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Organizações sociais da cultura e formação em música na cidade de São Paulo : um estudo sobre o Projeto Guri

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PATRICIA AMORIM DE PAULA

ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DA CULTURA E FORMAÇÃO

EM MÚSICA NA CIDADE DE SÃO PAULO:

UM ESTUDO SOBRE O PROJETO GURI

CAMPINAS

2016

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PATRICIA AMORIM DE PAULA

ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DA CULTURA E FORMAÇÃO

EM MÚSICA NA CIDADE DE SÃO PAULO: UM ESTUDO

SOBRE O PROJETO GURI

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do Título de Mestra em Educação, na área de concentração de Ciências Sociais na Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Liliana Rolfsen Petrilli Segnini

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA

PATRICIA AMORIM DE PAULA, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. LILIANA ROLFSEN PETRILLI SEGNINI.

CAMPINAS 2016

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica. Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Paula, Patricia Amorim de, 1988-

P281o PauOrganizações sociais da cultura e formação em música na cidade de São Paulo : um estudo sobre o Projeto Guri / Patricia Amorim de Paula. –

Campinas, SP : [s.n.], 2016.

Pau Orientador: Liliana Rolfsen Petrilli Segnini.

Pau Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade

de Educação.

Pau 1. Projeto Guri. 2. Organização social. 3. Cultura. 4. Trabalhos artísticos. 5. Educação musical. I. Segnini, Liliana Rolfsen Petrilli,1949-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Social organizations of culture and music education in the city of São Paulo : a study about the Guri Program

Palavras-chave em inglês: Guri Program Social organizations Culture Artistic labor Music education

Área de concentração: Ciências Sociais na Educação Titulação: Mestra em Educação

Banca examinadora:

Liliana Rolfsen Petrilli Segnini [Orientadora] Alexandro Henrique Paixão

José Roberto Zan

Data de defesa: 24-02-2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DA CULTURA E FORMAÇÃO

EM MÚSICA NA CIDADE DE SÃO PAULO: UM ESTUDO

SOBRE O PROJETO GURI

Autora: Patricia Amorim de Paula

COMISSÃO JULGADORA:

Orientadora: Profa. Dra. Liliana Rolfsen Petrilli Segnini

Prof. Dr. Alexandro Henrique Paixão Prof. Dr. José Roberto Zan

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

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Agradecimentos

Ao final deste processo de pesquisa, apesar da cilada das palavras e do desafio de lançar-se por meio da escrita (LISPECTOR, 1999), senti que foi possível construir um trabalho acadêmico sobre e com os sujeitos envolvidos. Por isso, quero registrar, de forma destacada, a confiança em mim depositada pelos sujeitos entrevistados do Guri Santa Marcelina, bem como a recepção de sua coordenação durante o trabalho de campo. Sem dúvidas, esses elementos foram fundamentais para concretizar esta dissertação. Embora fazer pesquisa seja um trabalho solitário, sou muito grata por ter contado com algumas pessoas que se fizeram presentes e deixaram a sua contribuição para ela.

À professora Liliana Segnini, minha orientadora, que esteve presente em todos os momentos desta construção, da preparação ao desenvolvimento. Nos conhecemos por meio da disciplina que ela ministrava, Sociologia Geral, e desde então ela esteve próxima, com sua orientação séria, competente, atenciosa e carinhosa, despertando o desejo pela pesquisa. Os reflexos de nossos diálogos estão impressos nos diferentes momentos que envolvem o processo de pesquisa: no entusiasmo, na alegria e nas conquistas e também nas frustrações, nos desafios e nas adversidades, o que demonstra a intensidade de nossa relação. Contar com sua orientação, com seu estímulo e seu exemplo de mulher, professora e pesquisadora é, para mim, um bem de valor inestimável.

À professora Aparecida Neri de Souza, que também é a grande responsável pela existência deste projeto. Seu incentivo, suas indicações, o seu esforço em reunir e unir nosso grupo de pesquisa, sempre traziam novo ânimo para prosseguir e desenvolver nossas pesquisas. Sua capacidade de agregar pessoas e formar coletivos de pesquisa nos inspira a resistir ao extremo individualismo e produtivismo acadêmico instaurado em nossa universidade.

Meus sinceros agradecimentos aos professores Alexandro Henrique Paixão e Cármen Lúcia Rodrigues Arruda, pelas indicações e caminhos apontados para a pesquisa no Exame de Qualificação. Aos professores Alexandro Henrique Paixão, José Roberto Zan, Cármen Lúcia Rodrigues Arruda e Aparecida Neri de Souza, por aceitarem participar e contribuir nesse processo de conclusão do trabalho como membros da Banca de Defesa.

