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Políticas de Estado e representação de classe : balanço crítico da bibliografia sobre os governos Lula

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

OCTÁVIO FONSECA DEL PASSO

POLÍTICAS DE ESTADO E REPRESENTAÇÃO DE CLASSE: BALANÇO CRÍTICO DA BIBLIOGRAFIA SOBRE OS GOVERNOS LULA

CAMPINAS, SP 2018

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OCTÁVIO FONSECA DEL PASSO

POLÍTICAS DE ESTADO E REPRESENTAÇÃO DE CLASSE: BALANÇO CRÍTICO DA BIBLIOGRAFIA SOBRE OS GOVERNOS LULA

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção de título de Mestre em Ciência Política.

Orientador: Professor Doutor Armando Boito Júnior

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO

DEFENDIDA PELO ALUNO

OCTÁVIO FONSECA DEL PASSO E ORIENTADA PELO PROFESSOR DR. ARMANDO BOITO JUNIOR.

CAMPINAS, SP 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 31 de Outubro de 2018 considerou o candidato Octávio Fonseca Del Passo aprovado.

Prof. Dr. Pedro Linhares Rossi

Prof. Dr. Valeriano Mendes Ferreira Costa

Prof. Dr. Armando Boito Junior (Presidente da banca).

A Ata de Defesa, com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

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AGRADECIMENTOS

Em um país desigual como o nosso, não seria possível para um jovem oriundo da baixa classe média passar sete anos de sua vida no nível superior de educação escolar sem uma ampla rede de apoio. Tal apoio foi de fundamental importância, em especial, nos dois últimos anos dedicados ao intenso e doloroso processo de aprendizado que é ser um novo pesquisador (e um pesquisador novo) em um programa de mestrado. Os motivos são muitos e, acredito, não vêm ao caso. Mas minha gratidão com parte dessa rede precisa ser registrada.

Agradeço em primeiro lugar à Teresa Cristina Fonseca dos Santos Del Passo, minha mãe, mulher de caráter e de personalidade dura, que sempre optou pelo caminho mais sincero e honesto da vida e sempre pagou caro por isso. Todos os meus acertos e todas as minhas conquistas devo a ela. Também agradeço ao meu pai, Sidnei Fernandes Del Passo, por tentar fazer-se presente mesmo diante de todas as dificuldades para que isso fosse possível. À minha irmã, Marília Fonseca Del Passo, eu agradeço por sempre ter cumprido o papel de irmã e de amiga de maneira tão completa e dedicada.

Um lugar especial na minha vida é ocupado pela minha companheira Renata Ricardo Carvalho Silva. Estabeleci com ela um laço afetivo que se firma a cada dia e cada vez mais gera alegria. Agradeço não só pela compreensão em todos os momentos em que estive ausente devido ao trabalho acadêmico, mas principalmente pela grande experiência de amor que tem sido gestar, criar e educar Gael Carvalho Del Passo, nosso filho, que nasceu banhado em estudo e militância política.

Aos meus colegas André Flores, Angélica Paraizo, Felipe Queiroz, Flávio Franco, Gustavo Firmino e Nataly Santiago agradeço por todas as reuniões, debates, conversas, leituras e releituras que fizemos em conjunto das obras clássicas da ciência política, mas também das críticas e autocríticas realizadas entre nós sobre os nossos projetos e trabalhos de pesquisa. Participar do grupo de estudos Neoliberalismo e Relações de Classe no Brasil com esses/as jovens pesquisadores foi uma grande oportunidade. Digo que foi mesmo um privilégio. Carrego um pouco de cada um de vocês nos meus trabalhos e nas minhas reflexões.

Ao Prof. Doutor e orientador, Armando Boito Jr. gostaria de agradecer pelo trabalho que tem desempenhado em sala de aula, mas também pelas pesquisas que

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realiza e os grupos de estudos que coordena. Sua orientação tem sido fundamental e marcante desde outras gerações.

Agradeço ainda à banca examinadora desse trabalho que foi composta pelo Professor Doutor Pedro Rossi e pelo Professor Doutor Valeriano Mendes Ferreira Costa. Foi uma honra poder contar com as críticas e contribuições de vocês.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Aulas de Vôo

O conhecimento caminha lento feito lagarta. Primeiro não sabe que sabe e voraz contenta-se com o cotidiano orvalho deixado nas folhas vividas das manhãs.

Depois, pensa que sabe e se fecha em si mesmo: faz muralhas, cava trincheiras, ergue barricadas. Defendendo o que pensa saber levanta certezas na forma de muro, orgulhando-se de seu casulo.

Até que maduro explode em vôos rindo do tempo que imaginava saber ou guardava preso o que sabia. Voa alto sua ousadia reconhecendo o suor dos séculos no orvalho de cada dia.

Mesmo o vôo mais belo descobre um dia não ser eterno. É tempo de acasalar: voltar à terra com seus ovos à espera de novas e prosaicas lagartas.

O conhecimento é assim: ri de si mesmo

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e de suas certezas.

É meta da forma metamorfose movimento fluir do tempo que tanto cria como arrasa

a nos mostrar que para o vôo é preciso tanto o casulo como a asa.

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RESUMO

A presente dissertação realiza uma sistematização do acúmulo de conhecimento científico sobre o recente processo político brasileiro, ao analisar e classificar, comparativamente, parte importante da bibliografia que analisa os governos de Luís Inácio Lula da Silva (2003–2010). O trabalho culmina em um balanço da bibliografia, desenvolvido com o auxílio dos dispositivos conceituais elaborados por Nicos Poulantzas e tem o percurso metodológico traçado a partir do resultado das análises das políticas econômica, social e externa nas obras usadas como fonte de dados. No primeiro capítulo, são analisadas as teses de Leda Paulani e de Ruy Braga, as quais têm, em comum, o fato de caracterizarem os governos Lula como continuidade do modelo neoliberal, e, por isso, dão ênfase à manutenção das políticas macroeconômicas. No segundo capítulo, são analisadas as teses de André Singer e de Armando Boito Jr., que defendem que houve uma mudança na política de Estado, embora não tenha ocorrido o rompimento do modelo econômico neoliberal. Os referidos autores destacam as mudanças permitidas dentro dos limites do modelo econômico. No terceiro capítulo, são analisadas as teses de Aloísio Mercadante e de Emir Sader, que apontam que os governos Lula representaram uma nova hegemonia, e que houve uma ruptura com o modelo econômico neoliberal formulado nos governos precedentes. Com intuito de sintetizar a comparação entre as teses dos autores analisados nessa dissertação e evidenciar as convergências e as divergências entre tais estudos - que foram expressas por nós, através dos dispositivos conceituais de hegemonia, classe apoio, contradição principal e tipo de fracionamento - encontra-se ao final de cada capítulo uma tabela formulada por nós. As análises próprias são apresentadas no espaço dedicado à conclusão.

