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Open O problema do mal livro VII das confissões de Santo Agostinho

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Academic year: 2018

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UNIV E R S ID A D E F E DE R A L D A P A R A ÍB A C E NT R O D E E D UC A Ç Ã O

P R O G R A MA D E P ÓS -G R A D UA Ç Ã O E M C IÊNC IA S D A S R E L IG IÕ E S

O P R O B L E MA D O MA L NO L IV R O V II D A S C O NF IS S Õ E S

D E S A NT O A G O S T INHO

F A G NE R V E L O S O D A S IL V A

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UNIV E R S ID A D E F E DE R A L D A P A R A ÍB A C E NT R O D E E D UC A Ç Ã O

P R O G R A MA D E P ÓS -G R A D UA Ç Ã O E M C IÊNC IA S D A S R E L IG IÕ E S

O P R O B L E MA D O MA L NO L IV R O V II D A S C O NF IS S Õ E S

D E S A NT O A G O S T INHO

F A G NE R V E L O S O D A S IL V A D is s ertaçã o apres entada ao P rograma de P ós -G raduaçã o em C iê nc ias das R eligiões – Mes trado, da Univers idade F ede ral da P araíba , como parte dos pré-requis itos das normas pa ra obtençã o do título de Mes tre em C iê nc ias das R eligiões – A no L etivo 2016.

O rienta dora:

P rofª. D rª. S ue lma de S ouz a Moraes

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S 586p S ilva, F agner V elos o da.

O problema do mal no livro V II das C onfis s ões de S anto A gos tinho / F agner V elos o da S ilva.- J oã o P es s oa, 2016. 116f.

O rientadora: S uelma de S ouz a Moraes D is s ertaçã o (Mes trado) - UF P B /C E

1. C iê nc ias das religiões . 2. D eus . 3. F ilos ofia. 4.L iberdade. 5. L ivre-arbítrio. 6. V ontade.

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A G R A D E C IME NT O S

D es ejo agrade cer a toda s as pe s s oas que de forma direta e indireta c ontribuíram durante os dois anos em que trabalhe i ne s s a pes quis a. P orém, gos taria de c itar algumas de las . E m primeiro lug ar, rec onhecer que a realiz açã o des te traba lho nã o teria s ido pos s ível s em a pac iê nc ia e o c arinho de minha dignís s ima es pos a, L uc iene V elos o, e de meu filho F ag ner R ian.

D e igual forma, agradec er a minha orientadora P rof.ª. D r.ª. S ue lma de S ouz a Moraes que c om entus ias mo ac olheu o projeto des s a dis s ertaçã o, s ua orientaçã o foi de fundamenta l importâ nc ia nas horas em que me enc ontrava um pouc o pe rdido. S ua indic açã o de referê nc ias , s ua c rític a à forma e ao c onteúdo do trabalho evide nc iam o envolvimento de uma grande profis s ional.

S ou muito grato à s profes s oras D r.ª Maria S imone Marinho Nogueira e D r.ª E unice S imões L ins G omes por aceitarem faz er parte da banc a examinadora, pois s ã o pes s oa s maravilhos as que marc am a vida de s eus alunos .

Minha gratidã o s e es te nde es pec ialmente aos meus pa is , F lávio V elos o e E dileus a Maria, que s empre me inc entivaram a que permanec es s e es tudando. Nã o poderia es quec er os meus trê s irmã os , F laudec y V e los o, F abiana V elos o e F ernanda V elos o que es tã o torcendo por mim.

Q ue ro ag rade cer a ajuda e o c ompanhe iris mo da parte de quatro grandes amigos e c olegas do curs o de mes trado que em muitas oc as iões compartilhamos as viagens de C ampina G rande à J oã o P e s s oa, s ã o eles : A manda P onte s , Davi G adelha, L orena B andeira e T adeu Nas c imento.

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R E S UMO

Nes ta dis s ertaçã o temos c omo foc o c entral a inves tigaçã o s obre o mal a partir do livro V II das C onfis s ões de A g os tinho de H ipona . B us c amos analis ar de que maneira o mal s e tornou um problema para A gos tinho e c omo ele proc urou elabora r uma res pos ta ao que foi um tema ang us tiante em s ua vida. A tipolog ia foi à pes quis a dis c urs iva, bibliog ráfic a, a partir do levantamento das obras antimanique ias de s anto A g os tinho. O bis po de H ipona trans itou pe las mais divers as c orrentes filos ófic as e relig ios as , princ ipalmente, o neoplatonis mo e o maniqueís mo, porém, as res pos tas que es tas oferec iam à problemátic a do mal nã o foram s ufic ientes para a mente inquieta do hipone ns e. D es ta forma, o princ ipal problema inves tig ado nes ta dis s ertaçã o é o fio c ondutor do pens amento ag os tiniano s obre a dific uldade em c onc eber a nature z a do mal e a s ua orig e m. E lenc amos quais influênc ias le varam o hiponens e a imis c uís s e c om es te tema, ou s eja, que c ontexto de s ua vida o levou a s e envolver e a pens ar o problema do mal e, c ons equentemente, a tentar elaborar uma res pos ta que is e ntas s e a D eus de s er a origem do mal. Q uais e lementos o fiz eram refletir e es tabe lec er o D eus juda ic o-c ris tã o c omo únic o princ ípio ontológ ic o que c ontrapus es s e a dualida de maniqueia. E , c ons equentemente, qua l o pape l que a vontade des empenha nas ações humanas . E s truturamos nos s o es tudo em três momentos : o primeiro, faz emos uma c ontextualiz açã o de â mbito s oc ial, his tóric o e filos ófic o da obra C onfis s ões de s anto A g os tinho; num s eg undo momento, apres entamos a peripéc ia agos tiniana em bus c a de res pos ta a o problema do mal; e por fim, tratamos es pec ific amente do problema do mal em A gos tinho.

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A B S T R A C T

In this dis s ertation we foc us on the inves tig ation about the ba d bas ed on the book V II of the S aint A ug us tine’s c onfes s ions , how to ba d bec ame a problem to S aint A ug us tine and how he s earc he d a res olution for that was dis tres s ing for his life. T he tipolog y was to dis c urs ivs , bibliog raphic al res earc h,from the lifting of antimanic ha eis m works of S aint A ug us tine.T he bis hop of Hippo res earc hed the s e veral philos ophic a l and re lig ious s treams , the Neoplatonis m and Manic haeis m. However, the ans wers that thes e s treams gave to the ba d problematic weren’t enough to the unquiet mind of the Hippone ns e.T his wa y, the main problem that was inves tiga ted in this dis s ertation is the c onduc ting wire of the A ugus tine ’s thoughts about his diffic ult in to ac c ept the bad nature and its s ourc e. B ec aus e of this , the bas e of our inve s tigation is the referred book V II of A ugus tine ’s c onfes s ions . W e lis ted wha t influe nc ed the Hiponens e to involve wit this s ubjec t, that is , what meaning of his life ins tig ated him to involve and to think about the problem of the bad and, c ons eque ntly, to try give an ans wer that exempts G od to be the s ourc e of the bad. W hat elements made him to think and es tablis h the J ewis h-C hris tian like the only ontolog ic al princ iple that have c ountered the Manic haea n dua lity. A nd, c ons eque ntly, what’s the func tion tha t wis h pla ys on the human ac tions .O ur res ea rc h was s truc tured in three moments :in the firs t, we make a c ontextualiz a tion of the s oc ial,his toric al, and philos ophic al ambit of the work S aint A ugus tine’s c onfes s ions ; in the s ec ond moment, we pres ent the augus tine’s mis hap looking for the ans wer to the problem of bad;and, fina lly, we dis c us s s pec ific ally about theproblem of the bad in A ug us tine.

