“Zangado contra o sertão / Dardeja o sol inclemente Cada dia mais ardente / Tostando a face do chão; E, mostrando compaixão / Lá do infinito estrelado, limpa, sem pecado / De noite a lua derrama
Um banho de luz no drama / Do Nordeste flagelado.
Posso dizer que cantei / Aquilo que observei Tenho certeza que dei / Aprovada relação
Tudo é tristeza e amargura, / lndigência e desventura Veja, leitor,quanto é dura / A seca no meu sertão”
I – O Movimento Literário – 2ª fase do Modernismo
• Fase de consolidação
• Recuo quanto às propostas mais radicais da 1ª Geração
• Literatura Regionalista : neo-realismo e neo-naturalismo
• preocupação com a denúncia social
• Literatura intimista: sondagem profunda do “eu”
II – O Autor e o narrador
• “Em termos de romance moderno brasileiro, representa o ponto mais alto da tensão entre o eu do escritor e a sociedade que o formou.(...) Cada romance é um questionamento novo, que propõe uma linguagem adequada.” ( A..Bosi )
• sua obra tem sempre caráter crítico.
• o herói é sempre problemático: não aceita o mundo, os outros, a si mesmo “O narrador não quer identificar-se ao personagem, e por isso há na
sua voz uma certa objetividade de relator. Mas quer fazer as vezes do personagem, de modo que, sem perder a própria identidade, sugere a dele. [...] É como se o narrador fosse, não um intérprete mimético, mas alguém que institui a humanidade de seres que a sociedade põe à margem, empurrando-os para as fronteiras da animalidade. Aqui, a animalidade reage e penetra pelo universo reservado, em geral, ao adulto civilizado” (Antônio Cândido).
III – A Obra e o Estilo
• sem predomínio do regionalismo, pois o que interessa é o psicológico.
• O que seria no romance a paisagem exterior, não aparece muito objetivamente na obra.
• O autor exprime o ambiente com fidelidade, mas somente em função de seus personagens.
• A ambiência é um acidente; o personagem é que é a vida romanesca.
• A paisagem exterior torna-se uma projeção do homem.
• objetivação verbal - linguagem sem adorno.
• temas que exploram o tenso e profundo.
• A leitura não corre porque é interrompida pela pontuação, técnica que reflete na vida da personagem, onde a vida não flui: está entrecortada pela necessidade de resolver o problema da sobrevivência.
IV – Personagens
• Fabiano - tem consciência de sua inferioridade, principalmente em
relação ao seu Tomás da Bolandeira
• Apresenta enorme dificuldade de comunicação;
• No sertão, ele se revela forte, capaz de sobreviver na caatinga – PORÉM – incapaz de dominar o sertão;
• “Uma, duas, três mais cinco estrelas no céu” – pequeno universo.
• A obstinação de Fabiano é discreta, mas firme.
• Fabiano consegue dialogar astuciosamente com as adversidades do meio natural e humano.
• Para sobreviver nesse meio, é preciso dispor de um atento instinto animal, é preciso estar sempre desperto para as variações da circunstância.
• Assim, a novidade do livro é mostrar como a miséria não é incompatível com um certo heroísmo.
Antropomorfização
“Baleia detestava expansões violentas: estirou as pernas, fechou os olhos e bocejou. Para ela os pontapés eram fatos desagradáveis e necessários. Só tinha um meio de evitá-los, a fuga.”
“Defronte do carro de bois faltou-lhe a perna traseira. E, perdendo muito sangue, andou como gente, em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo.”
“Deu um pontapé na cachorra, que se afastou humilhada e com sentimentos revolucionários.”
Zoomorfização
“Estava escondido no mato como tatu.”
“(...) era como um cachorro, só recebia ossos.” “Fabiano estacou desajeitado com um pato.”
• Sinhá Vitória
• superioridade em relação ao marido: toma as decisões
• descobre erros na conta do patrão
• desejo de uma “cama real” - metáfora do desejo de estabilidade
• Soldado Amarelo – Patrão
• Símbolos do poder autoritário;
• Personificação de um “Estado Injusto”;
• Arbitrariedade que rege as relações humanas no sertão.
