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Processo 00S2449

Data do documento 13 de dezembro de 2000

Relator Mário Torres

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | SOCIAL

Acórdão

DESCRITORES

Rescisão pelo trabalhador > Sanção abusiva

SUMÁRIO

I- Para o funcionamento da presunção estipulada no artigo 32, n.º 2 da LCT, basta a circunstância de a sanção ter sido aplicada dentro do período de seis meses após o exercício ou a invocação pelo trabalhador de direitos que este entendia assistirem-lhe - presunção que não desaparece pela eventualidade de, na acção emergente do exercício pelo trabalhador do direito de rescisão com justa causa do contrato de trabalho fundada na aplicação de sanção de sanção abusiva, o mesmo trabalhador não lograr fazer prova da efectiva verificação dos direitos que invocou ou que pretendeu exercer.

II- A especial censurabilidade da conduta da entidade patronal, no caso das sanções abusivas, radica no abuso do direito que resulta da utilização do poder disciplinar para fins diversos dos visados pelo legislador quando outorgou esse poder à entidade patronal, como sucede quando esta o utiliza não para sancionar verdadeiras infracções disciplinares mas para fins de retaliação contra trabalhadores que ousaram reivindicar direitos que estavam convencidos que lhes assistiam, sendo indiferente que os direitos reclamados sejam, ou não juridicamente exigíveis.

TEXTO INTEGRAL

Processo n.º 2449/00

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, 1. Relatório

A, interpôs para este Supremo Tribunal de Justiça recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26 de Janeiro de 2000 (fls. 138 a 141), reformado pelo acórdão de 22 de Maio de 2000 (fls. 176), que concedeu parcial provimento à apelação interposta pela ré B, reduzindo para 97680 escudos (com juros, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da decisão final) o montante da condenação (em 1920000 escudos de indemnização, 68267 escudos de 12 dias de férias úteis por gozar, 48000 escudos de subsídio de férias vencidas, 152197 escudos de proporcionais de férias e de subsídios de férias e 85216 escudos de

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proporcional de subsídio de Natal, acrescidos de juros de mora desde 5 de Agosto de 1997 até efectivo pagamento), que lhe fora infligida pela sentença de 15 de Julho de 1999 do Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia (fls. 104 a 108).

Apresentou alegações (fls. 148 a 162), no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"I - Ao recorrente foi aplicada uma repreensão registada, por factos que em 20 anos de carreira como chefe de secção nunca antes tinham sido invocados, imputando-lhe a recorrida comportamentos culposos que não foram provados, sem que o recorrente tenha sido ouvido.

II - Tal comportamento da recorrida conduziu, objectivamente e em concreto, ao resultado de tornar imediata e praticamente impossível a manutenção do contrato de trabalho que vinculava recorrente e recorrida, que se tornou insustentável, com relações intoleráveis entre as partes, cuja inviabilidade de prossecução é patente e manifesta.

III - Tal sanção ocorre em virtude das reclamações apresentadas pelo Sindicato em que se encontra filiado o recorrente, sem que o recorrente tenha sido ouvido, constituindo, assim, uma sanção abusiva.

IV - A não ser assim entendido, tal sanção foi aplicada sem qualquer tipo de fundamento, que a justificasse, e sem prévia audição do recorrente, como se provou, o que não pode deixar de a tornar ainda mais abusiva, pois demonstra um total desrespeito pelo recorrente, como pessoa e colaborador, tomando, também, e com maior razão (pois seria maior a ofensa, o desprezo e a desconsideração para com um funcionário que colaborava com a requerida fazia mais de 24 anos), imediata e praticamente impossível a manutenção do contrato de trabalho, que se tornou insustentável, com relações intoleráveis entre as partes, cuja inviabilidade de prossecução é patente e manifesta.

V - Pelo que, também por aí, constitui justa causa de rescisão do contrato de trabalho pelo recorrente.

VI - Nos termos do artigo 32.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, consideram- se, entre outras, abusivas as sanções disciplinares motivadas pelo facto de um trabalhador, em geral, exercer, ter exercido, pretender exercer ou invocar os direitos e garantias que lhe assistem.

VII - Assim, sanção abusiva é aquela cujo motivo determinante foi o de prejudicar o trabalhador por ter exercido um direito que lhe competia.

VIII - E a aplicação de uma sanção abusiva constitui justa causa de rescisão do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador - artigo 35.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro - porque torna, objectiva e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho, com as consequências previstas no artigo 13.º, n.ºs 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, ex vi artigo 36.º do mesmo diploma legal, pelo que

IX - o, aliás, douto acórdão recorrido, para lá dos preceitos de direito substantivo já referidos, ofendeu, ainda, as disposições dos artigos 32.º, n.º 1, alínea d), e 31.º, n.º 3, ambos do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, sendo de concluir que

X - o ora recorrente, usando da faculdade prevista no artigo 34.º, tendo como fundamento o artigo 35.º, n.º 1, alínea c), e com as consequências previstas no artigo 36.º, todos do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, rescindiu, com justa causa, o contrato de trabalho que o vinculava à recorrida, de acordo e nos termos legais exigidos.

XI - Salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido, ao não considerar abusiva a sanção aplicada ao

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recorrente, nem reconhecer justa causa ao recorrente para rescindir o seu contrato de trabalho, não fez a melhor e mais correcta interpretação dos atinentes textos legais supra referidos.

A ré, ora recorrida, contra-alegou (fls. 164 a 172), propugnando o improvimento do recurso.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público emitiu parecer (fls. 182 a 186), no sentido da concessão da revista, parecer que foi notificado às partes, tendo a recorrida apresentado a resposta de fls. 188 a 190, manifestando a sua discordância relativamente ao mesmo.