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S UMÁ R IO

INT R O D UÇ Ã O ... 7

1 C O NT E X T UA L IZ A Ç Ã O D E ÂMB IT O S O C IA L , F IL O S ÓF IC O E HIS T ÓR IC O D A O B R A C O NF IS S Õ E S D E S A NT O A G O S T INHO ... 15

1.1 O panorama religios o da époc a de A gos tinho ... 15

1.2 A es trutura da s C onfis s õe s de A gos tinho ... 28

2 A P E R IP É C IA A G O S T INIA NA E M B US C A D E R E S P O S T A A O P R O B L E MA D O MA L ... 35

2.1 C riaçã o, his tória do mundo e a conc epçã o de s alvaçã o s egundo Mani ... 35

2.2 A des ã o e afas tamento de A g os tinho do maniqueís mo ... 46

2.3 A filos ofia neoplatônic a e o c onc eito de inc orpóreo ... 52

2.4 C onfis s õe s livro V II – s uperaçã o do materialis mo manique u ... 64

3 O P R O B L E MA D O MA L S E G UND O A G O S T INHO ... 76

3.1 Impos s ibilidade do mal enqua nto s ubs tâ nc ia c onforme os maniqueus ... 76

3.2 O c onc eito de liberdade agos tiniano em contrapos içã o ao nec es s itaris mo maniqueu ... 80

3.3 A naturez a do mal ... 84

3.4 O homem c omo autor/origem do mal ... 89

3.5 O problema do mal c entrado no homem ... 94

3.6 O c onc eito de pec ado em A g os tinho de Hipona ... 99

3.7 O mal e s ua relaçã o c om a providê nc ia divina ... 103

C O NS ID E R A Ç Õ E S F INA IS ... 107

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INT R O D UÇ Ã O

D es de a mais remota antiguidade a humanidade tem s ido as s olada por um es pe c tro as s us tador: o mal. A exis tê nc ia des te é um fato ineg ável, vindo a tornar-s e uma das ques tões mais difíc eis para qualque r área do c onhec imento humano. Nenhum homem pode obs ervar s ua própria c onduta e a de s eus s emelha ntes s em s e ver perplexo diante de algo que parec e nã o deveria s er. Ou s eja, c omo algo ameaçador que experimentamos c otidianamente , talvez is s o nã o tenha ocorrido des de o princ ípio

1

(in illo te mpore) da exis tê nc ia humana. O s homens imaginam que o c omeço do mundo é um paraís o, vivendo na plenitude do bem ou c omo outros afirmam a Idade de Ouro. C omo um problema (o mal) que atraves s a toda a his tória da humanidade, nenhuma cultura e nem mes mo os indivíduos que a ela pertenc em podem es c apar a s eu enfretamento.

A experiê nc ia humana tem s ofrido c om es s a fac e s ombria da realidade, que s e manifes ta por meio dos mais variados modos – fomes , pes tes , epidemias , guerras etc . A bus ca por res pos tas para es ta pergunta: “O que é o mal? ” ou, “Q ual a s ua origem? ”, tem s ido uma c ons tante na his tória da humanidade, nela, podemos perc eber algumas tentativas de res pos tas tanto na religiã o quanto na filos ofia. P ara c itarmos alguns c as os , temos os es toic os e os neoplatônic os , que c onc ebiam o mal c omo nã o-s er.

E s ta identificaçã o do mal com o nã o s er foi retomada por alguns filós ofos e teólogos c ris tã os – C lemente de A lexandria (1715, p. 307-310) em s ua obra S tromata , O rígenes (1836, p. 175) em D e princ ipiis e, princ ipalmente, por A gos tinho de Hipona (2012 p. 55), que afirma na s ua obra, A C idade de Deus , c ap. X I, 22, “Nenhuma naturez a, abs olutamente falando, é um mal. E s s e nome nã o s e dá s enã o à privaçã o do bem”.

E s te s ques tionamentos – “O que é o mal? ” ou, “Qua l a s ua origem? ” – terã o alguma relevâ nc ia após Immanue l K ant ter afirmado que D eus e outros c onc eitos da metafís ic a c lás s ic a exc edem os limites da raz ã o humana? D es c onfiamos que s im.

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P ois de acordo com o filós ofo R icouer 2

, o mal s e torna um des afio à T eolog ia e à F ilos ofia. E , por que o mal s e torna um des afio? P orque es tá aí, diante de nós . É um problema inerente à vida humana. B a s ta lembrarmo-nos dos c ampos de c onc entraçã o naz is ta s , es te acontec imento difere de qua lque r outro na his tória da humanidade, pois parec e es tar além da c ompreens ã o humana . C onforme S us an Neiman (2003, p.13) “A ques tã o do mal c oloc ada por A us c hwitz pa rec e inte iramente dis tinta: c omo podem os s eres humanos c omportar-s e de maneira que violam inteiramente tanto as normas da s ens atez qua nto a s da raz ã o? ”.

P or que, entã o, pes quis armos a problemátic a do mal em C iê nc ia das R eligiões ? P or s er uma área de inves tigaçã o que pe rmite uma es trutura multidis c iplinar entre os vários s aberes de dis c iplinas c omo a filos ofia, a his tória, a s oc iologia e a teologia, ela nos proporc iona inves tigar o fenômeno religios o em s uas mais variada s manifes tações , bem c omo s uas relações e inte r-relações c om outras áreas da vida humana.

A lém dis s o, c onforme já temos as s inalado, o tema já foi e tem s ido objeto de es tudo de vários pes quis adores . E ntretanto o maior des afio de enfretamento a es te problema es teja por parte daqueles que s e enc ontram ligados a uma religiã o, princ ipalmente, para os que admitem a exis tê nc ia de um único princ ípio pa ra a exis tênc ia do univers o, c omo é o c as o dos judeus , cris tã os e muçulmanos . P ois c onforme nos diz S ayã o (2012, p.26) “a tentativa teís ta de lida r c om es s e tripé “Deus todo-poderos o”, “D eus todo-amoros o” e “exis tê nc ia do mal” de maneira a mos trar que, a de s peito do mal, D eus c ontinua jus to, bom e poderos o”.

A pe s quis a s obre o problema do mal é jus tific ada na medida em que ele é um fato inegável pres ente na his tória da humanida de.Inves tigá-lo faz -nos c ompreender que ele nã o é um problema meramente ac adê mico, mas um problema humano que afeta toda e qualquer pe s s oa independentemente de s ua cultura, c onc epçã o filos ófic a, religios a e c ondiçã o financeira. T entar c ompreendê -lo pode auxiliar os homens a lidarem melhor c om es s e es pec tro as s us tador que tanto os afligem e atormenta-os . Haja vis ta o tema propos to pa ra a pes quis a ter s entido em s er

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es tudado nos dias atuais por s er ele um problema permanente e pres ente na s relaçõe s humanas

3 .

R efletir s obre o problema do mal em A g os tinho pos s ibilita -nos compreender s ua grande c ontribuiçã o pa ra o pens amento oc idental. P ois de ac ordo c om P a ul R ic ouer (1988, p.31) “é a réplic a agos tiniana a es ta vis ã o trágic a – onde todas as figuras do mal s ã o envolvidas em um princ ípio do mal – que c ons titui um dos pilares do pens amento oc idental”. Nos dias atuais , a res pos ta ag os tiniana ao problema do mal faz parte da roda de dis cus s õe s , s eja em apoio as s uas tes es ou contrários a ela.

C las s ic amente , es te tema es tá formulado a partir da s eguinte ques tã o: P or qual raz ã o um D eus bom dá exis tê nc ia ao mundo c om tanto males ? D ivers os autores s e propus eram a dar res pos tas a es s a pergunta . P ara alguns o mal tanto é infligido qua nto pade cido, o mal é uma enfermidade , uma catás trofe, é algo s em s entido, ou mes mo abs urdo. P ara outros , o problema do mal parec e mes mo nã o exis tir, para eles o mal c ons titui apenas uma ilus ã o

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. A inda que s eja interpretado de várias maneiras , em maior ou menor medida a experiê nc ia do mal é familiar a todos os homens . S e o problema do mal fos s e fác il de s er s oluc ionado nã o haveria s entido o es forço de s pendido por tanto es tudios os durantes a his tória da raça humana. P ens amos s er pos s ível c ontribuirmos c om a nos s a pes quis a à refe rida área do c onhec imento, es tudando o filós ofo e teólogo c ris tã o, A g os tinho de Hipona.

A gos tinho (354-430) dedic ou grande parte de s ua vida a dis c utir problemas filos ófic os , ps icológic os , teológic os e, princ ipalmente, para des vendar c omo o problema do mal s e tornou algo c ruc ial em s ua vida . A leitura da obra c ic eroniana “Hortens ius ”

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mudou-lhe as as piraçõe s e des ejos . “C omeçava a levantar-me para voltar para ti” (A G O S T INHO , 1997, p. 70). C om o auxílio

6

da obra c ic eroniana o hiponens e pas s ou a compreende r que nã o s ó ele, mas outros homens viviam em des acordo c om a bondade de D eus , da í ele que s tiona-s e: “C omo explic ar que minha

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E V A NS . G .R . A g os tinho , S obre o mal. p. 17. O problema do mal nã o é meramente ac adê mic o; A gos tinho s entiu o es panto do mal em s ua própria experiênc ia. (E mbora nã o tenha perc ebido de iníc io que as s im era, o mal s empre foi para ele primariamente problema humano).

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S A Y Ã O , L uiz. O problema do mal no A ntig o T es tamento. p. 31. O mal é vis to aqui c omo ilus ã o. E s s a pers pec tiva é normalmente enc ontrada em c onceitos monis tas e panteís tas . A tens ã o entre Deus e o mal é res olvida pela neg açã o do mal. A c os movis ã o hindu (ens inos V edanta), 7 Z enã o (336-274 a.C .) e B aruc h S pinoz a (1632 1677) s ã o exemplos des s a pers pec tiva.