Agradeço a Regina Celia Devera, Marlene Amorim, Luciana Corniani, Marta Godoi, Ester Dias, Rosilda Wustemberg, Sidneia Silva, Rose Pontes e Lauro Sartoratto, cuja ajuda profissional, torcida, e também, conforto, foram fundamentais para amenizar as barreiras encontradas no percurso.

Agradeço à Faculdade de Educação da Unicamp, pelo apoio e suporte oferecidos durante todos esses anos. Desde a equipe da limpeza à direção desta instituição,

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todos são essenciais e indispensáveis para o funcionamento e o desenvolvimento humano de professores, estudantes e funcionários que trabalham nesse espaço.

Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação, em especial, a Nadir, Cleonice, Luciana e Ligia, pela atenção, disposição e gentileza ao atender nossas demandas e angústias. Não posso deixar de agradecer também a todos os funcionários da Biblioteca da Faculdade de Educação pelo empenho e pelo trabalho desenvolvido neste espaço tão importante para a vida acadêmica.

Aos amigos e pesquisadores vinculados ao GEPEDISC, pelas trocas, parcerias e apoio em momentos de aflição: Cármen Lúcia Rodrigues Arruda, Selma Venco, Cacilda Ferreira dos Reis, Dilma Marão Pichoneri, Juliana Coli, Driely Gomes, José Humberto da Silva, Katiuska Scuciato de Riz, Liliane Bordignon, Maria Aparecida Alves, Ricardo Normanha Ribeiro de Almeida, Cyntia Malaguti Moya, Potiguara Lima, Fernando Protetti e Amanda Coutinho.

À minha família, em especial aos meus pais, pela educação e condições proporcionadas para que eu pudesse estudar e buscar os meus sonhos. E aos demais familiares, que com muito carinho e respeito compreenderam a minha ausência e se colocaram à disposição para me acolher nos momentos de dificuldades.

À Leda Farah, responsável pelo cuidado e atenção dispensados às palavras deste texto, meu mais sincero reconhecimento pela importância de seu trabalho.

Aos meus amigos que tiveram a sua importância nos momentos de descontração, reflexões, conselhos, carinho e contraponto à solidão que cada um carrega dentro de si: Edimária Santana, Thamires Reiss, João Paulo Braite, Gabriela Chiareli, Bernardo Mendes Ribeiro, Larissa Soares, Mariana Urrutia Thomaz, Rodrigo Ribeiro, Diogo Negrão, Emiliano César Almeida, Ariadne Meissner, Mariana Halter, Cláudio da Silveira Júnior, Domingos Pereira da Silva, Flore Noirot, Claire Malsch, In Cheong, Shelbi Labat, Luisa Domingues, Jace Labat, Satya Prakash, Wellington Oliveira, Manny Esguerra, Diogo Oliveira, Larissa Vieira, Simone Shiosawa e Gabriel Sebrian Concário.

Ao meu amigo e companheiro, Cesar, pela paciência, pelo estímulo e apoio dedicados a mim durante todo esse processo. Por sua sensibilidade, sua música e seu amor à profissão que me cativam e influenciam meus interesses de pesquisa. Obrigada por seu companheirismo e compreensão nos momentos mais críticos vivenciados neste percurso.

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Diálogo entre Edward W. Said e Daniel Barenboim

EWS: E me interessa mais o que não pode ser resolvido e o que é irreconciliável. Quer dizer, se, no contraste entre estética e política, fosse possível recuperar cada fenômeno estético e, de algum modo, convertê-lo em político, não haveria resistência; acho que às vezes é bom ver o estético como uma denúncia do político, como uma poderosa oposição à desumanidade, à injustiça. E acho que é a isso que as pessoas reagem em Beethoven. Você inclusive. Portanto, na minha opinião, é perigoso dizer: “Tudo bem, faz parte da vida”. Há partes da vida que a gente não quer aceitar. [...] O que dá tanta força às suas interpretações é precisamente o fato de estarem sempre lembrando que isso é A e não é B. É precisamente por ser tão A que você não pode dizer que é B. Para mim, que gosto tanto de música, uma parte muito importante da prática musical é que, num sentido profundo, a música talvez seja a resistência final à aculturação e à mercantilização de tudo. (BARENBOIM; SAID, 2003, p.176)