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ABSTRACT

The following paperwork systematizes a compilation of scientific studies about the recent Brazilian political scenario by analyzing and classifying, comparatively, a relevant portion of the bibliography on Luis Inácio Lula da Silva’s presidency (2003 – 2010). As a result, a balance of the aforementioned bibliography is presented. For the balance’s development, Nico Poulantzas’ conceptual definitions were used as academic references. As for the paperwork’s methodological course, it was directed by the results found in the analysis of the foreign, social and economic policies as exposed in the analyzed works. In the first chapter, the thesis by Leda Paulani and Ruy Braga – which have in common the fact that both characterize Lula’s presidency as continuity for the neoliberal economic model and, because of that, focus on the maintenance of the macroeconomic policies in their analyses. In the second chapter, the thesis by André Singer and Armando Boito Jr. are analyzed. Those works state that a change in the State policy has happened, during Lula’s presidency tenure, although there was no rupture in the neoliberal economic model. In the third paragraph, the works by Aloísio Mercadante and Emir Sader are added into the discussion. Both works point out that Lula’s tenure represented a new hegemonic positioning and that there was a rupture with the previous presidencies’ neoliberal economic approach. With the aim at summarizing the comparison between the different authors’ thesis used in this work and also highlighting the similarities and differences found in their views – which were expressed through the academic concepts of hegemony, class support, main contradiction and fractioning type - a spreadsheet will be found in the end of each chapter. The author’s analyses are presented in the conclusion of this work.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ALCA – Área de Livre Comércio das Américas BC – Banco Central

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEB – Comitê Empresarial Permanente

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho CMN – Conselho Monetário Nacional CNA – Campanha Nacional Contra a ALCA

CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do Brasil CP – Consulta Popular

EUA – Estados Unidos da América

FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FHC – Fernando Henrique Cardoso

FMI – Fundo Monetário Internacional FZ – Fome Zero

JK – Juscelino Kubitschek

MCMV – Minha Casa Minha Vida MERCOSUL – Mercado Comum do Sul MMM – Marcha Mundial das Mulheres MP – Medida Provisória

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MTE – Ministério do Trabalho e Emprego

MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto OMC – Organização Mundial do Comércio PBF – Programa Bolsa Família

PDP – Política de Desenvolvimento Produtivo PPP – Parceria Público-Privada

PROUNI – Programa Universidade Para Todos PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

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PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PT – Partido dos Trabalhadores

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 14

2 GOVERNOS LULA COMO CONTINUIDADE IRRESTRITA DO MODELO NEOLIBERAL ... 29

3 GOVERNOS LULA: REFORMA NO MODELO NEOLIBERAL ... 47

4 GOVERNOS LULA: SUPERAÇÃO DO MODELO NEOLIBERAL ... 72

5 BALANÇO CRÍTICO DA BIBLIOGRAFIA ... 94

5.1 ABORDAGEM TEÓRICA...95

5.2 APLICAÇÃO DA TEORIA NA ANÁLISE DA BIBLIOGRAFIA SELECIONADA ... 103

6 CONCLUSÃO ... 119

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1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, um segmento significativo dos estudos acadêmicos brasileiros dedicou-se, a partir de diversas perspectivas, à análise dos dois primeiros mandatos presidenciais do Partido dos Trabalhadores (PT). Especificamente na área da Ciência Política, as contradições desses mandatos, condensados na figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, permitiram que houvesse diferentes leituras, dentro dos diversos enfoques teóricos, sobre esse mesmo fenômeno. É possível observar, em congressos, palestras e revistas especializadas, que o debate sobre o caráter desses governos, ainda em 2018, é tema importante. Somente no campo do pensamento acadêmico de esquerda, por exemplo, é possível levantarmos inúmeras interpretações a respeito desse recente processo político brasileiro.

Nossa dissertação pretende analisar e sistematizar a parte de maior destaque da bibliografia - situada no campo teórico da esquerda -, que discutiu o caráter dos governos Lula e assumiu maior importância nos debates políticos e acadêmicos, com ênfase no último destes. Sem menosprezar a importância do diálogo entre os diversos campos teóricos distintos, entendemos que a discussão em um campo comum é importante, pois cria um sistema produtivo de troca de ideias, devido às críticas e autocríticas fraternas que acontecem; permitindo, por conseguinte, um avanço qualitativo das análises em conversa.

A apreciação das teses que caracterizam os governos Lula é importante, pois as sistematizações dos trabalhos empíricos definem e organizam um campo de conhecimento, assim como as regras sobre as quais está baseada a regência de seu funcionamento interno. Ademais, o diagnóstico das análises dos governos do referido presidente permite apontar a tese – diante de um quadro de dissenso - que foi mais bem sucedida nessa empreitada; o que nos autoriza, por sua vez, a avançar com uma base teórica mais sólida, a fim de que a utilizemos tal tese como uma estrutura para a avaliação e periodização do período político sequente – neste caso, os governos da ex-presidenta eleita Dilma Rousseff e do governo interino de Michel Temer bem como a crise política brasileira que os envolveu.

Com a finalidade de selecionarmos nosso objeto de pesquisa da maneira mais fidedigna possível à sua real amplitude, utilizamos como instrumentos de ajuizamento algumas ferramentas acadêmicas de busca online - como o Scielo e o Google

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Acadêmico - para mapear o debate sobre os governos Lula, e as teses mais influentes nesses espaços. Havíamos encontrado, após essa primeira etapa do nosso mapeamento, seis palavras-chave que se mostraram de fundamental importância para a sistematização e classificação do debate sobre os dois governos de Lula da Silva, devido à grande quantidade de vezes que foram utilizadas e aos diferentes usos que delas são feitos. São elas: bonapartismo, neodesenvolvimentismo, neoliberalismo, novo desenvolvimentismo, pós-neoliberalismo e nova matriz econômica. Acabamos percebendo que essas seis palavras-chave conformam, na verdade, três subcampos de leitura sobre os governos Lula, e não seis como poderia sugerir o número que resulta de sua somatória.

Os autores que utilizam o conceito de bonapartismo, para caracterizar os governos Lula, acabam, ao fim, por enquadrá-lo num campo mais amplo: o dos governos reformistas. Não obstante o fato de que dentro desse campo alguns autores apontam que os governos de Lula realizaram maiores transformações nas políticas de Estado1 que outros, e ainda que eles deem ênfase diferente às transformações que ocorreram no modelo econômico ou nas políticas econômicas, todos esses autores que advogam o bonapartismo estavam no limite, sempre apontando na direção de um governo marcado pelo reformismo. Ou seja, independente do grau de articulação entre o modelo econômico e as políticas econômicas adotadas como parâmetro pelos autores, elas sempre resultavam na ênfase das reformas2.

O conceito de bonapartismo elaborado por Marx (2014) aponta para uma situação em que há uma conjuntura política na qual prevalece um equilíbrio de forças entre as classes e frações de classe em luta em determinada formação social. Desse modo, o governo deve responder, minimamente3, às demandas políticas, ideológicas ou econômicas da classe ou fração de classe em que se apoia, sem podermos, no entanto, classificar essa classe ou fração de classe como hegemônica. Portanto, a descrição dos governos Lula, como bonapartistas, aproxima a tese desses autores daquela que descreve esses mesmos governos, utilizando o conceito de neodesenvolvimentismo –

1 O termo política de Estado se refere às políticas econômica, social e externa.

2 O modelo econômico é a linha geral que rege a macroeconomia, enquanto a política economia é o resultado das demandas econômicas das classes e frações de classe que cabem dentro do modelo econômico e que conformam força social suficiente para que se traduza em prática política feita pelo Estado.

3 Dizemos minimamente para distinguir essa conjuntura ziguezagueante da situação em que o Estado satisfaz prioritariamente uma classe ou fração de classe (SAES, 1989), ou seja, em que há uma hegemonia política definida.

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embora, aqui, o reformismo no modelo neoliberal tenha uma força social hegemônica bem definida.

Os autores que desenvolveram teses no sentido de enquadrar os governos Lula com a utilização de conceitos como os de novo desenvolvimentismo, pós-neoliberalismo ou nova matriz econômica foram todos agrupados em um mesmo campo de pensamento. O motivo é o fato de que todos colocaram em suas teses os governos Lula como aqueles que realizaram uma ruptura com o modelo neoliberal vigente à época em que houve a vitória do ex-presidente nas eleições de 2002.