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A G OS T INHO. C onfis s õ es . p. 70. O livro é uma exortaçã o à filos ofia e c hama-s e Hortêns io. D evo diz er que ele mudou meus s entimentos e o modo de me dirigir a ti; ele trans formou minhas as pirações e des ejos .

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vontade tenda para o mal e nã o para o bem”? 7

A exortaçã o do Hortens ius o inc itava a amar, bus c ar, pos s uir e a abraçar fortemente a s abedoria. O utra cois a que res ultou do c ontato c om o pe ns amento c ic eroniano para A gos tinho foi o amor pela filos ofia, mas es s e amor nã o foi s imples mente um amor pela pura inves tigaçã o es pe culativa

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, s enã o pela verdade.

A gos tinho c hama atençã o para o fa to de que, apes ar de ter s ido influenc iado pela leitura da obra de C íc ero, nã o o agradava nã o ter ali enc ontrado o nome de C ris to

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. Is s o devido ele ter s ido educ ado na fé c ris tã 10

, inc lus ive, por te r uma mã e fervoros a e, na époc a o nome de C ris to es tá vinc ulado c omo a S abe doria de D eus . A imagem que s e faz ia do C ris to naque la époc a nã o era uma repres entaçã o de le na c ruz , mas s im, a de um filós ofo a ens inar a s eus dis c ípulos

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. D e ac ordo c om C os ta (2002, p. 28), devemos entende r a decepçã o ag os tiniana em relaçã o à obra c ic eroniana nã o apenas por nã o te r ac hado o nome de C ris to, mas s im, o de entende rmos es s e fato de forma alegórica, pois o que o bis po hipone ns e “nã o enc ontrou no Hortens ius uma mens agem c ris tã , ou uma s abedoria-verdade eterna, c omo preg ava C íc ero, nos moldes que aprendera na educaçã o c ris tã que rec ebera de s ua mã e ”.

A pós s e dec epc iona r c om a obra c ic eroniana, por nã o ter ac ha do ali o nome de C ris to, o hiponens e s e volta pa ra a es c ritura c ris tã em bus ca de s oluções para o problema que tanto o inquieta va. Mas , nes te primeiro momento de leitura diante do texto c ris tã o, é pos s ível que ele te ve dific ulda des em compreendê -lo e em ac eitar s eu c onteúdo. P ois , comparada à leitura da obra de C íc ero (Hortens ius ) a B íblia

7

A G OS T INHO. C onfis s ões , p. 177. P or outro lado, c ontinuava a me perguntar: “Mas quem me c riou? Nã o foi o meu D eus , que nã o s omente é bom, mas é ele a própria bondade? C omo explic ar que minha vontade tenda para o mal e nã o para o bem? S erá is s o talvez uma puniçã o jus ta? Quem plantou em mim es s es germes de s ofrimento e os alimentou, uma vez que s ou c riatura do meu Deus que é c heio de amor? S e foi o D iabo, de onde vem ele? S e também ele s e tornou diabo por s ua própria vontade pervers a, ele que era anjo bom inteiramente c riado por um Deus de bondade, de onde lhe veio es s a vontade má que o tornou diabo”? E eu fic ava novamente deprimido diante de tais reflexões , e s entia-me s ufoc ado, mas de modo algum arras tado à quele inferno de erro, “em que ning uém te c onfes s a”, preferindo c rer que es tás s ujeito ao mal a c ons iderar o homem c apaz de c ometê-lo.

8

S C IA C C A , Mic hele F ederic o. S an A g us tín. p. 25. Á inves tigaçã o é amor pela verdada, mas es tá mais que as piraçã o inc ondicionada, deve s er também plena pos s es s ã o; mas que noçã o da mente, norma de vida es piritual. A g os tinho es tá preparado para o c aráter moral bás ic o da filos ofia, e na ins eparabilidade dos as pectos teóric o e prátic o da es pec ulaçã o.

9

A G O S T INHO, op. c it. p.71. A traía-me aquela exortaçã o, pelo fato de nã o me e xc itarem a amar, bus c ar, s eguir, abraçar com ardor es s a ou aquela s eita, mas s imples mente a s abedoria, qualquer que fos s e. Mas , no meio de tanto fervor, havia uma c irc uns tâ nc ia que me mortific ava: a aus ênc ia de C ris to no livro. [...] Qualquer es c rito que s e apres entas s e a mim s em es s e nome, por mais literário, burilado e verdadeiro que fos s e, nã o c ons eguia c onquis tar-me c ompletamente.

10

S C IA C C A , Mic hele F ederic o. S an A g us tín. p. 44. A g us tín no s e adhirió nunc a a uma filos ofia o a uma doc trina s in C ris to, de quien, s iendo niñ o, le habia hablado Mônic a, y que velaba, ignorado, el dific ilís imo c amino de s u alma.

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parec e um tanto modes ta, nã o lhe provoc ando aquele ardor pe la leitura 12

. Is s o porque em s ua formaçã o ac adêmic a o havia inc lina do pa ra s e c omunicar de forma c riterios a e c ulta. C omentando a res pe ito des te fato, B rown diz :

P ara um homem des s e feitio, o linguajar c oloquial e os dia letos

inc ompreens íveis eram ig ualmente abomináve is ; e a B íblia latina da Á fric a, traduz ida s éc ulos antes por autores humildes e anônimos , es tava re pleta de ambos . E mais , o que A g os tinho leu na B íblia parec ia ter pouc o a ver c om a s abedoria altamente es piritual que C íc ero lhe dis s era para amar. E la es tava repleta de his tórias mundanas e imorais do V elho T es tamento e, até no

Novo T es tamento, C ris to, a própria S abedoria, era a pres entado por

gene alog ias long as e c ontraditórias . ( B R OW N, 2012, p. 51) .

C abe res s altar que o filho de Mônic a ape s ar de es tar afas ta do moralmente da fé c ris tã , nunc a es teve fora do s eu pens amento; s empre o veremos voltar c ons tantemente em bus c a de s oluções para os problemas da vida , do univers o, princ ipalmente, para o problema do mal. S e a es c ritura c ris tã , ne s te primeiro momento, nã o lhe trouxe a res pos ta tã o almejada pelo bis po de Hipona para s oluc iona r o problema do mal, vai bus c ar auxílio em outros lugares . D aí que vem o s eu enc ontro c om os maniqueus . No iníc io de s ua obra, O L ivre arbítrio, A g os tinho em diálogo c om s eu amigo E vódio diz que:

A g . A h! S us c itas prec is amente uma ques tã o que me atormentou por

demais , des de qua ndo e ra ainda muito jovem. A pós ter-me c ans ado

inutilmente de res olvê-la, levou a prec ipitar-me na he res ia ( dos maniqueus ), c om tal violênc ia que fiquei pros trado. T ã o ferido, s ob o pes o de tamanhas e tã o inc ons is tentes fábulas , que s e nã o fos s e meu arde nte des ejo de enc ontrar a verdade, e s e nã o tives s e c ons eg uido o auxílio divino, nã o teria podido emergir de lá nem as pirar à primeira das liberdades – a de poder bus c ar a verda de ( A G O S T INHO , 1995, p. 28.) .

A pós long o ano afas tado da fé c ris tã e, antes de aderir definitivamente ao c ris tianis mo, a c onc epçã o agos tiniana de D eus es tava obnubilada pela doutrina maniqueia. A gos tinho s empre o imag inava, ainda que nã o s ob a forma de corpo humano, porém como algo c orpóreo, difus o pe lo es pa ço infinito fora do mundo. “E a ti, vida de minha vida, também a ti eu te c onc ebia como entidade que s e e s tende por toda parte, e vai penetrando, através dos es paços infinitos , em todo o univers o, e alas trando-s e também fora dele na imens idã o s em limites ” (A G O S T INHO, 1997, p. 174).