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto

A sentença da 1.ª instância deu como apurada a seguinte matéria de facto, que foi mantida intocada pelo acórdão ora recorrido:

1) A ré dedica-se à indústria de fotografia;

2) O autor trabalhou para a ré até 5 de Agosto de 1997, por contrato de trabalho e mediante remuneração, incluindo um subsídio de refeição;

3) O autor fora admitido na firma B, a 3 de Julho de 1972, no laboratório de fotografia que a mesma possuía na Rua de Santa Catarina, Porto;

4) Tal estabelecimento viria a ser transferido para Picoutos, Maia;

5) Este estabelecimento nunca pertenceu à ré;

6) O laboratório, de Picoutos, voltou a ser transferido para a Rua de Santa Catarina, no Porto;

7) Pelo menos desde 1991, o autor prestava a sua actividade em regime de isenção de horário de trabalho;

8) Ultimamente o autor detinha a categoria profissional de "chefe de secção", sector profissional do laboratório;

9) Por escritura de 10 de Fevereiro de 1982, foi constituída a ora ré, conforme documento n.º 1 junto com a contestação, cujo teor se dá por reproduzido;

10) Em 2 de Outubro de 1996, o Sindicato do autor enviou à ré uma carta do teor do documento de fls. 10, cujo teor se dá por reproduzido;

11) A ré não respondeu a tal carta nem disse nada ao autor;

12) Datada de 22 de Julho de 1997, o Sindicato do autor enviou à ré uma carta do teor do documento de fls. 11, cujo teor se dá por reproduzido;

13) A ré respondeu ao Sindicato nos termos do documento de fls. 12, cujo teor se dá por reproduzido;

14) Datada de 24 de Julho de 1997, a ré enviou ao autor uma carta do teor do documento de fls. 9, o qual (teor) se dá por reproduzido, comunicando-lhe uma repreensão registada, sendo que tais factos nunca haviam sido invocados;

15) A sanção foi aplicada sem que o autor tivesse sido ouvido;

16) O autor rescindiu o contrato por carta registada, recebida pela ré a 5 de Agosto de 1997, nos termos do documento de fls. 13 e 14, cujo teor se dá por reproduzido;

17) O Sr. D fora gerente da firma referida em 3);

18) O Sr. D renunciou à gerência da referida firma em 8 de Setembro de 1981;

19) Em Maio de 1996 a ré instaurou um processo disciplinar pelo menos a dois trabalhadores com vista ao despedimento;

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20) A ré solicitou ao autor que prestasse declarações em tais processos;

21) Enquanto chefe cabia ao autor o contacto com fornecedores, a distribuição e controlo do trabalho no laboratório, mas apenas no sector profissional, até ao falecimento do responsável pelo sector amador; era ouvido relativamente aos planos de férias do pessoal de laboratório; e cabia-lhe ainda o atendimento de clientes que não pudessem cabalmente ser atendidos pela secretaria;

22) Em 1 de Maio de 1983, o autor veio a ser admitido ao serviço da ré, já com a categoria de chefe de secção;

23) A partir de 9 de Julho de 1991, por razões de organização de laboratório, os sectores amador e profissional foram separados, cabendo ao autor a chefia do sector profissional;

24) Desde que foi admitido ao serviço da ré, o autor sempre exerceu as suas funções em regime de isenção de horário, com a sua concordância;

25) Em 1983, o vencimento do autor era de 35000 escudos, composto de 28000 escudos de remuneração e de 7000 escudod de acréscimo pela isenção de horário;

26) Em 1984, o vencimento do autor era de 38500 escudos, composto de 30800 escudos de remuneração e de 7700 escudos de acréscimo pela isenção de horário;

27) Em 1992, o vencimento do autor era de 119000 escudos, composto de 95200 escudos de remuneração e de 23800 escudos de acréscimo pela isenção de horário;

28) Em 1993, o vencimento do autor era de 131000 escudos, composto de 104800 escudos de remuneração e de 26200 escudos de acréscimo pela isenção de horário;

29) Em 1994, o vencimento do autor era de 160000 escudos, composto de 128000 escudos de remuneração e de 32000 escudos de acréscimo pela isenção de horário;

30) No mês de Agosto de 1996 não houve na ré qualquer aumento geral anual de salários;

31) Ocorreram apenas pequenos ajustamentos quanto a alguns trabalhadores;

32) O autor era o trabalhador que auferia a remuneração mais elevada na empresa;

33) O autor estivera a substituir um colega de 30 de Junho de 1997 a 6 de Julho de 1997, no final da qual se constatou a quebra de produção referida na carta de fls. 9, sendo que era normal, em virtude da acumulação de funções e de se tratar de um período de grande acumulação de serviço, uma quebra da produção, em tais circunstâncias (substituição);

34) Ao pretender pagar ao autor, a ré deduziu-lhe a indemnização por falta de pré-aviso, disso dando conhecimento ao autor;

35) O autor esteve de baixa médica desde 27 de Julho de 1997 a 30 de Julho de 1997;

36) Pelo menos dois ou três clientes da ré começaram a não querer ser atendidos pelo autor;

37) Um outro funcionário da ré, por sua iniciativa, passou a tratar das encomendas aos fornecedores.

3. Fundamentação

3.1. A única questão em debate no presente recurso consiste em determinar se, no caso, ocorreu a aplicação de sanção abusiva, legitimadora de rescisão do contrato de trabalho com justa causa por iniciativa do trabalhador, e, designadamente, se para a qualificação da sanção como abusiva é exigível que o trabalhador demonstre que efectivamente lhe assistiam os direitos por ele reivindicados e que presumivelmente determinaram a aplicação da sanção.

