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Vista do Representação do Nós e do Eles na seção Carta ao Leitor da Revista Veja

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Representação do ‘Nós’ e do ‘Eles’ na seção Carta ao

Leitor da Revista Veja

Fábio Ferreira Pinto

Mestre em Linguística Aplicada pela PUC/SP. Professor da Rede Objetivo de Ensino.

Vânia de Moraes

Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Professora da Universidade de Taubaté - UNITAU

Resumo

Este artigo visa apresentar, a partir da Análise Crítica do Discurso, a representação de poder expressa num texto da seção Carta ao Leitor, da Revista Veja, intitulado O mesmo grau de certeza, na qual essa se coloca como arauto da moral de defesa dos cidadãos, num discurso polarizado entre o bem – Veja – e o mal – Marcos Valério e o ex-presidente Lula. A partir do quadrado ideológico de van Dijk representar-se-á o “Nós” e o “Eles” dentro do chamado “discurso poderoso”, em que o poder e a dominação aparecem institucionalizados e polarizados entre a autoapresentação positiva e a outra-apresentação negativa.

Palavras-chave

Análise crítica do discurso; Discurso Poderoso; Escolha Lexical; Topicalização.

Abstract

This article aims to present, from the Critical Analysis Discourse, the representation of power expressed in a text of the section Letter to the Reader, from Veja magazine, entitled The same degree of certainty, in which this arises herald as a moral defense of citizens, in a polarized discourse between the good - Veja - and the evil - Marcos Valério and ex-president Lula. From the ideological square of van Dijk will be represent "We" and "They" inside the "powerful speech", in which power and domination appear institutionalized and polarized between positive self presentation and the other negative presentation.

Key words

Critical Analysis Discourse; Powerful Speech; Lexical Choice; Topicalization.

Introdução

O objetivo pesquisa é examinar e analisar criticamente as escolhas lexicais e seus respectivos efeitos de sentido e a construção simbólica de ideologia numa publicação de Carta ao Leitor, da Revista Veja, em que tal construção baseia-se num discurso poderoso e que utiliza aspectos bastante sutis presentes no discurso, sobretudo, as imagens criadas através desses, cujo controle foi definido por van Dijk:

Controle do discurso público é controle da mente do público, e, portanto, indiretamente, controle do que o público quer e faz. Não há necessidade de coerção se se pode persuadir, seduzir, doutrinar ou manipular as pessoas. (VAN DIJK, 2012, p. 23).

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82 Tais imagens cristalizariam e perpetuariam as ideias, os valores e as perspectivas sociais.

O corpus analisado trata de um texto publicado em 26 de setembro de 2012, p.13, na seção Carta ao Leitor, intitulado “O mesmo grau de certeza” 1, em que a revista Veja exalta a repercussão alcançada por uma de suas reportagens de capa, na qual denúncia o escândalo do mensalão.

Optou-se por trabalhar com a Análise Crítica do Discurso que opera, necessariamente, com uma abordagem crítica de discurso em que contexto é uma dimensão bastante importante. A respeito da importância do “contexto”, vale apresentar o que diz van Dijk: o poder não se mostra apenas em alguns dos aspectos do “discurso do poder” (“poweful speech”), de modo que precisamos ter acesso ao contexto como um todo e em toda a sua complexidade, para entender de que modo o poder se relaciona com o texto e com a fala e, mais geralmente, de que modo o discurso reproduz a estrutura social. (VAN DIJK, 2012, p.23).

Ele ainda acrescenta que tal tese, embora muito simples, é crucial para a compreensão do que vem a ser o contexto e de que maneira relaciona-se com o discurso: Não é a situação social que influencia o discurso (ou é influenciada por ele), mas a maneira como os participantes definem essa situação. (Van Dijk, 2012, p.23).