• Para o soldado amarelo, Fabiano é apenas um tipo, o tipo social contra quem ele pode exercer sua discriminação e seu autoritarismo.
• Seu Tomás da Bolandeira
• Dotado de cultura;
• Admirado por Fabiano;
• Sinhá Terta e seu Inácio
• Conhecida da família;
• Dono do botequim, onde o vaqueiro faz suas compras.
• Fiscal da Prefeitura
• Representa as instituições sociais menores
• Figura como símbolo da intolerância governamental
• Dono da fazenda
• Símbolo do poder econômico opressor
• Representa o imobilismo de uma estrutura social que determina o nomadismo dos retirantes
• Observações:
• Não existe comunicação entre as personagens - exceto com Baleia.
V – Observações:
• tendência neo-realista e neo-naturalista;
• O enredo é frágil, diante da força narrativa dos capítulos.
• caatinga – catinga - de catingar, mau cheiro.
• único romance narrado em 3ª pessoa do autor
• A montagem do relato é feita pela justaposição de capítulos.
• Inexiste, portanto, ao contrário do romance tradicional, uma evolução dramática, algo que possa crescer, episódio após episódio, criando uma evolução de caracteres e um clímax.
• Assim, a estrutura de Vidas secas torna-se similar à incapaci-dade de Fabiano e os seus de traçarem o próprio destino.
• A família sertaneja de Vidas secas é apenas vítima e, por causa de sua impotência (inclusive mental), não consegue compreender a
realidade como um todo, vendo-a de maneira fragmentada e desconexa.
• Esta descontinuidade é levada por G.R. à própria forma de composição do romance.
• Vidas Secas utiliza-se de um tema local - a seca do Nordeste e a vida martirizada dos retirantes - para atingir um universalismo proveniente da riqueza humana de suas personagens, cuja interioridade é esculpida com raro brilho e precisão.
• A questão central do romance não está nos acontecimentos, mas nas criaturas que o povoam.
• “Será um romance? É antes uma série de quadros, de gravuras em madeira, talhadas com precisão e firmeza.”
VI – Linguagem
• Enxuta, em um texto conciso e preciso nas descrições.
• Uso do Discurso indireto Livre
• Narrador onisciente
“Se achassem água ali por perto, beberiam muito, sairiam cheios, arrastando os pés. Fabiano comunicou isto à Sinhá Vitória e indicou uma depressão do terreno. Era um bebedouro, não era? Sinhá Vitória estirou o beiço, indecisa, e Fabiano afirmou o que havia perguntado. E então ele não conhecia aquelas paragens? Estava a falar variedades? Se a mulher tivesse concordado, Fabiano arrefeceria, pois lhe faltava convicção(...)”
VII – Enredo
• Capítulos autônomos (13 capítulos).
• O ANDAR NECESSÁRIO é o fio condutor dessa história.
• Luta pela sobrevivência.
1º Mudança – Traz os retirantes fugindo da seca e se refugiando na
mesma região, alojando-se numa fazenda abandonada.
13º - Fuga - a família parte para outra região, onde enfrentarão o
desconhecido, numa relação de Esperança e Medo ao mesmo tempo.
Observação: Vocábulos sugestivos
Fuga acrescenta ao significado de Mudança o Tom Fatal imposto
VIII– Resumos do enredo I. Mudança
• Andanças da família de retirantes atormentada pela sede, fome e cansaço:
“Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes.(...) Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia do rio, onde haviam descansado, à beira de uma poça: a fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida.(...)”
• Chegam ao pátio de uma fazenda abandonada.
• Fabiano arruma uma fogueira.
• Baleia traz nos dentes uma preá.
“Levantaram-se todos gritando. O menino mais velho esfregou as pálpebras, afastando pedaços de sonhos. Sinhá Vitória beijava o focinho de Baleia, e como o focinho estava ensangüentado, lambia o sangue e tirava proveito do beijo.”
II.Fabiano
“Apossara-se da casa porque não tinha onde cair morto, passara uns dias mastigando raiz de imbu e sementes de mucunã. Viera a trovoada. E, com ela, o fazendeiro, que o expulsara. Fabiano fizera-se desentendido e oferecera seus préstimos, resmungando, coçando os cotovelos, sorrindo aflito. O jeito que tinha era ficar. E o patrão aceitara-o, entregara-lhe as marcas de ferro.”