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Como é sabido, "ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato" (n.º 1 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro), devendo a rescisão "ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, dentro dos quinze dias subsequentes ao conhecimento desses factos" (n.º 2 do citado preceito), sendo de sublinhar que "apenas são atendíveis para justificar judicialmente a rescisão os factos indicados" na aludida comunicação (n.º 3 do mesmo artigo 34.º). O subsequente artigo 35.º elenca entre os comportamentos da entidade empregadora que constituem justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador a "aplicação de sanção abusiva" (alínea c) do n.º 1).

O conceito de sanção abusiva consta do artigo 32.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, que dispõe:

"1. Consideram-se abusivas as sanções disciplinares motivadas pelo facto de um trabalhador:

(...)

d) Em geral, exercer, ter exercido, pretender exercer ou invocar os direitos e garantias que lhe assistem.

2. Até prova em contrário, presume-se abusivo o despedimento, mesmo com pré-aviso, ou a aplicação de qualquer sanção sob a aparência de punição de outra falta, quando tenham lugar até seis meses após qualquer dos factos mencionados nas alíneas a), b) e d) do número anterior (...).

3. (...)."

No presente caso, na comunicação prevista no n.º 2 do artigo 34.º do Decreto--Lei n.º 64-A/89, constante de fls. 13 e 14 dos autos e dada por reproduzida no ponto 16) da matéria de facto (supra, 2.), o autor referiu:

"Na impossibilidade de, licitamente, concretizarem o desiderato que sem disfarces perseguem desde há alguns meses e que consiste no meu despedimento, optaram V. Exas pela criação artificial de condições objectivas susceptíveis de propiciarem a cessação da relação contratual, mas devendo ser eu a tomar a iniciativa.

Vexado e lesado embora desde há alguns meses e de modo continuado tenho contudo procurado obviar à satisfação da vossa vontade, sempre esperançado, apesar de tudo, num rebate de consciência por parte dos responsáveis, sendo certo que eles bem sabem ser ilegal e sobretudo profundamente injusta e imoral a perseguição psicológica implacável que me vem sendo infligida - a qual seria reprovável em qualquer circunstância e fosse qual fosse a pessoa que estivesse em causa, mas que seguramente o será mais por se tratar do signatário - colaborador (digo-o sem complexos) desde os primórdios da empresa a quem (com mais um ou dois de igual dedicação, competência e espírito de sacrifício) a mesma ficou a dever o esplendor económico e o prestígio técnico alcançado entre as suas congéneres.

Recordarei que o vosso plano tendente ao meu afastamento se desenvolveu a partir do momento em que recusei prestar depoimento no processo disciplinar instaurado aos trabalhadores C, D e E, no qual veio a ser decidido o despedimento dos dois primeiros.

Efectivamente, solicitado para tal pela F, escusei-me visto repugnar-me, por ser inadequada e desfasada no tempo, a medida de despedimento.

Em virtude do que o gerente, G, referindo-se-me, declarou ao amigo comum, H, que tudo faria doravante para me «calçar os patins...».

Na linha desse objectivo, em Agosto de 1996 teve lugar na empresa a habitual actualização anual dos

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salários.

E, pela primeira vez desde a minha admissão, fui excluído, pelo que desde há mais de 2 anos o meu vencimento não sofre alteração.

Neste caso e atendendo à minha condição hierárquica, acresce à lesão económica um dano não patrimonial incalculável pois a humilhação não é somenos - tanto mais que a discriminação não foi acompanhada de qualquer explicação.

A conduta revanchista para com a minha pessoa é logo de seguida agravada com a despromoção funcional, passando a ser-me retiradas as funções que pelo menos desde 1991 vinha exercendo como chefe de secção:

- atendimento dos clientes;

- contacto com fornecedores;

- distribuição do trabalho e controle da execução;

- elaboração dos planos de férias;

- apreciação dos pedidos para faltas de comparência ao trabalho, etc.

Pelo que a minha actividade deixou de ser de direcção e chefia para passar a resumir-se à de simples executante como impressor e no controle da cor!

Assim me sentindo sempre no quotidiano laboral, e como não podia deixar de ser, pasto da curiosidade geral entre os trabalhadores - frequentemente dados, aliás, a manifestações de solidariedade (quando não de vexatória comiseração) para com a minha pessoa.

Neste entretanto o meu Sindicato questionou V. Exas, através de ofício datado de 22 de Julho de 1997, acerca de duas situações que (sem resposta) suscitara já em Outubro de 1996, a saber:

- o caso da discriminação salarial iniciada em Agosto de 1996;

- o não pagamento da retribuição correspondente à isenção de horário de trabalho.

Suscitando ainda, no mesmo ofício, o caso da despromoção funcional a que venho de aludir.

Em consequência daquela diligência sindical que fizeram V. Exas?

- aplicaram-me uma sanção disciplinar - cfr. v/ carta datada de 24 de Julho de 1997 - à qual deram publicidade;

- responderam ao Sindicato, sem documentar, que o regime praticado no tocante à retribuição correspondente à isenção de horário era lícito, bem como que a despromoção resultava de eu não satisfazer os requisitos necessários para continuar a exercer a chefia.

Ora, quanto à sanção disciplinar dir-se-á simplesmente que na altura dos factos a que a mesma se reporta (alegada quebra de produtividade) nenhuma observação me foi feita, fosse por quem fosse.

Foi necessária uma tomada de posição por parte do Sindicato relacionada com a alteração verificada nas condições do meu contrato individual para que V. Exas, a despropósito, se lembrassem de agravar com uma punição disciplinar, baseada aliás numa clamorosa falsidade.