O discurso é bastante complexo e define muitos níveis de estruturas, todos com categorias e elementos que se combinam de mil maneiras. Com isso, uma ideologia pode aparecer potencialmente em todas as estruturas da linguagem escrita ou oral. O contexto, então, está diretamente ligado à escolha lexical, que por sua vez é peça-chave na criação de ideologias dominantes. Van Dijk (2005) diz que ao darmos determinada denominação a alguém, fazemos escolhas lexicais diferentes que dependem muito da opinião que temos desta pessoa; e, que essa opinião, depende de nosso posicionamento ideológico e das atitudes que temos a respeito de um grupo e das pessoas que a ele pertencem e que essa – ou essas – ideologia(s) organiza(m) as pessoas e a sociedade em termos polarizados.

Tais estratégias e movimentos dentro dos diversos níveis de discurso não seriam surpreendentes em si, uma vez que eles estabelecem o quadrado ideológico comumente usado na polarização presente nos discursos ideológicos.

Estratégia básica do discurso e o Quadrado ideológico

A estratégia básica do discurso ideológico é de maneira geral: - Falar de nossos aspectos positivos;

- Falar de seus aspectos negativos.

Essa representação pode ainda ser ampliada para o que van Dijk chamou de Quadrado Ideológico:

- Dar ênfase aos nossos aspectos positivos; - Dar ênfase aos seus aspectos negativos; - Retirar a ênfase de nossos aspectos negativos; - Retirar a ênfase de seus aspectos positivos.

Saliente-se que nas análises ideológicas do discurso é muito importante estudar por que se fazem explícitos alguns significados inferidos da frase ou do texto, pois a opção de expressar uma informação ou deixá-la implícita não é neutra. Quando colocamos uma palavra

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83 no princípio, praticamos a “topicalização”; também podemos “degradá-la” se a colocamos ao final ou inclusive se a omitimos. Quer dizer, a ordem das palavras nas orações marca de diversas formas se o significado que expressamos com certas palavras recebe mais ou menos ênfases e se essa ênfase tem implicações ideológicas.

Numa leitura atenta, tal “topicalização” aparece tanto para enfatizar o discurso de autoapresentação positiva do “Nós” quanto a outra-apresentação negativa do “Eles”:

Quadro 2.1 – Topicalização positiva “Nós” e Topicalização negativa “Eles” no texto O mesmo grau de

certeza apresentado na seção Carta ao Leitor da Revista Veja

Topicalização positiva – “Nós” Topicalização negativa – “Eles” VEJA trouxe revelações bombásticas de

Valério sobre o papel central do ex-presidente Lula nas operações que resultaram em um escândalo que, por pouco, não lhe custou o mandato presidencial.

O ex-presidente Lula manteve-se calado

VEJA foi a mensageira. Marcos Valério também não se pronunciou.

Fonte: Elaborado pelos autores

Assim, quando o discurso apresenta uma característica positiva, Veja está no início do período. Ocorrendo o contrário, Marcos Valério ou Lula são colocados nessa posição.

Corpus: O mesmo grau de certeza

Alguns grupos bastante poderosos e seus membros controlam ou têm acesso a um número cada vez mais amplo e variado de papéis, gêneros, oportunidades e estilos de discurso e uma condição importante para o exercício do controle social por meio do discurso é o controle do discurso e a sua própria produção. Tal poder faz parte do que van Dijk (2012) chamou de “poder simbólico”.

Ao publicar o texto “O mesmo grau de certeza”, mencionando e exaltando uma reportagem da semana anterior sobre uma entrevista com Marcos Valério, o pivô do escândalo do mensalão durante o governo do ex-presidente Lula, em sua seção Carta ao Leitor, a revista

Veja, de acordo com seu discurso, considera ocupar papel central como vigilante da moral e

da ética política no país e lança mão de seu discurso poderoso para exercer esse poder simbólico:

Foi extraordinária, em todos os sentidos, a repercussão da reportagem de capa de VEJA da semana passada, com o publicitário mineiro Marcos Valério, o pivô financeiro do mensalão. VEJA trouxe revelações bombásticas de Valério sobre o papel central do ex-presidente Lula nas operações que resultaram em um escândalo que, por pouco, não lhe custou o mandato presidencial (Revista Veja, 26 de setembro, 2012, p.13).

