XXV ENCONTRO NACIONAL DO
CONPEDI - BRASÍLIA/DF
CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA I
HORÁCIO WANDERLEI RODRIGUES
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Constituição e democracia I [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UnB/UCB/IDP/UDF; Coordenadores: Beatriz Vargas Ramos G. De Rezende, Horácio Wanderlei Rodrigues – Florianópolis: CONPEDI, 2016.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-5505-212-5
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: DIREITO E DESIGUALDADES: Diagnósticos e Perspectivas para um Brasil Justo.
1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Encontros. 2. Constituição. 3. Democracia. I. Encontro Nacional do CONPEDI (25. : 2016 : Brasília, DF).
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XXV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI - BRASÍLIA/DF
CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA I
Apresentação
O Grupo de Trabalho (GT) Constituição e Democracia I, no XXV Encontro Nacional do
CONPEDI, realizado nos dias 6 a 9 de julho de 2016, na Universidade de Brasília (UnB),
contou com a presença de autores e autoras dos vinte e cinco textos que agora passam a
integrar esta publicação, na qual figuram de acordo com a ordem alfabética de seus próprios
títulos – ordem que, aliás, orientou sua apresentação e discussão no referido GT, por decisão
dos participantes, quando da abertura das atividades.
De forma mais ou menos intensa, o conjunto dos textos reflete a preocupação com temas que
ocupam o centro das discussões contemporâneas sobre jurisdição constitucional e
democracia.
A questão do ativismo judicial é o foco central de vários dos artigos apresentados, além de
merecer, em outros tantos, também alguma referência, ainda que secundária. Desde o debate
filosófico-político animado por teóricos como Waldron, Vermeule, Tushnet e Habermas até
as análises sobre objetos específicos – como a proposta de Emenda Constitucional n.º 33
/2011, a tese da mutação constitucional do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, ou a
função normativa da Justiça Eleitoral – são problematizados os limites da ação do Poder
Judiciário e sua necessária interseção com o princípio democrático, o princípio da separação
dos poderes e o da inafastabilidade da função jurisdicional.
Constituição como centro do ordenamento jurídico, normatividade dos Direitos Humanos,
constitucionalização “do Direito” e constitucionalização “de direitos”, nomeadamente os
direitos de acesso à justiça e à informação, figuram entre os temas tradicionais do campo
jurídico-constitucional que mereceram enfoque analítico, sob a perspectiva da efetividade da
Constituição e seu impacto na realidade brasileira, no tocante à construção da cidadania e à
consolidação da democracia no País.
Outro tema de que se ocupam alguns dos textos ora apresentados, e que também corresponde
à tradição dos debates do mesmo campo jurídico, é o da interpretação e da hermenêutica
constitucional.
Alinham-se ainda outros artigos na temática da exclusão, inclusive das chamadas “ondas
humana e da participação da sociedade civil e dos movimentos sociais, sob a ótica jurídica e
econômica.
Finalmente, integram esta publicação artigos que podem ser reunidos sob a ideia comum da
aplicação dos princípios constitucionais, a despeito dos variados temas específicos de que se
ocupam, desde o meio-ambiente e o federalismo até o poder investigatório do Congresso
Nacional e suas limitações e a questão da democratização da informação como coisa distinta
do espetáculo, na discussão sobre o Supremo Tribunal Federal e a mídia.
Toda apreciação que destaca os elementos gerais de análises distintas, apesar da identidade
do campo de conhecimento em que estão situadas, corre o risco de uma simplificação. Nada
substitui a atividade do leitor em contato direto com o texto, sem a intermediação de um
intérprete. Por isso mesmo, a apresentação que ora se faz do conjunto dos artigos
componentes do GT Constituição e Democracia I, tem o objetivo de uma provocação, tem a
pretensão de funcionar como um convite à leitura.
Brasília, julho de 2016
Profa. Dra. Beatriz Vargas Ramos G. de Rezende (Universidade de Brasília - UnB)
ESTADO CONSTITUCIONAL AMBIENTAL E OCUPAÇÕES DE ÁREA DE RISCO
ESTADO CONSTITUCIONAL AMBIENTAL Y OCUPACIONES DEL ÁREA DE RIESGO
Sandrine Araujo Santos Agostinho Oli Koppe Pereira
Resumo
No presente artigo visa-se analisar a tutela jurídica das áreas de risco, bem como a atuação do
Poder Público perante eventual colisão entre os direitos fundamentais ao ambiente e à
moradia, abordando concepções acerca de direitos fundamentais, Estado Constitucional
Ambiental, riscos ambientais, áreas de preservação permanente e áreas de risco. Utilizou-se o
método analítico dedutivo. A partir daí buscam-se as considerações necessárias, diante da
colisão dos direitos citados, para uma solução aplicável ao caso que contempla direitos
sensíveis conectados à dignidade humana.