De resto, exactamente porque sempre tiveram noção dessa falsidade, bem como que o apuramento da verdade inviabilizaria o sancionamento, é que deliberadamente omitiram o dever prévio de audição - que tanto resulta da lei (n.º 3 do artigo 31.º da LCT) como do próprio direito natural, ao impor que ninguém seja condenado sem ser ouvido.

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Nas circunstâncias expostas a sanção disciplinar revela-se não só nula como abusiva.

Por outro lado, e vendo a v/ carta enviada ao Sindicato em 25 de Julho de 1997, não existindo tabela salarial correspondente à minha categoria profissional de chefe de secção, não se compreende a alusão a um «salário acima da tabela em vigor».

De resto, a exemplo do que sucede com a retribuição por trabalho sumplementar, a retribuição por isenção de horário há-de ter expressão autónoma relativamente ao salário base.

Por último e ainda quanto àquela carta de 25 de Julho de 1997, vem confessada a despromoção sem que, contudo, sejam explicitados os motivos, pois a alegação de que «não satisfez os requisitos necessários para continuar a exercer a chefia» afigura-se demasiado vaga e genérica e até ininteligível, pois não está em causa um cargo de chefia exercido por algum tempo a título experimental, mas dum desempenho ao longo de vários anos, institucionalizado pelo v/ «comunicado interno» de 9 de Julho de 1991.

Mas, bem vistas as coisas, também não seria muito curial que uma entidade patronal viesse confessar ter- se decidido pela criação artificial de condições de modo a «calçar os patins» a um seu trabalhador pela compreensível recusa deste em participar no processo de despedimento dum grupo de trabalhadores de cuja colaboração a empresa resolvera prescindir por meras razões conjunturais de mercado e não propriamente em função de condutas pretensamente ilícitas cuja invocação visava apenas reduzir aos efectivos de pessoal sem contrapartidas indemnizatórias.

Deste modo,

pela presente comunico a rescisão do meu contrato de trabalho por justa causa e com imediata produção de efeitos pelos fundamentos expostos e que, em conclusão, sintetizo:

- despromoção funcional nunca explicada pelos responsáveis, visando (e conseguindo) desgastar psicologicamente o signatário no seu quotidiano laboral pela humilhação, no âmbito dum plano a prazo que acabaria por levar o signatário de «patins» para fora da empresa;

- discriminação salarial traduzida na exclusão injustificada (pela 1.ª vez em dezenas de anos de serviço na empresa) por ocasião da actualização anual de salários que teve lugar em Agosto de 1996 e que nesta data permanece;

- não pagamento da retribuição especial e irrenunciável a que se refere o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 409/71;

- aplicação de sanção abusiva baseada em falso motivo e sem prévia audição.

O que tudo conglobado e visto o sentido que a entidade patronal imprime à sua acção face ao signatário, torna praticamente impossível a subsistência do contrato de trabalho.

(...)."

Como se assinalou, presentemente está apenas em causa a verificação do quarto motivo invocado pelo autor como justa causa de rescisão unilateral do contrato de trabalho (aplicação de sanção abusiva), já que, segundo o juízo formulado pelas instâncias em sede de matéria de facto, o mesmo não teria conseguido fazer prova dos factos em que assentavam os três outros motivos indicados (despromoção funcional, discriminação salarial e falta de pagamento de retribuição por isenção de horário de trabalho).

Segundo o autor, a sanção que lhe foi aplicada teria sido abusiva porque, para além da inveracidade das imputações em que assentou e da violação do direito de audiência do arguido, ela teria sido determinada,

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não pela finalidade própria do poder disciplinar patronal, mas por retaliação por causa da reivindicação, feita pelo autor através do respectivo Sindicato, de direitos que lhe assistiam.

Com efeito, mostra-se provado que:

- com data de 2 de Outubro de 1996, o Sindicato dos Trabalhadores de Celulose, Papel, Gráfica e Imprensa, endereçou à ré a carta constante de fls. 10, dada por reproduzida no ponto 10) da matéria de facto (supra, 2.), do seguinte teor:

"Solicita-se a v/ especial atenção para o que seguidamente se expõe:

1. No passado mês de Agosto, V. Exas procederam a uma actualização salarial à generalidade dos v/

colaboradores.

Dessa actualização salarial, foi excluído, entre outros, o v/ colaborador acima indicado [A], sem que para tal exista ou tenha sido dada qualquer explicação.

O A, considera uma injustiça o acto da empresa, agravado pelas responsabilidades que exerce desde 1991.

2. Este v/ colaborador terá isenção do horário de trabalho.

Nos termos do contrato colectivo (cláusula 26.ª'), os trabalhadores nessa situação têm direito a um acréscimo de retribuição nunca inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia, o que não se estará a verificar.

Para o exposto solicita-se a V. Exas uma informação do que se oferecer, ou a rectificação das eventuais anomalias.";

- a ré não deu resposta a esta carta;

- com data de 22 de Julho de 1997, o mesmo Sindicato endereçou à ré a carta constante de fls. 11, dada por reproduzida no ponto 12) da matéria de facto (supra, 2.), do seguinte teor:

"Em 2 de Outubro de 1996, através do ofício n.º 498/96 - que se dá por reproduzido - suscitamos perante V.

Exas duas questões relacionadas com a prestação laboral do sindicalizado em referência [A], a saber:

- um caso de discriminação injustificada por ocasião da actualização salarial ocorrida em Agosto de 1996;

- o inadimplemento da retribuição correspondente à presumível vigência de isenção de horário de trabalho.

Apesar da expressa solicitação nesse sentido, a empresa nada informou e, sabe-se agora, nada promoveu, pelo que as duas questões permanecem candentes.

O que, especialmente tratando-se duma empresa considerada como a vossa, causou alguma surpresa.