Também encontramos os casos que ao final acabamos agrupando e balizando como um terceiro campo formado por um grupo de autores que defendem uma tese em sentido oposto ao que define o campo da superação do neoliberalismo pelos governos Lula. Esse campo foi formado, portanto, pela razão de que as teses desses autores caracterizavam os mandatos do presidente em questão como governos que realizavam a continuidade irrestrita do modelo econômico neoliberal que foi implantado parcialmente pelos comandos precedentes ao dele.

Desse modo, nossa pesquisa inicial foi reduzida aos três grandes campos de pensamento que aqui estão expostos: o da continuidade do modelo neoliberal, o da reforma no modelo neoliberal e o da ruptura com o modelo neoliberal4. Dentro desses grandes campos, localizamos a influência direta das correntes poulantziana e gramsciana em alguns autores. A influência direta do primeiro se limita à tese de Boito Jr., enquanto a do segundo se estende as de Ruy Braga e Leda Paulani, passando por André Singer e Emir Sader. Não localizamos nenhuma menção nas obras de Aloísio Mercadante a respeito disso.

Definidos esses três grandes campos, estava realizada a primeira etapa de nossa pesquisa, de modo que partimos para um mapeamento mais preciso de quais seriam os autores que conquistaram maior referência dentro de cada um dos três campos de pensamento delimitados por nós como critério. Selecionamos, assim, para representar o campo dos governos Lula como continuidade neoliberal as teses de Ruy Braga e Leda Paulani. Armando Boito Jr. e André Singer tiveram as teses selecionadas para representar o campo dos governos Lula enquanto reforma neoliberal e, por fim, elencamos as teses de Aloísio Mercadante e Emir Sader como representativas do campo dos governos Lula como a superação do neoliberalismo.

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As principais obras selecionadas como representativas e analisadas são: Braga (2012), Boito Jr. (2012), Mercadante (2010), Paulani (2010), Singer (2012) e Sader (2013).

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Os critérios utilizados por nós para a seleção dos autores foram os seguintes: primeiro, realizamos uma observação da presença ou ausência da característica da sistematicidade das publicações desses autores, de maneira que a metodologia de nosso trabalho fosse viável, ao permitir uma comparação das obras elaboradas mais ou menos num mesmo período temporal, assim como a análise sequente e a classificação dos argumentos das teses nela presente. Um segundo critério foram os números de citações registradas dos autores, de maneira que elencamos, portanto, os mais citados. Assim, Paulani aparece com 1.025 citações, Braga com 1.792, Boito Jr. com 1.657 e Singer com 1.431. As citações às quais fazemos referência são aquelas registradas no site Google Acadêmico entre os anos de 2011 e 20185. A constatação do número de vezes que os autores foram citados nos permitiu verificar as teses que obtiveram mais atenção e repercussão e, portanto, que causaram mais impacto sobre o pensamento acadêmico.

Os dados referentes às citações das obras de Aloísio Mercadante e Emir Sader não estão disponíveis no Google Acadêmico. Percebemos, contudo, que dentro do grande campo no qual as teses concluem que os governos Lula foram de superação do modelo neoliberal, Mercadante e Sader são os maiores expoentes, ou seja,. tais autores são as grandes referências dos artigos encontrados que tratam da temática partindo dessa perspectiva. Esses critérios são de suma importância para nós, por isso, concluímos a favor da pertinência da inclusão de tal campo nesta análise bibliográfica comparativa – ainda que não tenhamos a dimensão quantitativa do impacto que as teses desses autores tiveram na produção acadêmica. Com o amadurecimento da nossa pesquisa, percebemos que essa opção se mostrou acertada, uma vez que, ao final do trabalho, é possível apreender a riqueza que a análise comparativa entre os três campos proporciona, devido ao fato de haver críticas e debates internos em todos eles, ainda que não diretamente em alguns casos. Essa riqueza comparativa poderia não ocorrer se optássemos por manter apenas os dois primeiros campos apresentados, uma vez que correríamos o risco de passar a ideia de uma bipolaridade que não há nas análises teóricas sobre os governos Lula.

Nossa pesquisa tem como objeto, portanto, parte representativa da bibliografia que analisa os dois governos de Lula da Silva. Em outras palavras, poderíamos dizer que temos como objetivo específico a intenção de analisar a composição e a

5 No período que analisamos, a quantidade de citações é mais amplo que o recorte temporal de nossa pesquisa, ou seja, do que o período que limita nosso objeto, pois assim conseguimos identificar o impacto das obras no intervalo imediatamente posterior às publicações. Nossa última atualização dos dados apresentados foi feita em 21 de fevereiro de 2018.

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representação das classes nos governos do referido presidente - 2003 e 2010. Essa análise pode ser feita a partir de diversos prismas como, por exemplo, o da organização, o da representatividade de classes ou mesmo através da análise dos efeitos pertinentes das classes sociais e frações de classe sobre a política de Estado (POULANTZAS, 1977). Esse objetivo específico só será abordado nos comentários críticos sobre o balanço bibliográfico que apresentamos ao final do trabalho.

Dentro do Departamento de Ciência Política da UNICAMP, nossa pesquisa se enquadra na área de política contemporânea, na linha de estudos sobre Estado, instituições e processos políticos. Por conseguinte, ainda que nem todos os autores tratem esse tema de maneira direta, tentaremos extrair das teses que eles apresentam a representatividade das classes sociais, a partir dos argumentos centrais que estão contidos nas teses da bibliografia selecionada.

Uma análise empírica que parta de modo consciente e sistemático de uma teoria - portanto, uma análise não empirista - é importante, pois significa um avanço no acúmulo de conteúdo sistematizado de conhecimento sobre os controversos governos Lula da Silva e a bibliografia que trata destes dentro do pensamento acadêmico de esquerda. A despeito da importância prática que as análises das situações de diferentes conjunturas em distintas limitações geográficas e temporais possuem, a pertinência da sistematização desses trabalhos e do desenvolvimento teórico a partir deles não deixa de existir. A seriedade da sistematização teórica aparece elaborada e justificada na obra de Poulantzas (1977) da seguinte maneira:

Assim, o trabalho teórico – qualquer que seja o grau de sua abstração – é sempre um trabalho referente aos processos reais. No entanto, este trabalho, que produz conhecimentos, situa-se inteiramente no processo de pensamento: não existem conceitos mais reais que outros. O trabalho teórico parte de uma matéria-prima composta, não do real-concreto, mas antes de informações, noções etc., sobre este real, e trata-a utilizando certos instrumentos conceituais, trabalho cujo resultado é o conhecimento de um objeto. (POULANTZAS, 1977, p. 12)

Desse modo, além da contribuição teórica mais ampla ao campo do pensamento de esquerda e daquela mais específica da análise do bloco no poder nos governos Lula, este trabalho é o primeiro passo para uma pesquisa em nível de doutorado que analisará as consequências do desenvolvimento das contradições de classe dos governos Lula nos mandatos de Dilma Rousseff (2011-2014 e 2015-2016) e a crise política que teve início no ano de 2015. Isso é possível uma vez que esta dissertação permite o acesso aos

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estudos e ao conhecimento formulado sobre a evolução das condições concretas sobre as quais se desenvolveram as contradições que culminaram na crise política de 2015. De maneira dialética, a análise de tal conjuntura demanda grande estudo sobre o período precedente e a condição em que se encontravam as contradições na formação social brasileira, a fim de periodizar o início da referida crise política. Fato que justifica, por sua vez, a revisão bibliográfica do período Lula ao nível de mestrado e a consequente elaboração inicial de uma análise própria do significado político dos governos do ex-presidente e suas contradições com base nas teses mais influentes sobre esse período.