Palavras-chave: Meio ambiente, Moradia, Risco, Colisão de direitos, Proporcionalidade
Abstract/Resumen/Résumé
En este artículo tiene como objetivo analizar la protección legal de las áreas de riesgo, así
como el desempeño del gobierno antes de cualquier colisión entre los derechos
fundamentales para el medio ambiente y la vivienda, frente a las concepciones de los
derechos fundamentales, el Estado de Derecho del medio ambiente, riesgos ambientales,
áreas de conservación permanentes y áreas de riesgo. Se utilizó el método de análisis
deductivo. A partir de ahí buscar las consideraciones necesarias antes de la colisión de estos
derechos a una solución aplicable al caso que incluye los derechos sensibles conectados a la
dignidad humana.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Medio ambiente, Vivienda, Riesgo, Colisión
1 INTRODUÇÃO
Tem-se notado, na contemporaneidade, uma maior preocupação com a proteção
ambiental, porém, poucas mudanças se fizeram eficazes nesta temática, mesmo que se tenha
notado um decréscimo na qualidade de vida, tendo em vista as formas poluidoras que abalam,
de modo geral, o planeta e, em particular, a sociedade humana.
A tutela do meio ambiente no ordenamento brasileiro ganhou, notadamente,
relevância com sua inserção no texto constitucional, do qual decorreram relevantes leis de
proteção ambiental, as quais ganham seu ponto de apoio no direito fundamental firmado na
Constituição Federal, que também orienta uma proibição de retrocesso neste contexto.
Essa tutela, considerando a presença permanente e sempre surpreendente do risco
ambiental/ecológico – em especial os riscos naturais, precisa incorporá-lo, no intuito de que
sua gestão contemple os preceitos constitucionais de proteção tanto da vida humana, quanto
dos recursos naturais, evitando sua total escassez.
Por outro lado, é hora de encarar a problemática oriunda dos processos industriais,
que levou ao crescimento desordenado das cidades, e a ocupação habitacional de áreas de
risco, áreas estas que deveriam ser reservadas, por serem áreas de preservação permanente,
protegidas constitucional e legalmente.
O problema central de pesquisa, no presente trabalho, é analisar se há uma real
colisão de direitos fundamentais, a serem solucionados pela aplicação do princípio da
proporcionalidade, ou se esta colisão seria aparente, o que demandaria portanto, atuação
diversa do Poder Público, no sentido de garantir segurança, qualidade ambiental e dignidade
humana.
Para tanto, foram analisadas concepções doutrinárias acerca dos direitos
fundamentais e do Estado Constitucional Ambiental. Igualmente foram considerados os
aportes relevantes acerca dos riscos ambientais, das áreas de preservação permanente, e
ocupação destas áreas que se torna de risco à população, bem como a verificação de julgados
nesta seara.
O estudo decorreu através do método analítico dedutivo, partindo do pressuposto de
que uma compreensão adequada dos conceitos teóricos nesta matéria, com fulcro no texto
constitucional, depende de uma análise dedutiva, em busca de soluções para os possíveis
Assim, pretende-se analisar, a existência da colisão dos direitos fundamentais
citados, bem como a solução aplicável ao caso que contempla direitos tão sensíveis à
dignidade humana.
2 ESTADO CONSTITUCIONAL AMBIENTAL BRASILEIRO
Pretende-se neste capítulo observar os avanços contributivos capazes de justificar a
consideração do meio ambiente como direito fundamental, bem como a configuração do
Estado brasileiro, como um Estado Constitucional Ambiental. A forte justificativa não pode
afastar-se do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, que destaca o meio ambiente sadio e
equilibrado como um direito de todos, constituindo-se bem comum do povo, e também um
dever de preservação imposto tanto à coletividade quanto ao Poder Público, visando assegurar
seu uso à presente e às futuras gerações, contemplando-se assim os princípios do
desenvolvimento sustentável, de solidariedade e de responsabilidade intergeracional.
2.1 O meio ambiente enquanto direito fundamental na Constituição Federal de 1988 e a
configuração do Estado
Fundando-se nas significativas vertentes que alertavam sobre uma possível crise
ambiental, reflexo do uso desenfreado dos recursos naturais, dos processos de industrialização
e busca constante do crescimento, tal temática passou a ser o foco de debates que foram
conduzidos em nível mundial.
A crescente problemática ambiental inseriu-se com maior relevância, nas agendas
políticas de diversas nações, a partir da Conferência de Estocolmo em 1972, considerada um
marco de alerta remissivo à adoção global de medidas, de proteção aos recursos naturais,
regulação a atividade antrópica quanto a utilização desses recursos, e resultados desta
utilização – poluição, efeito estufa, entre outros. Seguiram-se neste sentido, a Comissão
Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1987 e a Conferência sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento em 1992, ambas da Organização das Nações Unidas,
produzindo diretrizes singulares de desenvolvimento e preservação ambiental em seus
Relatórios, quais sejam, de Bruntland e Agenda 21, respectivamente.
