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A possibilidade de recusa à submissão ao exame de DNA em ações de investigação de paternidade e suas implicações quanto ao direito fundamental à identidade genética

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA KÁTIA MARGOT ALENCASTRO DA SILVA

A POSSIBILIDADE DE RECUSA À SUBMISSÃO AO EXAME DE DNA EM AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E SUAS IMPLICAÇÕES QUANTO AO

DIREITO FUNDAMENTAL À IDENTIDADE GENÉTICA

Palhoça (SC) 2009

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KÁTIA MARGOT ALENCASTRO DA SILVA

A POSSIBILIDADE DE RECUSA À SUBMISSÃO AO EXAME DE DNA EM AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E SUAS IMPLICAÇÕES QUANTO AO

DIREITO FUNDAMENTAL À IDENTIDADE GENÉTICA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora Patrícia Fontanella, Msc.

Palhoça (SC) 2009

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KATIA MARGOT ALENCASTRO DA SILVA

A POSSIBILIDADE DE RECUSA À SUBMISSÃO AO EXAME DE DNA EM AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E SUAS IMPLICAÇÕES QUANTO AO

DIREITO FUNDAMENTAL À IDENTIDADE GENÉTICA

Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovada em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL.

Palhoça (SC), 08 de junho de 2009.

_________________________________________________________________ Professora e Orientadora: Patrícia Fontanella, Msc.

Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL

________________________________________________________________ Professor

Universidade do Sul de Santa Catarina

_________________________________________________________________ Professor

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TERMO DE RESPONSABILIDADE

POSSIBILIDADE DE RECUSA À SUBMISSÃO AO EXAME DE DNA EM AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E SUAS IMPLICAÇÕES QUANTO AO DIREITO

FUNDAMENTAL À IDENTIDADE GENÉTICA

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul do Estado de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e a Orientadora de todo e qualquer reflexo acerca desta monografia.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Palhoça (SC), 08 de junho de 2009.

__________________________________ Kátia Margot Alencastro da Silva

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Dedico este trabalho ao meu marido, filhos, nora, familiares e amigos.

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AGRADECIMENTOS

Embora a produção de conhecimento exija períodos de extrema individualidade, é imprescindível poder contar com as pessoas que nos rodeiam e que conosco compartilham momentos alegres e prazerosos, momentos de ansiedade, momentos de dificuldades, enfim, momentos que marcam cada etapa do trabalho desenvolvido para a consecução daquele fim – a produção de conhecimento. Dentre essas pessoas, não posso deixar de referir-me àquelas que acompanharam mais de perto a trajetória deste empolgante desafio.

Agradeço a Deus, pelo milagre da vida.

Aos meus pais, sogro e sogra (in memorian), pelo seu exemplo de vida.

Aos meus irmãos, Leonira, Mariângela e Neissan, pelo apoio nessa caminhada. Ao meu marido George, filhos e nora pelo amor, carinho, compreensão, companheirismo e eterna paciência.

A todos os meus amigos pelo incentivo, em especial, ao Marcos, Leodeni e Raquel, com quem pude sempre contar durante minha vida acadêmica.

À minha orientadora, professora Patrícia Fontanella, pelas ponderações precisas. Aos meus familiares, que torcem pelo meu sucesso.

A todos aqueles que sempre estiveram presentes e que, de alguma forma, contribuíram para a conclusão de mais uma fase de minha vida.

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“Conhece-te a ti mesmo”. Sócrates

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RESUMO

Esta monografia aprecia a possibilidade de recusa à submissão ao exame de DNA em ações de investigação de paternidade e suas implicações quanto ao direito fundamental à identidade genética. Partiu-se da premissa de que a Constituição Federal de 1988 extinguiu qualquer tipo de discriminação a filhos não matrimoniais e promoveu a consagração da filiação socioafetiva. Indicou-se, ademais, que o reconhecimento judicial de filhos não havidos no casamento se dá por meio da ação de investigação de paternidade. No que se refere às provas legalmente admitidas, constatou-se que o exame de DNA representou um divisor de águas no âmbito do Direito de Família e minimizou a importância dos demais meios probatórios. Quanto à legitimidade da recusa do investigado à realização do exame genético, inferiu-se, com fundamento nos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da razoabilidade, num processo de ponderação, que o direito fundamental à identidade genética não pode ser tolhido por conduta, ainda que baseada em direitos fundamentais, que ofenda o princípio constitucional da dignidade humana do investigante. Concluiu-se, por fim, que a não observância do direito fundamental do investigante, conforme o referido processo de ponderação, causaria maior prejuízo à ordem jurídica do que as consequências sofridas pelo investigado quando da condução coercitiva.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 DIREITO À FILIAÇÃO ... 11

2.1 Conceito de filiação ... 11

2.2 Classificação da filiação quanto à sua natureza ... 15

2.2.1 Filiação jurídica ... 16

2.2.2 Filiação biológica ... 17

2.2.3 Filiação socioafetiva... 19

2.3 O direito à filiação positivado ... 21

2.3.1 O direito de filiação anterior à Constituição Federal de 1988 ... 22

2.3.2 O direito de filiação subsequente à Constituição Federal de 1988 ... 25

2.4 Modos de reconhecimento da filiação paterna ... 27

2.4.1 Reconhecimento voluntário ... 29

2.4.2 Reconhecimento judicial ... 31

3 A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE ... 35

3.1 Considerações iniciais acerca da ação de investigação de paternidade ... 35

3.2 Legitimidade ativa na ação de investigação de paternidade... 38

3.2.1 O Ministério Público e a averiguação oficiosa de paternidade ... 40

3.3 Legitimidade passiva na ação de investigação de paternidade ... 41

3.4 Os meios de prova da paternidade ... 43

3.4.1 O depoimento pessoal ... 45 3.4.2 A confissão ... 46 3.4.3 A prova documental ... 47 3.4.4 A prova testemunhal ... 49 3.4.5 A prova pericial ... 50 3.4.5.1 O exame de DNA ... 53

4 A POSSIBILIDADE DE RECUSA À SUBMISSÃO AO EXAME DE DNA EM AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E SUAS IMPLICAÇÕES QUANTO AO DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA ... 57

4.1 O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana ... 57

4.2 O direito à identidade genética à luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana ... 61

4.3 O direito de recusa à submissão ao exame de DNA à luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana ... 66

4.4 A não submissão ao exame de DNA e a consequente presunção de paternidade como óbices ao conhecimento da identidade genética ... 70

4.5 Os princípios da igualdade, da razoabilidade e da proporcionalidade na relativização do princípio da dignidade humana e a salvaguarda do direito à identidade genética ... 73

5 CONCLUSÃO ... 79

REFERÊNCIAS ... 82

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1 INTRODUÇÃO

À primeira vista, ao se apreciar o tema pertinente à

“possibilidade de recusa à submissão ao exame de DNA em ações de investigação e suas implicações quanto ao direito fundamental à identidade genética”, pode parecer que tal matéria foi suficientemente examinada pela doutrina e que, consequentemente, já não suscita dúvidas substanciais. Isto porque, definitivamente, não passa despercebida, para o estudioso do ramo do Direito de Família, a questão relativa à oposição dos direitos fundamentais do investigante e do investigado baseados no princípio da dignidade da pessoa humana – as obras de Direito de Família, normalmente, abordam essa temática com cuidado especial.

No entanto, em que pese a importância da produção doutrinária acerca do referido conflito de direitos, há aspectos fundamentais – ainda eivados de sérias incongruências – que carecem de rigorosa atenção. De fato, o entendimento sobre a possibilidade de condução coercitiva ou não do investigado em ação de investigação de paternidade é, seguramente, na seara do Direito de Família, um dos pontos que mais oferecem dificuldades de enfoque, em razão da complexidade do assunto e da diversidade de opiniões doutrinárias proferidas. Dessa maneira, em face da importância que reveste a problemática evidenciada, não há dúvidas da pertinência e legitimidade deste estudo.