Gostaríamos de frisar, contudo, que em muitos debates surgiram questões metodológicas importantes sobre a nossa dissertação. Grande parte delas reclama que um recorte temporal recente pode nos trazer alguma dificuldade, na medida em que os fatos estudados ainda não foram explorados, a partir de uma perspectiva temporalmente mais distante e, teoricamente, mais neutra por possuir mais elementos históricos e possibilidades mais amplas de realizar os testes das teses elaboradas no calor do momento. Isso pode fazer com que os cientistas aqui estudados carreguem os textos com uma carga ideológica excessiva, seja conscientemente, a fim de intervir politicamente na conjuntura – e neste caso, às vezes, o fazendo de maneira não anunciada –, seja inconscientemente, devido à existência das paixões políticas - ainda que não de maneira intencional e assim sendo, sempre, de maneira não anunciada.

Para nós, todavia, esse não é um problema a priori. Nosso argumento segue a linha daqueles que mostram que uma pesquisa de recorte temporal recente apresenta uma riqueza de questões ainda inexploradas e muitas controvérsias em aberto, o que as torna passíveis, portanto, de novas contribuições. A proximidade temporal de nosso objeto de pesquisa traz outra vantagem: poderíamos também, se necessário, lançar mão de entrevistas com os autores centrais que constituem nosso objeto, enriquecendo inclusive a parte empírica da pesquisa, possibilidade aberta, exclusivamente, pela proximidade temporal com o objeto de estudo.

Há ainda outro eixo significativo de questões metodológicas que avaliamos serem mais importantes, as quais se referem ao fato de que os diversos autores estudados utilizam arcabouços teóricos distintos e metodologias igualmente diversas. Porém, não é de nosso interesse avaliar, comparar ou fazer algum tipo de julgamento sobre os métodos utilizados pelos estudiosos analisados nesta dissertação. A relevância maior que vemos nas obras utilizadas são os diagnósticos elaborados pelos conceitos mais concretos, que ajudam a traduzir a composição e representação de classe dos governos

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Lula. Os conceitos mais abstratos - oriundos de qualquer arcabouço teórico - fazem parte do próprio processo de elaboração teórica dos autores e também do método de exposição que estes utilizam para dar publicidade às suas teses e conclusões. Não fazem parte, portanto, dos resultados alcançados por eles ou de suas análises em si. Para nós, a importância dos conceitos mais concretos6 que os estudiosos referidos utilizam em seus textos como método explicativo de suas elaborações está, portanto, justamente no fato de que:

De acordo com o lugar rigoroso que ocupam, no processo de pensamento e com o objeto de pensamento a que se referem, podemos distinguir os diversos conceitos, segundo o respectivo grau de abstração, desde os mais pobres em determinações teóricas, até os mais elaborados e os mais ricos. Os conceitos mais concretos, aqueles que conduzem ao conhecimento de uma formação social, em um momento determinado de seu desenvolvimento, não são, tampouco quanto aos objetos reais concretos, a matéria prima do processo de pensamento: nem são sequer deduzidos dos conceitos mais abstratos, ou submetidos, nestes últimos, juntando à sua generalidade uma simples particularidade. São, antes, o resultado de uma elaboração teórica que, operando sobre informações, noções, etc., por intermédio dos conceitos mais abstratos, tem como efeito a produção dos conceitos mais concretos, que conduzem ao conhecimento dos objetos reais, concretos e singulares. (POULANTZAS, 1977, p. 13)

Nossa pesquisa se propõe, consequentemente, a analisar as teses e os argumentos centrais dos autores elencados, ou seja, os seus resultados empíricos que permitem o conhecimento da formação social brasileira ao longo dos governos Lula e não os meios utilizados por eles. Para os fins desta pesquisa, o fato de que todos os autores selecionados pertencem ao campo teórico de esquerda nos garante um conjunto mínimo de conceitos comuns em que podemos nos basear para analisar seus resultados, sem que nos aprofundemos em suas possíveis diferenças metodológicas. Essa mesma premissa também vale para a pesquisa em questão, de modo que podemos desfrutar de uma metodologia própria, sem que isso signifique o cessar do diálogo com as teses dos autores.

Avaliamos, também, que da mesma maneira que não entraremos nos méritos metodológicos específicos de cada autor, tampouco caberia, em nossa pesquisa, uma

6 O materialismo histórico e dialético tem duas proposições fundamentais: a) a diferenciação entre os processos do pensamento e os processos reais; b) o primado do real sobre o pensamento. Assim, pode-se dizer que o processo de pensamento tem como fim último o conhecimento do real, já que são esses processos que de fato existem concretamente. Desse modo, os conceitos mais concretos são aqueles que estão num plano mais operacional para a compreensão da realidade do que os que são utilizados no plano estritamente teórico. O conceito de formação social, por exemplo, abre margem para a inclusão, na análise, de mais elementos específicos e concretos de cada país do que o conceito de modo de produção que serve para a sistematização de um processo de pensamento abstrato (POULANTZAS, 1977, pp. 12 - 13).

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análise sobre as cargas ideológicas das literaturas e a investigação com intuito de sabermos se os referidos trabalhos analisados serviram ou não para intervenção política. A ausência da necessidade de investigar tal questão, no presente estudo, decorre do fato de que um projeto como o nosso, que tem como objeto o resultado de análises concretas feitas por terceiros, busca um conjunto de conceitos - já não tão abstratos - que sejam passíveis de manipulação para fins analíticos. Isso, em parte, ajudou-nos a dispensar as entrevistas, que poderiam servir para confirmar ou desmentir essas questões ideológicas passíveis de serem examinadas qualitativamente.

De qualquer maneira, o fato de termos em nossa amostra autores que participaram de forma direta do governo e também da oposição de esquerda aos governos Lula não se mostrou influente nos resultados de nossa investigação. Nem mesmo nos casos mais sintomáticos apareceram grandes variações nas teses dos autores. Os métodos utilizados e os resultados teóricos alcançados por eles, não são menos importantes devido à sua utilização como instrumento de intervenção na prática política.

Como nosso objeto é o resultado de análises empíricas de uma conjuntura política concreta e determinada temos, dessa maneira, o processo político brasileiro compreendido entre os anos de 2003 e 2010, como nosso objeto indireto. A produção teórico-intelectual deve ser um meio para que avancemos no conhecimento da realidade política concreta, uma vez que ela existe de fato e não os conceitos:

Pode-se dizer que, no sentido rigoroso do termo, apenas existem os objetos reais, concretos e singulares. O processo de pensamento tem como fim último o conhecimento desses objetos: a França ou a Inglaterra em um momento determinado do seu desenvolvimento. Por conseguinte, o conhecimento desses objetos passa pela suposição de que estejam determinados, na matéria-prima, visto serem precisamente – como conhecimento concreto de um objeto concreto – o resultado de um processo que Marx designa pelos termos de “síntese de uma multiplicidade de determinações”. (POLANTZAS, 1977, p. 13)

No balanço bibliográfico, classificaremos os governos Lula da Silva nos quesitos da representação de interesses e da hegemonia no aparelho de Estado, através da própria bibliografia estudada. Isso também se deve, em grande medida, à metodologia utilizada para análise de nosso objeto que consiste numa classificação comparativa entre as várias teses dos autores, provenientes de diversas correntes de pensamento do campo de esquerda. Nos três capítulos anteriores, nossa comparação será feita sempre em pares de oposição, por ser esta uma metodologia que facilita o confronto direto entre as teses dos autores que se encontram num mesmo campo, e a interlocução deste com os outros

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analisados. Assim, acreditamos deixar claras, ao leitor, as convergências que conformam um campo específico e as divergências que o extrapolam.