O Estado brasileiro, acompanhando essa tendência global, ainda que de forma
incipiente, edita em 1981, a Lei nº 6.938 (BRASIL, 1981), conhecida como Política Nacional
Neste mesmo rumo, o ordenamento brasileiro inova consideravelmente, com a
promulgação de sua Constituição Federal em 1988, ao elevar a proteção ambiental ao nível
constitucional, atribuindo-lhe Capítulo específico (VI) na Ordem Social (Título VIII),
destacando-se no teor de seu artigo 225 (BRASIL, 1988), o meio ambiente sadio e equilibrado
como direito (e dever) da coletividade1. Daí decorre a adoção pelo Estado brasileiro do
desenvolvimento sustentável preconizado na Declaração de Estocolmo.
A partir de então, diante de um contexto de permanentes inovações e instabilidade
ecológica, o ordenamento brasileiro encontra, em sua Constituição, o referencial essencial
para que a proteção ambiental e os interesses da coletividade sejam considerados tanto na
ordem social, quanto econômica e política, já que a Constituição contemplou o meio ambiente
em diversos artigos2 que devem ser aplicados harmonicamente.
Decorre do mencionado artigo 225, que o meio ambiente sadio e equilibrado
constitui um direito de todos, constituindo-se bem comum do povo, e também um dever de
preservação imposto tanto à coletividade quanto ao Poder Público, visando assegurar seu uso
à presente e às futuras gerações, contemplando-se assim os princípios do desenvolvimento
sustentável, de solidariedade e de responsabilidade entre as gerações.
2.2 Do meio ambiente enquanto direito fundamental
Conforme Sarlet (2011, p. 90), em decorrência das declarações internacionais e com
a eclosão da preocupação ambientalista, inúmeras Constituições – entre as quais a do Brasil,
“consagraram o direito a um ambiente equilibrado ou saudável como direito humano e fundamental”3
.
Da lição de Canotilho (2008, p. 184), tem-se que “um direito subjetivo fundamental é
a posição jurídica pertencente ou garantida a qualquer pessoa com base numa norma de
direitos fundamentais consagrada na Constituição”.
Carregando o direito ao meio ambiente o status de direito fundamental, inclui-se na
regra do artigo 5º, §1º, da Constituição Federal de 1988, possuindo aplicabilidade imediata,
1 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
2 São exemplos no texto constitucional brasileiro o art. 5º, XXII, LXXI, LXXIII, o art. 170, VI, o art. 216, V,
entre outros.
3
No mesmo sentido, Gavião Filho (2011, p. 52) “o direito ao ambiente é direito fundamental que tem como objeto o bem coletivo integridade ambiental, notadamente quando se cogita um verdadeiro Estado
vinculando, portanto, da mesma forma, tanto as entidades privadas, quanto as públicas, seja
na esfera Legislativa, Executiva e Judiciária (GAVIÃO FILHO, 2011, p. 54).
Ao se inserir o direito ao meio ambiente no elenco dos direitos fundamentais, faz-se
necessário compreendê-los com maior clareza para assim captar seu alcance e exigibilidade.
Para evoluir nessa compreensão é relevante o ensinamento de Silva (2003, p. 90-91):
Já se disse que os direitos fundamentais apresentam uma “dupla natureza” (para usar
a consagrada expressão de HESSE): por um lado, são direitos subjetivos, na medida em que possuem uma dimensão negativa, enquanto direitos de defesa contra agressões de entidades públicas (e privadas) na esfera individual constitucionalmente protegida; por outro lado, configuram-se como estruturas objectivas da comunidade, pois compreendem também uma dimensão positiva, enquanto conjunto de valores e princípios conformadores de toda a ordem jurídica que estabelecem deveres de actuação e tarefas de concretização para os poderes públicos.
Notadamente, por essa lição, compreende-se a dupla natureza destes direitos, bem
como sua função norteadora de toda a ordem jurídica, envolvendo os Poderes Públicos no
desempenho das garantias decorrentes destes direitos.
2.3 Do Estado Constitucional Ambiental
Feitas as considerações acerca do meio ambiente enquanto direito fundamental,
passa-se a discorrer sobre as singulares que permeiam o Estado. Dentre as características
atribuídas às Constituições que preconizaram a proteção ambiental, a doutrina traz algumas
concepções.
Canotilho, discorrendo acerca das dimensões jurídicas fundamentais do Estado
Constitucional Ecológico, traz dois enunciados, que caracterizam tal condição:
1) O Estado constitucional, além de ser e dever ser um Estado de Direito democrático e social, deve ser também um Estado regido por princípios ecológicos; 2) o Estado ecológico aponta para formas novas de participação política sugestivamente condensadas na expressão democracia sustentava. (CANOTILHO, 2003, p. 494)
Além disso, o Estado constitucional ecológico contempla um agir integrativo, o qual
requer uma proteção “global e sistemática” tanto dos recursos naturais como dos elementos
humanos, requerendo, para tanto, não apenas a atuação (ou abstenção) estatal, mas a
participação da coletividade como um exercício de cidadania (CANOTILHO, 2003, p.
Complementando a concepção acima exposta, além de um direito fundamental, a
Constituição Federal de 1988, impõe tanto à coletividade quanto ao Poder Público a
observância de deveres para uma efetiva proteção do bem ambiental e da qualidade de vida.