Dentro dos meios de comunicação jornalísticos, essa estratégia de controlar o conhecimento, é exercida por meio da seleção restritiva de assuntos e, mais geralmente, por meio de reconstruções específicas das realidades sociais e políticas dentro de um determinado contexto.

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84 Tal perspectiva vai ao encontro do que diz Emilia Pedro:

O poder e a dominação estão organizados e institucionalizados, implicando esta organização social, política e cultural da dominação também uma hierarquia de poder, já que alguns membros de grupos e de organizações dominantes assumem um papel especial no planejamento, na tomada de decisões e no controle das relações e processos da activação de poder. (EMILIA PEDRO 1998, p.29).

O discurso de Veja baseia-se numa autoapresentação positiva a respeito de si, exaltando seus atos por meio de uma escolha lexical positiva: extraordinária, exortando, mensageira, missão de informar com fidelidade, coragem e espírito público, estrondosas. Quanto ao “Eles” – Marcos Valério, Lula e os partidários do governo -, a outra-apresentação assume um caráter negativo: o pivô financeiro do mensalão, escândalo, calado, silêncio ensurdecedor, homem do dinheiro do mensalão.

Autoapresentação positiva e outra-apresentação negativa

Pode-se formular o seguinte quadro para ilustrar a autorepresentação positiva de si e a outra-apresentação negativa do outro:

Quadro 4.1 – Modelo 1: Auto apresentação positiva e outra-apresentação negativa referente ao texto O

mesmo grau de certeza apresentado na seção Carta ao Leitor da Revista Veja

“Nós” (Veja – autoapresentação positiva)

“Eles” (Marcos Valério e o ex-presidente Lula – outra-apresentação negativa)

Extraordinária Pivô financeiro do mensalão

Exortando Escândalo

Mensageira Calado

Missão de informar com fidelidade, coragem e espírito público

Silêncio ensurdecedor

Bombásticas Homem do dinheiro do mensalão

Estrondosas

Fonte: Elaborado pelos autores

Podemos observar que no texto há dois grupos opostos: o grupo do “Nós”, representado pela população com a liderança de revista Veja, e o grupo do “Eles”, representado pelas pessoas de Marcos Valério e de Lula.

De acordo com o quadro, é possível perceber o quanto a escolha lexical evidencia a polarização dos papeis dentro do texto. Além dessa escolha, o acesso e a cobertura privilegiados (sejam negativos ou positivos) a respeito de protagonistas envolvidos – ou apresentados - nas notícias é um fator importante da reprodução do discurso poderoso o qual é mediado pelos meios de comunicação de massa.

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85 As escolhas presentes no quadro chamam atenção para o posicionamento de ação que o discurso de Veja coloca para si, e a passividade com que apresenta o “outro”. Enquanto Veja é a “mensageira”, que segundo o dicionário Houaiss tem a seguinte definição:

1) que ou o que leva e/ou traz mensagem escrita ou oral; portador;

2) que ou o que anuncia ou pressagia; anunciador, precursor, pressagiador; “eles”,

representados pela figura de Marcos Valério, é o “pivô financeiro do mensalão”, que, segundo o mesmo dicionário, define “pivô” como aquilo que sustenta, suporte, o principal agente. A palavra “pivô” ainda pode referir-se a uma posição na qual jogadores de basquete ou futebol de salão têm pouca mobilidade e servem como referência aos demais jogadores.

Uma vez que o discurso de Veja procura criar uma imagem de ação e heroísmo sobre o “Nós” – “missão de informar com fidelidade, coragem e espírito público” -, lança mão do uso de uma antítese ao opor sua autoapresentação positiva e a outra- apresentação negativa do “Eles”:

Quadro 4.2 – Modelo 2: Auto apresentação positiva e outra-apresentação negativa referente ao texto O

mesmo grau de certeza apresentado na seção Carta ao Leitor da Revista Veja

“Nós” (Veja – autoapresentação positiva)

“Eles” (Marcos Valério e o ex-presidente Lula – outra-apresentação negativa) Foi extraordinária, em todos os

sentidos, a repercussão da reportagem de capa de Veja.