Tentaremos, na medida em que for possível extrair das obras dos autores, expor o resultado da pesquisa que realizamos a partir dos três aspectos da análise da política de Estado: análise da política econômica, social e externa. A opção pela divisão entre esses três tipos de políticas, tanto na análise quanto na exposição dos nossos resultados, ocorre porque cada uma delas faz referência prática a classes e frações de classe distintas (POULANTZAS, 1977). Algumas, como veremos, são voltadas prioritariamente às classes dominantes, enquanto outras se voltam prioritariamente às classes dominadas. A exposição será, contudo, feita de maneira contínua e não estanque, uma vez que a subdivisão entre os tipos de políticas estatais, dentro de cada capítulo, enrijece o esquema analítico proposto e pode trazer prejuízos para a compreensão do texto. Não extrairemos de maneira sistemática os três tipos de políticas em todos os autores, já que cada tese apresenta sua especificidade e o seu foco, de modo que a análise da política econômica pode ser mais detalhada em algumas teses e a política social em outras.

Por política econômica entendemos a macro política e a política voltada, prioritariamente, para as classes e frações de classe dominantes, como os setores do agronegócio, da indústria e do capital bancário. Citamos, como exemplos de políticas econômicas, a política estatal de juro, a de controle da inflação, os financiamentos das grandes empresas privadas pelos bancos públicos e a cotação da moeda no mercado internacional, que determina a vantagem comparativa dos produtores internos frente ao mercado mundial. A ideia de política econômica está, portanto, intimamente ligada a outros dois conceitos - o de bloco no poder e o de hegemonia - como mostraremos mais adiante.

Por política social, entendemos as políticas voltadas, prioritariamente, para as classes dominadas como, por exemplo, as políticas compensatórias de distribuição de renda e os programas de habitação popular. As políticas sociais implementadas pelo Estado capitalista permitem que as demandas econômicas das classes populares não se tornem, necessariamente, demandas políticas, da maneira que ocorria como regra nas formações sociais que precederam o modo de produção capitalista (POULANTZAS, 1977). Isso significa que a manutenção do equilíbrio instável de compromisso é mais flexível nesse modo de produção, já que as demandas das classes populares podem ser canalizadas para uma demanda econômica que o Estado é capaz de responder, sem

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colocar os interesses estratégicos da classe dominante em risco. Ou seja, a autonomia relativa do Estado capitalista permite que ele atenda a demandas econômicas das classes dominadas, sem que a classe dominante tenha os seus interesses de manutenção do poder político e de manutenção do aparelho de Estado colocados em disputa (POULANTZAS, 1977).

Finalmente, por política externa, entendemos as alianças e os acordos políticos, econômicos e de comércio exterior que o Estado estabelece com outros países ou bloco de países, assim como os posicionamentos nas instituições internacionais. A política externa também nos mostra, por consequência, de que modo se relaciona o bloco no poder brasileiro com o bloco no poder de outros países (BERRINGER, 2015). Ou seja, como a burguesia brasileira se relaciona com as burguesias de outras nacionalidades (POULANTZAS, 1977). É importante frisar que essa definição de política externa admite que uma mudança desta possa refletir alterações internas no bloco no poder.

Sabemos que, na prática, entretanto, essas três esferas da política de Estado não estão separadas de maneira estanque e nem isoladas umas em relação às outras. Trata-se de um processo complexo e contraditório. Uma política econômica como a taxa de juros, por exemplo, mesmo quando é elaborada e efetivada com intuito de realizar a pauta da fração rentista da classe dominante, efetivamente, altera as condições materiais de vida das classes dominadas, uma vez que pode alterar o juro do cartão de crédito e, mais ainda, ter impacto negativo sobre a criação de empregos. Para citar outro exemplo, podemos elencar o controle do índice de inflação feito através da diminuição do dinamismo da economia produtiva que, por um lado, garante a valorização do capital liquido para as classes dominantes e, por outro lado, também gera impacto negativo sobre a criação de vagas de emprego, uma vez que os investimentos produtivos nesses períodos são baixos como foi na década de 1990 no Brasil.

Em síntese, quando o índice da inflação está alto ou descontrolado, isso pode gerar efeitos em cadeia na economia, que corroem o salário das classes dominadas e frustram a expectativa do mercado em relação ao preço dos produtos, canalizando grande parcela da renda para o setor financeiro da economia. Isso é ruim para as classes dominadas que deixam de ter seus empregos e o seu poder de compra e para as classes dominantes, que perdem parte de seu lucro devido ao baixo retorno monetário resultante da diminuição dos investimentos. A alta taxa de juro, a fim de controlar a inflação, ao mesmo tempo em que proporciona uma vultosa renda com juros, não garante a

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produção funcionando com elevado grau de utilização da capacidade produtiva que passa a agir como um mecanismo concentrador de renda.

Por outro lado, podemos utilizar o programa Fome Zero como exemplo de política social, que é elaborada com intuito de responder, prioritariamente, às demandas7 das classes dominadas8, mas que, na prática, também impacta no funcionamento da reprodução das classes dominantes. Esse programa aumentou a demanda interna por carne, o que favoreceu o setor dos grandes frigoríficos - setor específico importante da classe dominante brasileira. Acabou por atender, portanto, de maneira prioritária, aos interesses específicos de uma fração do bloco no poder como consequência da absorção de demandas econômicas das classes dominadas (CYRINO, 2017).

Se tomarmos como exemplo o programa MCMV, constatamos que ele também é elaborado para atender, prioritariamente, aos interesses de uma fração da classe dominada9, mas que, por sua vez, também acaba atendendo aos interesses específicos de uma fração de classe dominante e, assim favorece, dentro do bloco no poder, o setor que tem as grandes construtoras como meio interno de acumulação de capital.

O passo seguinte, à análise das políticas econômica, social e externa foi a observação das relações estabelecidas pelos autores entre os três aspectos da política estatal. A sobreposição dessas esferas da política estatal, analisadas anteriormente de maneira separada, coloca-nos em um nível mais complexo de análise, como vimos nos exemplos do PBF, do MCMV e da política de juro. Essa proposta metodológica tenta desvendar o sentido implícito das conclusões dos autores a respeito das políticas econômica, social e externa. Tal procedimento foi adotado, porque, embora todos os autores tratem das três esferas da política estatal em suas obras, as conclusões são divergentes; não só pela importância distinta que estes dão a cada um desses aspectos, mas também na relação que estabelecem entre eles10.

Dessa maneira, é importante ao menos expressar que, ao longo de nossa pesquisa, nos deparamos com o fato de que muitas análises dos governos Lula têm apontado para

7 Nesse caso específico, uma demanda dos trabalhadores da massa marginal. 8

Por classes dominadas, entendemos todas as classes sociais de uma formação social específica que não possuem a propriedade dos meios de produção. Ou seja, as classes trabalhadoras urbanas e rurais e as classes médias.

9 Os trabalhadores assalariados de baixa renda.

10 Há uma grande dificuldade metodológica na tentativa de identificar e compreender os fatores que levam alguns autores a frisar os aspectos de continuidade dentro das três esferas da política estatal, em detrimento da descontinuidade, enquanto outros frisam os aspectos de descontinuidade em detrimento da continuidade. Como metrificar a medida analítica de cada autor? A dificuldade se encontrou no fato de que, tanto os que frisam a continuidade, quanto os que defendem a descontinuidade reconhecem a existência do aspecto que contraria sua conclusão nas políticas estatais.

