milhões de
volumes.
Vale aqui fazer um parêntese, pois
o que vem a seguir é de particular
rele-vância para a responsabilidade profissional
dos bibliotecários. Os 20 milhões de
livros que estão à disposição dos usuários
não incluem aqueles volumes que nã~
'podiam ser ainda utilizados porque não
estavam catalogados. Assim, em
dezem-bro de 1974, para 20 milhões de livros
catalogados havia 4 milhões e seiscentos
mil que não estavam catalogados. Quer
dizer que 23% do patrimônio
bibliográ-fico nacional achavam-se encerrados nas
salas de trabalho dos bibliotecários;
maces-síveis ao público.
Note-se que essa proporção
verifica-da em 1974 é inferior à que havia em
1971, quando o número de livros não
catalogados chegava a quase 30% do
total de catalogados. De 1971 a 1974 o
acervo total de todas as bibliotecas passou
de 13 milhões 790 mil para 20 milhões e
200 mil, sendo o incremento percentual
da ordem de 46%. Fecha o parêntese.
Voltando àqueles 20 milhões de
livros disponíveis, em 1974, constata-se
que havia menos de meio volume por
habitante alfabetizado. A norma
reco-menda pela Federação Internacional de
Associações de Bibliotecários é de dois
volumes
IHGFEDCBA
p e r c a p i t a , e, tomando-a porbase, o deficit da provisão de livros,
so-mente para a população, urbana
alfabeti-zada maior de cinco anos, chegava a
66 milhões de volumes em 1974. Se
considerarmos apenas o acervo total
Antônio Agenor Briquet de Lemos
das bibliotecas públicas a situação piora
ainda mais, pois então teríamos a média
de um livro para cada grupo de cinco
pessoas alfabetizadas na área urbana.
Quanto ao número de pessoas que
utilizaram bibliotecas públicas em 1974
o seu totalcorrespondeu a somente 30%
da população urbana alfabetizada, caindo
para 21% quando comparado com
a
população alfabetizada total. Não se
pode deixar .de assinalar que esta
estatís-tica deve .ser considerada
IHGFEDCBA
c u m g r a n a s a l i s ,uma vez que provavelmente o que o IBGE
chama de "número anual de leitores"
não corresponde ao total de indivíduos
diferentes que utilizaram as bibliotecas,
mas sim â soma do cômputo diário dos
leitores que usaram as bibliotecas.
Uma idéia talvez mais próxima: da
realidade será obtida se compararmos
esse número anual de leitores, que foi da
ordem' deRQPONMLKJIHGFEDCBA1 3 milhões, com o total das
consultas no local - 16 milhões - e
de empréstimos a domicilio - 5 milhões.
Se levarmos em conta as deficiências
que assolam as bibliotecas públicas
tere-mos de concluir que seu índice de
utili-zação foi bastante' razoável, pelo menos
em termos quantitativos. Isso se torna
ainda mais evidente quando compararmos
as estatísticas relativas a essas bibliotecas
com as que se referem às bibliotecas
universitárias.
Em 1974, os acervos das
bibliote-cas universitárias eram,
'nó
total,inferio-res aos das bibliotecas públicas em cerca
de dois milhões de volumes. No entanto,
o "número anual de leitores"
correspon-dia a 'somente Cerca de 50% do número
de leitores da biblioteca pública. Também
as consultas e, empréstimos" a' domicflio
aproximavam-se da' casa dos, 50% em
comparação com o movimento das
biblio-tecas públicas.
208
A Biblioteca Pública Em Face da Demanda Social Brasileira
a livros d;,tribuid", pclo In,muto p,mc;palmente enUe a Populaç;ro at.,a do
ocional do Li.,o, o qual, de 590 mil pars, YOuo" então, que "o' bastante
d u m e ' <üstribuido, em 1972 passou Um;tadas as Poss;bilidades de a leUu,.