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Q ua ndo A g os tinho s e c onverte a fé c ris tã , entã o, ele pas s ou a c ompreender que o D eus dos c ris tã os era um s er de naturez a imutável, inc orruptível e bom, tudo quanto es te D eus c riou era bom, mas apes ar dis s o, o hiponens e perc ebia que nã o s ó ele, mas outros homens viviam em des ac ordo c om a bonda de des te D eus , por is s o ele bus c ou c om mais veemê nc ia a origem do mal após s ua c onvers ã o a religiã o c ris tã . No entanto, o bis po de Hipona ainda nã o tinha uma ide ia c lara e nítida da c aus a do mal. E ntã o, qual a raz ã o ou as raz ões por que A gos tinho nã o c ons eguia ter uma ideia c lara e nítida para a origem do mal? E m s uas reflexões s obre a origem do mal, o bis po de Hipona que s tionava:

E diz ia: “eis D e us , e eis a s s uas c riaturas ”. D e us é bom, poderos ís s imo e imens amente s uperior a e las . S endo bom, c riou c ois as boas , e as s im as envolve e c ompleta. Mas entã o onde es tá o mal, de onde veio e c omo c ons eg uiu penetrar? Q ual a s ua raiz , qua l a s ua s e mente? O u ta lve z nã o exis ta? [...] Mas de onde vem o mal, s e D eus é bom e fez boas todas as c riaturas ? ( A G O S T INHO , 1997, p.179)

D es ta forma, o princ ipal problema a s er inves tigado nes ta dis s ertaçã o foi o fio c ondutor do pens amento agos tiniano s obre s ua dific uldade em c onc eber a na turez a do mal e a origem des te, para is s o tomaremos c omo bas e para nos s a inves tigaçã o o livro V II das C onfis s ões . T ambém s erã o c ontempladas outras obras ag os tinianas que mantém c erta proximidade c om o tema aqui pes quis ado. P ara o des envolvimento de s ta dis s ertaçã o, s e faz rele vante que inves tiguemos as influê nc ias que levaram o hiponens e a imis cuir-s e com es te tema. V e rificarmos como ele s uperou s ua c onc epçã o materialis ta de D eus e do mal e identific armos qual a s oluçã o propos ta pe lo bis po de Hipona para a origem o mal.

C omo des dobramentos s obre a problemátic a do mal em A gos tinho, averiguaremos c omo o hiponens e tentou res ponde r a es tas ques tões : que é o mal? É ele uma s ubs tâ nc ia, um princ ípio ou um ato? T rata-s e de uma privaçã o ou um defeito? E s tas que s tões tem alguma relaçã o c om o pres s upos to metafís ic o do pec ado? S e, s im, o que c arac teriz a o pec ado (original) c omo algo mal? Qua l a s ua relaçã o c om a lei divina? O pec ado trata-s e de atos deliberados , ou s ã o mes mo apena s açõe s impuls ivas , ou dis pos içõe s ?

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divers os grupos c ons iderados herétic os 13

nas dis putas nos c onc ílios na his tória do c ris tianis mo – manique us , donatis tas e pelagianos , entre outros . C omo retóric o e profes s or de gramática is s o o torna um autor difíc il para c onjugar s eu pens amento. Há c onc eito que tomado is oladamente nã o faz o menor s entido, mas qua ndo es te é remetido para o grande c ampo filos ófic o-teológ ic o ag os tiniano c omeça a viabiliz ar a c ompreens ã o do tema abordado.

Mes mo após 1586 anos de s ua morte, s eu pens amento pe rmanec e vigente. A gos tinho c ontinua a s er es tudado, debatido e analis ado c ada vez mais por pes quis adores em todo o mundo. S obre a problemátic a do mal, s uas reflexões s ã o des envolvidas c om c larez a e profundida de. C ons iderar a res pos ta agos tiniana ao problema do mal c omo plaus ível depende de ac eitarmos ou nã o s uas premis s as . E quais s ã o es s as premis s as ? Is s o nós tenta remos des envolver no dec orrer de nos s a pes quis a.

Nos s a pes quis a te ve o apoio do grupo de pes quis a,Hermenê utic a F ilos ófica e L iterária em D iálogo c om o S ag rado da ins tituiçã o na qua l es tamos matric ulados c omo aluno regular. O grupo des envolve pe s quis as a partir das inte rfaces da filos ofia e da literatura no es tudo do s agrado. P rivilegiando textos na rrativos medievais e c ontemporâ neos . Utiliz ando obras do filós ofo P aul R ic oeur c omo referenc ial teóric o para a hermenê utic a filos ófic a e literária, is to nos faz c ompreende r e des envolver nos s o es tudo a pa rtir da identidade narrativa que aque le autor propõe, “que inc lui uma dimens ã o étic a fundamentada na s decis ões que os pers onag ens tomam diante dos ac onte c imentos , certo que a identidade na rrativa pres s upõe que o c ampo narrativo e s teja c apac itado para s e es te nder ao c ampo da prátic a”.

A dis s ertarçã o es tá es truturada em trê s c apítulos mais as c ons ide rações finais . No primeiro c apítulo, apres entamos uma c ontextualiz açã o de â mbito s oc ial, his tóric o e filos ófic o da obra C onfis s ões de s anto A g os tinho. D ividimos es te c apítulo em dois tópic os , no qual abordamos o panoramo religios o da época em que A gos tinho es c reveu s ua obra já c itada ac ima, e c omo es ta e s e enc ontra es truturada.

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No c apítulo dois , bus camos apres enta r ao leitor a pe ripéc ia empreendida por A gos tinho em bus c a de res pos ta ao problema do mal. A qui o c apítulo foi dividido em quatro tópic os . Nos quais proc uramos demons trar c omo o bis po de Hipona veio a s e envolver c om a religiã o maniqueia, e c ons eque ntemente, vir a afas tar-s e dela por perc eber as inc ong ruê nc ias , s egundo o hiponens e, que es tas apres entavam em s uas doutrinas , princ ipalmente, as que e s tavam relac ionadas com a origem do mal.

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1 C O NT E X T UA L IZ A Ç Ã O D E ÂMB IT O S O C IA L , F IL O S ÓF IC O E HIS T ÓR IC O D A O B R A C O NF IS S Õ E S D E S A NT O A G O S T INHO .

1.1 O P A NO R A MA R E L IG IO S O D A É P O C A D E A G O S T INHO

O Império R omano 14

c ada vez mais dec linava, es tando à s s ombras do c repús c ulo. S emelhante a tudo o mais na naturez a, as ins tituições humana s tem s eu nas c imento, duram um período de tempo e, entã o, c omeçam a des aparec er pa ra da r lugar a novos fenômenos s obre a terra. R oma ardia em guerras c ivis , afog ava-s e em orgias e bac anais , exalava a s ua putrefaçã o moral e o povo s ofria s ob o jugo de one ros os tributos aguarda ndo impac ientemente livrar-s e dos opres s ores . Nas vas tas fronteiras do vas to Império, povos s elvagens es preitavam o momento oportuno para s aque ar e pilhar o g randios o Império cons truído a o longo de vários anos

15 .

D es de o final do s éc ulo II e iníc io do IV , o Império R omano fervilhava de uma exc itaçã o religios a de grande c urios idade s obre as novas e divers as c renças que traz iam novas vis ões s obre o homem, a alma, o s entido da vida , a origem do mal e, a e xis tê nc ia de um S er S upremo.

O c os mopolitis mo 16

dentro do Império proporc iona va um grande s incretis mo 17

entre os mais variados ens inamentos religios os . O s povos vindos do O riente traz iam c ons igo novos c ultos que pos te riormente s eriam aderidos pelo povo romano. A s religiões orienta is pas s aram por modificações em c ontato c om o he lenis mo grego antes de chegarem a R oma. Q uais quer que fos s em s eus c ultos e ens inamentos pos s uíam em s i pens amentos que divergiam dos c ultos ofic iais da G réc ia e de R oma. E s tas religiões orienta is traz iam c onc eitos c ompletamente divers os do pag anis mo que aos pouc os foram s endo ins eridos aos homens c ultos do Império

18 .

14

C f. C A IR NS , E arle E . O c ris tianis mo atrav és dos s éc ulo s . p. 99-104. J O HNS ON, P aul. His tória do c ris tianis mo. p. 81-148.

15

B R E HIE R , É mile. L a filo s o fia de P lotino. p. 21. O Império romano, ameaçado des de o exterior pelos bárbaros ao norte e pelos pers as ao oes te, es tá des g arrado interiormente por c ris es de toda índole: una c omoçã o moral, s ocial e intelec tual mudava o s entido de os valores que haviam s us tentado o velho mundo.

16

T OS C A NO, María; A NC O C HE A , G ermán. Mís tic os Neoplatónic os - Neoplatónic os Mís tic o s . p. 43. O pens amento dos primeiros s éc ulos de nos s a era foi uma amálgama filos ófic o que envolveu pens adores gregos de todos os tipos . O Império R omano, por s ua própria es trutura, s erviu para es palhar es ta pens amento grego: es tóic os , epic uris tas , e acima de tudo, A ris tóteles e P latã o, viveram juntos em uma mis tura de pens amentos que deu a es s es primeiros s éc ulos um toque de c ultura es pec ial.

17

C f. C L OT A , J os é A ls ina. E l neo platonis mo – s íntes es d el es piritualis mo antig uo . p. 26-33.

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O s is tema filos ófic o neoplatônic o teria fundamental importâ nc ia para os mais notáveis pens adores da quela époc a. O neoplatonis mo s eria uma última bus c a de retorno ao pens amento helê nic o, pos s ivelmente, nele ha veria traços do pens amento oriental

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. P a ra os neoplatônicos , as fac uldade s humana s , por s i mes mas nã o proporc ionavam uma e xplic açã o para a exis tê nc ia de todas as c ois as . A s fac uldades intelec tua is es tariam num ponto de inters ec çã o entre a pe rcepçã o s ens orial e uma vaga intuiçã o do s obrenatural. O objetivo des s a filos ofia es tava em c ons eg uir meios nec es s ários pa ra alc ançar (contemplaçã o) o divino, mas que es ta uniã o nã o fos s e res trita a uma s imples c omunhã o.