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o fato de políticas sociais como, por exemplo, as cotas raciais, o PROUNI, e as políticas de combate à violência contra a mulher, podem ter sido as geradoras da silenciosa polarização que ainda viria a ocorrer, mas que já era gestada nesses mandatos11. Essa hipótese justificaria a grande oposição que Lula sofreu no segundo mandato, mas sofreram com ela, principalmente, os mandatos de Dilma Rousseff – já que seu ápice e seu apaziguamento aconteceriam com o golpe parlamentar de 2016. Isso porque essas políticas sociais focalizadas atingem a ideologia meritocrática da classe média brasileira12, classe social que se deslocava, já nos governos Lula, em direção à oposição e que se mobilizou em massa contra os governos Dilma. Em síntese, as políticas sociais focalizadas podem ter reforçado o realinhamento eleitoral apontado por Singer (2012) e, mais que isso, podem ter sido as grandes responsáveis pela polarização política que ocorreria no momento imediatamente posterior à sua implantação.

O que nos interessa é que, a despeito dessa hipótese levantada, a política pública focalizada na população, em posição de opressão estrutural13, parece ser de grande valia, pois fornece pistas significativas a respeito da correlação de forças entre as classes sociais, não só porque elas são resultado das lutas populares já que têm interseccionalidade com a questão de classe, mas também sobre a representatividade política, uma vez que as políticas públicas dirigidas nos mostram uma maior ou menor abertura dos governos e da burocracia de Estado a setores historicamente excluídos do poder ou um aumento da capacidade de luta das classes dominadas.

Apesar disso, essas políticas públicas direcionadas também podem ser concretizadas como resultado de governos populistas ou bonapartistas14. Mesmo nesses casos, significam uma fragilidade das classes dominantes, a qual seria em relação ao Estado e sua autonomia relativa e não em relação à ação das classes dominadas. A luta e o conflito entre as classes e frações de classes sociais têm papel fundamental no desenho e funcionamento dos aparelhos de Estado o que, por sua vez, é traduzido pela correlação

11 E não os conflitos em torno das políticas econômicas como usualmente se supõe. 12 (SAES, 2016).

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Referimo-nos às mulheres, aos negros e as negras e à população LGBT.

14A bibliografia sobre o populismo e sobre o bonapartismo são enormes e muito distintas. De nossa parte, adotamos a distinção entre os governos populistas ou bonapartistas e a política e a ideologia populista ou bonapartista. Uma sociedade pode estar penetrada pela ideologia populista ou bonapartista, mas não estar sob um governo com essas qualidades. Um segundo ponto é que tanto a ideologia populista, quanto a ideologia bonapartista são estatistas e não percebem que a margem de autonomia para a ação que o Estado tem, depende da situação da relação de forças. Entretanto, é importante ressaltar que o estatismo populista tem um conteúdo progressista e popular, ao passo que o estatismo bonapartista possui um conteúdo conservador ou até reacionário. (BOITO, Armando. O sindicalismo na política brasileira, Campinas: UNICAMP, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2005).

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de forças entre as classes e frações de classes sociais que materializam, nas lutas e nas conjunturas específicas, o avanço ou o recuo das políticas públicas (POULANTZAS, 1975).

É preciso anunciar, contudo, que o leitor não encontrará uma análise aprofundada a respeito do resultado da totalidade das políticas sociais desenvolvidas ou criadas pelos governos Lula para esses setores específicos das classes dominadas - mulheres, negros e população LGBT - em nossa dissertação. Apesar de termos apreendido a fundamental importância para o desenvolvimento da análise da conjuntura brasileira, em determinado momento histórico, teríamos, no entanto, que desenvolver uma nova pesquisa.

Assim, os resultados apresentados, neste texto, têm a seguinte estrutura: no primeiro capítulo, exporemos as teses do campo que exibem os governos Lula como governos da continuidade do mesmo projeto neoliberal que vem sendo construído desde o início da década de 1990 (BRAGA, 2012 e PAULANI, 2010), em especial os governos de Fernando Henrique Cardoso. Tal bibliografia exibe a manutenção do tripé neoliberal das políticas econômicas e o crescimento das políticas sociais focalizadas como grande evidência dessa continuação neoliberal que permite concessões apenas dessa natureza.

No segundo capítulo, abordaremos os autores do campo que entendem os governos Lula como mandatos que promoveram uma reforma do modelo neoliberal implantado pelos governos precedentes. Esses autores também advogam a favor da continuidade dos três pilares fundamentais da política econômica neoliberal15, mas destacam a grande importância das políticas sociais: seja por entenderem que elas criaram as condições para a formação de uma frente política neodesenvolvimentista, que passa a priorizar uma política econômica também neodesenvolvimentista para responder às demandas da nova fração hegemônica - grande burguesia interna (BOITO JR., 2012); seja por entender que ela permitiu a renovação social da base petista, o que mudou a agenda governamental que passou a cumprir - por meio de um governo bonapartista que se apoia ora na burguesia rentista, ora na burguesia produtivista - o programa do subproletariado (SINGER, 2012). Em ambos os casos tem-se, como tese central, a

15 Quando falamos nos três pilares, pensamos na política de superávit primário, câmbio flutuante e política de controle da inflação por meio de juro. É o tripé que foi estabelecido com a política neoliberal do segundo mandado de FHC.

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leitura de que dentro desse quadro de modelo econômico neoliberal foi possível a ascensão de uma nova hegemonia traduzida por novas políticas econômicas e sociais.

No terceiro capítulo, dedicamo-nos à análise das teses dos autores que concluem que os governos Lula superaram os paradigmas do modelo neoliberal, implantado pelos governos precedentes (MERCADANTE 2010; SADER, 2013). Nesse capítulo, os autores analisados dão uma importância ainda maior que os autores que consideram o campo dos governos Lula como governos reformistas para as políticas sociais desenvolvidas pelo referido governante, já que estas figuram, em suas análises, como as responsáveis pela superação do modelo neoliberal. Elas são as bases que possibilitaram essa nova matriz econômica pós-neoliberal representada pelos governos petistas.

Pensamos que esse método de exposição facilitará a compreensão do leitor sobre os pontos de convergência e divergência entre os autores de cada campo, aspecto importante da pesquisa que pretende uma sistematização das análises. Não queremos, todavia, que tal agrupamento, em três campos, induza o leitor a crer em três blocos homogêneos e isentos de contradições internamente. Existem, para além das convergências e divergências entre os três campos, alguns pontos abordados que afastam os autores de um mesmo campo. Citamos, como exemplo, o caso, já referido acima, de Boito Jr. (2012) e Singer (2012), ambos do campo dos governos Lula como reformismo, mas que apesar de compartilharem dessa tese central, divergem na análise sobre o que para nós seria a hegemonia desses mesmos governos. O primeiro defende que, nos governos Lula, a hegemonia foi conquistada pela grande burguesia interna (BOITO JR., 2012) ao passo que o segundo oscila entre a defesa da tese, segundo a qual os governos Lula realizaram o programa do subproletariado e a tese de que representaram governos bonapartistas (SINGER, 2012), o que para nós se traduz como governos que vivem uma crise de hegemonia.

Por fim, sabemos que o modelo teórico selecionado, como instrumento de análise, não aponta o resultado das pesquisas de maneira mecânica, mas apenas apresenta o ponto de partida abstrato para o estudo do objeto16 concreto. Destarte, os limites mais amplos do marxismo, já vastamente debatidos em outros trabalhos, o fato de apoiarmo-nos nas correntes de esquerda deve-se ao fato de que os conceitos trabalhados e desenvolvidos por esse campo teórico, bem como os conceitos de classes sociais, Estado e luta de classes ainda são de grande utilidade para o estudo dos processos

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HALPERIN, Sandra., & HEATH, Oliver. Political Research: Methods and Practical Skills. OUP Oxford, 2012.