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RESUMO

O objetivo deste estudo é analisar as políticas culturais no campo da formação em música dirigidas às crianças e jovens das classes trabalhadoras, elaboradas pela Secretaria de Estado da Cultura, bem como sua gestão e execução por parte de Organizações Sociais da Cultura. Para tanto, estabelecemos como estudo de caso o Projeto Guri Santa Marcelina – Organização Social da Cultura, a fim de compreender como se constituem as relações entre o Estado, as Organizações Sociais, que são uma parcela da sociedade civil de origem burguesa responsável pela gestão dos equipamentos públicos, e as empresas e as grandes corporações que financiam as ações culturais públicas por meio do mecanismo de renúncia fiscal e/ou patrocínio. Os instrumentos de pesquisa foram: documentos institucionais (Leis, estatutos, regimentos, orçamentos, prestações de contas, contratos de gestão, currículos e programas de formação); trabalho de observação das atividades referentes ao projeto; e entrevistas com jovens músicos em formação, docentes e funcionários. Propõe-se compreender o significado dessa organização social e das relações que legitimam e estruturam sua prática educativa, tal como compreender o impacto que as relações sociais de trabalho exercem sobre as relações de formação.

Palavras-chave: Organizações Sociais da Cultura. Trabalho Artístico. Projeto Guri. Educação Musical.

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ABSTRACT

The aim of this research is to analyze the cultural policies in music education for children and young students of the working classes, developed by the State Secretariat of Culture of São Paulo, as well the management and execution of this policies by the Social Organizations of Culture. It is stablished a case-study, the Guri Program - Santa Marcelina, in order to understand the relationships between the State, the Social Organizations, which are a portion of the civil society related to the third sector and responsible for the management of the public facilities, and the businesses and big companies that finance public cultural activities through tax waivers mechanisms and / or sponsorships. The instruments used in this research were: institutional documents (Laws, statutes, regulations, budgets, rendering of accounts, management contracts, curricula and training programs); field observation of activities related with the program; and interviews with music students, music teachers and employees of the program. The study uses such research instruments in order to comprehend the meaning of these social organizations and the relationships that legitimize and structure their educational practice, and also comprehend the effect that work relationships have on education relationships.

Keywords: Social Organizations of Culture. Artistic Labor. Guri Program. Music Education.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AAPG – Associação de Amigos do Projeto Guri. AMA – Atendimento Médico Ambulatorial.

AME – Atendimento Médico Ambulatorial de Especialidades. APAC - Associação Pinacoteca Arte e Cultura.

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento. CAPS – Centro de Apoio Psicossocial.

CEU – Centro Educacional Unificado. CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas. ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.

EMESP – Escola de Música do Estado de São Paulo Tom Jobim. FEBEM - Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor.

GSM – Guri Santa Marcelina. GIF – Grupo Infanto-Juvenil.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IVJ – Índice de Vulnerabilidade Juvenil.

IPVS – Índice Paulista de Vulnerabilidade Social. MINC – Ministério da Cultura.

NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família. ONG – Organização Não Governamental. OS – Organização Social.

OSC – Organização Social da Cultura.

OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. PG – Projeto Guri.

PNC – Plano Nacional de Cultura. PROAC - Programa de Ação Cultural.

SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados. SEC – Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.

SMC - Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. SNC - Sistema Nacional de Cultura.

UBS – Unidade Básica de Saúde.

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Projeto Guri – Premiações, parcerias internacionais e produtos, de 1999 a 2013.

Tabela 2 – Distribuição dos polos do Projeto segundo regiões administrativas e polos da Fundação Casa em 2013.

Tabela 3 - Distribuição dos polos do Guri Santa Marcelina por regiões e parcerias público ou público-privado, em 2014.

Tabela 4 – Distribuição, segundo o sexo, dos integrantes do Coral Juvenil do Guri, temporada 2014, em números absolutos.

Tabela 5 – Distribuição, segundo o sexo, dos integrantes da Banda Sinfônica Infanto-Juvenil do Guri, temporada 2014, em números absolutos.

Tabela 6 – Distribuição, segundo o sexo, dos demais grupos infantis e juvenis do Guri, temporada 2014, em números absolutos.

Tabela 7 – Distribuição do corpo docente do GSM, segundo o sexo e o instrumento, em 2012 (números absolutos).

Tabela 8 – Distribuição do corpo docente da EMESP- Tom Jobim, segundo o sexo e o instrumento, em 2012 (números absolutos).

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LISTA DE FIGURAS E DE GRÁFICOS

Figura 1 – Tipos de Área. Distritos do Município de São Paulo, 2005. Figura 2 - Índice de Vulnerabilidade Juvenil, segundo Tipos de Área. Município de São Paulo 2000-2005.

Figura 3 – Mapa da distribuição dos polos do Projeto Guri, em 2013.

Figura 4 - Aluno do Guri Santa Marcelina, em polo do CEU na zona sul de São Paulo.

Figura 5 - Mapa da distribuição dos polos do Guri Santa Marcelina, em 2014.