G randes repres entantes 20

des te s is tema filos ófic o foram P lotino (270), P orfírio (305) , J â mblic o (330) e P roc lo (485). E s tes repres entavam os res quíc ios do pag anis mo que tentava s obreviver frente à nova religiã o do Império R omano, a religiã o c ris tã . O neoplatonis mo podia s er identific ado c omo uma religiã o de c aráter rac iona l, provavelmente havia formas e es truturas da s antigas religiões tradic ionais ins eridas a s ua s doutrina s .

O s c ris tã os , por s ua ve z , arroga vam para s i o predicado de s er a únic a e verdadeira religiã o. A religiã o univers al de todos os homens . O ponto central da doutrina c ris tã es tava no dogma da T rindade, es ta c ons is tia numa únic a divindade s ubs is tindo por trê s pes s oa s . C ris to s endo uma das pes s oas divinas ha via tomado forma humana . A c ris tandade nã o admitia que C ris to fos s e tã o s omente um deus c omo outras deidade s exis tentes no império, ta is como: Ís is , Mitra, o S ol Invicto, J úpiter, Marte entre outros . J es us C ris to deveria reinar s oz inho.

E ntre os s éc ulos III e IV nã o s ó pes s oas de c las s es s oc iais c ons ideradas inferiores aderiam ao c ris tianis mo, mas homens e mulhe res de todas as condiçõe s s oc iais : advog ados , médicos , ofic iais do exérc ito, func ionários públic os etc . A religiã o c ris tã c omeçava a s obrepujar

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o pa ganis mo em todas as es feras da s oc iedade romana. Influenc iava e moldava toda s as ins tituições do Império R omano. P os s uindo uma organiz açã o eficaz e uma exc elente forma de s e defender dos

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P or s e tratar de um tema muito delic ado, talvez impos s ível de s er res olvido e nã o s er o tema diretamente tratado em nos s a pes quis a indic amos ao nos s o leitor para maiores detalhes s obre o as s unto, a obra de É mile B rehier, L a F ilos ofía de P lotino, princ ipalmente no c apítulo II quando ele trata diretamente do as s unto “E l orientalis mo de P lotino”.

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C f. R E A L E , G iovanni. P lo tino e Neoplatonis mo. p. 14, 147, 156 e 180.

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ata ques externos , o c ris tianis mo ia ganhando es paços cada vez maiores . C om exc eçã o do exérc ito do Império, nã o ha via ne nhum outro grupo c apa z de lida r e s obres s air das c ris es do que os c ris tã os .

O s c ris tã os formavam um império dentro do Império, eles foram pers eg uidos , ata c ados por s uc es s ivos impe radores s ob as mais c ruéis barba ridades , pers eguiçã o após pers eguiçã o nã o foi s ufic iente para rompe r o es pírito e o vigor inte rno daque les que ade riam a es ta religiã o, por fim, o cris tianis mo triunfou e s e tornou uma ins tituiçã o bem organiz ada .

No de c orrer de trê s s éc ulos , os c ris tã os permanec eram em cons tante luta pela s obrevivê nc ia diante da s poderos as forças advers as que intentavam s us tar-lhe s a c ons olidaçã o de s ua religiã o. No entanto, o próprio C ris tianis mo es tava intrins ec amente dividido. A s s eitas pululavam aos quatro c antos do Império R omano. P or todo lado s urgiam as mais divers as formas de ideologias , filos ofias e intelec tua lis mo que c ativa vam os mais incautos . E m meio a es ta turbulê nc ia, numa atmos fera ainda impregna da pelo “fim do mundo” nas ceu na provínc ia romana ao norte da Á fric a o grande doutor do C ris tianis mo, s anto A g os tinho.

Na s ua ingê nua 22

infâ nc ia A gos tinho permane ceu dis tante daque les turbilhõe s dos c ampos de batalha que o arras tariam à s inquietudes interiores . A o rememorar a s ua infâ nc ia, o autor res s alta como foi tã o s ofrível o pe ríodo em que es teve na es c ola. O s eu interes s e c ons is tia, c omo ac ontec e a qualquer c riança, em jogar bola, c açar pas s arinhos , etc . P ara aprender a ler e a es c rever apanhou muito do mes tre. O ins trumento de s uplíc io do mes tre-es c ola era a vara, es ta s eria o um dos males que o jovem A g os tinho che gara a c onhec er naquela époc a. D aí ele rec orrer em oraçã o a D eus para livrar-lhe daquele mal, “ainda menino c omecei a dirigir-me a ti, c omo meu ‘roche do e meu refúg io’; [...] era grande o fervor c om que eu te implorava para que me evitas s es os c as tigos na es c ola”. (A G O S T INHO, 1997, p. 31).

E s te inc idente na vida de A gos tinho deixaria marc as profundas em s ua alma. F uturamente, ele viria a ter repúdio a qualquer vínc ulo c om ordem e dis c iplina. D es de que nã o fos s e c as tigado, apres entava grande s dotes intelec tuais e muita fac ilida de em aprender. A lém dis s o, tinha em s ua c as a dois exemplos de vidas

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c ompletamente opos tos . O s eu pai P atríc io 23

era homem s is udo, dado aos praz eres c arnais , mas com uma forte determinaçã o para que o filho pudes s e obter a melhor educaçã o pos s ível. A s ua mã e

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, Mônic a, era uma mulher de votís s ima da fé e aos valores c ris tã os . P a ra a alma de A gos tinho c onfluía es s a mis celâ nea de ideias diametralmente opos tas .

A inda jovem A gos tinho vai para Madaura 25

c urs ar o G inás io. Nes ta c idade, o jovem de T ag as te princ ipiou a s ua angus tiante bus ca pela verdade . Madaura proporc ionara uma atmos fe ra propíc ia a uma a lma s edenta pelo c onhec imento. A li, o s ol brilha va intens amente, havia imens as planíc ies , grandes c ordilheiras no horiz onte , colinas que faz ia rememorar as pirâ mides do E g ito, enfim, tudo nes te ambiente c onvida va para a meditaçã o, os mis térios , as s im c omo, ao pens amento metafís ic o. Nas s ua s obras figuram es pec ulaçõe s filos ófic as e mís tic as c olhidas des ta nos tálgic a pátria.

E m Madaura, A gos tinho des perta o gos to pelos livros , ne les , ele encontra uma afinidade s emelhante à amiz ade de dois grandes amigos . No ginás io es tava s endo lec ionada lite ratura e retóric a. A s figuras dos proeminentes poetas , Homero e V irg ílio, s ã o es tudados grandios amente pelos es tudantes daque la loc alidade. A gos tinho pos s uía avers ã o à língua grega, para ele dec orar verbos irreg ulares era uma tortura s em igua l. Nã o pos s uía muita atraçã o pelas obras poétic as gregas , mas apa ixonou-se profundamente pe las latinas , princ ipalmente, a E neida de V irgílio. A li parec ia enc ontrar nela o s eu próprio eu. A c ada vers o lido da E ne ida, A gos tinho revivia os ac ontec imentos ali des c ritos .

A lém da poe s ia, no programa es c olar era oferec ida a dis c iplina de retóric a. E xprimir de forma bela os pens amentos arreba tava o ans eio dos jovens madaurens es , grande es forços eram des pendidos na obte nçã o des te ideal. C ada

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Ibidem, p. 35. (...) o pai de A gos tinho, P atríc io, es c apa-nos por c ompleto. A gos tinho, homem de muitos s ilêncios s ignific ativos , c alaria friamente s obre ele. P atríc io era generos o, mas ‘exaltado’. Orgulhava-s e exag eradamente do filho: era admirado por todos pelos s ac rifícios que faz ia para levar a c abo a educ açã o de A g os tinho.

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Ibidem, p. 34. A c ima de tudo, era uma mulher de profundos rec urs os internos , s uas c ertez as eram irritantes ; os s onhos por intermédio dos quais previa o c urós da vida do filho eram impres s ionantes , e ela c onfiava em s ua c apac idade de s aber, ins tintivamente, qual des s es s onhos era autêntic o. (...) Na des c riçã o agos tiniana s obre os s eus primeiros anos de vida, Mônic a aparec e, s obretudo c omo uma figura implac ável: ‘ ela des ejava ter-me s empre ao s eu lado, c omo é cos tume das mã es , porém muito mais do que a maioria das outras ’. S empre que um dos s eus filhos s e des viava, ‘ela ag ia c omo s e de novo s ofres s e as dores do parto.

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ve z mais navegava pelo mar das poe s ias latinas , embriagando-se c om o amor e o goz o que ali s ã o apreg oados c omo a mais nobre raz ã o de s er da vida humana .