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políticos nas formações sociais contemporâneas que têm como modo de produção o capitalismo.

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2 GOVERNOS LULA COMO CONTINUIDADE IRRESTRITA DO MODELO NEOLIBERAL

Como antecipado na introdução, o primeiro capítulo tratará de analisar as teses dos autores selecionados para esta dissertação, os quais advogam que a caracterização dos governos Lula da Silva deve ser feita como aqueles de continuidade irrestrita dos governos neoliberais precedentes aos dele. As teses em questão são as de Leda Paulani (2010) e de Ruy Braga (2012) e, segundo elas, os governos de Lula foram incapazes de (ou, mais provavelmente, não buscaram) romper com o modelo econômico neoliberal vigente, quando o petista assumiu o cargo de Presidente da República no ano de 2003. Desse modo, Lula teria mantido de maneira irrestrita (e às vezes afirma-se que houve um aprofundamento) das reformas neoliberais que vinham ocorrendo no Brasil em favor do capital financeiro internacional desde o início da década de 1990.

A tese de Leda Paulani (2010) é bem clara a esse respeito. A autora defende que ao realizar algumas das reformas do processo de ofensiva neoliberal17 que se iniciaram ainda nos governos de Fernando Collor de Mello e de Itamar Franco, mas que estavam inconclusas, os governos chefiados por Lula deram continuidade ao projeto neoliberal que o capital financeiro internacional apresenta para o país. As reformas macroeconômicas feitas por ele, dentre as quais a reforma da Previdência e a aprovação da Lei de Falências, teriam completado o ciclo reformista18 necessário como resposta ao capital financeiro e transformado o país numa plataforma de valorização financeira internacional. Como veremos adiante, a tática política utilizada para tanto foi empregar o discurso de estado de emergência econômica como recurso.

A tese de Ruy Braga (2012) também não deixa dúvidas. Para compreender os governos Lula, esse autor remonta às raízes das transformações da práxis proletária – a fração precarizada - na mudança do taylorismo para o fordismo periférico no Brasil por

17 A autora define neoliberalismo como “uma coleção de práticas de política econômica” (PAULANI, 2008, p. 67). Em comparação com o liberalismo clássico o neoliberalismo é: a) mais estreito por se restringir ao aspecto econômico e; b) menos iluminista, pois depende mais da crença do que da razão. 18 As primeiras mudanças de peso como preparação do Brasil para a entrada no circuito internacional de valorização financeira foi no governo Itamar quando o BC resolve desregulamentar o mercado financeiro brasileiro e realizar a abertura do fluxo de capitais. Com a abertura formalizada a necessidade era o problema inflacionário, que surge ainda no governo Itamar e ganha corpo nos governos de FHC junto com as privatizações. A partir de então tudo passou a ser justificado pela necessidade de manter a estabilidade monetária trazida pelo Plano Real. Para mais informações buscar por; PAULANI, Leda. O Brasil como plataforma de valorização financeira internacional (um balanço da política econômica do primeiro ano do governo Lula). In: Brasil Delivery. Boitempo. São Paulo, 2008.

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entender que são as transformações que ocorreram com essa práxis proletária, foi o que deu sustentação ao núcleo duro da hegemonia lulista construída nos anos 1980. No transcorrer deste capítulo, muito provavelmente, os leitores nos questionarão se perguntando se não nos delongamos excessivamente na análise que Ruy Braga (2012) faz do processo de transição do taylorismo para o fordismo periférico e a transformação decorrente pela qual passou o sindicalismo brasileiro. Acreditamos que sim, frisamos esse tipo de análise, mas essa opção foi feita porque é o próprio autor que assim o faz. Embora o livro A política do precariado seja resultado de uma proposta de analise da hegemonia nos governos Lula, tal obra fala muito sobre sua gênese na década de 1980 e pouco sobre ela concretizada nos anos 2000.

Após essa análise histórica, Braga (2012) acaba por afirmar que o modelo de “regulação lulista” acabou por se adequar ao atual modo de regulação 19

- o modo financeiro - mas que manteve como parte da sua substancia a relação original entre a burocracia sindical de São Bernardo do Campo e a massa operária, em especial o precariado. Relação que se sustentou através de uma afinidade ambígua entre os consentimentos ativo e passivo da classe dominada.

O precariado20 é resultado, portanto, do processo de inserção dos trabalhadores que emigraram do campo para as cidades a partir da década de 1930. A posição de Ruy

19

Em A Política do Precariado, a ideia de “regulação” é inspirada pela teoria francesa da regulação, mas é um tanto quanto obscura para nós. No entanto, encontramos um texto mais antigo (BRAGA, 2002), em que o autor discorre sobre o assunto e afirma que a originalidade dessa metodologia é que o seu centro está na “análise da historicidade das sociedades contemporâneas”, apreendidas com base na distinção entre as mediações institucionais (parcialmente autônomas), tais como a moeda, a relação salarial, as formas da concorrência, as formas de Estado e o modo de inserção internacional. Essa perspectiva se articula em torno da problemática das crises estruturais e das estratégias para a superação dessas crises mediante o compromisso institucionalizado e as rotinas produtivas. Os regulacionistas entendem, portanto, que a categoria “modo de regulação” permite que o analista apreenda os arranjos históricos que asseguram a compatibilidade entre um conjunto de decisões descentralizadas sem que sejam interiorizados pelo agente os princípios gerais que regem o conjunto do sistema. De volta A Política do Precariado, não foi possível deixar de notar que o autor utiliza, ao longo de seu livro, muitos termos baseados na noção conceitual de “regulação” como, por exemplo, “regulação populista”, “regulação autoritária”, “regulação lulista” etc. Para nós, esses vários tipos de “regulação” possuem muitos méritos na análise sociológica, mas que transferido à análise política acabam por substituir a definição do poder político e o debate da classe ou fração de classe que o exerce como força subordinada ou hegemônica. 20

A definição de precariado parece se modificar ao longo do texto. A declaração inicial é de que o precariado é a fração de classe mais explorada do proletariado urbano e rural e vive em média com uma renda entre 1 e 2 salários mínimos (BRAGA, 2012, p. 28). É o proletariado precarizado, fração que é intrínseca ao processo capitalista e não é, segundo o autor, um subproduto do neoliberalismo. Em outro texto, Braga (2014) afirma que o precariado engloba os trabalhadores flutuantes, os trabalhadores latentes e a população estagnada. Ainda segundo Braga (2012), o precariado, por ser uma fração do proletariado, possui a capacidade de mobilização coletiva de modo que, exclui-se dessa fração o lumpemproletariado e os pauperizados. Ao contrário do que aparece na tese de Singer (2012), para quem o subproletariado, além de não ter capacidade de organização coletiva, inclui o lumpemproletariado e os pauperizados, mas exclui os trabalhadores flutuantes (BRAGA, 2012, p. 28). Contudo, conforme nos aproximamos do final

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Braga (2012) é de que esses trabalhadores eram ativos politicamente e mobilizados em seus locais de trabalho e mesmo que na maioria desses espaços se deparassem cotidianamente com uma estabelecida burocracia sindical desmobilizadora, faziam pressão a partir das bases para que os sindicatos os apoiassem em suas lutas reivindicativas.