Gráfico 4.1 – Distribuição, segundo o sexo, dos integrantes do Coral Juvenil do Guri, temporada 2014, em porcentagem.

Gráfico 5.1 – Distribuição, segundo o sexo, dos integrantes da Banda Sinfônica Infanto-Juvenil do Guri, temporada 2014, em porcentagem.

Gráfico 6.1 – Distribuição, segundo o sexo, dos demais grupos infantis e juvenis do Guri, temporada 2014, em porcentagem.

Gráfico 7.1 – Distribuição do corpo docente do GSM, segundo o sexo e o instrumento, em 2012.

Gráfico 8.1 - Distribuição do corpo docente da EMESP- Tom Jobim, segundo o sexo e o instrumento, em 2012.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...14

Enfoque teórico...15

Projeto Guri e o seu contexto...16

Metodologia...18

CAPÍTULO I A MÚSICA COMO AGENTE DE CIDADANIA: A CONTRIBUIÇÃO DO PROJETO GURI...22

A origem do Projeto Guri...26

O surgimento da Associação de Amigos do Projeto Guri...39

CAPÍTULO II ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E AS POLÍTICAS CULTURAIS...44

Criação do Ministério da Cultura...56

O Ministério da Cultura: ontem e hoje...60

Política Cultural Experimental...67

CAPÍTULO III DUAS CONCEPÇÕES DE PROJETO GURI: PARALELOS E PARADOXOS...75

Uma nova Organização Social na gestão do Projeto Guri...75

Paralelos...84

Aspectos contrastantes: AAPG e GSM...98

Projeto Guri Santa Marcelina e EMESP Tom Jobim: paradoxos...101

Trabalho Social e Trabalho Musical: interesses em conflito...114

CONSIDERAÇÕES FINAIS...133

(14)

I

NTRODUÇÃO

______________________________________________________________

A presente pesquisa parte dos resultados do trabalho anterior de Iniciação Científica, intitulado “A relevância das igrejas evangélicas na formação de músicos no Brasil: um estudo sobre a Universidade Estadual de Campinas”. Diante da significativa presença dessas igrejas na formação e na concomitante ausência de instituições públicas, estatais e municipais como responsáveis pela formação musical de jovens que almejam o ingresso no ensino superior, quais são as instituições responsáveis por essa formação no estado de São Paulo?

Nesse sentido, nos deparamos com o avanço do modelo das Organizações Sociais da Cultura administrando escolas de música profissionalizantes públicas, como: o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, de Tatuí; a Escola de Música do Estado de São Paulo - Tom Jobim; e a Escola Municipal de Música de São Paulo. Assim como fundações, ONGs e OSCIPs na gestão de teatros, museus e casas de cultura. Mas o que se mostrou mais evidente foi o Projeto Guri, criado em 1995 e vigente, caracterizado por seus proponentes como “projeto de inclusão sociocultural por meio da educação musical”. Primeiramente, por sua extensão pelo interior de São Paulo, litoral e capital, com 370 polos; e na Grande São Paulo e na capital, com 46 polos. Segundo, por ser o único espaço público que prepara, de alguma forma, para o ingresso nas escolas mencionadas anteriormente. Atualmente, duas Organizações Sociais administram esse projeto: a Associação de Amigos do Projeto Guri - AAPG (polos do interior, litoral e capital) e a Santa Marcelina Cultura – GSM (polos da Grande São Paulo e capital).

Por meio deste estudo de caso, consideramos relevante compreender a sociedade, no presente momento histórico. Com essas informações, apresentamos ao leitor o tema de pesquisa (as políticas culturais elaboradas e executadas por Organizações Sociais da Cultura no campo da formação em música) e o estudo de caso (Projeto Guri – Santa Marcelina).

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Enfoque teórico

Cultura será compreendida como trabalho intelectual e criativo do homem, ou seja, a sua capacidade de se comunicar com homens e mulheres de seu tempo por meio da música, da construção, da pintura, da literatura, da filosofia, das ciências físicas, enfim, de todos os saberes socialmente construídos e daqueles não sistematizados (das instituições, das maneiras, dos costumes e das memórias familiares). Chegamos a essa possível compreensão de cultura por meio da expansão interpretativa dos constructos: base e superestrutura, na teoria marxista, considerando a crítica feita por Williams (2011) sobre a visão da cultura como ideologia no marxismo da tradição inglesa; do diálogo com a produção intelectual de Raymond Williams e sua compreensão acerca da cultura como todo um modo de vida, um processo social geral, o qual se constrói com base na experiência.