Ademais, decisão emanada pelo Supremo Tribunal Federal – que concedeu ao investigado em ação de investigação de paternidade o direito de não submissão compulsória ao exame genético – e a ausência de previsão legal acerca da obrigatoriedade ou não do referido exame requerem que a doutrina desenvolva um estudo inexoravelmente incessante, a fim de propiciar, a partir de uma interpretação sistêmica da Constituição Federal, uma compreensão mais justa e eficaz dos seus dispositivos.

Com fulcro em doutrinadores variados, em jurisprudência e, fundamentalmente, na lei, tentar-se-á identificar a melhor forma de salvaguardar o princípio da dignidade da pessoa humana. Para tanto, a partir da divisão em quatro capítulos, utilizar-se-á o

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método dedutivo de produção de conhecimento. Assim, proceder-se-á a uma abordagem geral do direito de filiação, restringindo-se, posteriormente, o campo de apreciação aos meios de provas utilizados em ações de investigação de paternidade e, por derradeiro, ao direito de todo ser humano ao conhecimento de sua origem biológica.

Destarte, o primeiro capítulo possui o condão de apresentar os aspectos principais do assunto em debate e de atender a requisitos estabelecidos pela metodologia de investigação científica

Incumbirá ao segundo capítulo deste trabalho a tarefa de conciliar as mais variadas opiniões doutrinárias acerca do conceito de filiação, além de contemplar a classificação de filiação quanto à sua natureza, a evolução histórica da filiação no Brasil e, por fim, os tipos de reconhecimento de filhos não havidos na constância do matrimônio.

No tocante aos modos de obtenção de provas em ações de investigação de paternidade, impor-se-á, no terceiro capítulo, a conveniência de atentar as características principais do depoimento pessoal, da confissão, da prova testemunhal, da prova documental e da prova pericial, com destaque para o exame de DNA. Nesse diapasão, impreterível será o entendimento da repercussão do exame genético no ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, a revolução que o seu advento causou na esfera dos processos de investigação de paternidade.

Dessa forma, o desenvolvimento do quarto capítulo, que se dedicará à observância dos direitos fundamentais do investigante e do investigado – precipuamente o supracitado direito à identidade genética – pressuporá a análise minuciosa da Constituição Federal e de opiniões doutrinárias a respeito do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento para legitimidade daqueles direitos.

Por fim, vale registrar que o êxito dos propósitos explicitados dependerá, sobremaneira, de eficiente exposição das divergências doutrinárias que norteiam o tema em questão, a partir da sistematização dos inúmeros entendimentos possíveis. Tal intento será viabilizado pela organização dos fundamentos, conclusões e, ainda, pelos motivos que implicaram o nascimento destas últimas sem, contudo, deixar de consagrar as hipóteses mais condizentes com os pressupostos preconizados pelo texto legal.

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2 DIREITO À FILIAÇÃO

2.1 Conceito de filiação

A compreensão do termo filiação revela-se, no âmbito do Direito de Família, imprescindível ao estudo das implicações decorrentes da relação entre pais e filhos. Por conseguinte, cumpre observar que o entendimento eficaz do instituto da filiação, objeto deste capítulo, pressupõe a apreciação ao menos dinâmica de algumas das nuances sob as quais tal relação se apresenta no Direito pátrio. Nesse sentido, há que se mencionar algumas acepções importantes reputadas por alguns doutrinadores brasileiros.

Pode-se dizer que o conceito de filiação corresponde a uma situação relacional, uma vez que diz respeito à relação de parentesco estabelecida entre duas pessoas, uma das quais é considerada filha da outra (pai ou mãe). Ademais, denomina-se estado de filiação a qualificação jurídica dessa relação de parentesco, atribuída a alguém, a qual compreende um complexo eixo de direitos e deveres reciprocamente considerados. Em outras palavras, o filho é titular do estado de filiação; o pai e a mãe, em contrapartida, são titulares dos estados de paternidade e de maternidade em relação àquele. (CALMON, 2003, p. 337)

Filiação é a relação de parentesco que revela maior proximidade entre os sujeitos, haja vista o fato de todo ser humano possuir pai e mãe. Dessa forma, cabe registrar que até mesmo nos casos de inseminação artificial ou nas modalidades de fertilização assistida é imprescindível a participação de um progenitor, qual seja, o doador. Aliás, no que diz respeito a esse vínculo que liga pais e filhos, vale mencionar que a procriação é um fato natural e que a filiação é um fato jurídico a partir do qual emanam diversos efeitos. Conforme Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 275):

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Sob perspectiva ampla, a filiação compreende todas as relações, e respectivamente sua constituição, modificação e extinção, que têm como sujeitos os pais com relação aos filhos. Portanto, sob esse prisma, o direito de filiação abrange também o pátrio poder, atualmente denominado poder familiar, que os pais exercem em relação aos filhos menores, bem como os direitos protetivos e assistenciais em geral.

Roberto Senise Lisboa (2004, p. 306) entende que “filiação é a relação de parentesco existente entre o descendente e seu ascendente de primeiro grau. [...] vínculo constituído entre um sujeito e seus pais, pouco importando o meio de sua formação”.

No que concerne a esse vínculo mencionado por Lisboa, vale ressaltar que tal perspectiva pode apresentar-se sob duas formas principais, quais sejam, biológica ou natural e afetiva.

Quanto ao vínculo biológico ou natural, urge salientar que guarda estreita ligação com a procriação humana, pois é viabilizado por meio da fecundação. Esta, por sua vez, faz nascer um vínculo genético, o qual decorre, obviamente, de um fato absolutamente natural, tal qual ocorre com grande parte dos seres vivos.

Em relação ao vínculo afetivo, há que se frisar que pode coincidir ou não com o vínculo genético. Dito de outra forma, infere-se que o vínculo afetivo, muitas vezes, nasce a partir de um fenômeno social e não apenas natural. As relações de afeto entre pais e filhos não provêm, necessariamente, de um sistema fundado em filiação genética, até porque necessidades individuais podem determinar o nascimento de amor entre pais e filhos que não possuam elo biológico. Logo, da mesma forma que se cria um vínculo afetivo nas relações entre pais e filhos naturais, indivíduos que não tenham vínculo biológico podem suscitar sentimentos de amor e afeto recíprocos.

Nesse diapasão, citam-se os casos de adoção, os quais traduzem relações de incontestável gratificação nas vidas dos envolvidos. Há muitos casos em que o amor revelado por adotantes e adotados supera aquele oriundo do vínculo biológico. Além disso, o incentivo à disseminação do vínculo afetivo, em casos de filiação não biológica, possui o condão de atenuar um grande problema social brasileiro, o abandono de crianças.

No tocante à ideia de que a filiação não possui caráter estritamente biológico, Venosa (2006, p. 276) entende que tal instituto é:

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[...] destarte, um estado, o status familiae, tal como concebido pelo antigo direito. Todas as ações que visam seu reconhecimento, modificação ou negação são, portanto, ações de estado. O termo filiação exprime a relação entre o filho e seus pais, aqueles que geraram ou o adotaram. A adoção, sob novas vestes e para finalidades diversas, volta a ganhar a importância social que teve no Direito Romano.

Percebe-se, desse modo, que a relação entre pais e filhos não provém apenas da procriação ou do vínculo genético, mas também do vínculo afetivo, tal qual ocorre no instituto da adoção. Logo, verifica-se o cabimento irrefutável de outra modalidade de filiação, baseada em laços de afeto e amor, a socioafetiva.