Entretanto, houve agora possibilidade de se conhecerem alguns detalhes conducentes à certeza de que a estranha discriminação verificada quanto à retribuição se caracteriza por um revanchismo sem sentido, bem como que, afinal, a isenção de horário poderá eventualmente não se encontrar formalizada à luz da lei e que, pois, várias centenas ou milhares de horas suplementares terão sido prestadas sem a correspondente contrapartida em matéria de retribuição e descanso complementar.

Parece acrescer ainda ter-se verificado um caso de despromoção em termos funcionais - alteração do objecto do contrato segundo a modificação nele introduzida pelo v/ comunicado interno de 9 de Julho de 1991 - um factor que o trabalhador invoca para, a par da discriminação salarial, explicar o desconforto com que tem vindo a decorrer o seu desempenho ao v/ serviço.

Solicitamos de novo uma reflexão face ao exposto e o pedido da informação que julgarem pertinente e que permita definir o encaminhamento que deverá ser dado à reclamação.

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Considerando o estatuto laboral do trabalhador em causa (pessoa personalizada e detentora - ao menos no papel - dum cargo de chefia), julgaríamos preferencial que V. Exas procurassem pelo diálogo resolver as divergências em alternativa à radicalização e consequente discussão na via judicial.";

- com data de 24 de Julho de 1997, a ré endereçou ao autor a carta constante de fls. 9, dada por reproduzida no ponto 14) da matéria de facto (supra, 2.), do seguinte teor:

"Temos vindo a constatar que V. Exa, apesar de ter isenção de horário de trabalho, cessa as suas funções pontualmente às 18 horas quando ainda ficam bobines de papel já impressas e reveladas a aguardar o controle de qualidade que lhe está cometido.

Consequentemente, outros trabalhadores que continuam a laborar normalmente, uns até às 19 horas, outros até às 20,30 horas, ficam impossibilitados de separar aqueles trabalhos para serem expedidos para os clientes: ou seja, a falta de cumprimento das tarefas que lhe estão cometidas e deviam ser realizadas por forma a não provocar interrupções no funcionamento do laboratório está a provocar atrasos de 1/2 dias nas entregas dos serviços aos clientes.

Não podemos igualmente deixar de fazer notar que enquanto esteve a substituir uma colega de trabalho durante uma semana, no serviço de impressão, o resultado verificado foi tão-só de uma quebra de 50%, ou seja, enquanto a funcionária por si substituída imprimia 500 filmes por semana, V. Exa apenas imprimiu 220 filmes na semana em que a substituiu.

Face ao que antecede e aos prejuízos que o seu comportamento está a causar à empresa, não podemos deixar de o repreender por escrito, como estamos a fazê-lo, advertindo-o desde já que, para os devidos efeitos, tal repreensão vai ser registada na sua ficha individual.";

- com data de 25 de Julho de 1997, a ré endereçou ao aludido Sindicato a carta constante de fls. 12, dada por reproduzida no ponto 13) da matéria de facto (supra, 2.), do seguinte teor:

"Relativamente à v/ carta referenciada em epígrafe [carta de 22 de Julho de 1997], cumpre-nos informar o seguinte:

1. Em relação ao trabalhador em questão, A, está esta empresa a pagar-lhe acima da tabela salarial em vigor;

2. Temos em nosso poder documento assinado pelo mesmo trabalhador ao qual foi dado o devido tratamento, sendo bastante para a licitude do regime praticado.

No que se refere à alteração das funções, cumpre-nos informar que o mesmo trabalhador não satisfaz os requisitos necessários para continuar a exercer a chefia. Não obstante isso, continua a auferir o vencimento que antes auferia.

Aproveitamos ainda o ensejo para em anexo remeter a V. Exas cópia da carta que enviamos ao mesmo trabalhador." [trata-se da carta de 24 de Julho de 1997, acabada de transcrever].

A divergência entre o decidido na 1.ª instância, que reconheceu o carácter abusivo da sanção disciplinar aplicada, e o decidido no acórdão recorrido, que recusou esse reconhecimento, radica fundamentalmente na resposta à questão de saber se é requisito daquele carácter abusivo ter o trabalhador logrado fazer prova de que efectivamente lhe assistiam os direitos que reivindicou, sendo na sequência desta reivindicação que veio a ser disciplinarmente sancionado: o Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia entendeu que não, mas a Relação do Porto entendeu que sim.

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Lê-se, com efeito, na sentença da 1.ª instância:

"Vem provado que, datada de 24 de Julho de 1997, a ré enviou ao autor uma carta do teor do documento de fls. 9, comunicando-lhe uma repreensão registada, sendo que tais factos nunca haviam sido invocados.

A sanção foi aplicada sem que o autor tivesse sido ouvido.

De tal carta consta:

(...)

Relativamente a esta matéria, saliente-se que a ré não provou a veracidade dos factos constantes daquela decisão, tendo-se ao invés provado que a quebra de produção (dada a acumulação de funções) era normal em situações de substituição. Saliente-se ainda que a falta de prática num determinado trabalho determina por si só, de início, uma rentabilidade menor que a de um trabalhador experiente.

Por outro, tal sanção foi aplicada sem audição do autor, em violação portanto do comando do artigo 31.º, n.º 3, da Lei do Contrato de Trabalho. Estamos face a uma sanção abusiva.

Mas, apesar disso, será tal facto motivo para rescisão do contrato? O comportamento da ré enquadra-se no âmbito do artigo 35.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro. Importa no entanto apreciar a conduta à luz do n.º 5 do artigo 12.º do mesmo diploma e por força do n.º 4 do citado artigo.

Assim, deve atender-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias relevantes do caso.

