ESTUDO DE UMA CEPA HUMANA DE SCHISTOSOMA MANSONI
RESISTENTE A AGENTES ESQUISTOSSOMICIDAS *
N aftale Katz, E. F. Dias, Neusa Araújo e C. P. Souza
Foi isolada um a cepa de Schistosoma m ansoni proveniente de dois pacientes tratados com hycanthone, por duas vezes, na dose de 2,5mg/Jcg, i .m ., em janeiro e em abril de 1970, e com niridazole (25mg/kg dia x 5 oral), em abril de 1971. O núm ero de ovos por grama de fezes nestes pacientes antes do tratam ento era de 2675 e 1025, respectivam ente e, após o terceiro tratam ento, em torno de 100 ovos/g.
Miracídios obtidos das fezes destes pacientes, infectaram caramujos (Biom-
ph alaria glab rata), que passaram a elim inar cercárias (cepa W W ). Estas foràm
utilizadas para infecção experim ental de camundongos albinos. Os animais in fectados foram tratados com esquemas m últiplos de hycanthone, niridazole e oxamniquine.
Estudos comparativos das cepas WW e LE (esta ú ltim a m antida rotineira m en te em nossos laboratórios) m ostraram diferenças acentuadas quando à sen sibilidade aos esquistossomicidas usados. De fato, com hycanthone, na dose de 80mg/kg, i.m . houve 100% de alteração do oograma nos camundongos infectados com a cepa L .E . e de 0,0% nos infectados com a cepa WW. Com a oxam niquine e niridazole as diferenças foram menores, mas, ainda assim, suficientes para indicar maior resistência da cepa WW a estes esquistossomicidas.
Esta é a primeira vez na literatura, que se dem onstra resistência em cepas de S. m ansoni provenientes de pacientes tratados.
INTRODUÇÃO
Em trab alh o anterio r estudam os 28 p a cientes com período de infecção esquistos- somótica conhecido e que foram tratados com .hycanthone, em diferentes épocas após o contágio. De 15 pacientes tratados, 2 a 8 meses após o contágio, apenas 6 (40%) se curaram [Katz (4)]. Os 9 pacien tes não curados foram novam ente tratados com hycanthone, n a m esm a dose, isto é, 2,5mg/kg, i.m ., 4 a 9 meses após o p ri meiro tratam ento. Destes, 7 ficaram cu ra dos e 2 con tinuaram elim inando ovos viá veis de S. m ansoni n as fezes. Estes 2 p a
cientes foram tratad o s pela terceira vez com niridazole (Ambilhar) e o controle pa- rasitológico posterior m ostrou que, ainda desta vez, não haviam sido curados.
No presente trab alh o são discutidos os resultados obtidos em camundongos expe rim entalm ente infectados com a cepa obti da destes pacientes, e tratado s com três drogas sabidam ente esquistossomicidas. MATERIAL E MÉTODOS
Dois pacientes (14 e 13 anos de idade) foram trata d o s pela prim eira vez em j a neiro de 1970, 7 meses após o contágio, com
* T rabalho do C entro de P esquisas “R ené R achou” , INERu — PTOCRUZ e Seção de Parasitoses d a P refei tu r a de Belo H orizonte, realizado com auxílio do Conselho N acional de Pesquisas.
E ndereço: INERu — Caixa Postal, 1743 — 30000 B. H te. — Brasil Recebido p a ra publicação em 20-7-1973.
hycanthone n a dose de 2,5mg/kg, i.m .. Pela segunda vez, em abril de 1970, com a mesma dose de hycanthone e, finalm ente, pela terceira vez, em abril de 1971, com ni- ridazole (25m g/kg/dia x 5), O últim o tr a tam ento teve que ser interrom pido no quinto dia, um a vez que os pacientes ap re sentaram quadro de alucinação e/ou con vulsão. P ara o controle parasitológico foi utilizado o método de K ato quantitativo (5).