Por um lado, compreendemos o mundo da cultura, enfocando a formação em música, por meio da crítica cultural materialista1 proposta por Marilena Chaui (1995, 2006), Raymond Williams (1984, 2008, 2007, 2011) e George Yúdice (2000, 2006). E, por outro, o estabelecimento da política cultural no Estado capitalista contemporâneo, com o advento da compreensão de cultura associada ao mercado e, por consequência disso, a comercialização de seus produtos na forma mercadoria. Para a compreensão desse movimento, a pesquisadora taiwanesa Chin Tao Wu (2006) apresenta, em sua análise sobre a privatização da cultura, fundamentos para constituirmos as relações e as contradições inerentes ao poder político (Estado), ao poder simbólico (Organizações Sociais da Cultura) e ao poder corporativo (empresas e grandes corporações financiadoras das ações culturais) em âmbito estadual e nacional.

Além disso, a partir do século XX, vivemos numa sociedade transicional, na qual a estrutura de sentimentos restrita ao industrialismo tornou-se névoa, poeira, e tudo está disperso nas histórias de vida e envolto na crise (WILLIAMS, 2011). Por isso, torna-se um desafio compreender o processo de publicização na sociedade contemporânea, o qual consiste na conversão do público no privado e na vivência

1

O termo surge a partir de uma discussão no campo de estudos da crítica literária entre Maria Elisa Cevasco (2004; 2005) e a obra do filósofo Theodor Adorno. Para maior aprofundamento nesse tema, indicamos os seguintes textos: CEVASCO, Maria Elisa Burgos Pereira da Silva. Momentos da crítica cultural materialista. In: Terceira Margem, Rio de Janeiro, número 12, janeiro-junho/2005; CEVASCO, ______. Dois críticos literários. In: ABDALA JUNIOR, Benjamin (Org.). Margens da cultura: mestiçagem, hibridismo e outras misturas. São Paulo: Boitempo, 2004, pp. 144-145.

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deste como público. Com a Lei Federal nº 9.637, que regula as Organizações Sociais (BRASIL, 1998), as ações culturais no âmbito público passam por processos de reestruturação, o que consiste na sua passagem da esfera estatal para a esfera privada de interesse público. Para Evelina Dagnino (2005), esse movimento reflete uma confluência perversa entre dois projetos societários antagônicos, mas que se baseiam num vocabulário comum sobre a sociedade civil, a cidadania e a participação. Porém, o projeto neoliberal e o projeto democratizante e participativo caminham em sentidos opostos.

A dificuldade de compreensão dessas relações consiste em pensar que a sociedade é governada por padrões simples e, ao fazer uma média desses padrões: atividade econômica, comportamento político e desenvolvimento cultural, encontraremos as respostas, conforme ponderou Williams (1984, p. 320). Para Williams (1984), precisamos impulsionar novas categorias e descrições para os padrões destacados, pois dessa maneira observaremos e reconheceremos as contradições internas a esses padrões, bem como as contradições entre as diferentes partes do processo geral de mudança.

Faremos essa discussão no segundo capítulo. Mas veremos as implicações desses processos ao longo do texto, especialmente, em nosso estudo de caso.

Projeto Guri e o seu contexto

Esse é o contexto no qual se situa o Projeto Guri. Acerca desse projeto, a antropóloga Rose Hikiji (2006) elaborou um conjunto de dados que caracterizam o Projeto Guri no período de 1995 a 2006 e os analisa à luz do discurso institucional proferido pela coordenação técnica. Ao construir seu objeto de pesquisa, ela destaca o debate do momento acerca da infância e juventude “em situação de risco” como estimulador da criação de projetos em arte-educação.

Conforme verificamos na análise de Hikiji (2006), entre outros dados elaborados nesta pesquisa, a gestão da Associação de Amigos do Projeto Guri, de 1995 a 2006, estruturou como princípio a apropriação do ensino musical para cultivar determinados valores com as crianças e os jovens pobres: responsabilidade, disciplina, concentração, autoestima e cidadania. Como projeto social, esses valores admitem um propósito: a formação da classe trabalhadora para o capital.

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Durante a gestão do secretário de cultura, João Sayad (2007-2010), houve um crescimento substantivo do Projeto Guri e evidências de críticas em relação à administração da Associação de Amigos do Projeto Guri. Sendo assim, em 2007, a convite da Secretaria de Cultura, uma nova organização assumiu a gestão dos polos da Grande São Paulo e Capital: o Instituto das Irmãs Marcelinas. Essa parceria foi proposta com base na experiência desse Instituto na parceria público-privado e na filantropia no campo da saúde (administrando hospitais de grande porte e programas da rede básica de saúde como UBSs, AMAs, AMEs, NASF e CAPS), além da sua atuação no campo das artes, com a oferta de Ensino Superior privado – Faculdade de Artes da Santa Marcelina (BRUNO, 2013, p. 52). Marta Bruno (2013), em sua tese, descreve e analisa o trabalho desenvolvido pela Santa Marcelina Cultura no Projeto Guri.