Acerca da importância da delimitação desses deveres, igualmente fundamentais para
Canotilho, ele complementa:
Em termos rigorosos, a existência de um dever fundamental ecológico carecerá de
suporte constitucional, sabido como é que a “invenção” indiscriminada de deveres
pode converter um Estado constitucional de direito num „Estado de não direito‟. O
dever fundamental ecológico (dever de defesa e proteção do ambiente) radicará na
ideia de „responsabilidade-projecto‟(F. Ost) ou de „responsabilidade-conduta‟ que
pressupõe um imperativo categórico-ambiental(...). (CANOTILHO, 2003, p. 501).
Da doutrina pátria, traz-se a lição de Sarlet (2011, p. 91), para quem a adoção do
desenvolvimento sustentável, pressupõe a configuração de um Estado Socioambiental,
reafirmando a necessária convergência entre direitos sociais e direitos ambientais. Segundo
ele a superação dos problemas ambientais em prol do desenvolvimento sustentável, passa pela
superação das desigualdades sociais e pela possibilidade de acesso por toda a população aos
direitos sociais essenciais, já que esta desigualdade social e de acesso podem fomentar a
degradação ambiental.
3 O RISCO NO ESTADO CONSTITUCIONAL AMBIENTAL
A medida que o Estado brasileiro reveste-se da preocupação com a proteção
ambiental, bem como a garantia dos direitos e deveres daí decorrentes, o mesmo não pode
estar alheio às situações de risco que seus espaços naturais e seus cidadãos enfrentam
continuamente. Por esta razão, tem-se como necessário compreender o risco e sua
relevância na configuração do Estado Constitucional Ambiental.
3.1 O risco no Estado Constitucional Ambiental
Beck (2011, p. 23), ao escrever sua importante Teoria da Sociedade de Risco,
observava que “a reboque das forças produtivas”, oriundas da sociedade industrial, estariam igualmente sendo produzidos o risco, a incerteza e o medo em uma escala global. Dessa
afirmação depreende-se que, na medida em que a sociedade industrial evoluía (e evolui),
riscos técnico-científicos e os ecológicos. Possível assim, incluir aqui o aumento das
catástrofes naturais, por sua relação com as mudanças climáticas que recebem reflexos
também dos processos industriais.
O avanço da ciência, da técnica e dos sistemas de produção, conduziu a sociedade a
uma certeza utópica de que tudo passava pelo domínio humano, que detentor do
conhecimento possuía a certeza do resultado de cada ação. E é a partir daí que a sociedade de
risco, como configurada por Beck e Giddens ganha espaço, ao passo que a certeza dá lugar a
incerteza e o inesperado produz resultados prejudiciais a toda a coletividade. Na visão de
Giddens (1991, p. 43),
risco não é apenas uma questão de ação individual. Existem „ambientes de risco‟ que afetam coletivamente grandes massas de indivíduos – em certas instâncias, potencialmente todos sobre a face da Terra, como no caso de risco de desastre ecológico ou guerra nuclear. Pode-se definir „segurança‟ como uma situação na qual um conjunto específico de perigos está neutralizado ou minimizado. A experiência de segurança baseia-se geralmente num equilíbrio de confiança e risco aceitável.
Na obra de Leite (2008, p. 132), importante referência acerca do estudo da sociedade
de risco na doutrina pátria, observa-se que a Sociedade de Risco é uma sequência da
sociedade industrial, resultado do uso desenfreado dos recursos naturais, da expansão
demográfica, relacionados ao modo de produção e consumo do modo capitalista, que a
caracteriza também pelo risco constante de desastres e catástrofes.
Sarlet (2011, p. 97), considera outro aspecto relevante do Estado Socioambiental de
Direito4, defendendo outra importante função do Estado ao qual, na visão deste autor, atribui
este a segurança ambiental, com vistas a “resguardar os cidadãos contra novas formas de
violação da sua dignidade e dos seus direitos fundamentais por força do impacto ambiental
(socioambiental) produzidos pela sociedade de risco (Beck) contemporânea.”.
Diante deste contexto, a mitigação e a gestão dos riscos, dependem tanto de decisões
políticas conscientes, quanto de processos democráticos de participação da sociedade, que
igualmente consciente5 dos riscos e possibilidades de danos, contribua para o planejamento
sustentável, fomentado pela informação e educação ambiental. Neste sentido, acerca da
4
Na visão de Ayala (2011, p. 105): “Dimensionar um Estado de Direito do Ambiente, na concepção da tradição liberal, é um minimalismo ambiental, pois tende este como um problema de direito que adiciona limites aos
direitos, às liberdades e garantias”.
5
relevância de um processo decisório construído conjuntamente, Bello Filho (2004, p. 89)
observa que:
Em nível macro, risco é o conceito social inerente à atitude de quem exerce controle social e que leva a sociedade civil para um estado de potencial possibilidade de dano ou de perigo, já que é o responsável por decisões que não foram compartilhadas. O risco surge da indisponibilidade de informações acerca da consequência futura de ato a ser praticado hoje.