Miracídios obtidos das fezes destes p a cientes, no princípio de 1973, infectaram
Biomphalaria glabrata no laboratório, que
passaram a elim inar cercárias (cepa WW), utilizadas p ara infecção experim ental de camundongos albinos. As técnicas utiliza das foram aquelas já anteriorm ente des critas [Pellegrino & K atz (7)].
Q uarenta e cinco dias após a infecção, grupos de 10 camundongos foram tratad o s com hycanthone (80 e 20mg/kg, i.m .) , ni- ridazole (100 e 50m g/kg/dia x 5, oral) e oxamniquine (100 e 50mg/kg dose única, i.m .).
O grupo controle foi constituído por ca mundongos albinos experim entalm ente in fectados com o mesmo núm ero de cercá rias, isto é, 100 ± 20 porém d a cepa LE. Esta cepa, m an tida h á vários anos em nos sos laboratórios, provém de um paciente esquiítossomótico de Belo Horizonte, não tratado.
Sete dias após o tra ta m e n to os anim ais foram sacrificados e os esquistossomos lo calizados nas veias m esentéricas e fígado, recuperados por perfusão. O estudo do oograma foi feito em fragm entos retirados do intestino delgado. Alterações do oogra m a foram consideradas significativas quando um ou m ais estágios corresponden tes a ovos im aturos estavam ausentes. O número de vermes m ortos no fígado foi de term inado após o esm agam ento deste ór gão entre duas placas de vidro e exam i nados ao microscópio de dissecção [Pelle- grino & K atz (7)].
RESULTADOS
No gráfico I podem ser vistos os resul tados obtidos nos dois pacientes tratados. O núm ero de ovos por gram a de fezes, a n tes do tratam ento , era de 2675 e 1025, res pectivamente. Após o prim eiro tratam ento, passou a 915 e 167; após o segundo t r a ta m ento a 70 e 271 e após o terceiro t r a t a
mento, conservou-se sempre em torno de 100 ovos/gram a em ambos pacientes.
Os resultados obtidos após a adm inis tração do hycanthone, niridazole e oxam- niquine em cam undongos infectados expe rim entalm ente com as cepas LE e WW po dem ser vistos n a Tabela I e II, respecti vam ente.
Quando foi adm inistrado hycanthone n a dose de 80mg/kg, i.m . nos cam undon gos infectados com a cepa LE foi observado que 100% dos anim ais apresentaram alte rações do oogram a (Tabela I). Dos an i m ais infectados com a cepa WW nenhum apresentou p arad a da postura, em que pese o núm ero de vermes deslocados p ara o fí gado te r sido aproxim adam ente o mesmo com as duas cepas (em torno de 57%) (Ta belas I e II).
Com o niridazole (lOOmg/kg/dia x 5, oral), em 100% dos anim ais infectados com a cepa LE houve p arad a da postura e em 40% dos infectados com a cepa WW, e com a dose de 50m g/kg/dia x 5 oral foi de 40% e 11% respectivam ente, com as cepas LE e WW. C onsiderando-se o núm ero de vermes m ortos encontrados no fígado, foi de 25% com a m aior dose nos cam undon gos infectados com cepa LE e de apenas 2,6% nos infectados com a cepa V/W. No de:locam ento dos vermes p ara o fígado não foram observadas diferenças significa tivas com as duas cepas.
Após a adm inistração de oxamniquine (lOOmg/kg, dose única, i.m .) em 90% dos camundongos infectados com a cepa LE houve p arad a da postura, enquanto que foi de 37% nos infectados com a cepa WW. Com a do:e de 50mg/kg, i.m . de oxami- niquine houve em 57% e 20% dos anim ais infectados com a cepa LE e WW, respecti vam ente, a p arad a d a postura.