Atualmente, o ato de ser pai ou mãe não representa apenas um vínculo genético com a criança, mas, acima de tudo, reporta-se àquela pessoa que cria, que ampara, que ouve, que dá educação, que dá amor, enfim, que propicia a conquista inexorável de dignidade. Consequentemente, o indivíduo que possibilita essa vida digna à criança é quem exerce, de fato, as funções de pai ou de mãe em atendimento ao princípio consagrado pelo artigo 227, caput e parágrafos, da Constituição Federal, qual seja, o melhor interesse da criança.

De acordo com o entendimento de Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2003, p. 456):

A despeito do princípio do melhor interesse da criança se localizar, na topografia constitucional, no artigo 227, caput e seus parágrafos, da Constituição de 1988, é fundamental considerá-lo no âmbito do planejamento familiar de forma conjugada com os outros dois princípios – da paternidade responsável e da dignidade da pessoa humana.

Acerca desses princípios, aliás, serão abordados, oportunamente, no item que tratar do direito à filiação positivado. Por ora, o importante é ter em mente que o instituto da filiação sempre deverá ser norteado pelos princípios que protegem e cuidam do melhor interesse da criança e do adolescente, que consagram a paternidade responsável e que, deveras, tutelam a dignidade da pessoa humana.

O conceito de filiação e sua definição no mundo jurídico evoluíram da filiação biológica, que sobrepujou durante anos as relações reais de afeto, para a atualmente preponderante filiação socioafetiva. Deve-se afastar qualquer possibilidade de avaliação de questões estritamente genéticas no que tange aos direitos da criança, haja

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vista, em muitos casos, o liame socioafetivo sobrepor, até mesmo, a filiação natural ou biológica.

Em se tratando da primazia do vínculo socioafetivo, Venosa (2006, p. 282-283) pondera:

[...] a cada passo, nessa seara, sempre deverá ser levado em conta o aspecto afetivo, qual seja, a paternidade emocional, denominada socioafetiva pela doutrina, que em muitas oportunidades, como nos demonstra a experiência de tantos casos vividos ou conhecidos por todos nós, sobrepuja a paternidade biológica ou genética. Por essas razões, o juiz de família deve sempre estar atento a esses fatores, valendo-se, sempre que possível, dos profissionais auxiliares, especialistas nessas áreas. O campo da mediação deve vir urgentemente em socorro do Judiciário, que não pode ser repositório permanente dessas questões.

Nota-se, de fato, que o Direito deve agir com o intuito de preservar o bem-estar da criança e do adolescente, a despeito de majorar a filiação socioafetiva, em detrimento da biológica. “[...] para benefício dos próprios envolvidos, deverá preponderar a paternidade afetiva e emocional e não a do vínculo genético”. (VENOSA, 2006, p. 286)

Durante muitos anos, fatores ideológicos, religiosos e históricos ensejaram a subordinação da filiação às relações matrimoniais e, por conseguinte, à verdade biológica. Todavia, em face da evolução do Direito e dos valores sociais, em conflitos nos quais figurarem em polos antagônicos a filiação genética e a filiação socioafetiva, prevalecerá, indubitavelmente, o melhor interesse da criança como legitimador da filiação e da paternidade.

Por fim, é importante registrar que o conceito de filiação, atualmente, encontra-se segregado em três liames principais: biológico, socioafetivo e jurídico. Quanto aos dois primeiros, já foram mencionadas de forma superficial nesta seção. No que diz respeito à filiação jurídica, assim como as demais, será tratada de forma substancial a seguir, com a classificação da filiação segundo a sua natureza.

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2.2 Classificação da filiação quanto à sua natureza

Na esfera doutrinária, o instituto da filiação admite inúmeros tipos de classificação, os quais variam de acordo com parâmetros determinados e específicos. As diversas modalidades de classificação têm o intuito de sistematizar a terminologia adotada no âmbito das relações entre pais e filhos, de modo que o eixo de referência é representado pela figura do filho. Para tanto, alguns critérios de suma importância são tradicionalmente utilizados na doutrina, na jurisprudência e na legislação.

Contudo é impreterível advertir que as classificações não podem, em hipótese alguma, denotar um tratamento discriminatório relativamente às variadas categorias de filiação. Tal postura é vedada pela Constituição Federal de 1988, no seu artigo 227, § 6º, que prevê a igualdade entre filhos. Segundo Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2003, p. 466):

A diferença entre os filhos decorre da própria distinção entre as pessoas e, logicamente que, com fundamento em determinados critérios, a espécie de filiação facilita a categorização e melhor compreensão de aspectos importantes relacionados ao instituto do Direito de Família. Repita-se, no entanto, que proceder à classificação não permite excluir qualquer filho dos direitos filiais e do tratamento social, jurídico e legal de forma a não discriminar odiosamente o tipo de filho com base em critérios neutros – vale dizer, não excludentes ou pejorativos.

Tendo em vista o objetivo precípuo de não praticar injustiças em relação às espécies de filiação, a antiga classificação consagrada pelo Código Civil de 1916 que dividia os filhos em legítimos, legitimados, ilegítimos (naturais e espúrios) não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

Entre as outras modalidades de classificação, estão aquelas que fragmentam a filiação em matrimonial ou extramatrimonial, resultante de procriação ou de procriação assistida, natural ou civil e, por fim, jurídica (relacionada à ficção jurídica criada na lei), biológica (vinculada à verdade biológica) ou afetiva (pertinente à verdade socioafetiva que, em determinadas hipóteses, prevalece sobre as duas anteriores). Esta última, que corresponde à natureza da filiação, cumpre ressaltar, será objeto de análise a seguir. Quanto às demais classificações, por ora, não serão alvo de estudo aprofundado.

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2.2.1 Filiação jurídica

A filiação jurídica ou legal corresponde àquela arquitetada pelo Código Civil na esfera da filiação matrimonial sob a nuance paterna, de modo a ensejar intensa priorização da base única do casamento. A importância absoluta conferida ao casamento pelo Código Civil de 1916 fez emergir a ficção de que era “impossível que o filho de mulher casada tivesse outro pai que não o marido” (GAMA, 2003, p. 481).

Em função da valorização extrema do instituto do matrimônio, a filiação jurídica diz respeito à ideia de imposição da relação de paternidade-filiação independentemente do fator biológico. Em outras palavras, pode-se dizer que questões relativas à filiação biológica eram simplesmente desprezadas, a fim de manter o primado da filiação jurídica e, consequentemente, permitir que o casamento suplantasse outras formas de relacionamentos.

A eminência dispensada ao casamento era tão incisiva e inexorável que, mesmo que se constatasse a ausência de pertinência biológica entre o homem e a criança, a lei impunha a filiação jurídica e ratificava sua superioridade perante as demais formas de filiação. Ademais, quanto às ressalvas à prevalência da filiação jurídica, obedeciam a prazos limitados e sempre visavam ao resguardo apenas dos interesses do homem na função de marido, de modo a relegar à criança gerada e nascida posição de somenos importância. O homem figurava como eixo central da relação paternidade-filiação. (GAMA, 2003, p. 481)

Conforme entendimento de Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2003, p. 481, grifo do autor), “o grande argumento para a filiação legal era o resguardo à paz doméstica que de nenhum modo poderia ser abalada pelo ingresso de um bastardo, o que levava o marido a muitas vezes receber como seu, independentemente da certeza biológica”. Nesse mesmo sentido, Belmiro Pedro Welter (2003, p. 102) entende:

O Código Civil de 1916, ao recepcionar a presunção da paternidade, não esteve comprometido com a verdade biológica ou sociológica da filiação, mas, sim, com dois objetivos sociais: o primeiro, de preservar a família formada pelo casamento; o segundo, assegurar ao filho nascido na constância do casamento o estado de filho legítimo.