O ex-presidente Lula manteve-se calado.

Veja trouxe revelações bombásticas de Valério sobre o papel central do ex-presidente Lula.

Marcos Valério não se pronunciou.

Ambas são estrondosas por reunirem declarações que deram materialidade a situações sobre as quais já tinham sido levantados diversos detalhes significativos, porém esparsos.

São dois casos de silêncio ensurdecedor.

Fonte: Elaborado pelos autores

A antítese aqui opõe barulho a silêncio, numa retomada do confronto entre ação e passividade citado anteriormente;

Propriedades do texto

Aspectos relevantes para análise crítica do discurso são as propriedades do texto em si: organização frasal, topicalização, vocabulário, metáforas. A respeito de tais aspectos, Emilia Pedro coloca que:

o poder, como vimos, pode ser conceptualizado como o conjunto de assimetrias entre participantes nos acontecimentos discursivos, a partir da eventual capacidade desigual desses participantes para controlar a produção dos textos, a sua distribuição e o seu consumo – e, portanto, a forma dos textos – em contextos socioculturais particulares. Torna-se, pois, necessário olhar para as propriedades dos textos com base na sua natureza

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86 potencialmente ideológica, sejam traços de vocabulário e metáforas, traços gramaticais, pressuposições e implicaturas, convenções de delicadeza, sistemas de tomada de vez, estrutura genérica, ou estilo (EMILIA PEDRO 1998, p.35).

No texto de Veja, por exemplo, ao exaltar seu papel de detentora da verdade, suas ações não são descritas de maneira simples: sua reportagem não repercutiu apenas, mas repercutiu de forma “extraordinária”; ela não trouxe simples revelações, trouxe revelações “bombásticas”.

Tal escolha não é aleatória. Faz parte da estratégia básica de discursos ideológicos os quais, de maneira geral, baseiam-se em falar dos aspectos positivos de si e falar dos aspectos negativos do outro. Daí a opção positiva de campos semânticos ligados ao “som” ao falar do “Nós” – mensageira, informar, repercussão, bombásticas – e campos semânticos negativos ao falar do “Eles” – calado, não se pronunciou, silêncio ensurdecedor.

O discurso de Veja também é marcado pela generalização ao citar de maneira genérica os partidos políticos, sejam eles concordantes com seu discurso, sejam eles discordantes:

(...) os partidos da base de sustentação do governo protestaram e os de oposição emitiram notas exortando VEJA a tomar públicas as evidências materiais que embasaram a publicação das contundentes declarações do publicitário mineiro (Revista Veja, 26 de setembro, 2012, p.13).

Os partidos que enxergam nas revelações de Marcos Valério vantagens políticas podem proceder como quem vislumbrou essas mesmas propriedades no depoimento de Pedro Collor trazido a público vinte anos atrás e que culminaram com o impeachment do irmão, Fernando Collor (Revista Veja, 26 de setembro, 2012, p.13).

A revista, não abrindo mão de seu discurso poderoso e exercendo seu poder simbólico, coloca-se como mensageira da população, ou seja, ela tem a função de desvelar a corrupção no país:

(...) quem se sentiu prejudicado pela divulgação das informações do homem do dinheiro do mensalão tem a possibilidade de interpela-lo publicamente ou procurar reparação na Justiça. Valério está vivo e tem endereço conhecido. A mensagem é de Marcos Valério. Veja foi a mensageira (Revista Veja, 26 de setembro, 2012, p.13).

Veja traça ainda um paralelo entre uma reportagem de 1992 sobre o irmão do

ex-presidente Collor, Pedro Collor, que fez denúncias à revista, e uma das figuras mais evidentes desse novo escândalo, o publicitário Marcos Valério, dando mais ênfase ao seu papel por meio daquilo que van Dijk chama de Memória de Longo Prazo (MLP), em que a MLP “armazena não apenas as experiências interpretadas subjetivamente, como os modelos mentais, mas também crenças compartilhadas socialmente de forma estável” (van Dijk, 2008: 246):

Existe outro paralelo entre a reportagem de VEJA com Pedro Collor e a de agora com Marcos Valério. Ambas são estrondosas por reunirem declarações que deram materialidade a situações sobre as quais já tinham sido levantadas diversos detalhes significativos, porém esparsos (Revista Veja, 26 de setembro, 2012, p.13).