O progresso científico e tecnológico coloca à disposição do Poder Público o acesso a
informações relevantes e até mesmo de monitoramento tanto da previsão de eventos naturais,
como de avaliação de locais onde os mesmos infelizmente já ocorreram no intuito de que
sejam adotadas medidas a evitar novos desastres. Em não ocorrendo isso, verifica-se o que
Beck (2011, p. 39) chama de irresponsabilidade generalizada, ou seja, a ausência de
informações sobre o risco, também é reflexo da omissão sobre sua existência por parte das
instituições decisórias.
O desconhecimento ou falta de publicidade envolvendo riscos, inclusive os naturais,
restringem os processos decisórios e afastam a construção de debates que poderiam resultar
em decisões democráticas e participativas. Do processo inverso, de inércia quanto ao risco,
observa-se o aumento de vítimas cada vez mais considerável (LEITE e BELLO FILHO, 2004,
p. 100).
No entanto, para uma efetiva participação da sociedade, a esta deve estar garantido o
mínimo existencial (SARLET e FENSTERSEIFER, 2011, P. 112) em todos os seu níveis,
afim de que a proteção ambiental não seja renegada para preocupações com necessidades
básicas, moradia, saúde, recursos hídricos, entre outros6.
Feitas as considerações do contexto geral, quer se chamar a atenção do risco
relacionado aos desastres naturais, face a ocorrência cada vez mais frequente dos mesmos, o
que demanda a adoção de medidas precaucionais, principalmente pelo Poder Público, com a
devida urgência que requer a proteção da vida humana.
3.2 Das ocupações das áreas de risco
6
Embora a definição do que seria o mínimo existencial seja objeto de constantes debates, traz-se para ampliar o
Como decorrência do chamado êxodo rural, há muito as cidades, principalmente os
grandes centros, são o destino de inúmeros cidadãos que buscam atingir melhores condições
de vida, abandonando o campo para compor a mão de obra industrial das cidades, provocando
o inchaço do meio urbano em busca de sobrevivência. A população urbana que em 1960 era
de 32.004.817 milhões de habitantes, passou para 160.925.792 milhões no ano de 2010
(IBGE, 2010).
Em função dessa transição, a ocupação de inúmeras cidades, pode-se dizer a maioria
delas, se deu de forma desordenada, sem uma prévia estruturação dos serviços básicos de
fornecimento de água, esgotos, coleta de lixo, mobilidade, entre outros fatores, o que relegou
a proteção ambiental também a um segundo plano.
A transferência do campo à cidade impôs a parte da população, desprovida de
instrução e de recursos financeiros e que se deparou com um déficit habitacional, a ocupação
de áreas consideradas marginais, e em alguns casos áreas de preservação permanente –
encostas, morros, beira de rios, etc. Para Maricato (2003, p. 158), essas ocupações ocorreram
no passado e ainda no presente com a conivência do Poder Público, principalmente o
municipal. Assim,
A tolerância pelo Estado em relação à ocupação ilegal, pobre e predatória de áreas de proteção ambiental ou demais áreas públicas, por parte das camadas populares, está longe de significar uma política de respeito aos carentes de moradia ou aos direitos humanos. A população que aí se instala não compromete apenas os recursos que são fundamentais a todos os moradores da cidade, como é ocaso dos mananciais de água. Mas ela se instala sem contar com qualquer serviço público ou obras de infra-estrutura urbana. Em muitos casos, os problemas de drenagem, risco de vida por desmoronamentos, obstáculos à instalação de rede de água e esgotos torna inviável ou extremamente cara a urbanização futura. (MARICATO, 2003, p. 158).
Na tentativa de reverter este quadro, como instrumento apto a amenizar tanto
problemas sociais, quanto ambientais, vislumbra-se o princípio da função social da cidade,
que nas palavras de Sparemberger, Santos e Noll (2009, p. 235)
deve ser aplicado para mediar a intensa litigiosidade dos conflitos urbanos, como o caso de preservação de bacias hídricas e mananciais, utilização de áreas verdes públicas para fins de moradia, destinação de áreas para implantação de usinas e incineradores de lixo em bairros residenciais.
É importante observar que, complementando o princípio citado, e com vistas a
regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, consolidou-se no ordenamento o
urbana em prol de uma gestão e planejamento urbanos compartilhados com a participação
popular. Cumpre observar que atualmente as medidas de precaução e atuação estatal face ao
risco são definidas também pela Lei nº 12. 608, de 10 de abril de 2012 (BRASIL, 2012).
No que se refere a ocupação e edificação em áreas impróprias para habitação, tanto
os riscos quanto os desastres hoje vivenciados podem ser atribuídos a falta do planejamento
dos centros urbanos que não estavam preparados para absorver tamanho fluxo habitacional.