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Observa-se que o Código Civil, na época, por força de valores culturais e jurídicos vigentes, ignorava a verdade acerca dos fatos com o único escopo de fazer perdurar a instituição do matrimônio. Para Guilherme Calmon (2003, p. 481), esses valores encontravam-se tão arraigados, que:

[...] caso a mulher casada que tivesse a criança – diante do parto – não a registrasse em seu nome – no caso dos partos em casa, sem notificação a respeito do nascimento –, o Código proibia a investigação de maternidade, nos temos do artigo 364, como também à atribuição de filiação incestuosa à mulher solteira.

Em síntese, depreende-se que a filiação jurídica, deveras, gozava de prerrogativas em relação à filiação biológica. Esta, definitivamente, foi quase ignorada pelo legislador do Código Civil de 1916. Igualmente, nos casos em que foi reputada pela lei, apenas possuía o condão de proteger os interesses do homem e jamais da criança.

2.2.2 Filiação biológica

Denomina-se filiação biológica, natural ou consanguínea aquela relação de parentesco existente entre pais e filhos, como consequência da procriação, de modo a se vislumbrar o estado de filho. Ademais, é necessária a identificação do vínculo natural ou consanguíneo entre os filhos e seus progenitores. (GAMA, 2003, p. 481)

A filiação natural encontra fundamento no vínculo de sangue, genético ou biológico. Sob o prisma da paternidade, a filiação biológica ocupava, no Código Civil de 1916, posição hierarquicamente inferior à filiação jurídica. Tal espécie de filiação é “resultante do reconhecimento jurídico de que o fato natural é fonte imediata do vínculo jurídico de filiação, como é o caso da relação sexual com a concepção relativamente ao homem e a mulher” (GAMA, 2003, p. 481).

Nessa linha de raciocínio, até mesmo os filhos concebidos fora da esfera do matrimônio por pessoas que não manifestassem qualquer tipo de impedimento para o

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casamento teriam pleno direito ao reconhecimento da filiação biológica por seus respectivos pais. Tal prerrogativa foi, gradativamente, estendida a outros filhos até a promulgação da Constituição Federal de 1988. A partir dessa nova ordem constitucional, vale registrar, passou a ser permitida qualquer forma de reconhecimento de filiação nos casos em que o filho carecesse de paternidade ou maternidade formalmente estabelecidas.

Ao mesmo tempo em que a Constituição Federal de 1988 revolucionou o instituto da filiação sob a ótica paterna, no que diz respeito à nuance materna, quebrou o paradigma suscitado pelo artigo 364 do Código Civil de 1916. Este é o entendimento de Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2003, p. 481):

[...] a respeito da filiação sob o prisma da linha materna, a Constituição de 1988 impediu a continuidade das restrições anteriormente existentes a relativamente ao estabelecimento da filiação, daí o motivo de não ter sido recepcionado o artigo 364, do Código de 1916.

O advento da Constituição Federal de 1988 alterou substancialmente as relações jurídicas entre pais e filhos, as quais obedeciam, sobremaneira, à lógica da filiação jurídica, a qual era baseada na valorização extrema do casamento em detrimento da proteção aos interesses da criança. A extrema importância conferida ao casamento foi tolhida pelo direito do filho de conhecer sua verdade biológica e não somente sua verdade juridicamente estabelecida. Tanto que, conforme entendimento de Guilherme Calmon (2003, p. 482):

[...] a filiação biológica ganhou bastante importância com o texto constitucional de 1988 não apenas no sentimento de retirar qualquer restrição ou limitação para seu estabelecimento quanto às pessoas que não tinham filiação definida formalmente, mas também de permitir que os filhos matrimoniais passassem a ter condições de impugnar a matrimonialidade de sua filiação e, desse modo, apurar a filiação biológica.

No que diz respeito à perda da superioridade anteriormente desfrutada pela filiação jurídica, é possível inferir que, em contrapartida, houve uma certa biologização da filiação. Não se pode deixar de registrar que essa mudança de paradigma, de fato, atendeu aos anseios daqueles que aguardavam veementemente o conhecimento efetivo de sua identidade genética. Igualmente, a Constituição de 1988, além de

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flexibilizar a quase absoluta presunção de paternidade e maternidade propiciada pelo casamento, consagrou outras formas de relacionamentos não matrimoniais – a união estável, por exemplo.

Por derradeiro, a partir da Constituição Federal de 1988, não só a filiação biológica logrou força, mas também a filiação denominada socioafetiva. Apesar de juristas biologistas oporem considerável resistência à filiação socioafetiva, não se pode negar que esta adquire, paulatinamente, cada vez mais adeptos. No próximo item, proceder-se-á ao estudo detalhado dessa espécie de filiação que, atualmente, em muitos casos, pode sobrepor a filiação biológica.

2.2.3 Filiação socioafetiva

A filiação socioafetiva corresponde a uma relação jurídica de afeto entre os pais e o filho ou entre este e apenas um deles. Socioafetiva é aquela relação baseada, genuinamente, no amor incondicional que une seres humanos e independe de fatores biológicos. (GAMA, 2003, p. 482)

A doutrina moderna tem considerado pacífica a tese de que a filiação não se estabelece apenas em função do vínculo biológico, mas também em face do elo socioafetivo que aproxima filhos não biológicos de seus pais afetivos. (GAMA, 2003, p. 482)

A importância do tipo de filiação variará conforme a coadunação dos princípios constitucionais do melhor interesse da criança, da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável.

Quanto à posição ocupada pela filiação socioafetiva no ordenamento jurídico brasileiro, Guilherme Calmon (2003, p. 482) pondera:

[...] a filiação afetiva, fundamentalmente, somente era concebida no âmbito da adoção e, em alguns casos limitados, à posse de estado de filho. Trata-se do vínculo que decorre da relação socioafetiva constatada entre filho e pais – ou entre o filho e apenas um deles –, tendo como fundamento o afeto, o sentimento existente entre eles [...].

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Nem sempre o melhor pai (ou a melhor mãe) é aquele que contribui geneticamente para o nascimento do filho. Em outras palavras, um pai (ou mãe) socioafetivo, em muitos casos, pode desempenhar melhor a função de pai (ou mãe) do que aquele cujo material biológico permitiu que a criança viesse ao mundo.

A verdadeira paternidade – e, por conseguinte, a filiação – é determinada em função de um ato de vontade ou de um desejo (GAMA, 2003, p. 482). Portanto, ser pai verdadeiramente não depende apenas de fatores puramente genéticos, de modo a transcender a lógica estritamente biologista. Obviamente, o pai biológico, na maioria dos casos, é aquele mesmo que demonstra vontade ou desejo de ter um filho, amá-lo e dar afeto, mas tal perspectiva não configura uma regra.

O ordenamento jurídico brasileiro tem consagrado a filiação socioafetiva nos casos em que o melhor interesse da criança for atendido:

No direito brasileiro, com base na noção do melhor interesse da criança, tem-se considerado a prevalência do critério socioafetivo para fins de se assegurar a primazia da tutela à pessoa dos filhos, no resguardo dos seus direitos fundamentais, notadamente o direito à convivência familiar. (GAMA, 2003, p. 483)

Novamente, emerge a máxima de que, em se tratando de relações entre pais e filhos, a melhor solução será aquela que priorizar o melhor interesse da criança e a dignidade da pessoa humana. O futuro da criança, dessa maneira, não pode depender somente de questões rigorosamente formais. O amor e o afeto devem pautar as decisões no âmbito do Direito de Família.