• 800 mil volumes d;,tribuido, em t'ansfonnar." numa ativMade gene.-aUuda
77. Quer <fiz" isso que com os orça- para OCUpação do tempo liv,~ enquanto
. t o s das pnlprias bibliotecas "o efeu- pc,,;,tirem as atuais condiçõe, de tmbalho
ente adquirid", bem menos volumes da maio," da pOpulação ativa, que "o
que aqueles armlado, nas estatisticas. bastante Um;tativas, pOi" de fato, é reduzi.
Constata.", portanto, que a indús- dissimo o tempo livre de que se dispõe,
do livro no Brasíl tem a sua pmdução uma vez cumpridas as obrigaçõe, 'OCiai,
tada quase que exclu'ivamente para o e' econômica, neco..., ia s â sobrevivência
sumo individual. 'Ao contrário do que dos iildivíduos.
Irre em outros países, aqui as
bibliote-. 'pouco contribuem para a expansão
mercado de consumo do produto
lditorial. As bibliotecas públicas, que
mantidas, em SUamaioria, por
admiilis-ões municipais que nem sempre
dis-dos recursos necessários à
manuten-de um mínimo de serviços básicos
as comunidades, encontram_se na
per-inte expectativa de um futuro de vacas
A propósito, creio que nós, biblio.
tecãrios, ternos o direito e o dever d
pôr em questão a tipologia de bibliote~
cas que para cá transplantamos de outros
países. Existiria lugar e seria conveniente
mnossa sociedade, manter limites tã~
ígidos e precisos entre biblioteca nacional
ibliotecas universitárias, bibliotecas esc~
lares, bibliotecas especializadas e bibliote.
cas públicas? De um modo geral essa
tipologia tem resultado em instituições
estanques, compartimentadas, que. não se
comunicam e que, muitas vezes, competem
entre si como se fossem estab~lecimentos
comerciais. Por que essas bibliotecas
são instituições cativas de clientelas
autô-nomas, infensas ao apelo para que sirvam
a setores mais amplos da sociedade que
~ê.m1>
Vejamos, agora, qual a demanda que
as bibliotecas exercem sobre o mercado
editorial. No ano de 1974 a indústria
editorial produziu 8.300 títulos de di·
ferentes livros, totalizando uma tiragem
de quase 192 milhões de exemplares.
Cerca de 101 milhões desse total
corres-pondem a livros didáticos, inclusive O!
textos do Mobral. Considerando que
as bibliotecas não adquiram livros
didáti-cos nem textos do Mobral, pode-se
admi-tir que seja válido fazer comparaçõeS
C0m os restantes 91 milhões de
exempla-res produzidos, no que se refere às
aquisi-ções feitas pelas bibliotecas. Estas:eJII
1974, adquiriram menos de Uin.~
e meio de volumes, aí se inclutndo
importados. Ou seja, nossas biblio
adquiriram pouco mais de um por ~D
da produção bibliográfica n~ion~()IÇI
um ano, o que mostra quão débil é a '
da biblioteca como consumidor no
cado editorial brasileiro.
E,
talvez, a situação aindapior, pois essas aquisições feitaS
bibliotecas correspondem em cerca
Aplicar anualmente o valor de dez
ios mínimos na aquisição de materiais
iográficos é Um requisito que mostra
inlUgência da maioria de nossas
prefei-:, PrinCipalmente quando esse valor é
JlOntrapartida que os prefeitos têm de
. para que as bibliotecas municipais,
IIlantêm convênio Com o INL, recebam
adicionais desse órgão. Para
uír estas considerações estatísticas
te-se que o INL distribui
aproxima-. lote 450 volumes por ano para cada
loteea convenente, o que é uma
amos-. litnitadal da
ai.
produção bibliográfica~ elaro que o estudo da demanda
lel\ljços bibliotecários não se esgota
a ~á/ise desses pontos. Em outra
.llJdade, examiilamos a questão da
Ibilidade de tempo livre para
utí-da leitura como forma de lazer
. R.bral.Bibliotecon.Ooc. 12 (314): 203-210, jul/det.
8..,.
IOtllcon.ooc. 12 (3/4): 203-210. Jul/dez. HI70,
Outro ponto a considerar é a iiltegra.