A pós o término dos es tudos em Madaura, os pais de A g os tinho nã o es tavam prepa rados fina nceiramente para que o filho c ontinua s s e os es tudos na c idade de C artago, entã o, o jovem hiponens e regres s a pa ra cas a. O pe ríodo em que es teve em cas a, até que s eus pa is cons eg uis s em dinheiro o s uficiente o retorno aos es tudos , foi um tempo improdutivo para a mente brilhante do africano. A maior parte do tempo ele pas s ava nas ruas , em jogos , reuniões c om amigos . Na medida em que s e entregava aos praz eres mundanos , a atos libidinos os , ao des c ontrole moral, o bis po afric ano ficara es c ravo das paixões .

O s er humano dotado de vontade e inteligê nc ia pode, na medida em que es ta s faculdades dominam s eu s er, viver de maneira tranquila e, livre de perturbaçõe s na alma. Mas quando a alma enc ontra-s e es c rava das paixões , ela s e torna de s figurada, tiraniz ada por uma potê nc ia mons truos a

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, fic a-lhe s ubmetida à s s uas orde ns . Q uando uma fac uldade do s er humano s e torna exc lus iva em detrimento das demais , s urgem des equilíbrios em toda s ua naturez a. O homem deve viver de forma a harmoniz ar todo o s eu s er, pa ra que pos s a enc ontra equilíbrio em s eu eu. S eg undo A gos tinho:

O inimig o domina va-me o querer e forjava uma c adeia que me mantinha pres o. D a vontade pervertida nas c e a pa ixã o, a dquire-s e o hábito, e, nã o res is tindo ao hábito, c ria-s e a nec es s idade. C om es s a es péc ie de anéis entrelaçados ( por is s o falei de c adeia) , mantinha-me ligado à dura es c ravidã o. ( A G O S T INHO , 1997, p. 214-215) .

Na c idade de C artago havia um grande amigo da família de A gos tinho, R omaniano. E s te c onvidou o jovem es tudante de T agas te a c ompletar os es tudos em s ua c idade, fornec endo-lhe os meios nec es s ários pa ra tal. P or es s a époc a o intento ag os tiniano era amar e s er amado. A inda nã o c ompreendia o que realmente era o amor, mas fervilhava na bus ca des enfreada por amar. Mas todo es te amor pelas c ois as bana is da vida, mais tarde foi c analiz ado para D eus . A s s im, ele mes mo s e e xpres s a:

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V im para C artag o e log o fui c erc ado pelo ruidos o fervilhar dos amores ilíc itos . A inda nã o amava, e já gos tava de s er amado, e, na minha profunda mis éria, eu me odiava por nã o s er bas ta nte mis eráve l. D es ejando amar, proc urava um objeto para e s s e amor, e detes tava a s eg urança, as s ituações is entas de ris c o. T inha de ntro de mim uma fome de alimento interior – fome de ti, ó meu D eus . Mas , nã o s entia es s a fome, porque nã o me apetec iam os alimentos inc orruptíveis , nã o por es tar s ac iado, mas porque, quanto mais va z io, mais enfas tiado eu me s entia. Minha alma es tava doente, c oberta de c hag as , ávida de c ontato c om as c ois as s ens íveis . Mas , s e es tas nã o tives s em alma, c ertamente nã o s eriam amadas . E ra para mim mais doc e amar e s er amado, s e eu pudes s e g oz ar do c orpo da pes s oa amada. A s s im, eu manc hava as fontes da amiz ade c om a s ordide z da c onc upis c ênc ia e turba va a pure z a delas c om a es puma infernal das paixões . Nã o obs tante eu s er feio e indigno apres enta va-me, num exc es s o de va idade , c omo pes s oa eleg a nte e refinada . Mergulhe i entã o no amor em que des ejava s er envolvido. ( A G O S T INHO , 1997, p.65) .

Na c idade de C artago pululavam as mais variada s formas de c rendic es e c renças , fomentando uma babel religios a. V ários c ultos c ris tã os mis turavam-s e aos c ultos pag ã os , numa luta inc es s ante para s e c onquis tar pros élitos . E m meio à divers idade c ris tã da époc a em C artag o, duas figuravam c omo as princ ipa is : o partido dos D onatis tas ; e, o outro, dos C atólic os R omanos . A lém des tas , s urgiu uma s eita, s ob a lide rança de um homem c onhec ido pelo nome de Mani, c hamada de Manique ís mo

27 .

No final dos es tudos ac adê mic os , A gos tinho teria contato com uma obra de C íc ero c onhec ida pelo título "Hortens ius ", porém, es te es c rito c ic eroniano nã o c heg ou até nós . Nela, o pens ador romano dis s ertava s obre a verdade ira “s abedoria” c omo meio de alc ançar a felic idade por intermédio dela. E s ta obra c aus ou no africano uma revoluçã o no s eu pens amento. V is lumbrava um novo horiz onte na vida de A gos tinho, es te que ambic ionava as glórias terrenas , grande profanador das paixões , c ompreendeu que há um mundo de valores c ompletamente opos tos a es tes que ele intenc ionava alc ançar, um univers o de pe rene e perfeita felic idade na pos s e da verdadeira s abedoria. A o ler a obra de C íc ero e nã o enc ontrar ali o nome de C ris to, o hiponens e ficou um tanto c ontris tado.

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A gos tinho recorreu, entã o, à leitura da es critura c ris tã proc urando pene trar naque le mundo inc óg nito, mas des is te logo em s eguida , pois es tava habituado a leituras tã o polidas dos c lás s ic os , das lite raturas latinas , c omo poderia o afric ano ac ha r gos to pelo es tilo literário da es c ritura cris tã ? É provável que naque le momento a B íblia nã o ag radas s e aque le jovem de 19 anos , pois es te nã o pos s uía um nec es s ário amadurecimento e uma compreens ã o do todo da es c ritura pa ra c ompreendê -la na s ua inteirez a. D es ta forma, nem C íc ero nem a es c ritura c ris tã puderam s atis faz er as inquietações agos tinianas .

Nem pag ã o nem tota lmente c ris tã o, A gos tinho es tava à deriva em bus c a de um norte para s ua vida. Nã o compreendia os te xtos s ag rados judaic o-c ris tã os , nã o enc ontrava s os s eg o na filos ofia pa gã de C íc ero. C omo c onc iliar es tes c onhec imentos adquiridos nos últimos es tudos ac adêmic os c om a fé c ris tã ? C omo c ompreende r pe la raz ã o os ens inamentos bíblicos ? E m res umo, c omo c onc iliar raz ã o e fé? S eg undo nos c onta o próprio A gos tinho em s uas C onfis s õe s , ele tem c ontato c om os ens inamentos maniqueus que lhe prometiam res pos tas s atis fatórias para as s uas inquietudes .

P rovavelmente nã o exis tiu homem pres o a s eus pec ados e amante de s eu pag anis mo, que s e ac ha s s e tã o próximo de D eus qua nto A gos tinho. A lma es c raviz ada pe lo erro, c heio de de s armonias interiores , aborrec ido de s i, no entanto, diante de s ua mis éria c lama pela divina mis ericórdia. D urante os nove anos em que es te ve em C artago A gos tinho c ontinuou a des envolver s eu c onhec imento a partir de leitura dos poetas gregos e latinos , s abia ele reves tir s ua s ideias com uma roupa gem elegante, como bom retóric o que era. C om A ris tóteles e le explora as mais profunda s regiões do S er S upremo. D es bravou o univers o aris totélic o. Naveg ou em direçã o à s exc els as ideias platônic as . B us c ou c ompreende r o donde, o para onde e o porquê des te ente que mediante a raz ã o c aminha num mundo aparentemente irrac ional.

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es c larec es s em s ua s inquietações , nã o obtinha as res pos tas adequadas , mas tã o s omente evas ivas .

A experiê nc ia de A gos tinho enqua nto fora maniqueu as s emelhava-s e a um errante em meio a um de s erto. E le bus c ava uma mananc ial pa ra s uprir a s equidã o de s ua alma. A s es pe culaçõe s filos ófic as , as divers as doutrinas c ris tã s e maniqueias que s e digladiavam umas as outras nã o c ons eguiam s atis faz er o es pírito do hiponens e. Nes ta atmos fera, trans itou pa ra um c etic is mo, pois nã o c ons eguiam uma porto verdade que alivias s e s ua s ang ús tias exis tê nc ias . S e nem a filos ofia nem a religiã o proporcionavam as condições neces s árias para alc ançar a verdade, o que o faz er entã o? O jovem afric ano proc ura nos c írc ulos es otéricos dos mag os e as trólogos , porém nada dis s o é o objeto de s ua procura.