No tocante às espécies, de acordo com Belmiro Pedro Welter (2003, p. 148), a filiação socioafetiva divide-se em afetiva na adoção, sociológica do filho de criação, eudemonista no reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade ou maternidade e socioafetiva na adoção à brasileira.

A adoção representa um ato de vontade e também um ato jurídico, de modo que é estabelecida por meio de um contrato (vontade do interessado) e de um julgamento (ato de vontade do juiz). (WELTER, 2003, p. 148)

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O filho de criação é aquele que os pais criam por mera opção e a quem dispensam amor e afeto. Vale frisar que não há vínculo biológico ou jurídico, basta que se configure uma relação de amor típica de pais e filhos. (WELTER, 2003, p. 149)

Quanto à filiação eudemonista no reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade ou maternidade, cabe salientar que é criado um estado de filho afetivo que independe de fatores biológicos. O pressuposto é comparecer a um Cartório de Registro Civil e formalizar a paternidade ou maternidade. (WELTER, 2003, p. 149-150)

Enfim, a adoção à brasileira diz respeito à conhecida prática de reconhecer a paternidade ou a maternidade biológica, embora não o seja. Tal conduta é tipificada como crime, conforme o artigo 299, parágrafo único, do Código Penal. (WELTER, 2003, p. 150-151)

Em tempo, é imprescindível a noção de que o operador do direito – legislador, jurista, juiz, advogado – não pode manter-se inerte perante a evolução dos conceitos e a quebra de paradigmas determinadas pelo progresso da sociedade e das relações socioafetivas. Vislumbra-se, claramente, a importância de propiciar a flexibilidade da teoria biologista e a consequente apologia às relações socioafetivas.

2.3 O direito à filiação positivado

O advento da Constituição Federal de 1988 representou um divisor de águas no âmbito do Direito de Família brasileiro. Não apenas o instituto do casamento foi afetado pelos preceitos estabelecidos pela referida Carta Magna, mas, principalmente – no que toca ao presente trabalho –, a matéria relacionada ao direito de filiação.

Anteriormente à Constituição, o tratamento dispensado aos filhos variava conforme a necessidade de manter os laços do matrimônio, tanto que os filhos provenientes da relação entre os cônjuges possuíam inúmeras prerrogativas em comparação com os demais. (WELTER, 2003, p. 65)

O ordenamento jurídico brasileiro, em se tratando do direito de filiação, tinha como parâmetro a figura do pai, de forma a desconsiderar os interesses da criança ou adolescente. Acerca dos óbices oferecidos durante anos ao reconhecimento da

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paternidade do filho havido fora do casamento, de acordo com Belmiro Pedro Welter (2003, p. 65), “a doutrina é praticamente unânime ao afirmar que a resistência ocorreu porque as pessoas portadoras de certo patrimônio financeiro e econômico ou influência social pensavam que representaria grave instrumento de chantagem”.

O Código Civil discriminava expressamente os filhos concebidos em relações não matrimoniais e tal contexto perdurou por muitos anos, com fundamento na filiação denominada jurídica, ou seja, com presunção de que filhos concebidos na constância do casamento eram, de fato, biologicamente provenientes dos respectivos cônjuges.

Destarte, a fim de fazer um estudo consistente acerca do direito de filiação no Brasil, é necessário dividir a análise em dois momentos cruciais: o período anterior à Constituição de 1988 – marcado por extrema discriminação aos filhos oriundos de relações não matrimoniais – e o subsequente à promulgação da Lei Maior, que rompeu com o paradigma da filiação jurídica e lançou no sistema jurídico brasileiro a valorização, além da filiação biológica, do laço socioafetivo que une genuinamente pais e filhos sem vínculo genético.

2.3.1 O direito de filiação anterior à Constituição Federal de 1988

No período anterior à Constituição Federal de 1988 – como já foi assinalado no item precedente – vigorou a lógica de proteção quase ilimitada ao casamento sob a ótica da paternidade.

Nesse sentido, a despeito de a Constituição Imperial de 1824 ter consagrado o princípio da igualdade de todos perante a lei e a consequente abolição de distinção entre filhos legítimos e ilegítimos – o que representou um grande progresso na época – quase um século depois, o Código Civil de 1916, posterior à primeira Constituição Republicana no Brasil, em 1891, foi responsável por extremo retrocesso no que diz respeito ao direito de filiação no ordenamento jurídico brasileiro. Isto porque tal diploma legal procedeu à discriminação dos filhos ilegítimos, com a vedação do direito ao reconhecimento de paternidade. Ademais, os filhos denominados espúrios, em virtude

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da máxima proteção à família e ao casamento, foram abandonados em total desamparo. (WELTER, 2003, p. 66)

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1937, pode-se inferir que o rigor previsto pelo Código Civil de 1916 em relação aos filhos chamados ilegítimos foi atenuado, uma vez que surgiu o dispositivo legal que possibilitou o reconhecimento de filho ilegítimo natural. (WELTER, 2003, p. 66)

No que toca à situação jurídica dos filhos no período anterior à Constituição Federal de 1988, cumpre salientar que eram classificados, conforme o Código Civil de 1916, em legítimos, legitimados, ilegítimos e adotados.

Relativamente aos filhos legítimos, cabe dizer que eram aqueles concebidos durante o casamento, ainda que este fosse anulado ou nulo. Nessa linha de pensamento, Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 277) entende:

A filiação legítima tinha por base o casamento dos pais quando da concepção. A fonte da legitimidade era o casamento válido ou o casamento putativo. Nesse sentido, o art. 337 do antigo Código dispunha que eram legítimos os filhos concebidos na constância do casamento, ainda que anulado, ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé.

Percebe-se que o instituto do matrimônio gozava, de fato, de muito prestígio perante o legislador de 1916, tanto que, no caso de o casamento ser considerado putativo, a filiação, consequentemente, seria legítima.

Em se tratando dos filhos legitimados, estes representavam os concebidos pelos cônjuges em momento anterior ao casamento e equiparados, a partir das núpcias, aos filhos legítimos. Logo, a ocorrência da legitimação pressupunha o matrimônio posterior dos respectivos pais e beneficiava apenas aos filhos ilegítimos naturais. (WELTER, 2003, p. 67)

Quanto aos filhos ilegítimos – os nascidos de pessoas não casadas ou provindos de casamento nulo, não putativo – subdividem-se em dois grupos, os naturais e os espúrios.

Os filhos naturais eram aqueles que poderiam ser legitimados posteriormente, caso os pais contraíssem núpcias, pois, quando da concepção, não havia impedimento para que eles se casassem, ou seja, eram solteiros.

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Por outro lado, os filhos espúrios eram os nascidos de indivíduos impedidos para o casamento na época da concepção. Entre os espúrios, estavam os filhos adulterinos e os incestuosos.

Filhos adulterinos caracterizavam-se por pais que, no período da procriação, eram impedidos de se casar, pois ambos (ou apenas um deles) já eram casados. Em outras palavras, filhos adulterinos eram os havidos em relações extraconjugais. Conforme os legisladores, a prole resultante de relação adulterina teria conotação ilegítima perante a lei e a sociedade.

Em relação aos filhos incestuosos, eram aqueles cujos pais possuíam vinculo consanguíneo em grau impeditivo de seu consórcio matrimonial. Em sua maioria, os filhos incestuosos eram oriundos de relações entre irmãos.

Por derradeiro, adotivos correspondiam aos que, por força de lei, passavam a ser considerados filhos de pessoas que não eram os seus progenitores. No entendimento de Antônio Rubião Silva Júnior (1997, p. 57), os adotados representariam os filhos que, “embora não sendo gerados pelos adotantes, adquirem, por concessão de lei, a condição de filho legítimo, para determinados efeitos legais”.