• O patrão mostra autoridade.
• Fabiano obedece pois se preocupa com o futuro, com a educação dos filhos.
• Chuva \ Trabalho \ Certa estabilidade.
• Progressivamente, Fabiano vai tomando consciência de sua inferioridade
“- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.
Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era um homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.
Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
-Você é um bicho, Fabiano.
Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades.”
III. Cadeia
• Fabiano vai à feira da cidade fazer compras.
• Convidado pelo Soldado Amarelo para jogar baralho(31)
“(...)Fabiano atentou na farda com respeito e gaguejou, procurando as palavras de Seu Tomás da bolandeira:
- Isto é. Vamos e não vamos. Quer dizer. Enfim, contanto, etc. É conforme.
Levantou-se e caminhou atrás do amarelo, que era autoridade e mandava. Fabiano sempre havia obedecido.
Tinha muque e substância, mas pensava pouco, desejava pouco e obedecia.(...)”
• Sai do jogo \ Preso e surrado injustamente
“(...)E por mais que forcejasse, não se convencia de que o soldado amarelo fosse governo. Governo, coisa distante e perfeita, não podia errar.”
IV. Sinhá Vitória
• Revoltada com a rotina dos afazeres domésticos, enerva-se facilmente com Baleia e com os filhos.
• Superioridade em relação ao marido.
• Sonha em adquirir uma cama confortável com a de Seu Tomás da bolandeira.
• A figura de Seu Tomás funciona como um modelo, um paradgma de gente culta, que a família pôde conhecer.
“(...)Inútil consultar Fabiano, que sempre se entusiasmava, arrumava projetos. Esfriava logo – e ela franzia a testa, espantada, certa de que o marido se satisfazia com a idéia de possuir uma cama. Sinhá Vitória desejava uma cama real, de couro e sucupira, igual a de Seu Tomás da Bolandeira.”
V. O menino mais novo
• desejo de ser igual ao pai.
• deseja realizar algo notável para despertar a admiração do irmão e da cachorra.
• Queria amansar uma égua e montá-la, como o pai fizera.
• Tenta montar no bode, e cai, sob risadas do irmão e a desaprovação de baleia.
• Aqui notamos uma resistência a brutalização, pois o menino continua com seus sonhos de menino.
VI. O menino mais velho
• Tem como objetivo compreender o significado da palavra “inferno”
• Não percebe que o inferno é o próprio sertão.
• Seu ideal é ter um amigo.
“Todos o abandonavam, a cadelinha era o único vivente que lhe mostrava simpatia.”
Falta de nome – animalidade
Também pode indicar que não tem condição para suportarem a aspereza do sertão.
VII. Inverno
• Estação das chuvas
• Fabiano inventa uma história para a família, mas a família não entende, nem ele a sabe exprimir direito.
• Afastamento do perigo da seca
• Tranqüilidade de Fabiano
• Visão realista de Sinhá Vitória(enchente)
“(...)Sinhá Vitória moveu o abano com força para não ouvir o barulho do rio, que se aproximava. Seria que ele estava com intenção de progredir? O abano zumbia, e o rumor da enchente era um sopro, um sopro que esmorecia para lá dos juazeiros.(...)”
VIII. Festa
• Natal na cidade. / Sensação de ridículo.
“Comparando-se aos tipos da cidade, Fabiano reconhecia-se inferior.
• Religiosidade de Sinhá Vitória
• Fabiano vai para o bar / Desafio aos presentes
“(...)Era bom evitá-lo. Mas a lembrança dele tornava-se às vezes horrível. E Fabiano estava tirando uma desforra. Estimulado pela cachaça, fortalecia-se:
- Cadê o valente? Quem é que tem coragem de dizer que eu sou feio? Apareça um homem.(...)”
Analfabetismo
“(...) Tinham percebido que havia muitas pessoas no mundo. Ocupavam-se em descobrir uma enorme quantidade de objetos. Comunicaram baixinho um ao outro as surpresas que os enchiam. Impossível imaginar tantas maravilhas juntas. O menino mais novo teve uma dúvida e apresentou-a timidamente ao irmão. Seria que aquilo tinha sido feito por gente? (...) Provavelmente aquelas coisas tinham nomes. O menino mais novo interrogou- com os olhos. (...) Como podiam os homens guardar tantas palavras?”
“Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte, hum A gente não quer só comida,
A gente quer bebida, diversão, balé A gente não quer só comida,
A gente quer a vida como a vida quer”
IX. Baleia
• Doença e sacrifício de Baleia
• Lugar de destaque
• possui sentimentos próprios
• o nome espelha as ansiedades do sertanejo em busca constante pela água
• brinca, guia, caça, auxilia no serviço adulto
• confere humanidade ao grupo – relações de carinho
• Superstição de Fabiano
• Câmara lenta
“(...)Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.”
X. Contas
• deixa explícita a exploração do homem pelo homem
• terror produzido pelo nome “PATRÃO” – ausente, mas responsável – pela desestrutura social.
“(...) Aparentemente resignado, sentia um ódio imenso a qualquer coisa que era ao mesmo tempo a campina seca, o patrão, os soldados e os agentes da prefeitura. Tudo na verdade era contra ele.”
• A idéia de permanência na fazenda vai se desfazendo.
“O pai vivera assim, o avô também. E para trás não existia família. Cortar mandacaru, ensebar látegos – aquilo estava no sangue. Conformava-se, não pretendia mais nada.”
X. O Soldado Amarelo
• Reencontro de Fabiano com o Soldado perdido na caatinga / Vingança / Covardia do soldado.
“Aprumou-se, fixou os olhos nos olhos do polícia, que se desviaram. Um homem. Besteira pensar que ia ficar murcho o resto da vida. Estava acabado? Não estava. Mas para que suprimir aquele doente que bambeava e só queria ir para baixo? Inutilizar-se por causa de uma fraqueza fardada que vadiava na feira e insultava os pobres? Não se inutilizava, não valia a pena inutilizar-se. Guardava a sua força.(...)Governo é governo.”
• Fabiano é tanto mais forte quanto mais próximo da caatinga.
• O soldado é tanto mais forte quanto acobertado pelas instituições.
• A força do Fabiano vem do próprio Fabiano; o poder do soldado não vem dele, mas da organização a que pertence.
XII. O Mundo Coberto de Penas
• Mais dramático \ Prenuncia uma nova seca
• Constante luta pela sobrevivência
• Aves de arribação: símbolo ambíguo
• Inconsciente de Fabiano procura suprir as lacunas do consciente, conclamando-o a transformar a revolta em ação:
“Cabra safado, mole. Se não fosse tão fraco, teria entrado no cangaço e feito misérias.(...)”
“- Fabiano, meu filho, tem coragem. Tem vergonha, Fabiano. Mata o soldado amarelo. Os soldados amarelos são uns desgraçados que precisam morrer. Mata o soldado amarelo e os que mandam nele.”
XIII. Fuga
• Nova seca \ Nova partida \ Dívidas com o Patrão – Fuga
“Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos.”
Observação Final
•
Na opinião de Antônio Cândido sobre o enredo de Vidas Secas:
“Este encontro do fim com o começo [...] forma um anel de ferro,em cujo círculo sem saída se fecha a vida esmagada da pobre família de retirantes-agregados-retirantes, mostrando que a poderosa visão social de Graciliano Ramos neste livro não depende [...] do fato de ele ter feito romance regionalista ou romance proletário. Mas do fato de ter sabido criar em todos os níveis, desde o pormenor do discurso até o desenho geral da composição, os modos literários de mostrar a visão dramática de um mundo opressivo”.
•
Bibliografia:
1. Vidas Secas – Análise da Obra – Prof. Francisco Achcar - Sistema de Ensino Objetivo
2. www.portrasdasletras.com.br
3. www.terra.com.br
4. Vidas Secas. Graciliano Ramos.
5. Fotos: Sebastião Salgado.Livro Terra.
6. Valores e misérias das Vidas Secas. Álvaro Lins.
7. Poemas de Patativa do Assaré, uma voz do Nordeste.
Observação: as referências acima não seguem o padrão da ABNT por opção do