A o es tudar o mundo da as trolog ia, o bis po afric ano entra em c onta to com a as tronomia. P or intermédio dela A gos tinho c omeçara a perc eber as inc oe rê nc ias das doutrinas de Mani. A cos mogonia maniqueia nã o c ondiz ia c om a da c os mologia. A o bus c ar es c larec er s uas dúvidas c om um “eleito”, a únic a res pos ta rec ebida é a s eguinte: "E s pere até que venha o nos s o bis po F aus to". A s ua angus tiante es pera pelo B is po F aus to foi trans formada numa grande de cepçã o, pois o tã o es perado e magnífic o bis po nã o c orres pondia à s expe c tativas propalada s por s eus c orreligionários . E ra um homem s imples , es pirituos o, mas inc apa z de res ponde r as objeções do jovem “ouvinte” da s eita. Nas C onfis s õe s , A g os tinho relembra e s te fato:

D urante c erc a de nove anos , em que meu pens amento errante es c uta va a doutrina manique is ta, ag uardava a ns ios amente a c heg a da des s e F aus to. T odos os outros maniqueus , c om quem tivera oc as ionalmente c ontato, nã o s abiam res ponder à s obje ções que eu lhes apres entava, e me prometiam que, à c heg ada dele, e num s imples c olóquio, s eriam res olvidas , c om extrema fac ilidade , es s as e outras ques tões ainda mais graves que eu vies s e a propor. A s s im, quando ele c heg ou, travei c onhec imento c om um homem amável, de fala a g radável, c apaz de expor de forma muito mais atraenyte o que os outros diz em. Mas que importavam à minha s ede os prec ios os c álic es de um eleg antís s imo c opeiro? Meus ouvidos já es tavam s aturados de s emelhantes dis c urs os ; nã o me parec iam melhores porque feitos em linguag em mais burilados , ou mais verdadeiros por s erem mais eloque ntes . Nem me parec ia ele mais s ábio pelo fato de ter as pec to s impátic o e falar e leg ante. ( A G O S T INHO , 1997, p.124) .

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A gos tinho c ogita a pos s ibilida de de mudar de ambiente, almejando ir em direçã o a c apital do Império. A o s abe r da notíc ia, a mã e de A gos tinho nã o c ompa rtilhou da ideia do s eu filho ficar dis tante de s ua amada mã e. Na vés pera de s ua viag em enc ontravam-s e A gos tinho e s ua mã e Mônica na c apela c ons ag rada a S ã o C ipriano. A pedido de s eu amado filho, Mônic a pa s s a a noite em oraçã o. Mas ao perc ebe r que s ua mã e c ai num profundo s ono, aproveita a oc as iã o e es gueira-s e apres s adamente para a embarc açã o rumo à Itália. A pós a partida pa ra s ua nova aventura, A g os tinho c arrega em s i o pes o de grandes tormentos . A mente perturbada por divergê nc ias metafís ic as , a alma dilac erada por des armonias , e agora es te ato infeliz de enganar a própria mã e, tudo o faz ia ter náus ea de s i, nã o s uportar o s eu próprio eu, por fim, ter que viver c om o tormento de uma c ons c iê nc ia c ulpada.

A o c hegar a R oma, o bis po afric ano foi c onvidado por um amigo que pertenc ia à s eita dos manique u a res idir em s ua modes ta c as a. A o c irc ular pela c idade s e des lumbra diante da s magníficas obras da R oma E te rna, os templos , as bas ílicas , os obelis c os , entre outras obras , tudo figurava c omo algo de s obre-humano. A pes ar do luxo e da opulê nc ia, s abia A gos tinho que o Império es tava ruindo, e nã o demoraria em entrar num grande c olaps o. S e nã o era dado à c ontinê nc ia e a s obriedade, pres enc iou-o, ao c heg ar a R oma, um s ens ualis mo radic al que s obrepujava s ua imag inaçã o. A li reina vam a luxúria, glutonaria, vorac ida de, embriaguez e todos os tipos de víc ios .

E m R oma, A gos tinho enc ontrou s eu amigo A lípio. P orém, os dois trilhavam c aminhos opos tos . O bis po afric ano ainda nã o es tava afeito a uma vida c as ta, mas vivia em bus c a de praz eres entre as mulhe res . A lípio, por s ua vez , amava inveteradamente a luta dos gladiadores na arena . E m diálogo c om s eu amigo A lípio, c onta as raz õe s de es tar em R oma. A firmava nã o ter mais afinidade c om o maniqueís mo, pois julgava ele a inc ompatibilida de das doutrinas maniqueia c om a fís ic a do c os mos que ele aprende ra da as tronomia; e, os c orifeus da s eita nã o pos s uírem a c apac idade de da r-lhe explic açõe s s atis fatórias das dific uldades apres entadas .

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fermentados 28

; c ons ideravam as relações c onjugais impuras . Mas em s uas vidas privada s pratic avam tudo aquilo que alardeavam em públic o. A limentavam-s e de c ertos alimentos , c ons iderado por eles c omo “puro”, para que fos s e eliminada do organis mo “a divindade das trevas ”. D es ta forma, pens avam eles alc ançar a “divindade da luz ”. A pes ar de nã o mais frequentar as s iduamente o maniqueís mo, A gos tinho pe rmanec ia maniqueu por conveniê nc ia s oc ial e, também para entorpecer s ua alma c om uma moral que atribua ao “deus das trevas ” as raz õe s de s eus atos imorais , is entando-o de c ulpa. E m S obre os c os tumes da Ig reja C atólic a e os c os tumes dos maniqueus , explic a as raz õe s de tais prátic as :

É nec es s ário, em primeiro lug ar, c onhec er a ra z ã o de es ta s upers tic ios a abs tinênc ia, a qua l es tá c onc ebida nos s eg uintes termos : Uma parte de D eus s e mes c lou c om a s ubs tâ nc ia do mal c onter e reprimir s eu alto furor ( s ã o pa lavras de vos s o mes tre) ; e a mes c las de ambos , a do bem e do mal, formam o mundo. Mas a parte divina te nde inc es s antemente a purific ar toda a s ubs tâ nc ia do mundo e voltar para s eus próprios limites ; mas em s eu c aminho para fora da terra e tendênc ia para o c éu apres s a-s e nas árvores , c ujas raíz es e nc ontram-s e na terra, e, as s im, fertiliz a e revig ora e faz c om que o des envolvimento de todos os tipos de ervas e arbus tos . D is s o s e nutrem os animais , que, ao juntar-s e, unem a c arne aque la parte o membro divino ( A G O S T INHO , 1948, p. 351) .

C omo profes s or de retóric a, A g os tinho continuava enfrentando problemas c om os alunos . S e os alunos de R oma fos s em mais educ ados do que os de C artago, eles pos s uíam um víc io repug na nte, c os tumavam abandonar o profes s or antes do pagamento pelas aulas . E ntã o, pens a em abandona r a profis s ã o e, proc ura c ons eguir um emprego público. A oportunida de pa ra o novo emprego es tava à s portas pa ra A g os tinho. E m Milã o, o governo bus c ava um novo profes s or pa ra a c ade ira de retóric a. P or indic açã o de alguns amigos de A gos tinho, es te foi es c olhido pelo prefeito S ímac o para o c argo. J á com a ida de de 30 anos , vis lumbrando um futuro brilhante no novo emprego, c onvida a s ua família pa ra res idir c om ele na nova c idade.

S e a vida econômica pa rec ia es tar res olvida. A gos tinho es tava longe de res olver s eus c onflitos interiores e a c ons c iê nc ia c ulpada. E m Milã o, havia um bis po c atólic o que certamente teria grande c ontribuiçã o na vida do jovem africano, es te

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bis po era A mbrós io. A o ouvir da fama do bis po milanê s , A gos tinho ans eia por faz er-lhe uma vis ita c om a intençã o de s er-er-lhe s oluc ionados os filos ófic os e religios os que s ubjugavam s eu es pírito. P orém, a indiferente rec epçã o de A mbrós io c aus ou uma leve dec epçã o no hiponens e. A pes ar das rec omendações feitas pelo prefeito S ímac o, A mbrós io parec ia ver naquele jovem afric ano apena s mais um entre as outras ovelhas do s eu redil.

O bis po de Milã o era extremamente oc upado c om s eu bis pado. V ivia s obrec arregado de expe dientes adminis trativos , traba lhos materiais e es pirituais , o pouco tempo que lhe res tava de dic ava-s e a leitura da s es c rituras cris tã s . A gos tinho interes s ou-s e pelas preg ações do bis po milanê s nã o tanto pelo teor da retórica, mas antevendo a pos s ibilidade de eluc ida r algumas dúvida s . A s homilias ambros ianas fiz eram o hiponens e perc eber um novo método de interpretaçã o da bíblia, princ ipalmente, o A ntigo tes ta mento. E s te novo método c onhec ido pa ra A g os tinho c ons is tia em interpreta r as es c rituras c ris tã s alegoricamente. E le ajudava a c ompreende r pa s s agens que tomada s lite ralmente c aus ava grande repugnâ nc ia em alguns es pírito. A gos tinho que já abandonara o A ntigo tes tamento como fábula repleta de imoralidades , por intermédio do alegoris mo ele c omeça a vis lumbrar uma boa aproximaçã o c om o livro c ris tã o.