Em tempo, uma vez conhecida a situação jurídica dos filhos antes da Constituição de 1988, urge mencionar que a classificação supracitada – legítimos, legitimados, ilegítimos e adotivos – não foi recepcionada pela Lei Maior do ordenamento jurídico brasileiro, razão pela qual sua subsistência obedece a critérios puramente didáticos.

Destarte, com fulcro nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança, inferir-se-á – a partir do tópico subsequente – que houve uma verdadeira constitucionalização do Direito de Família brasileiro, principalmente, no que toca à igualdade entre os filhos havidos ou não do casamento e à valorização das relações socioafetivas. (GAMA, 2003, p. 381)

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2.3.2 O direito de filiação subsequente à Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988 – denominada Constituição Cidadã – promoveu uma quebra de paradigma no que diz respeito à perfilhação no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que o melhor interesse da criança e do adolescente e a dignidade da pessoa humana tomaram o lugar de excelência que o instituto do casamento ocupava no Direito de Família pátrio.

Primeiramente, cabe destacar que a antiga classificação dos filhos em legítimos, legitimados, ilegítimos e adotivos foi peremptoriamente abolida pelo texto constitucional. Eis as palavras de Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 276) sobre o tema:

A Constituição de 1988 culminou por vedar qualquer qualificação relativa à filiação. Desse modo, a terminologia do Código, filiação legítima, ilegítima e adotiva, de vital importância para o conhecimento do fenômeno, passa a ter conotação e compreensão didática e textual e não mais essencialmente jurídica.

De acordo com o artigo 227, § 6º da Constituição Federal de 1988, “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. O Código Civil de 2002, por meio do artigo 1596, corroborou tal princípio e consagrou o dispositivo constitucional com igual redação. Para Maria Helena Diniz (2003, p. 1087),

Com base nesse princípio, não se faz distinção entre filho matrimonial, não matrimonial ou adotivo, quanto ao poder familiar, nome e sucessão. Permite-se o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento e proíbe-se que se revele no assento de nascimento a „ilegitimidade‟ ou „espuriedade‟.

Cumpre mencionar que a terminologia anteriormente adotada pelo Código Civil de 1916 foi abolida em função do princípio da igualdade previsto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”

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Nesse sentido, a promulgação da Constituição Federal de 1988 suscitou a constitucionalização do Direito Civil contemporâneo: “[...] o Direito Civil contemporâneo é constitucionalizado, com forte carga solidarista e despatrimonializante, atribuindo-se maior valor à pessoa humana – o ser – do que ao seu patrimônio – o ter” (GAMA, 2003, p. 381).

Após a Constituição Federal de 1988, a Lei 7841/89 revogou o artigo 358 do Código Civil de 1916, que impedia o reconhecimento de filhos incestuosos e adulterinos. Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90, promoveu mudanças extraordinárias no âmbito do direito de filiação, reforçou a proteção e a tutela do Estado – por meio do princípio da proteção integral – e conferiu à criança e ao adolescente amplo direito à paternidade, haja vista tratar-se de direito personalíssimo, indisponível e imprescritível. A Lei 8560/92 permitiu “o reconhecimento do filho, dentro ou fora do casamento ou da união estável, por meio de escrito particular, a ser arquivado em cartório; ou por manifestação expressa e direta perante qualquer Juiz de Direito” (WELTER, 2003, p. 69).

O Código Civil de 2002, além de corroborar o artigo 227, § 6º da Constituição Federal de 1988, suscitou outras inovações no âmbito do direito de perfilhação. O artigo 1609 dispõe que “o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável [...]” e o artigo 1597, em relação ao artigo 338 do Código Civil de 1916, acrescentou três incisos que tratam de possibilidades de técnicas de reprodução assistida. Nota-se que o Código Civil de 2002 não desprezou a evolução da ciência e, com o intuito de observar a lógica do princípio de que todos são iguais perante a lei, dispôs sobre fecundação artificial homóloga e inseminação artificial heteróloga.

Haja vista os princípios da igualdade de todos perante a lei, da dignidade da pessoa humana, do melhor interesse da criança e da paternidade responsável (não basta ser pai biológico, é preciso desejar ser pai ou ter um filho), é importante coadunar esses pressupostos com a ideia de que a entidade familiar deve ser compreendida não como unidade de origem estritamente biológica, mas, além disso, uma verdadeira unidade afetiva e cultural. Dessa forma, convém citar a conclusão de Belmiro Pedro Welter (2003, p. 69):

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Com efeito, dentro dessa proteção integral à filiação, podem ser lançados alguns indicadores para afastar o pré-juízo, o pré-conceito do jurista, como a outorga de maior importância emocional da paternidade na formação dos filhos, a contar da concepção e, sobretudo, do início da vida, preponderando o interesse da criança e do adolescente, inclusive sobre os direitos dos pais.

Imprescindível, dessa forma, é considerar o bem-estar dos filhos, de modo a permitir um desenvolvimento emocional saudável, com amplo acesso aos direitos disponibilizados pelo Estado. Não se pode presumir que à criança importa, inexoravelmente, qual sua origem genética, pois é sobremaneira mais vantajoso e benéfico que o filho viva em companhia de quem lhe proporciona afeto e amor incondicional, não obstante, muitas vezes, a pessoa do pai socioafetivo não coincidir com a figura do pai biológico.

Quanto aos filhos oriundos de relações não matrimoniais, em que pese a Constituição Federal de 1988 garantir os mesmos direitos dos filhos matrimoniais, a sociedade, de um modo geral, ainda marginaliza e despreza aqueles que não sejam concebidos na constância de um casamento. Dessa forma, cabe ao Direito disponibilizar instrumentos legais para que o filho nascido fora do casamento obtenha êxito quanto ao alcance dos mesmos direitos do filho matrimonial.

Nesse contexto, o filho não matrimonial tem todos os direitos pertinentes ao reconhecimento de paternidade, seja voluntário ou judicial, de modo a ser facultada a qualquer filho a propositura de ação contra os pais ou contra seus herdeiros para demandar a filiação. Aliás, no que concerne ao tema reconhecimento de paternidade, cabe ressaltar que será objeto do próximo item deste trabalho.

2.4 Modos de reconhecimento da filiação paterna

Nos casos em que os filhos não são concebidos na constância do casamento – filhos extramatrimoniais – não se configura a presunção de paternidade. Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 301):

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[...] apesar da igualdade de direitos estabelecida em lei, os filhos havidos fora do casamento não gozam da presunção de paternidade outorgada aos filhos de pais casados entre si. Por uma questão de lógica e equilíbrio do sistema, não poderia ser de outra forma.

Em decorrência da ausência de presunção de paternidade, os filhos havidos fora do casamento necessitam de reconhecimento, o qual, cumpre salientar, pode resultar de ato de vontade dos pais (reconhecimento voluntário) ou de ato coativo proveniente de decisão judicial (reconhecimento judicial). Repita-se, mais uma vez, que “não há como presumir legalmente a paternidade se não há casamento dos pais” (VENOSA, 2006, p. 301).

De acordo com Regina Beatriz Tavares da Silva (2002, p. 1421), no que tange ao tema do reconhecimento de paternidade, denomina-se voluntário aquele que:

[...] ocorre no registro de nascimento, por escritura pública ou escrito particular, por testamento, ainda que incidentalmente manifestado, e por manifestação expressa e direta perante o juiz, mesmo que o reconhecimento não tenha sido o objeto único e principal do ato que o contém.