Sayad refere-se a uma herança maldita no interior da secretaria, que são os contratos de trabalho irregulares dos funcionários, chamados “credenciamentos” (Cooperativa de Músicos do Estado de São Paulo), e assume a proposta de regularização via Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Além disso, a Associação de Amigos do Projeto Guri passou por sucessivas transformações para se adequar ao novo formato exigido pela Secretaria a partir de João Sayad e do ingresso da Santa Marcelina como gestora de uma parte do projeto. Destacam-se a reconfiguração da equipe de administração e o aumento no número de cargos, a reformulação da proposta pedagógica e social e a reorganização dos polos e das sedes administrativas.

Contudo, persistem algumas diferenças em seus projetos pedagógicos musicais: a AAPG incorporou as metas estabelecidas no documento Educação para a Paz, organizado pela Unesco em 2000, já o GSM elaborou uma proposta própria, inspirada em Paulo Freire. Além disso, a AAPG mantém suas parcerias com empresas patrocinadoras e, na medida do possível, as amplia, porém, com o GSM, houve uma queda substantiva nos patrocínios. Aparentemente, a atuação da AAPG demonstra maior filiação à lógica empresarial, enquanto o GSM opta pela apresentação de propostas originais e elaboradas no interior do próprio grupo, sendo passíveis de financiamento pela concordância e objetivos comuns.

Quanto aos projetos em si, cabe mencionar que são duas propostas pedagógicas e sociais distintas, que disputam entre si a hegemonia sobre o Projeto Guri. Abordaremos alguns aspectos divergentes nas duas propostas em torno do

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Guri, contudo nos aprofundaremos em nosso estudo de caso, o Guri Santa Marcelina.

Outro aspecto a ser considerado acerca do modelo OSC na relação com o trabalho artístico é que este promoveu a regulamentação via Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT –, o que expressa uma ambiguidade: por um lado, a superação da ilegalidade nas relações de trabalho, por outro lado a derrota da perspectiva de serem reconhecidos na condição trabalhista de servidores públicos concursados (SEGNINI, 2006). Veremos as implicações disso ao longo da análise.

Metodologia

Constatamos que, nos quase 20 anos da chamada inovação institucional promovida pela lei que instituiu as Organizações Sociais, não se constituiu somente uma inovação administrativa, mas a concepção de política pública para a formação de músicos no campo da cultura em âmbito estadual. Dessa forma, as indagações que motivam esta pesquisa são: “Como se formam os músicos no Projeto Guri? Quais as condições sociais e políticas dessa formação?”.

Pela expressão que o Projeto Guri assume como programa de educação musical mais longevo e de grande extensão no estado, nós o privilegiamos como campo empírico, na tentativa de desenvolver essas questões.

Em novembro de 2013, obtivemos autorização formal para desenvolver o trabalho de campo junto ao Guri Santa Marcelina. Contudo, precisávamos compreender como se consolidou historicamente o Projeto Guri e sob quais circunstâncias e motivações ele foi elaborado, para passar, posteriormente, a sua compreensão no contexto atual. Para tanto, fizemos uma pesquisa bibliográfica, consultando desde o acervo de trabalhos acadêmicos que interliga as produções das três principais universidades estaduais (USP, UNESP e UNICAMP) até revistas especializadas. No último levantamento, realizado em 2014, encontramos somente duas teses, as quais citamos anteriormente.

Como fontes primárias, analisamos os documentos institucionais (leis, estatutos, regimentos, orçamentos, prestações de contas, contratos de gestão, currículos e programas de formação) que regulamentam a parceria entre a

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Secretaria de Estado da Cultura e a Santa Marcelina Cultura, bem como a relação com a Associação de Amigos do Projeto Guri, para fins comparativos.

Foram realizadas pesquisas no acervo das mídias impressas de maior veiculação em São Paulo (Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo), de 1995 a 2014, a fim de recuperar mais elementos que remontam à história desse projeto, bem como os ideais de cultura impressos na sociedade nesse período.

O início da pesquisa de campo se deu em outubro de 2014 na EMESP Tom Jobim, local onde os Grupos Infanto-Juvenis (GIFs) se reuniam aos sábados e ocasionalmente aos domingos para realizar ensaios em seus respectivos grupos sinfônicos: coros, big-bands, orquestras, regional de choro e camerata de violões. Ao todo, constituíam 373 participantes na temporada de 2014. Optamos por acompanhar durante um mês dois grupos: o Coral Juvenil e a Banda Sinfônica Infanto-Juvenil.