No caso presente, dada não só a violação grosseira do direito ao contraditório por parte do trabalhador e a inverdade de pelo menos parte das alegações, é de concluir pela existência de motivo para a rescisão com justa causa."

Diversamente, o acórdão ora recorrido ponderou o seguinte:

"A aplicação de sanção abusiva constitui justa causa de rescisão imediata do contrato por parte do trabalhador e confere-lhe o direito à chamada indemnização de antiguidade (artigo 35.º, n.º 1, alínea c), e artigo 36.º da Lei da Cessação do Contrato de Trabalho), mas as sanções disciplinares só são abusivas nas situações taxativamente previstas no n.º 1 do artigo 32.º da Lei do Contrato de Trabalho (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969), nomeadamente quando tenham sido aplicadas pelo facto de o trabalhador ter reclamado legitimamente contra as condições de trabalho e pelo facto de, em geral, exercer, ter exercido, pretender exercer ou invocar os direitos ou garantias que lhe assistem (alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 32.º). Segundo o recorrido, assim teria acontecido no seu caso, uma vez que a repreensão registada lhe teria sido aplicada por ter reclamado, através do seu Sindicato, contra o não pagamento do acréscimo salarial relativo à isenção de horário de trabalho, contra a discriminação salarial de que foi vítima no aumento geral feito na empresa, em 1996, e contra o esvaziamento de funções de que vinha sendo alvo. Para que a sanção pudesse ser classificada de abusiva era necessário que o recorrido tivesse provado que aquelas queixas eram legítimas e que os direitos nelas reclamados existiam. Feita tal prova, a sanção teria de presumir-se abusiva, por força do disposto no n.º 2 do artigo 32.º da Lei do Contrato de Trabalho, por ter sido aplicada dentro dos seis meses após a reclamação feita pelo Sindicato através da carta datada de 22 de Julho de 1997 e pelo facto de a recorrente não ter provado o contrário.

Acontece, porém, como já foi dito, que o recorrido não logrou fazer essa prova, o que afasta a presunção legal referida no n.º 2 daquele artigo 32.º. Aliás, a recorrente conseguiu mesmo provar a falta de

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fundamento da reclamação, relativamente à discriminação salarial e ao não pagamento do acréscimo pela isenção de horário de trabalho. A sanção não pode, por isso, ser considerada de abusiva. É nula, sem dúvida, por falta de audição do trabalhador (artigo 31.º, n.º 3, da Lei do Contrato de Trabalho), e ainda por não se terem provado os factos que lhe serviram de fundamento, mas isso não significa que possa ser considerada de justa causa para a rescisão do contrato, por se tratar de uma sanção menor, de pouco significado e por ser diminuto o grau de lesão dos interesses do recorrido, não sendo susceptível, por isso, de tornar imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral (artigos 9.º, n.º 1, 12.º, n.º 5, e 35.º, n.º 4, da Lei de Cessação do Contrato de Trabalho)."

Entende-se não ser de acompanhar a posição do acórdão recorrido no sentido de que a caracterização da sanção como abusiva depende da prova, que oneraria o trabalhador, de que os direitos por eles reclamados efectivamente existiam.

A razão de ser da penalização da entidade patronal por aplicação de sanções abusivas radica na utilização do poder disciplinar para fins diferentes dos que o Direito associa ao seu reconhecimento: a intenção da entidade patronal não é a de punir o trabalhador pela prática de uma infracção disciplinar, mas sim prejudicá-lo pelo facto de este exercer um direito que lhe assiste (ou - acrescente-se - que ele está convencido que lhe assiste). Assim perspectivadas, as sanções abusivas surgem como uma das formas típicas que pode assumir, no âmbito laboral, a figura do abuso do direito ou do exercício inadmissível de posições jurídicas, representando uma clara violação do princípio geral da boa fé (cfr. Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, Comentário às Leis do Trabalho, volume I, ed. Lex, Lisboa, 1994, pág. 161).

Como refere António Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, ed. Almedina, Coimbra, reimpressão, 1999, págs. 755 e 756):

"O princípio da boa fé apresenta-se aqui sob a sua dupla faceta de tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente. (...) A primazia da materialidade subjacente veda a utilização do processo disciplinar para quaisquer outros fins que não aqueles para que a lei o estabelece: o apura-mento duma efectiva infracção disciplinar e a sua punição. Justamente este ponto dá lugar a delicados conflitos de interesses: o empregador pode usar o poder disciplinar para retaliar contra trabalhadores incómodos ou para os desincentivar no exercício das suas posições sindicais. A lei especificou, assim, a categoria das sanções abusivas, que mais não são do que um afloramento desta regra geral. Segundo o artigo 32.º, n.º 1, da LCT, são abusivas as sanções disciplinares motivadas pelo facto de um trabalhador:

- haver reclamado legitimamente contra as condições de trabalho - a);

- recusar-se a cumprir ordens a que não devesse obediência - b);

- exercer ou candidatar-se a funções em organizações sindicais ou em comissões de trabalhadores - c), em interpretação actualista;

- em geral, exercer, ter exercido, pretender exercer ou invocar os direitos e garantias que lhe assistem - d).

O abuso implica, se bem se atentar, a conjugação entre dois elementos:

- um elemento objectivo, traduzido no facto de, a uma determinada actuação do trabalhador em defesa dos seus direitos, se seguir um procedimento disciplinar;

- um elemento subjectivo consistente no facto de, com o procedimento disciplinar, a entidade empregadora

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visar responder ao exercício, pelo trabalhador, das suas posições.