Em relação ao núm ero de vermes m or tos no fígado foi de 31,1 e 3,9% respectiva m ente com as cepas LE e WW, quando se utilizou a m aior dose de oxamniquine. Com a m enor dose foi de 10,6 e 1,5%, respectiva m ente. Com esta droga o deslocam ento p a r a o fígado foi tam bém m aior nos anim ais inoculados com a cepa LE.
DISCUSSÃO
D iferentes respostas terapêuticas de várias cepas a drogas esquistossomicidas tem sido re la tad a várias vezes. De fato,
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G R A F I C O - I
N úm eros de ovos de S .m onsoni por grom a de fe ze s n o s dois p a cie n te s tro ta d o s com hycantho ne e n ir id a z o le .
— 1971 ■ D A T A
-G onnert & Vogel (3) dem onstraram que um a cepa de S. m ansoni oriunda da Libé ria era m ais suscetível que um a do Egito à ação parasiticida do lucanthone. Thom p son et al. (9) tam bém dem onstraram dife rença de atividade do pam oato de tris — (P-am inofenil) carbonium em duas cepas diferentes. Mais recentem ente, Lee et al (6) estudando cepas de S. m ansoni de Porto Rico, Libsria, Belo Horizonte e S an ta Lúcia, em camundongos experim entalm ente infec tados, puderam concluir que a cepa de Porto Rico era m uito sensível ao hycan thone e relativam ente resistente ao stibo- fen. Bueding et al (2) estudando o com portam ento de seis diferentes cepas de S.
mansoni, sendo 3 de Porto Rico, e as outras,
d a Libéria, T anzania e S an ta Lúcia, em camundongos trata d o s com hycanthone e com um seu análogo (cloroindazol), obser varam consideráveis diferenças n a suscep tibilidade das diferentes cepas às drogas utilizadas.
Em trab a lh o anterior, Rogers & Bueding (8) tra ta n d o camundongos e ham sters in fectados com um a cepa de Porto Rico com hycanthone (60mg/kg) co nstataram que após 9 a 10 dias os vermes tin h am m igrado das veias m esentéricas p ara o fígado. Qua
tro a 12 meses após o trata m e n to vermes vivos foram encontrados em m ais de 90% dos anim ais tratado s. Os esquistossomas recuperaram -se com pletam ente e iniciaram novam ente a postura de ovos, que in fecta ram caram ujos. As gerações de vermes oriundos destes (F, até F4) m ostraram estar resistentes a doses bem maiores de hycan thone pois não foram observados desloca m ento p a ra o fígado, lesão do sistem a ge- n ital da fêmea, perda de pêso e/ou deple- ção do glicogênio nos vermes submetidos ao tratam en to . É interessante observar que os esquistossomas hycanthone-resistentes ap resen taram resistência cruzada a outras duas drogas relacionadas quimicamente, lucanthone e um a am inoalquiltetrahidro- quinalina (oxamniquine), m as eram sus cetíveis a um derivado nitrovinilfurânico
(8). Yarinsky (1), repetindo estas experiên cias, com um a cepa diferente da usada por Rogers & Bueding (8) e com doses m eno res da droga, obteve nas gerações descen dentes, a m esm a susceptibilidade ao hy canthone encon trad a ao prim eiro tr a t a mento.