Justamente por esse motivo, é que devem ser adotadas e discutidas junto à população,
permanentemente, medidas de estruturação das cidades, visando evitar novas ocupações
arriscadas, como efetiva proteção contra agressões tanto à dignidade humana quanto dos bens
ambientais. Relacionando a problemática habitacional com os riscos naturais, é relevante para
compreensão o enunciado de Benjamin em passagem referida por Schäffer et al (2011, p. 31):
A ocorrência de chuvas torrenciais e a consequente elevação do nível de água dos riachos e rios é natural, sempre existiu e sempre existirá. Ou seja, onde houve enchente uma vez, mais cedo ou mais tarde, haverá novamente. Para prevenir as enchentes e evitar os prejuízos, a ação mais efetiva é não ocupar as áreas de risco, que via de regra são APPs, ou se a área alagável estiver ocupada, o melhor
“remédio” é desocupá-la o mais rápido possível. Quanto a isso, os planejadores urbanos e a sociedade em geral devem ainda observar os alertas dos cientistas a respeito das mudanças climáticas, que afirmam que os fenômenos ou eventos climáticos extremos aumentarão em frequência e intensidade, o que pode fazer com que enchentes no futuro atinjam áreas não alagadas no passado. (SCHÄFFER et al 2011, p. 31).
Reverter esse contexto, porém, não é tarefa fácil, posto que a consolidação das
ocupações ilegais em áreas de proteção ambiental se estende à inércia, diante do alto custo da
remoção das famílias para local regularizado. (MARICATO, 2003, p. 158).7 Referida situação
confirma o enunciado de Garcia (2007, p. 305) de que,
Num certo sentido, o Estado Social de Direito funciona com um ideal perante o qual a realidade aspira, mas com a multiplicação de interesses e a dificuldade de estabelecer prioridades, o socialmente desejável está cada vez mais longe do economicamente possível. (GARCIA, 2007, p. 305).
Assim, não há como afastar a atual preocupação tanto da sociedade, quanto do Poder
Público quanto às áreas de risco atualmente ocupadas, pesando a este último uma
responsabilidade que duplamente se agrava: por um lado, o Poder Público precisa hoje
administrar todos os problemas oriundos da ocupação não planejada do meio urbano, em
7
especial a remoção das famílias que habitam áreas de risco; por outro lado, precisa ainda
atender a demanda prevista no art. 225 da Constituição Federal de 1988, de evitar a
degradação ambiental em todos os níveis.
Ambas as situações irão encontrar limite, embora fundadas também no clamor social,
na incapacidade do Estado em atender a estas demandas, especialmente no que diz com sua
previsão orçamentária.
A atuação estatal necessita assim buscar a consecução da sustentabilidade urbana,
considerando que a mesma está relacionada não somente ao acesso aos bens ambientais, mas
também a medidas de segurança, de participação social e de processos democráticos8, afim de
que sejam revertidos os panoramas de ocupação de áreas de risco e inclusão social urbana.
4 DA COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Diante da problemática habitacional, que está intimamente ligada aos problemas
ambientais no espaço urbano, há que se analisar os caminhos possíveis à proteção de direitos
fundamentais consagrados na Constituição Federal (BRASIL, 1988), quais sejam o direito à
moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Além disso, há que se considerar as
responsabilidades dos atores sociais e entes públicos pertinentes a consecução destes direitos.
4.1 Das peculiaridades dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais não são absolutos e ilimitados, sendo assim, por óbvio,
pode-se dizer que são relativos e limitados. Isso porque, conforme se depreende da lição de
Steinmetz (2001, p. 19), tratam-se de “direitos positivados, constitucionalizados”, sua
limitação se dá “onde termina seu alcance material” e possuem “dupla dimensão: subjetiva e
objetiva”.
Justamente por não serem absolutos e ilimitados, e estarem previstos no catálogo de
direitos fundamentais de uma Constituição, esses direitos podem entrar em rota de colisão9,
ou seja, quando o exercício de um direito fundamental encontra uma restrição, de certa forma
um limite, acaba por confrontar com outro direito fundamental. (ALEXY, 2007, P. 56-57).
8 Na visão de Amartya Sen (2010, p. 100), o discurso democrático deve ser baseado na liberdade como condição.
Essa liberdade para que pessoas da cidade possam participar das discussões e deliberações das decisões políticas.
9
Dessa colisão decorrem situações delicadas, que almejam uma decisão
normativa/jurídica, cujo alcance não é tarefa fácil, pois tratam-se de “normas constitucionais,
com idênticas hierarquia e força vinculativa”. A partir de então, a decisão envolvendo esses direitos passa por uma minuciosa análise não só interpretativa, mas também argumentativa, a
qual se valerá da aplicação do princípio da proporcionalidade, que se dá através da
ponderação de bens, no intuito de se verificar não a supressão de um direto pelo outro, mas
sim a precedência de um direito fundamental ao outro no caso concreto, consistindo em
determinar “qual o direito ou bem, e em que medida, prevalecerá, solucionando a colisão”. (STEINMETZ, 2001, p. 69-140).