Neste trecho, o discurso de Veja revela, por uma lado, implicitamente, o caráter investigativo de suas duas reportagens, já que deixa subentendido a ideia de que ela apresenta provas (materialidade) para crimes cometidos por políticos (situações sobre as quais tinham sido levantados diversos detalhes significativos, porém esparsos); por outro, assume, através de um léxico pouco comum a maior parte do público que ela diz representar – demiurgo- colocar-se na essência do que significa o termo “demiurgo” que é “aquele que produz para o povo”. Assim, ela se denomina como líder da população.

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87 Faz-se importante observar que o poder não se mostra apenas em alguns dos aspectos do “discurso do poder”, de tal maneira que precisamos ter acesso ao contexto como um todo e em toda a sua complexidade, para entender de que forma o poder se relaciona com o texto e com a fala e, mais geralmente, de que modo o discurso reproduz a estrutura social. Sendo assim, é preponderante para compreendermos o discurso poderoso de Veja em O mesmo grau

de certeza ressaltar que existem informações relevantes não explicitadas pela revista e que

dentro do quadrado ideológico de van Dijk, coincidem com a característica de “retirar a ênfase de nossos aspectos negativos”. São eles:

- A revista Veja é a maior revista do país, com uma tiragem semanal de mais de 1 milhão e 200 mil exemplares;

- Pertence ao grupo Abril, que é o maior grupo editorial do país com mais de 54 títulos;

- O ex-presidente Collor, que foi alvo das denúncias do próprio irmão, Pedro Collor, na citada reportagem de 1992, foi capa da revista, em 23/03/1988, sendo alçado ao posto de exemplo contra a corrupção e sob a alcunha de “o caçador de marajás”.

Parece claro que para ser capaz de exercer a manipulação sobre os outros através de discursos falados e escritos, é preciso, antes mais nada, ter acesso a alguma forma de discurso público. Tendo em vista que o discurso manipulador ocorre tipicamente na comunicação pública, temos, então, que grupos que controlam o discurso mais influente também possuem mais chances de controlar as mentes e as ações de outros. Van Dijk afirma que se os que

detêm o poder precisam controlar sua imagem na mídia de massa para dessa forma ganhar apoio e influenciar os humores e as mentes públicos, então eles precisam controlar os detalhes discursivos e interacionais da produção do discurso público.

A revista Veja, ao traçar um paralelo entre situações que mexem com a opinião pública, lança mão de um discurso em que enfatiza suas qualidades em ambas as situações, mas omite sua participação negativa em uma delas, e também a de que faz parte de um grande grupo editorial, detentor de um número já bastante grande de leitores que, de uma forma ou de outra, levarão as informações à diante.

Para as elites de poder, que são caracterizadas por terem um acesso particular ao discurso, o acesso e a cobertura privilegiados a respeito de protagonistas das notícias é um fator importante da reprodução do poder social a qual é mediada pelos meios de comunicação de massa, portanto, uma ideologia pode aparecer potencialmente em todas as estruturas da linguagem escrita ou oral.

Outro aspecto relevante para embasar o que foi apresentado até agora no presente artigo, sobretudo no que cabe acerca do “discurso ideológico”, é uma observação que pode passar despercebida num olhar menos atento, mas que van Dijk chama atenção ao dizer que