Será, em regra, muito difícil fazer a prova destes dois elementos, designadamente do subjectivo. Por isso, o artigo 32.º, n.º 2, da LCT dispõe sobre o ónus da prova: «até prova em contrário, presume-se abusivo o despedimento, mesmo com pré-aviso, ou a aplicação de qualquer sanção sob a aparência de punição de outra falta, quando tenham lugar até seis meses após qualquer dos factos mencionados nas alíneas a), b) e d) do número anterior ou até um ano após o termo das funções referidas na alínea c), ou a data da apresentação da candidatura a essas funções quando as não venha a exercer, se já então, num ou noutro caso, o trabalhador servia a mesma entidade».

Nos termos gerais, o empregador já teria de provar a infracção, designadamente na hipótese de despedimento. O regime específico das sanções abusivas obriga agora a um suplemento de prova: perante algum dos factos referidos no artigo 32.º, n.º 1, da LCT, o empregador terá de mostrar que a sanção disciplinar aplicada teria lugar mesmo quando o trabalhador nada tivesse empreendido."

Atenta a razão de ser do instituto, e pese embora a sugestão que em sentido contrário é possível extrair da formulação literal do preceito legal, impõe-se concluir que basta para o funcionamento da presunção estipulada no citado n.º 2 do artigo 32.º a circunstância de a sanção ter sido aplicada dentro do período de seis meses após o exercício ou a invocação pelo trabalhador de direitos que este entendia assistirem-lhe.

Tal presunção não desaparece pela eventualidade de, na acção emergente do exercício pelo trabalhador do direito de rescisão com justa causa do contrato de trabalho fundada na aplicação de sanção abusiva, o mesmo trabalhador não lograr fazer prova da efectiva verificação dos direitos que invocou ou que pretendeu exercer. Desde logo, o facto de, nessa acção, o trabalhador não ter conseguido fazer prova dos factos relevante para a afirmação dos direitos que ele entendeu assistirem-lhe não significa que esses direitos de facto não existiam, para além de que não era a verificação desses direitos que estava directamente em causa nessa acção. Depois, e decisivamente, a especial censurabilidade da conduta da entidade patronal, no caso das sanções abusivas, radica no abuso de direito que resulta da utilização do poder disciplinar para fins diversos dos visados pelo legislador quando outorgou esse poder à entidade patronal, isto é, na utilização desse poder, não para sancionar verdadeiras infracções disciplinares, mas para fins de retaliação contra trabalhadores que ousaram reivindicar direitos que estavam convencidos que lhes assistiam. Nesta perspectiva, é indiferente que os direitos reclamados sejam, ou não, juridicamente exigíveis, pois o que é determinante é o desvio do poder disciplinar e esse desvio existe sempre que não se vise reprimir reais infracções, mas antes retaliar contra a actuação do trabalhador em defesa dos seus direitos. Aliás, em várias situações, é altamente controversa a existência de certos direitos, originando-se mesmo correntes jurisprudenciais divergentes, e, como é óbvio, não faria sentido que a caracterização da sanção como abusiva ficasse dependente da posição seguida pelo tribunal accionado quanto à existência do direito reclamado. O que é relevante - repete-se - é que a sanção surja como retaliação contra a actuação do trabalhador em defesa dos direitos que está convicto que lhe assistem, e esse uso censurável do poder disciplinar verifica-se quer venha, ou não, a ser reconhecida razão ao trabalhador quanto à existência do direito reclamado.

Não pode, assim, subsistir a decisão recorrida, na parte em que afastou a natureza abusiva da sanção aplicada ao recorrente pelo facto de este pretensamente não ter logrado fazer prova de que os direitos por

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ele reclamados existiam.

Acresce que, no caso, essa pretensa não comprovação da existência dos direitos reclamados através da intervenção do Sindicato em que o autor estava filiado não é inteiramente rigorosa. Na verdade, se não se provou que em Agosto de 1996 tenha havido um aumento geral de salários na empresa, do qual o autor teria sido, pela primeira vez, excluído (resposta negativa ao quesito 17.º e resposta positiva ao quesito 31.º), sempre se provou que, nessa data, ocorreram "pequenos ajustamentos quanto a alguns trabalhadores" (resposta ao quesito 32.º), entre os quais não se incluiu o autor. E se não se provou que a ré procedeu ao esvaziamento das funções que cabiam ao autor enquanto chefe (resposta negativa ao quesito 15.º), não pode deixar de se atribuir relevância ao facto de a própria ré, na carta dirigida ao Sindicato do autor, atrás transcrita, ter referido: "No que se refere à alteração das funções, cumpre-nos informar que o mesmo trabalhador não satisfaz os requisitos necessários para continuar a exercer a chefia. Não obstante isso, continua a auferir o vencimento que antes auferia.", o que não pode deixar de significar o reconhecimento implícito de que, se não houve esvaziamento total das funções de chefe, terá havido alguma diminuição nas tarefas atribuídas e que eram específicas da categoria profissional detida pelo autor.

3.2. Apurado que a não comprovação da efectiva verificação da integralidade dos direitos que o autor, através do seu Sindicato, reivindicou não é, por si só, impeditiva do funcionamento da presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 32.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, resta apreciar se, no caso concreto, qualquer outro obstáculo existe ao funcionamento desta presunção e se se conjugam os demais requisitos da rescisão do contrato de trabalho, com justa causa, por iniciativa do trabalhador.

Quanto à primeira questão, não se vislumbram quaisquer novos obstáculos ao funcionamento da presunção e à caracterização da sanção como abusiva. O encadeamento cronológico da intervenção sindical e da reacção patronal é elucidativo. Após uma primeira carta do Sindicato do autor, não respondida pela ré, e perante a insistência daquele, com alargamento das acusações de tratamento discriminatório do seu filiado, a ré finalmente responde ao Sindicato, inserindo nesta resposta a divulgação de sanção disciplinar aplicada na véspera ao mesmo trabalhador. Sanção esta claramente irregular, quer por violação do direito de audiência e defesa, quer por assentar em factos não inteiramente comprovados e respeitantes a condutas que, decorridas já há algum tempo, nunca antes haviam sido invocadas pela ré.