Em obra peculiar a respeito da matéria, Steinmetz observa alguns pressupostos
básicos para a realização da ponderação, quais sejam:
(1) A colisão de direitos fundamentais e bens constitucionalmente protegidos, na qual a realização ou otimização de um implica a afetação, a restrição ou até mesmo a não-realização do outro; (2) a inexistência de uma hierarquia abstrata, a priori, entre os direitos em colisão; isto é, a impossibilidade de construção de uma regra de prevalência definitiva ex ante, prescindindo das circunstâncias do caso concreto. (STEINMETZ, 2001, p. 142-143.
Da lição se depreende que, na presença de eventual conflito entre direitos
fundamentais, não se observando uma supremacia de um direito ao outro, há se analisar caso a
caso, diante da impossibilidade de se estabelecer uma regra absoluta neste sentido.
4.2 Da colisão de direitos
Feitas estas considerações necessárias, percebe-se que, nos casos de ocupação de
áreas de risco, em especial nos casos em que o Estado quer forçar sua desocupação, envolvem
diretamente dois direitos fundamentais10, quais sejam o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, ressalvado no art. 225 e parágrafos, e o direito à moradia,
previsto no art. 6º, ambos da Constituição Federal de 1988, o que leva a deduzir que se está,
nestes casos, diante uma colisão de direitos fundamentais.
10
Sobre os direitos fundamentais relevante aqui a contribuição de Alexy: “Deve tratar-se, em primeiro lugar, de interesses e carências que, no fundo, podem e devem ser protegidos e fomentados por direito. (...) A segunda condição é que o interesse ou a carência seja tão fundamental que a necessidade de seu respeito, sua proteção ou seu fomento deixe fundamentar-se pelo direito. (...) Um interesse ou uma carência é, nesse sentido, fundamental quando sua violação ou não satisfação ou significa a morte ou padecimento grave ou acerta o âmbito nuclear da autonomia. Disso são compreendidos não só os direitos de defesa liberais clássicos, mas, por exemplo, também
Para clarear a compreensão, é de se trazer dois casos da jurisprudência a serem
brevemente considerados. O primeiro deles, seria o Recurso Especial nº 403.190/SP, julgado
pelo Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2006). O caso trata da ocupação, através de um
loteamento clandestino, do entorno da Represa Billings, importante fonte de abastecimento
para São Paulo/SP. O Ministério Público, calcado na proteção de um interesse público,
pleiteia a desocupação da área, bem como a responsabilização dos moradores e do vendedor
do imóvel objeto do clandestino loteamento. De outro lado, defendem-se os moradores sob a
alegação da insuficiência material para abandonar a área, bem como de que o Município
permitiu as edificações.
Neste caso, vislumbrou-se: de um lado, a necessidade de proteger o meio ambiente,
enquanto bem da coletividade; de outro, o direito de acesso e manutenção da moradia,
envolvendo área de preservação permanente no entorno da citada Represa Billings, fonte de
abastecimento de São Paulo. Referido julgado foi objeto de análise de Ayala (2011, p. 198),
que concluiu pela existência de um conflito aparente de direitos. Para o referido autor, o
acórdão sugere que o meio ambiente é e deve ser
“o valor de ordenação da elaboração de um possível direito de acesso à moradia, e
de um dever de assegurar um mínimo de existência no plano da proteção social, reconhecendo, portanto, uma relação de indivisibilidade entre ambas as realidades (...)” (AYALA, 2011, p. 198).
A decisão determinou a necessidade de reparação da área degradada, bem como a
desocupação da mesma pelo relevante interesse da coletividade em dita área, por ser de
reserva hídrica local.
Assim, pelas palavras do citado autor, bem como pela decisão no citado recurso,
depreende-se que foi atribuído ao meio ambiente eventual destaque, colocando-se acima na
hierarquia diante do direito fundamental à moradia neste caso.
Para outra abordagem, cita-se o Recurso Extraordinário nº 761.680/PB (BRASIL,
2013), julgado pelo Supremo Tribunal Federal. O caso trata da demolição de
aproximadamente duzentas moradias em uma área de preservação permanente (mague), no
entorno da Avenida Tancredo Neves, no município de João Pessoa/PB. Neste caso, a decisão
baseia-se na tentativa de compatibilização dos interesses de direito à moradia e ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, por meio do princípio da proporcionalidade, isto que
diante do conflito neste caso, não se observa que um seja absoluto em relação ao outro. A
Carmen Lúcia, que a demolição de tais moradias por pedido do município, para cumprir seu
dever de proteção ambiental, não resolveria o problema nesta seara. O entendimento foi de
que além de agravar os problemas ambientais, estaria sendo gerado um problema social de
considerável amplitude, ao serem desalojadas as famílias ali residentes. A decisão determinou
ainda que cumpre ao Município a elaboração de planejamento prévio para reinstalação dos
imóveis e seus moradores em áreas adequadas para moradia, desocupando-se assim as áreas
de preservação permanente indevidamente ocupadas. Restou ainda, determinada ao Poder
Público, a tarefa de evitar ocupação de novas áreas irregulares.