No que diz respeito ao reconhecimento judicial ou forçado, vale destacar que surge em virtude da ausência do reconhecimento voluntário, por intermédio das respectivas ações de paternidade ou de maternidade.

Depreende-se, por conseguinte, que os filhos anteriormente chamados de ilegítimos possuem todos os direitos relativos à filiação, sem qualquer restrição no ordenamento jurídico pátrio. Basta, para tanto, que sejam reconhecidos voluntariamente por seus pais ou que, alternativamente, procedam à ação de investigação de paternidade ou de maternidade.

No Código Civil de 2002, o legislador consagrou as duas espécies de reconhecimento de paternidade – voluntário e judicial –, as quais estão dispostas, respectivamente, nos artigos 1609 e 1606 do referido diploma legal. A partir do próximo item, proceder-se-á à análise dessas formas de reconhecimento de paternidade dos filhos não matrimoniais.

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2.4.1 Reconhecimento voluntário

Reconhecimento voluntário de paternidade é aquele que, na realidade, configura uma confissão voluntária do pai, na qual declara ser seu filho determinada pessoa. Em outras palavras, “o reconhecimento é espontâneo quando alguém, por meio de ato e manifestação solene e válida, declara que determinada pessoa é seu filho” (VENOSA, 2006, p. 305).

No período anterior à Constituição Federal de 1988, os filhos havidos de relações adulterinas ou incestuosas possuíam limitações quanto ao direito de ter sua paternidade reconhecida de forma voluntária. Entretanto o já citado artigo 227, § 6º, da Carta Magna afastou qualquer possibilidade de discriminação no que diz respeito à origem da filiação, ou seja, decorrente do matrimônio ou não.

Com o fim de seguir o intuito igualitário da norma constitucional, a Lei 8560/92, em seu artigo 1º, dispôs sobre a investigação de paternidade dos filhos concebidos fora do casamento, de modo a derrogar os preceitos estabelecidos pelo Código Civil de 1916 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Dessa forma, a referida lei passou a regular inteiramente a matéria sobre reconhecimento voluntário no ordenamento jurídico brasileiro.

O Código Civil de 2002, no artigo 1609, manteve integralmente a redação do artigo 1º da Lei 8560/92 e corroborou a tese de que filhos havidos ou não de relação matrimonial possuem os mesmos direitos, sem qualquer tipo de discriminação.

Art. 1609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:

I – por registro do nascimento;

II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;

IV – por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.

As modalidades de reconhecimento do artigo 1609, embora sua utilidade mais frequente seja direcionada para o pai, referem-se tanto à paternidade como à

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maternidade. A diferença é que esta última é identificada de forma mais cabal e perceptível, haja vista a evidência e a materialidade da gravidez e do parto. Entretanto, de acordo com Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 306):

[...] pode ocorrer ausência de indicação do nome da mãe no registro nos casos de recém-nascidos abandonados ou expostos, por exemplo. Por essa razão, como regra, o nome da mãe constará do registro. Daí dizer-se que a maternidade é um fato; a paternidade, uma presunção. Nada impede, porém, se houver necessidade, que ocorra o reconhecimento da maternidade, nos mesmos moldes do reconhecimento de paternidade.

Apenas aos pais (ou a só um deles) é conferida a legitimidade para o reconhecimento voluntário, pois se trata de direito personalíssimo. Os sujeitos ativos do reconhecimento espontâneo devem ter plena capacidade ou, nos casos de maiores de dezesseis anos e menores de dezoito, capacidade relativa. Ademais, o reconhecimento denota ato unilateral, uma vez que a simples manifestação de vontade do declarante, por si só, é capaz de gerar efeitos. (VENOSA, 2006, p. 307)

Quanto à necessidade de concordância do sujeito passivo, o filho a ser reconhecido, verifica-se tal possibilidade apenas quando este for maior de idade, conforme o artigo 1614 do Código Civil de 2002. Já no que diz respeito à irrevogabilidade, tal preceito decorre da eficácia retroativa e da constitutividade do ato.

O inciso I do artigo 1609 prevê a modalidade de reconhecimento no registro de nascimento, o qual pode ser feito por ambos os pais, conjuntamente, ou por qualquer um deles. No caso de apenas a maternidade ser declarada e com menção ao nome do pai, a Lei 8560/92 prevê a abertura de um procedimento de averiguação oficiosa para o pretenso pai pronunciar-se no prazo de trinta dias. Se houver silêncio ou oposição, “o juiz pode iniciar diligência sumária, remetendo os autos ao Ministério Público, que terá legitimidade para propor ação investigatória, sem prejuízo da ação por quem tenha legítimo interesse” (VENOSA, 2006, p. 308).

Outra forma de reconhecimento voluntário implementa-se por meio de escritura pública ou escrito particular, conforme dispõe o inciso II do artigo supramencionado. A formalização da paternidade em escritura pública é irretratável, todavia não se exige que esta tenha o fim único de perfilhação, ou seja, o “reconhecimento pode ser incidente em qualquer ato notarial idôneo, como, por exemplo, em uma escritura de

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doação. O que se requer é que a declaração seja explícita e inequívoca” (VENOSA, 2006, p. 309). No que toca ao escrito particular, cabe salientar que deve haver um expresso reconhecimento. Este pode ser representado por uma simples declaração, por exemplo, desde que tenha a finalidade precípua de perfilhação.

No que toca à modalidade de reconhecimento por testamento, inciso III, é admitida qualquer uma das formas testamentárias previstas em lei. Além disso, não é imprescindível que o testamento tenha o fim exclusivo de perfilhação, de modo que esse ato de última vontade pode conter outras disposições. (VENOSA, 2006, p. 308)

O inciso IV dispõe sobre o reconhecimento voluntário perante um juiz. A manifestação de paternidade, reduzida a termo, independentemente do procedimento, implica um documento público, haja vista sua natureza. Ademais, equivale á escritura pública, uma vez que realizada diante de quem tem fé pública.

Por fim, não se pode olvidar que o reconhecimento de paternidade, segundo prescreve o parágrafo único, artigo 1609, pode anteceder o nascimento, se o filho já estiver concebido e ocorrer após sua morte, se deixar descendentes. O reconhecimento do filho já concebido encontra fundamento no preceito de que a personalidade começa com o nascimento. No que se refere ao reconhecimento póstumo, cumpre registrar que “redundará em exclusivo benefício para os descendentes reconhecidos” (VENOSA, 2006, p. 307), tendo em vista que o pai não poderá usufruir direito hereditário do filho que foi objeto de reconhecimento póstumo.

2.4.2 Reconhecimento judicial

O reconhecimento judicial de paternidade ocorre nos casos em que a filiação não é efetivada de forma voluntária ou administrativa. Tal reconhecimento é viabilizado por ação de investigação de paternidade ou, como preferiu o Código Civil de 2002, em seu artigo 1606, “ação de prova de filiação”:

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Art. 1606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.

Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo.

A denominação de “ação de prova de filiação” traduz-se numa tentativa de afastar o termo investigação, o qual é relacionado mais ao âmbito do Direito Penal. De acordo com Fernando Simas Filho (2005, p. 49), não parece adequada tal denominação:

porque a expressão „prova de filiação‟ subentende o binômio maternidade/paternidade, uma vez que, para existir o „filho‟, é necessário que o mesmo tenha mãe e pai! Ora, o Código está a referir-se à investigação de paternidade, e o que se vê nos tribunais, são processos literalmente investigatórios, de paternidade, onde o autor, apresenta o nome da mãe na certidão de nascimento e investiga sobre se o requerido pode ou não ser o seu pai!