(...) o discurso ideológico dos membros de um grupo (endogrupo), por exemplo, tipicamente enfatizam, de várias maneiras discursivas, as características positivas do Nosso próprio grupo e seus membros, e as (supostas) características negativas dos Outros, o grupo de fora (exogrupo). Os autores podem fazer isso ao selecionar tópicos especiais, como o tamanho ou a cor das manchetes, o uso de fotografias ou cartuns, por gestos ou ao escolher itens lexicais especiais e metáforas, por argumentos (e falácias), ao contar histórias, e assim por diante (VAN DIJK, 2012, p.14). Na capa da revista, o título “Veja” aparece sempre grafado em letras minúsculas, mas no texto O mesmo grau de certeza foi usado “VEJA”, em letras maiúsculas. Além disso, outra palavra que não tem uma justificativa gramatical para ser colocada em maiúscula, é “justiça”, que aparece grafada “Justiça”, com a primeira letra em maiúsculo, numa associação implícita do nome da revista com a ideia de justiça:

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88 informações do homem do dinheiro do mensalão tem a possibilidade de interpelá-lo publicamente ou procurar reparação na Justiça. Marcos Valério está vivo e tem endereço conhecido. A mensagem é de Marcos Valério. VEJA foi a mensageira (Revista Veja, 26 de setembro, 2012, p.13).

Já que o poder pressupõe conhecimento, crenças e ideologias para que se sustente e reproduza-se, crucial no exercício do poder, então, é o controle da formação das cognições sociais por meio da manipulação sutil do conhecimento e de tais crenças. O poder da revista, assim, implica a exclusão de fontes alternativas de informação, informações alternativas e outros fatores relevantes na descrição dos acontecimentos, uma vez que Veja é a única fonte de informação apresentada no texto, seja no fato mais recente ou no mais distante. Tal expediente faz parte de um tipo de manipulação da compreensão do discurso baseada no que van Dijk chama de “memória de curto prazo” e que em linhas gerais ele diz que

uma forma de manipulação consiste no controle de algumas dessas estratégias parcialmente automatizados de compreensão do discurso. Por exemplo, ao imprimir parte do texto em uma posição saliente (por exemplo, no topo), em fontes grandes ou em negrito, esses dispositivos atrairão mais atenção e, consequentemente, serão processados com recursos extras de tempo ou memória, como é o caso das manchetes, títulos ou slogans publicitários – assim contribuindo para um processamento mais detalhado e para uma melhor representação e lembrança. Manchetes e títulos também funcionam como a categoria convencional do texto para a expressão das macroestruturas semânticas, ou tópicos, que organizam as estruturas semânticas locais; por essa razão, tais tópicos são mais bem representados e lembrados. (VAN DIJK 2012, p. 241)

Ao colocar o título O mesmo grau de certeza, Veja apresenta de maneira sucinta sua ideologia de discurso poderoso num período nominal, mas ainda assim bastante declarativo e imperativo. Já que o texto não apresenta nenhuma outra fonte de informação, e mostra dois momentos distintos com a participação “investigativa” da revista, a única certeza existente dá-se pelo discurso produzido por ela, uma vez que é antes a forma e o significado de um título do que sua estrutura em si que podem estar relacionados à situação social e consequentemente ao triângulo discurso-cognição-sociedade.

Considerações finais

É possível concluir que para cada prática discursiva faz-se necessário examinar cuidadosamente os contextos, normas e valores específicos que definem a prática adequada, uma vez que tais práticas estão diretamente ligadas a discurso-cognição-sociedade na representação de um poder simbólico que ocorre por meio de um discurso poderoso embasado num discurso manipulador que visa ao controle mental.

Essa manipulação envolve ênfase, sobretudo, no poder, numa suposta superioridade moral e na credibilidade do falante e na descredibilidade do dissente ao difamar os Outros, o inimigo; o uso de apelos emocionais; e a utilização de provas aparentemente inegáveis de suas crenças e razões na construção ideológica do discurso.

A noção de “controle da mente” vai muito além da compreensão da escrita ou da fala: dela também fazem parte o conhecimento pessoal e social, as experiências previamente adquiridas, as opiniões e as atitudes sociais, as ideologias e as normas ou valores, entre diversos outros fatores que podem exercer um papel na mudança de mentalidade das pessoas, algo que é essencialmente subjetivo.