Cabe ressaltar que as informações relativas a classe social, gênero, cor da pele, condições de moradia e infraestrutura de equipamentos públicos, nas regiões onde se encontram os polos do Guri, não foram delimitadas por ambas as organizações do Projeto Guri ou não se tornaram públicas. Utilizamos dados elaborados pelo Índice de Vulnerabilidade Juvenil e outros dados elaborados por instituições de pesquisa e marketing de empresas (Ipsos e Ábaco) encomendadas pelos projetos, bem como o acompanhamento dos GIFs, para compreender a origem social dos participantes do Guri.

O contato com esses jovens permitiu maior proximidade e confiança, e pudemos acompanhá-los também nas redes sociais, o que se tornou uma fonte de pesquisa. Nessa primeira fase do trabalho de campo, obtivemos cinco depoimentos de alunos, por escrito, acerca de sua experiência no Guri Santa Marcelina.

Na segunda fase do trabalho de campo, passamos à observação de quatro polos do Guri Santa Marcelina3, nas regiões sul, leste, centro-oeste e centro. Para tanto, adotamos como instrumento etnográfico a descrição densa4 proposta por Clifford Geertz (1978), no intuito de captar a complexidade do caso com o máximo de detalhe descritivo das atividades que permeiam o Projeto Guri. Entrevistamos ao

3

A fim de preservar a identidade de professores, assistentes, agentes de apoio e alunos que colaboraram nesse processo de pesquisa, optamos por não revelar os polos pesquisados, assim como a identidade das pessoas.

4 “Assim, há três características da descrição etnográfica: ela é interpretativa; o que ela interpreta é o fluxo do discurso social e a interpretação envolvida consiste em tentar salvar o ‘dito’ num tal discurso da sua possibilidade de extinguir-se e fixá-lo em formas pesquisáveis.” (GEERTZ, 1978, p. 31)

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todo nove profissionais, no formato de entrevista semiestruturada, por meio da técnica de gravador e registro da informação viva (cadernos de campo). Foi solicitado a cada entrevistado que falasse sobre sua história de vida, relações familiares, percurso de formação, inserção na profissão, condições e relações de trabalho na instituição, ensino de música e a música como profissão.

A construção desse conjunto de dados por meio das fontes primárias e secundárias apresentadas acima possibilitou que a análise desse objeto fosse subdividida em três capítulos.

O primeiro refere-se à constituição histórica do Projeto Guri e analisa o contexto de sua criação. Nesse capítulo buscamos compreender, à luz do Guri, as implicações do debate que se encontrava latente na sociedade nos anos 1990. A criação de um imaginário social de que o jovem pobre que vive nas regiões periféricas da cidade é propenso ao crime e à violência, conforme analisou Emir Sader (1987, p. 14-5), em que a questão do menor, reconhecida na década de 1960 como problema de miséria social, passou a ser vista a partir dos anos 1980 como problema de segurança pública. E, no diálogo com Rose Hikiji (2006, p.86-87), o entendimento acerca da expressão situação de risco considera que não são os jovens quem se veem em risco, mas a sociedade, pois eles são os protagonistas da violência. Nesse contexto é que se inscrevem os diversos projetos em arte-educação, voltados para populações de baixa renda, admitindo o fazer artístico como oposição à situação de risco.

No segundo capítulo é analisada a transferência da gestão de políticas culturais para a iniciativa privada. A constituição do modelo de política pública baseado na perspectiva da Organização Social da Cultura é relevante para o entendimento desse fenômeno que se consolida nacionalmente e possibilita a constituição do Guri.

No terceiro capítulo é analisado o Projeto Guri Santa Marcelina, foco central do nosso trabalho de campo. Estabeleceremos uma análise comparativa das duas propostas em torno do Projeto Guri: a da Associação de Amigos do Projeto Guri (AAPG) e a do Guri Santa Marcelina (GSM), explorando aspectos divergentes, continuidades e rupturas. Além disso, o exercício de compreensão acerca do trabalho do Guri Santa Marcelina nos seus oito anos de existência, será feito na relação com a ascensão do modelo de Organizações Sociais como referência hegemônica na condução de políticas culturais.