Essa é uma diferença importante que a tese de Braga (2012) carrega com a de Singer (2012), que analisaremos no próximo capítulo. De todo modo, cabe adiantar que esse autor entende que o precariado21 não é uma fração de classe mobilizada politicamente, exercendo a cidadania apenas quando convocada a votar. Para Braga (2012), o precariado em sua origem era individualista e havia a dificuldade de organização também por conta das divisões internas entre os trabalhadores qualificados e os não qualificados. O referido autor defende, contudo, que a passagem do taylorismo para o fordismo periférico transformou essa situação, ao coloca-los em situação de operariado urbano, o que significou o nascimento da “consciência política do precariado fabril”. A partir da chegada do precariado rural nas cidades, o sindicalismo passou a crescer tanto de dentro para fora dos sindicatos, pela transformação das comissões de salário para comissões de fábrica, quanto de fora para dentro desses espaços, ao expandirem as campanhas sindicais para as fábricas inteiras.

O golpe militar de 1964 veio justamente quando o populismo já não era mais garantia de que esse tipo de regulação social da luta de classes seria suficiente para amortecer os conflitos (BRAGA, 2012) entre dominados e dominadores no fordismo periférico22. Assim, as classes dominantes substituíram o populismo por um tipo de “regulação autoritária” em um “regime de acumulação despótico”.

Foi a instauração desse novo tipo de regulação autoritária que gerou o descontentamento social que ocorreu no ABCD paulista23 e fez com que, a partir da década de 1970, a escassez de força de trabalho e o arrocho salarial gerassem um

do livro (BRAGA, 2012) a definição de precariado passa a ser mais ampla e inclui, por exemplo, os trabalhadores bancários e os metalúrgicos.

21 Em seu livro Singer (2012) denomina essa fração de classe como subproletariado.

22 O fordismo é a superação de um regime de acumulação, baseado na indústria de baixa produtividade e orientado para a exportação de bens de consumo não duráveis. Essa noção é um processo de mecanização da produção associada ao aumento da acumulação intensiva de capitais e o crescimento de bens de consumo duráveis que, no caso brasileiro, foi de 1950 a 1990 aproximadamente. O caráter periférico do fordismo brasileiro advém do fato de que os níveis mais qualificados dessa nova forma de produção, como setores importantes da engenharia, permanecem externos ao país (BRAGA, 2012, p. 20. 21). 23 ABCD paulista se refere às cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema. Essas cidades fazem parte da região metropolitana de São Paulo e possuem algumas características socioeconômicas parecidas.

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processo de resistência nos locais de trabalho por parte dos trabalhadores dessas cidades, tendo o precariado como vanguarda desse processo (BRAGA, 2012). Esse processo gerou uma situação em que o sindicalismo oficial, para não perder sua legitimidade passou, então, a exigir direitos do governo. Inclusive a volta do direito de greve.

Em 1980, houve uma derrota dos trabalhadores numa greve e com término desta, a burocracia sindical reassumiu o seu lugar na estrutura sindical e, como sempre ocorre, aperfeiçoou-se o tipo de dominação social exercido ao traduzir burocraticamente a linguagem do descontentamento e da cultura organizativa do precariado, a qual se mostrou estratégica para a criação da CUT e do PT, na medida em que esse aperfeiçoamento de um novo tipo de dominação social serviu para realocar o controle estatal sobre os sindicatos e recrutar os melhores e mais dispostos quadros do novo sindicalismo para as fileiras opostas, a dos chamados pelegos. É durante esse condensado período político, que o autor (BRAGA, 2012, pp. 181, 182) diz ter identificado um novo tipo de dominação social que, segundo ele, já estava germinando e que rapidamente viria a ser o tipo de regulação social dos conflitos de classes que se tornou hegemônica durante o período dos governos lulistas. Essa época

não se trata apenas da origem do PT. Por si só, isso seria suficientemente importante para justificar um retorno às etnografias e aos estudos de caso que, ao longo dos anos 1970, registraram e analisaram a relação dos “peões” do ABCD com a burocracia sindical de São Bernardo. Antes, porém, a revisita a essas pesquisas permitiu identificar os primeiros passos de uma nova forma de dominação social cujo fundamento localiza-se no encontro de dois tipos distintos, porém complementares, de consentimento. (BRAGA, pp.177-178)

Tal constatação só foi possível porque os estudos que Braga (2012) analisa permitiram que se percebesse que, por um lado, havia grande mobilização operária, nos anos de1970, alimentada pela insatisfação salarial e pelas condições de trabalho, mas por outro existia essa burocracia que se mostrou sensível às reivindicações das bases e soube incorporar aqueles operários que se destacavam pelo trabalho feito entre estas nas empresas, desmobilizando os trabalhadores. Segundo Ruy Braga, essa arqueologia da burocracia sindical que ele propõe é levada adiante pelo PT e transforma-se na hegemonia lulista com a vitória de Lula nas eleições de 2002 (BRAGA, 2012). O autor entende, portanto, que os governos Lula são aqueles que tiveram relativa mobilização social da classe trabalhadora, mas que governaram no sentido de quem busca cumprir o

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programa das classes dominantes devido, principalmente, à cooptação da burocracia sindical. A tese do autor admite que a própria trajetória pessoal de Lula, no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, pode exemplificar essa situação. A comparação é feita uma vez que ele

mesmo fazendo parte da diretoria ampliada do sindicato, em 1969, aproximou-se da oposição a Paulo Vidal, reconciliando-se com o “pelego” sindical em troca de uma vaga na diretoria efetiva em 1972. Eleito diretor, ele passou a cuidar do recém-criado setor de previdência social e FGTS do sindicato. Escolhido por Vidal para encabeçar a chapa situacionista, procurou se cercar de novos ativistas oriundos das principais empresas do ABCD paulista. (BRAGA, 2012, p. 178)

O mesmo movimento foi feito pela burocracia sindical do ABCD paulista, quando esteve no governo. Os anos 2000 significaram uma “reviravolta transformista” 24

nas relações entre o sindicalismo brasileiro e o Estado. O governo de Lula preencheu aproximadamente metade dos cargos superiores de direção e assessoramento25 com sindicalistas que passaram para o controle de parte importante do orçamento público - mais de 200 bilhões de reais. Além disso, houve os tantos cargos ocupados em fundos de pensão de empresas estatais por esses mesmos sindicalistas e a reforma sindical, que oficializou as Centrais Sindicais e colocou em suas mãos cerca de 100 milhões de reais (BRAGA, 2012, p.204). Em síntese, Lula aproximou-se da oposição para governar, fez o programa dela e tratou de cuidar dos fundos de pensão, processo que o autor chamou de financeirização da burocracia sindical (BRAGA, 2012, p. 141). A crítica de Braga reserva um lugar especial ao sindicato dos bancários, que teria sido o principal elo entre o governo e o setor financeiro.

É possível dizer que a cúpula dos bancários de São Paulo foi o principal meio de ligação da aliança afiançada por Lula da Silva entre a burocracia sindical petista e o capital financeiro. Na verdade, o cimento desse pacto foram os setores da burocracia sindical que se transformaram em gestores dos fundos de pensão e dos fundos salariais. O sindicato dos Bancários de São Paulo forneceu os quadros políticos para essa operação. (BRAGA, 2012, p. 205)

O desenvolvimento que Paulani faz de sua tese, também é realizado através de uma perspectiva do tempo alongada, ou seja, seu marco temporal também é longo e é exatamente isso o que permite que essa autora reforce os seus argumentos a respeito da continuidade da implantação do modelo neoliberal no Brasil, durante as décadas de 1980, 1990 e 2000, no decorrer dos governos petistas. Traçando um panorama histórico,

24

Não há nenhuma referência explicitando o que significa o termo transformismo para o autor. 25 Foram cerca de 1305 cargos (BRAGA, 2012, p. 204).

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