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certeza – para analisar, sob a ótica da Análise Crítica do Discurso, de que forma esse discurso

poderoso é apresentado dentro de um contexto, no qual um enunciador coloca-se no lugar de representante de um grupo frente a outro, criando uma tensão, uma polarização através de instrumentos discursivos utilizados na demonstração de um poder simbólico.

Por meio dessa amostragem de análise, foi possível perceber que o discurso de Veja tenta mostrar-se como porta-voz da população diante dos fatos de corrupção por ela divulgados em caráter de indignação. Ela se coloca como líder da população enfatizando seus aspectos positivos e distanciando-se do outro grupo, atribuindo a esses, aspectos negativos.

Veja ainda – enfatizando o título de seu texto – apresenta-se como única fonte de informação.

Podem-se verificar no discurso de Veja aspectos abordados na ACD, tais como o Quadrado Ideológico de van Dijk, a topicalização, a Memória de Curto Prazo e a Memória de Longo Prazo na construção de uma autoapresentação positiva e uma outra-apresentação negativa.

Essa representação subjetiva, os modelos mentais de eventos definidos, o conhecimento, as atitudes e ideologias são responsáveis por influenciarem os discursos e outras práticas sociais das pessoas. Ou seja, a cognição pessoal e social sempre perpassam a sociedade ou as relações sociais e o discurso.

Referências

MINIDICIONÁRIO Houaiss da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. PEDRO, Emília Ribeiro (org.). Análise Crítica do Discurso: Uma perspectiva sociopolítica e funcional. Alfragide: Editora Caminho, 1998.

Revista Veja, edição nº 2288. São Paulo: Editora Abril, 2012.

VAN DIJK, Teun. A. Cognição, discurso e interação. São Paulo: Contexto, 2004.

___________. Discurso e Contexto – uma abordagem sociocognitiva. SP: Contexto, 2012. ___________. Discurso e Poder. Contexto, São Paulo: 2012.

Anexo 1: O mesmo grau de certeza

Texto publicado em 26 de setembro de 2012, p.13, na seção Carta ao Leitor da Revista

Veja

Foi extraordinária, em todos os sentidos, a repercussão da reportagem de capa de VEJA da semana passada, com o publicitário mineiro Marcos Valério, o pivô financeiro do mensalão. VEJA trouxe revelações bombásticas de Valério sobre o papel central do ex-presidente Lula nas operações que resultaram em um escândalo que, por pouco, não lhe custou o mandato presidencial.

O ex-presidente Lula manteve-se calado. Marcos Valério também não se pronunciou. São dois casos de silêncio ensurdecedor.

Em contraste, os partidos da base de sustentação do governo protestaram e os de oposição emitiram notas exortando VEJA a tomar públicas as evidências materiais que embasaram a publicação das contundentes declarações do publicitário mineiro.

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90 podem proceder como quem vislumbrou essas mesmas propriedades no depoimento de Pedro Collor trazido a público vinte anos atrás e que culminaram com o impeachment do irmão, Fernando Collor.

Da mesma forma, quem se sentiu prejudicado pela divulgação das informações do homem do dinheiro do mensalão tem a possibilidade de interpelá-lo publicamente ou procurar reparação na Justiça. Marcos Valério está vivo e tem endereço conhecido. A mensagem é de Marcos Valério. VEJA foi a mensageira.

O grau de certeza de VEJA em relação ao conteúdo da reportagem com Marcos Valério é o mesmo que a revista tinha quando publicou, em 1992, a capa "Pedro Collor conta tudo". Tanto em um caso quanto no outro, VEJA cumpriu sua missão de informar com fidelidade, coragem e espírito público fatos testemunhados por pessoas com grande intimidade com o poder.

Existe outro paralelo entre a reportagem de VEJA com Pedro Collor e a de agora com Marcos Valério. Ambas são estrondosas por reunirem declarações que deram materialidade a situações sobre as quais já tinham sido levantados diversos detalhes significativos, porém esparsos. Ficava faltando um demiurgo com informações privilegiadas capaz de amarrar todos os eventos, dando-lhes coerência. Foi o que Pedro Collor fez em 1992 e, na semana passada, Marcos Valério.

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