A cepa WW, que foi isolada de dois p a cientes trata d o s por 3 vezes sem que fosse obtida a cura parasitológica, m ostrou ser
Esquema de Número de anim ais
Média de vermes
Distribuição de vermes — % A lteração Droga tratam ento
m g/kg/dia-via Tratados Examinados Mesentério Fígado Mortos no fígado do oograma % Hycantone 80 x 1 i.m . 10 6 16,1 42,4 57,6 1,3 100,0 Hycantone 20 x 1 i.m . 10 10 22,3 49,7 50,3 0,0 0,0 Niridazole 100 x 5 oral 10 10 6,8 61,7 38,3 25,0 100,0 Niridazole 50 x 5 oral 10 8 19,1 86,3 13,7 0,0 40,0 Oxamniquine 100 x 1 i.m . 10 9 24,0 18.1 81,9 31,1 90,0 Oxamniquine 50 x 1 i.m . 10 7 16,1 40,8 59,2 10,6 57,0 Controle -- -- 10 34,2 83,2 16,8 0,0 0,0
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m ais resistente ao hycanthone, niridazole eoxam niquine em camundongos experim en talm ente infectados. De fato, com 'hycan thone, n a doss de 80mg/kg, não foi obser vada alteração do oograma em nenhum dos anim ais infectados com a cepa WW, em contraste com a cepa LE, rotineiram en te utilizada em nossos laboratórios onde houve p a ra d a da oviposição em 100% dos anim ais tratad o s. Maior resistência da cepa WW tam bém foi dem onstrada ao n i ridazole e oxamniquine.
03 dados até agora obtidos não perm i tem concluir se foi através de seleção ou de indução que foi obtida esta cepa m ais
resistente. De to da m aneira, foi pela p ri m eira vez n a lite ra tu ra que se dem onstrou a possibilidade de existir um a cepa resis ten te a drogas com provadam ente esquistos somicidas oriundas de pacientes tratad os com doses curativas. As implicações do aparecim ento ou seleção de cepas resisten tes, quando se considera o trata m e n to com esqu:stossomicida, em áreas endêmicas, são b astan te óbvias e m ostram a necessidade de se prosseguirem estudos vnando o m e lh or conhecim ento da resistência e susce- tibilidade de cepas de S. mansoni oriundas de casos hum anos.
SUMMARY
There has been isolated a Schistosoma m ansoni strain from two patients subm itted to two courses of trea tm en t w ith hycanthone (2,5mg/Jcg, i .m .) , in January a n d April, 1970, and to one course w ith niridazole (25m g/kg/day x 5, per os), in April, 1971. Before treatm ent, th e num ber of eggs in th e faeces of those patients was, per gram, 2,675 and 1,025, respectively; a fter com pletion of treatm en t, such num ber had come d own to arounã 100 eggs/gram.
Miracidia hatched from th e patients faeces could in fect B iom phalaria gla-
b ra ta snails, w hich elim m ated cercariae (W W strain) th a t were used for expe
rim ental infection of albino mice. The in fected animais were, afterwards, treated w ith hycanthone, niridazole and oxam niquine u n der various schedules.
Comparative studies of WW and LE strains (the latter being routinely kept in our laboratories) revealed m arked differences in their sensitivity to the schistosomiciães employed . Actually, a fter trea tm en t w ith hycanthone, a t the dosage of 80 m g/kg, i.m ., a 100% oogram changes were observed in the intestinal wall of mice inoculated w ith LE strain, whereas no alterations could be detected in th e mice infected w ith WW strain. As regards oxam niquine and niridazole the changes were smaller although still quite su ffic ie n t to indicate greater resistance of WW strain to these schistosomicides.
It is w orth while remembering that, in th e pertaining literature, it is the first tim e th a t resistance in S. m ansoni strains from treated patients has been dem onstrated .
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m g/kg/dia-via T ratados Examinados Mesentério Fígado Mortos no fígado do oograma % Hycantone 80 x 1 i.m . 10 8 25,8 42,6 57,4 0,0 0,0 Hycantone 20 x 1 i.m . 10 10 37,6 61,7 38,3 0,0 0,0 Niridazole 100 x 5 oral 10 10 15,3 63.3 36,7 2,6 40,0 Niridazole 50 x 5 oral 10 9 17,4 88,5 11,5 0,0 11,0 Oxamniquine 100 x 1 i.m . 10 8 15,8 44,9 55,1 3,9 37,0 Oxamniquine 50 x 1 i.m . 10 10 19,3 65,8 34,2 1,5 20,0 Controle — — 10 30,4 92,1 7,9 0,0 0,0
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