A partir destes dois casos, é possível se constatar a melindrosa realidade que se
impõe diante do conflito de bens tão relevantes à dignidade humana.
Em ambos os casos percebe-se que os Tribunais Superiores reconhecem a existência
do valor do meio ambiente ao determinar a reinstalação das famílias, sem descuidar do
interesse da coletividade, com a devida reparação dos danos ambientais, ao passo que, até a
devida concretização dessas medidas, prevalece o direito à moradia, que não pode ser visto
separadamente do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado.
A consonância entre esses direitos parece revelar-se como a melhor medida dentro
do contexto em análise, vez que, se for decidido por uma precedência da manutenção do
direito à moradia em áreas de preservação permanente – áreas de risco - em detrimento da
preservação ambiental, restaria de qualquer forma prejudicada a proteção da dignidade
humana, diante da continuidade da exposição ao risco dos cidadãos que ali habitam. Assim,
na breve interpretação deste trabalho, leva ao entendimento de que considerando estes dois
direitos abordados, a garantia de um está diretamente relacionado ao outro. Neste sentido,
Fensterseifer (2008, p. 84),
Com relação ao direito fundamental social à moradia, é importante destacar que tal, para a sua garantia em termos desejáveis constitucionalmente, em vista a sua vinculação direita com outros direitos fundamentais, e especialmente com a dignidade da pessoa humana, também exige um padrão de qualidade ambiental (acesso à água, saneamento básico, boa qualidade do ar e do solo, etc.) do local da moradia.
Há que se considerar ainda, que, embora haja no ordenamento a previsão legal de
proteção as áreas de preservação permanente – hoje nos artigos 3°, 4° e 7° do Código
Florestal (BRASIL, 2012), houve uma conivência e falta de fiscalização do Poder Público ao
permitir a construção de residências nessas áreas, o que não exclui a responsabilidade de seus
levaria a um caos social, um número considerável de desalojados em todo o território, pois a
situação se repete pelo país.
Entende-se, assim, que há uma colisão desses direitos fundamentais, solucionável
através do princípio da proporcionalidade, compatibilizando-se com a aplicação do princípio
da adequação, para o alcance da finalidade perseguida, do princípio da necessidade, pela
necessidade de uma intervenção mínima, e do princípio da proporcionalidade, em sentido
estrito,aplicando a ponderação dos bens propriamente dita. (STEINMETZ, 2001, p. 150-155).
Todavia nestes casos, eles não se dissociam, vez que o direito à moradia se
consubstancia do direito ao meio ambiente. Ambos perfazem a conexão entre direitos
ambientais e sociais, necessários tanto para a proteção da dignidade humana, quanto da
proteção ambiental, em prol da configuração de um Estado Socioambiental de Direito.
Como já antes mencionado, superar este quadro demanda uma efetiva atuação
estatal, que só alcançará seu fim com a conscientização e melhoria das condições sociais da
população.
Empoderar o cidadão certamente irá fazê-lo tomar posse de seu dever de proteção do
meio ambiente, ao passo que, satisfeitas suas necessidades básicas de dignidade humana, ele
vai aceitar com a responsabilidade que lhe é cara, sua contribuição para a consecução do meio
ambiente sadio e equilibrado previsto constitucionalmente.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Da análise efetuada no presente trabalho, percebe-se que tanto o direito à moradia,
quanto o direito ao meio ambiente equilibrado constituem direitos fundamentais dos
indivíduos diretamente relacionados a realização da dignidade humana e enquadram-se na
consecução de um mínimo existencial.
No que se refere aos riscos ecológicos, aqui considerados os riscos naturais,
observa-se que ao Estado e a coletividade, resta adotar medidas que observa-sejam capazes de, a partir de
ampla informação a seu respeito, minimizar e gerir situações referentes a desastres naturais
que não pode mais ser renegada ou adiada.
No tocante à ocupação das áreas de risco, verifica-se que há assim uma colisão de
direitos fundamentais. Porém, a decisão normativa/jurídica nestes casos não pode ser
dissociada, posto que o direito à moradia se consubstancia no direito ao meio ambiente sadio
e equilibrado. Assim, ambos perfazem a conexão entre direitos ambientais e sociais,
diminuição das desigualdades em prol da configuração de um Estado Socioambiental de
Direito.
Configurar esse panorama exige cada vez uma atuação estatal que priorize as
demandas ambientais e sociais, aliando-se a coletividade na diminuição de desastres. Neste
sentido uma alternativa para se atingir estas medidas passa pelo planejamento e oferecimento
pelo Estado de condições, aos cidadãos para superação situações degradantes de
habitabilidade, o que poderia ocorrer através de programas habitacionais, políticas de
financiamento coerentes, entre outros.
A efetivação de um Estado de Direito Ambiental demandará cada vez mais uma
atuação conjunta e planejada, capaz de realizar efetivas mudanças estruturais, visando a
qualidade ambiental, a qualidade de vida e a mitigação dos efeitos da crise ambiental da
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