ção da leitura no contexto mais anu>lo
do processo de comunicação social, de
modo a se corrigir a situação atual em
que certos meios, principalmente a
tele-visão, tendem a monopolizar a quase
totalidade daquele mínimo de tempo
livre de que dispõem, Principalmente,
as parcelas mais pobres da população
urbana. A serem verdadeiros os dados
recentemente divulgados por uma
empre-sa que controla i'ndices de audiência,
segundo OSquais o brasileiro assiste em
média a seis horas e 40 rninu tos diários
de televisão, média que aumenta em
uma hora aos domiilgos, deduz-se que um
plano nacional de inCremento à leitOra
não poderá deixar de considerar a própria
televiSão como um meio eficiente de ex.
plicar e ensiilar à população o significad(
da leitura. Mas logo se percebe que, para
isso, também faz falta um plano nacional
de transformação do conteúdo atuaImen_
'te dado â televisão no Brasil. Vale a pena
ainda acrescentar que o referMo estudo
revelou que os lares onde mais se assiste
à televisão são aqueles em que: 1) há
crianças até 11 anos; 2) moram mais
de cinco pessoas; 3) a dona de casa tem
Antônio Agenor Briçuet de Lemos
Parece-nos que existe. uma concep- esmo, sem que antes se tenha defInido
ção, equivocada em nosso' e.ntend~r, e ao nível político e cultural, a funçã~ que decorre do suposto u~lVers~mo, que essas bibliotecas desempenharão no ainda que nominal, das técrncas bíbliote- processo histórico de desenvolvirnent
cárias, segundo a <:luala biblioteca como que rompa a situação de deperidênci~'
instituição pode ser transplanta.da de ~m e na luta pela superação da consciênci~ país para outro sem que seja preciso ingênua, fruto dessa mesma dependência passar por adaptações. e modífícações. Mesmo a utilização de novas técnicas,con: Ora, isso é um contrasenso e uma n:tgenut- sideradas mais eficazes, como o planeja. dade. Não se pode fazer caso onusso de mento bibliotecário, somente adquirirá que
p
biblioteca,.M mesma forma que relevância na medida em,que forem subrne.ytras organizaçges.-Sociais,_~~o~tesultado tidas ao batismo de fogo Ida práticaSOCO
d~_l!W'sões e demandas-que;-a-f0ri~ - e subordinadas a um' projeto potítico entro de uma sociedade especifica constí- • cultural definido pela sociedade com t\ifcJã'de indiv.ídu0t.q1!.edíferem.ipot.sua, -un todo.
formação educacional, tradições, necessida- ..
,és e aspirações, dos de outras ~iedaE~
RQPONMLKJIHGFEDCBA
'A biblioteca como instituição e as técnicas ue a fazem funcionar devem~coãdunar-~ cOm a realídade.socíal, dJ!um determinado país e não com formas ídeaís.jjue a
socíe-'dade <lessepaís pode vir a rejeitar. Se o
resultado desse processo de compatíbili-zação for uma biblioteca, com as co~es-pendentes técnicas, que se aproxune daquilo que se considera o padrão interna-cional, não teremos porque nos queixar. Mas isso terá ocorrido dentro de um processo natural que se nutre da reali~ade objetiva e não como um rnecarusmo artificial imposto de fora para dentro e de cima para baixo.
Resolver a questão bíbliotecãria não ~Píesmente abrlroi!iliotecas
a-210
Monteiro Lobato disse que ump ,
se faz com homens e livros. A fr bonita e inspirada, mas carece de sentido em seu reducionismo estre Entre homens e livros há mais obstá, e preciprcios. do que caminhos re ladeados de roseiras. Entre homen livros, estes como instrumento de co cimento e mudança da realidade, . Poem.se . tantas outras prioridades,
põem-se tantos interesses contráriosa i I . ' . """""t-' • .
o conhecimento efetivo do real seja mente apreendido e difundido. E, ainda o caso de perguntar ao criad, irônica Enu1ia: e com que homens, que livros se faz um país?
R .bras.Bibliotecon.Doc. 12(3/4): 203-210, jU I/
oet .