Todo este circunstancialismo reforça a presunção legal de que a aplicação da sanção em causa representa um desvio da finalidade própria da outorga do poder disciplinar às entidades patronais, e, por isso, merece o qualificativo de sanção abusiva.

Como já se referiu, o comportamento da entidade patronal traduzido na aplicação de sanção abusiva constitui justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador (artigo 35.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 64-A/89), devendo o tribunal apreciar a justa causa nos termos do n.º 5 do artigo 12.º, com as necessárias adaptações (n.º 4 do artigo 35.º), isto é, atendendo ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

No caso, atenta a antiguidade do autor (desde 1972 - n.º 3) da matéria de facto) e o seu posicionamento hierárquico (chefe de secção, com o mais alta remuneração da empresa - n.ºs 8) e 32) da matéria de

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facto), a aplicação de sanção disciplinar, com flagrante violação do direito de audiência e defesa e fundada em factos que não se comprovaram e que, apesar de sobre eles decorrido um considerável período de tempo, nunca antes haviam sido invocados pela entidade patronal, a que acresce a divulgação que a ré fez da aplicação dessa sanção, designadamente para o exterior da própria empresa, não pode deixar de ter suscitado, no autor, sentimentos de indignação perante a injustiça e de humilhação perante os restantes trabalhadores da empresa. Estes factos, que não são abalados pela relativa pouca gravidade da sanção concretamente aplicada, enquadrados na situação de latente conflitualidade surgida com a nova gerência da ré, devem ser juridicamente qualificados como tornando inexigível para o autor a manutenção da relação laboral.

Há, assim, que dar por verificada a justa causa invocada pelo autor para a rescisão do contrato de trabalho, o que implica o reconhecimento do direito do autor às quantias discriminadas na sentença da 1.ª instância.

3.3. Quanto aos juros de mora, há que atentar que, enquanto a sentença da 1.ª instância mandara contar esses juros desde a data da cessação do contrato (5 de Agosto de 1997) à taxa de 25% relativamente à quantia respeitante ao proporcional de subsídio de Natal, nos termos da cláusula 40.ª, n.º 6, do CCT aplicável, e à taxa legal relativamente às demais quantias, o acórdão recorrido entendeu que a aludida cláusula não tem a relevância que lhe fora atribuída (ela limitar-se-ia a estipular um pagamento acrescido de 25% quando o subsídio de Natal, no ano da cessação do contrato, não seja pago até ao dia da cessação efectiva da prestação do trabalho) e que, quanto às demais quantias, por serem ilíquidos os créditos reclamados, só são devidos juros de mora desde o trânsito em julgado da decisão final. Este entendimento do acórdão recorrido quanto à dívida de juros não foi impugnada pelo recorrente no presente recurso, e, por isso, é de manter, mas apenas, de forma directa, quanto às quantias que nesse acórdão foram tidas como devidas, a saber: 68267 escudos de 12 dias de férias úteis por gozar, 48000 escudos de subsídio de férias vencidas, 152197 escudos de proporcionais de férias e de subsídio de férias e 85216 escudos de proporcional de subsídio de Natal, no total de 353680 escudos.

Esse entendimento do acórdão recorrido já não se pode aplicar, de forma directa, à condenação, constante da sentença da 1.ª instância, na indemnização de 1920000 escudos fundada na existência de justa causa para a rescisão do contrato por iniciativa do trabalhador, condenação eliminada no acórdão impugnado e que agora se restabelece. No entanto, a razão que levou a Relação a alterar o data do início da dívida de juros relativamente ao pagamento das quantias que confirmou vale também para o pagamento da indemnização por rescisão com justa causa. É que esta indemnização corresponde, nos termos do n.º 3 do artigo 13.º, aplicável por remissão do artigo 36.º, ambos do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, e foi justamente por ser controvertido o montante da remuneração auferida pelo autor que o acórdão recorrido entendeu que os demais créditos, também eles dependentes, no seu cálculo, da prévia determinação desse montante, eram ilíquidos, pelo que não havia mora do devedor enquanto os créditos não se tornarem líquidos, salvo se a falta de liquidez fosse imputável à ré, o que no caso não acontece (artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil). Com efeito, enquanto o autor indicou como remuneração mensal base recebida à data da rescisão do contrato a quantia de 160000 escudos, a ré contrapôs o valor de 128000 escudos (cfr. artigo 16.º da contestação) e foi este último o considerado provado pelas instâncias. E enquanto o autor procedeu ao cálculo da

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indemnização multiplicando esse valor de 160000 escudos por 26 anos (desde 1972, ano em que começou a trabalhar para a firma B), o que dava o total de 4160000 escudos, a sentença da 1.ª instância (com a qual o autor se conformou) fixou o valor de 1920000 escudos, correspondente à remuneração base apurada de 128000 escudos multiplicada por 15 anos (apenas desde 1982, ano em que foi constituída a ré). Sendo, assim, ilíquida a indemnização em causa, vale também, quanto a ela, a razão de ser do entendimento da Relação desenvolvido a propósito das restantes quantias: não há mora do devedor enquanto esse crédito não se tornar líquido, o que só ocorre com o trânsito em julgado da decisão final.

4. Decisão

Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao presente recurso, revogando o acórdão recorrido, para ficar a subsistir a sentença da 1.ª instância, com excepção da parte relativa aos juros de mora devidos, nos termos acabados de expor.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2000 Mário José de Araújo Torres.

António Manuel Pereira.

José António Mesquita.

Fonte: http://www.dgsi.pt

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