A paternidade declarada por meio de reconhecimento judicial, mesmo contra a vontade do pai, designa-se como paternidade forçada. Tal declaração, aliás, tem efeito retroativo e sua eficácia diz respeito tanto àqueles que participaram do ato de reconhecimento como a terceiros, pois “ninguém pode ser filho com relação a uns e não filho com relação a outros” (VENOSA, 2006, p. 324).

Ação de investigação de paternidade é aquela que assiste aos filhos contra os pais e seus herdeiros, com o intuito de exigir-lhes o reconhecimento de filiação. Por tratar-se de ação de estado, infere-se sua inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade. Conforme o artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o reconhecimento do estado de filiação pode ser exercido contra os pais e seus respectivos herdeiros, sem qualquer tipo de restrição.

As limitações decorrentes do artigo 363, do Código Civil de 1916 não mais vigoram no ordenamento jurídico atual, uma vez que até mesmo filhos oriundos de relações extraconjugais são alcançados pelo direito à ação de investigação de paternidade. Os requisitos anteriormente exigidos pelo referido artigo – concubinato, rapto, relações sexuais, início de prova escrita – não mais subsistem, porque a prova de paternidade é ampla e irrestrita. Nesse sentido, Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 319) dispõe:

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Toda matéria jurídica criada pelo legislador do passado perde terreno hoje perante a Biologia Genética, que permite apontar a paternidade com mínima margem de erro. Desse modo, os princípios tradicionais, concubinato, rapto, relações sexuais, início de prova escrita, devem ser vistos atualmente não mais como numerus clausus, mas como elementos subsidiários e somente devem ser utilizados isolada ou conjuntamente quando se torna impossível, falível ou incerta a perícia genética.

Ademais, o artigo 1607 do Código Civil de 2002 prevê que “o filho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente” e tal dispositivo também desconsidera as exigências do citado artigo 363 do Código Civil de 1916.

A legitimidade para intentar ação de investigação de paternidade cabe ao filho e ao Ministério Público. Ademais, o nascituro também pode demandar a paternidade, como autoriza o já mencionado artigo 1609 do Código Civil. Em se tratando da legitimação extraordinária concedida ao Ministério Público, cabe frisar – como visto anteriormente – que decorre de dispositivo da Lei 8560/92, no que se refere ao procedimento de averiguação inoficiosa, quando o pai indicado pela mãe no registro de nascimento do filho não responde à notificação no prazo de trinta dias ou não nega a paternidade.

Acerca dessa atuação do Ministério Público, Fernando Simas Filho (2005, p. 50) considera:

Até o mês de dezembro de 1992, para o nosso Direito, a ação era de caráter privado. A partir porém da promulgação da Lei 8560, de 29.12.1992, a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do matrimônio tornou-se de interesse público.

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No que diz respeito à imprescritibilidade da investigação de paternidade, as pretensões de origem material, as quais são afetadas pelo instituto da prescrição, não prejudicam o direito ilimitado à propositura da referida ação. Em outras palavras, “ainda que prescrita a ação de petição de herança, o filho poderá sempre propor a investigação de paternidade, mas não terá direito à herança” (VENOSA, 2006, p. 317).

Em tempo, uma vez feitas considerações gerais sobre a ação de investigação de paternidade, cabe, neste momento, registrar a importância que as provas processuais exercem no que diz respeito à satisfação do direito que cada ser humano possui de ter

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a filiação reconhecida. Aliás, se a Constituição Federal de 1988 prevê que todos são iguais perante lei, obviamente, infere-se que todo indivíduo deverá possuir acesso irrestrito à sua identidade genética.

Com base no exposto, a partir do próximo capítulo, estudar-se-ão os tipos de provas legalmente admitidos em processos de investigação de paternidade, a fim de que se chegue a um consenso sobre a melhor forma de identificar a verdade dos fatos e assegurar o direito imprescritível, personalíssimo e inalienável ao reconhecimento da filiação e à consequente e já mencionada identidade genética.

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3 A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

3.1 Considerações iniciais acerca da ação de investigação de paternidade

A ação de investigação de paternidade – bem como assinalado no capítulo anterior – é o instrumento por meio do qual se viabiliza o reconhecimento judicial do filho não havido na constância do casamento e que, ademais, não tenha sido reconhecido de forma voluntária. Com a interposição da referida ação, pretende-se “a declaração judicial ou coativa de paternidade” (VENOSA, 2006, p. 268).

Vislumbra-se o cabimento da ação de investigação de paternidade, de acordo com ensinamento de Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 269), para “os filhos contra os pais ou seus herdeiros, para demandar-lhes o reconhecimento de filiação”. Nesse sentido, o artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que “o reconhecimento do estado de filiação é personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça”.

No que diz respeito ao fato de a investigação de paternidade ser ação de estado, Caio Mario da Silva Pereira (1996, p. 51) entende que “o estado da pessoa é seu modo particular de existir, sua condição individual na sociedade, da qual derivam direitos e obrigações”.

O estado de uma pessoa pode ser individual, familiar e político. O primeiro corresponde ao modo de ser da pessoa, sob o aspecto de sua constituição orgânica. Quanto ao familiar, refere-se à posição ocupada pela pessoa no seio da família. Por fim, o político é pertinente à qualidade jurídica que advém do indivíduo integrante de uma sociedade politicamente organizada, uma nação. (SIMAS FILHO, 2005, p. 77-78)

Relativamente à ação de investigação de paternidade, o estado que interessa é o familiar, uma vez que “todos os indivíduos enquadram-se na Família através de três ordens de relações: - o vínculo conjugal, o parentesco por consanguinidade e a

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afinidade. [...] A pessoa pode, ainda, deter o estado de filiação adotiva; reclamar o de filiação natural [...]” (SIMAS FILHO, p. 78).

No tocante à ideia de que o reconhecimento de filiação é direito personalíssimo, Washington de Barros Monteiro (1992, p. 104) concebe-o como “inerente ao estado de filho. Não comporta sub-rogados, nem se trata de direito suscetível de ser exercitado por outrem”. Belmiro Pedro Welter (2002, p. 25) dispõe que “o direito personalíssimo do filho é o mesmo direito personalíssimo do pai, do avô, do neto, enfim toda pessoa é dotada de direito personalíssimo, cada qual com suas individualidades”. Por conseguinte, infere-se que tal direito não deve ser interpretado sob o prisma de ser apenas um direito único, o qual se esvai com o falecimento de seu titular.

Em se tratando da indisponibilidade, “uma das consequências do direito indisponível é a impossibilidade de desistência da demanda investigatória de paternidade ou maternidade, isto é, o representante legal do incapaz não pode desistir da ação” (WELTER, 2002, p. 27). Nesse sentido, se o representante legal da criança ou adolescente desistir ou acordar em ação investigatória, será nomeado curador especial “ou o Ministério Público tem a obrigação de avocar a legitimidade para prosseguir com a ação, já que o pedido está envelopado em manifesto interesse público” (WELTER, 2002, p. 27).

Em relação à imprescritibilidade, Washington de Barros Monteiro (1992, p. 104, grifo do autor) consigna que tal exigência:

descansa na conexão existente entre o interesse do indivíduo e o do Estado. Além disso, o status familiae implica coincidência de direitos e deveres, que impede que alguém isente de seus deveres, despojando-se dos direitos que porventura lhe assistam. Nesse sentido, a súmula do STF.

Conforme a súmula 149 do Supremo Tribunal Federal, “é imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”. Dessa forma, há que se registrar que os filhos, nascidos ou não do casamento, têm os mesmos direitos e, em consequência, “é evidente que podem pleitear a paternidade verdadeira a qualquer tempo, mesmo estando registrados por outrem, que não acreditem ser o verdadeiro pai” (WELTER, 2002, p. 28).

Referências

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