O de s enlac e no jardim de Milã o é de s uma importâ nc ia para c ompreendermos o pe rcurs o pe lo qua l A gos tinho trilhou até c onvers ã o. D iametralmente opos ta à c onvers ã o do após tolo P aulo, que foi repentina e ins tantâ nea, s ubtraída de toda inves tigaçã o rac ional. A c onvers ã o ag os tiniana c ons titui um drama emoc ionante , ele mes mo nos de s c reve ato por ato a s ua peripéc ia das trevas para a luz . C omo pode a vontade s er c ompelida a voltar pa ra D eus e ainda o livre arbítrio pe rmanec er intac to? A g os tinho tem c ons c iê nc ia de que o homem nã o pode pe rmane cer para s empre dis tante de D eus , em algum momento ele s erá c ompe lido pela graça, nã o c oag ido a voltar, mas a querer voltar. A graça proporc iona aquilo que o homem nã o queria forços amente.

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. A li ele parec ia encontrar o que bus c ara na literatura, poe s ia, filos ofias , nos praz eres , enfim, algo que trouxes s e s os s eg o para s ua alma, tranquilidade para s ua c ons c iê nc ia c ulpa da e os tormentos das dúvidas que as s olavam s ua vida.

A gos tinho c ompreende que pa ra c heg ar-s e a D eus prec is a abandonar todos os víc ios , todos os vínc ulos que o prendem as paixões , aos projetos ambic ios os . Mas inelutavelmente como que exis tindo outro eu nele, s oa a s ua cons c iê nc ia voz es que o arras ta a es c ravidã o dos de s ejos ins ac iáveis . O jovem afric ano s entia as dificuldades de renúnc ia do s oberano víc io s obre s ua alma para uma vida hones ta. P orém, A gos tinho c ede à s c onc upis c ê nc ias de s ua c arne. S abe ele c omo ninguém des c rever perfeitamente o embate que vivia no s eu interior. P arec iam exis tir ali dois eus em cons tante luta. A s ua vontade enferma nã o pos s uía as forças nec es s árias para dar um bas ta a es ta s ituaçã o.

T rans bordando de dúvidas e ang ús tia A gos tinho vai à bus ca do velho s ac erdote S implic iano. D iante des te fala-lhe das dificuldades por que tem pas s ado tanto no c ampo filos ófic o quanto no religios o, princ ipalmente, dos obs tác ulos em ade rir à religiã o c ris tã . T erminada s ua confis s ã o, o jovem afric ano ouve da parte do s ac erdote S implic iano a c oragem, a ous adia e da s dific uldades que pa s s ou V itorino antes de torna-s e c ris tã o.

A lguns dias depois A g os tinho reunia-s e com s eus amigos A lípio e P ontic iano, func ionário da c orte Impe rial. R eunidos , os trê s dis c orria s obre as c artas pa ulinas , em meio as convers as P ontic iano pas s a a fa lar-lhes da vida de s anto A ntã o. S eg undo P onticiano, s eus amigos qua ndo tiveram a expe riê nc ia de c onhec er a maneira de viver de alguns eremitas que s e es pe lhavam em s anto A ntã o, abandonaram a vida profana, pas s ando a viver para D eus em penitê nc ia, oraçõe s , s emelhante aos c enobitas . A o ouvir ta is c ois as , brada A gos tinho a A lípio "o que é que nos aflige tanto? (...) E rguem-s e os incultos e tomam de as s alto o reino do céu, enqua nto nós , c om o nos s o s aber ins ens ato, nos debatemos na carne e no s angue” (A G O S T INHO, 1997, p.222). A gos tinho repug na va a vida que levava, mas nã o c ompreendia e nã o tinha forças nec es s árias pa ra mudar o rumo das c ois as . O

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embate interior que o atormenta va as s emelhava-s e a dois polos opos tos . D aí ele s ofrer divers as reações em s eu es pírito:

E tu, S e nhor, enqua nto ele falava, me faz ias refletir s obre mim mes mo, tirando-me da pos içã o de c os tas , em que eu me ha via c oloc ado para nã o me enxergar a mim mes mo, e me c oloc avas diante de minha própria fac e, para que eu vis s e quanto era indig no, dis forme e s órdido, c oberto de manc has e c hagas . E eu via, e me horroriz a va, e nã o tinha c omo fug ir de

mim mes mo. S e tenta va des viar o olhar de mim mes mo, lá es tava

P ontic ia no c ontinuando o s eu re lato, e tu me c oloc avas dia nte de mim mes mo e me impelias , por as s im diz er, para diante de meus próprios olhos , a fim de que eu des c obris s e a minha iniquidade e a de tes tas s e. E u a c onhec ia, mas fing ia nã o perc ebê-la, e tentava afas tá-la, e a es quec ia. ( A G O S T INHO , 1997, p.220) .

No jardim de Milã o, A gos tinho pas s a por uma experiê nc ia que mudou c ompletamente o rumo de s ua vida. A s c ons tante s luta s em s eu interior, o aba timento de s ua alma, uma c ons c iê nc ia c ulpa da, tudo is s o mudaria em breve. A o ouvir uma voz infantil a s oar pelo jardim que diz ia "T olle, leg el tolle, leg e l" "T oma e lê ! toma e lê !". E rguendo-s e s em s abe r de onde provinha a voz , volta para a c as a onde havia s e reunido c om s eus amigos . A li, entre as epís tolas paulinas toma em mã os a c arta de P aulo aos R omanos (13,11 s s ) e ler no trec ho em que diz , “nã o em orgias e bebe deiras , ne m na devas s idã o e libe rtinagem, nem rixas e c iúmes . Mas reves ti-vos do S enhor J es us C ris to e nã o proc ureis s atis faz er os des ejos da c arne” (A G O S T INHO, 1997, p. 230) .

Nã o quis ler mais . Is to foi o s ufic iente. S obre s ua alma reina va a paz , a graça divina trans bordava em todo o s eu s er. E s ta experiê nc ia era indiz ível, inde s c ritível, jamais o hipone ns e havia s entido algo grandios o em s ua vida. T alvez , is s o s eja a raz ã o pela qual ele es c reveu no iníc io de s ua s C onfis s ões , “F iz es te-nos para ti, S enhor — e inquieto es tá o nos s o coraçã o até que des cans e em ti" (A G O S T INHO, 1997, p.19) .

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Milã o, A mbrós io, es te em s eus s ermões entrelaçava leitura dos neoplatônicos com o pens amento do após tolo P aulo. A filos ofia neoplatônic a s eria a pedra de toque pa ra os es c ritos agos tinianos após s ua c onvers ã o ao c ris tianis mo, pois a leitura dos es c ritos ne oplatônic os o teria “s alvado” do materialis mo maniqueu e, c ons equentemente, c onduz ido à que la iluminaçã o que ele des c revera nas C onfis s õe s

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Na his tória do C ris tianis mo dific ilmente aparec eu um homem que s imboliz as s e em s ua pes s oa a es s ê nc ia des ta religiã o, c omo é o c as o de A gos tinho. Nele podemos pe rcebe r uma s intoniz açã o de uma rigidez e uma elas tic idade, impres s ionantes , que lhe valerã o vários s éc ulos c omo grande pens ador da religiã o c ris tã , inc lus ive, alc ançando nos s os dias . O doutor de Hipona s oube as s imilar c om vitalidade os variados elementos c onceitua is , c om os quais foi influenc iado nas divers as expe riê nc ias em que es teve envolvido na s ua peripéc ia inte lec tua l. A pós ade rir o C ris tianis mo, utiliz ou o que havia de melhor do mundo pagã o para elaborar s eu pens amento teológic o-filos ófic o. P rinc ipalmente, para res olver a dific uldade que ele pos s uía em entender a naturez a e a origem do mal.

1.2 A es trutura das C onfis s õ es de A g os tinho

C omo em nos s a pes quis a pretendemos refletir a res pe ito do problema do mal em A g os tinho, optamos por s eu livro, C onfis s õe s , mais es pec ificamente o livro V II des ta obra c onfes s ional. P orém, por ele ter s e envolvido em várias dis c us s ões filos ófic as , te ológic as , apologétic as e, também ter es c rito divers as obras que abordaram o problema do mal, faremos mençã o a algumas de s uas princ ipais obras antimaniqueias no dec urs o do nos s o texto para c orroborar o tema que foi pes quis ado.

P or volta do s éc . IV , o filós ofo e teólogo da Igreja c ris tã já c itado ac ima, A gos tinho de Hipona, es c revera uma obra que tem por título, C onfis s ões , es c rita por

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