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Com o Guri Santa Marcelina e sua equipe, composta em sua maioria por músicos e musicistas com ampla experiência no ensino de música, identificamos um esforço relevante para consolidar uma proposta de educação musical original e livre do paradigma do salvacionismo por meio da música. Porém, presa, em certos momentos, às artimanhas de outro paradigma: a lógica do mérito. No interior da instituição Santa Marcelina Cultura, encontramos um campo de disputas entre a equipe pedagógica e a equipe empresarial, e esse movimento é o que induz às contradições internas no grupo e a algumas expressões de resistência nas ações pedagógicas. Sobretudo na perspectiva de atuação da assistência social no GSM, que defende o protagonismo juvenil, identificamos novas bases para compor as inter-relações entre pobreza, política e música; nelas percebemos o reforço da lógica do mérito e um estímulo à inserção dos jovens no mercado de trabalho por meio da venda de sua força de trabalho.

Nas considerações finais, salientamos algumas dimensões encontradas ao longo do trabalho e questões para pesquisas futuras.

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CAPÍTULO I

A MÚSICA COMO AGENTE DE CIDADANIA: A CONTRIBUIÇÃO DO PROJETO GURI

______________________________________________________________

O objetivo deste capítulo é destacar a relação entre música e pobreza no Projeto Guri. O Projeto Guri (PG) é uma iniciativa da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, implementada durante a gestão do secretário de cultura Marcos Mendonça (1995-2002) e do governador Mário Covas (1995-2001). Entre os anos 1995 e 1996, desenvolveu-se na Oficina Cultural Amacio Mazzaropi, com o objetivo de transformar a cultura e a arte em instrumentos de inclusão sociocultural; e na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (antiga FEBEM e atual Fundação Casa), na Unidade do Complexo Tatuapé, com intuito de reinserção social dos jovens em cumprimento de medidas socioeducativas. Portanto, admite inicialmente um modelo de política social focalizada na pobreza.

É preciso compreender o que estava em discussão nesse período, para justificar o seu intuito de política social focalizada. Nesse sentido, a antropóloga Rose Hikiji (2006) estudou durante seu doutorado a constituição do Guri. Ao construir seu objeto de pesquisa, ela destaca o debate do momento acerca da infância e da juventude em situação de risco como estimulador da criação de projetos em arte-educação. De certo modo, impulsionado também pela promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990), que traça diretrizes para uma proteção integral da criança e do adolescente como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais.

“Como e por que a música veio a ocupar um lugar de destaque dentre os projetos sociais voltados à questão do menor?”, indaga Hikiji (2006, p. 20), pois, de fato, tal situação promoveu uma série de iniciativas para esse público no âmbito do ensino artístico5. Segundo a autora, este foi frequentemente associado a recuperação, inserção ou terapia.

5 “A Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) dispõe, em seu site

www.andi.org.br, de um banco de projetos sociais (em 2006, ‘Banco de Fontes’) que é dividido em áreas de atuação. Em 2002, na área ‘Arte e Cultura’, eram apresentados cerca de duzentos projetos de organizações da sociedade civil, provenientes de todo país, com foco em atividades relacionadas à arte-educação destinadas a comunidades de baixa renda, sobretudo crianças e jovens. No mesmo site, estavam listadas mais de trinta entidades governamentais e mais de quarenta empresas, fundações ou institutos que também mantinham projetos com atividades artísticas direcionadas a públicos com algum nível de carência” (HIKIJI, 2006, p. 81, grifos no original).

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Para uma possível explicação da questão anterior, precisamos retomar iniciativas passadas no âmbito da arte e da cultura, direcionadas à infância e à juventude. Deparamo-nos com a criação da Secretaria do Menor do Estado de São Paulo (1987-1994)6, durante a gestão da secretária Alda Marco Antônio (1987-1992) e do governador Orestes Quércia (1987-1991). O objetivo central dessa Secretaria, segundo Passeti (2007, p. 367), foi o de “fomentar a co-participação no atendimento aos abandonados e ‘meninos de rua’ mantendo, sob sua responsabilidade, o atendimento a infratores por meio da Febem.” Em síntese, podemos verificar os valores envolvidos com o trabalho cultural desenvolvido pela Secretaria por meio do depoimento da secretária Alda Marco Antônio (1991):

[...] nós aprendemos a trabalhar com poucos recursos, inclusive nós desmistificamos uma série de coisas. Educação para mim, por exemplo, não é fábrica de escola. Educação para mim é transferência de saber no sentido lato, é a relação do adulto, de quem ensina com a criança. E nós na Secretaria do Menor

ensinamos nas vielas das favelas. O programa, considerado número um pelos cientistas da ONU, que passaram três meses conosco aqui em São Paulo, se chama A Turma Faz Arte, e acontece nas favelas, que acontece nos campinhos de futebol; dia que chove não tem esse programa, não tem telhado. [...] O prédio, às vezes, é importante, mas o prédio sozinho não faz escola. Nós ensinamos embaixo de lona de circo. Quer coisa mais bonita? Nós ensinamos, e o ato de ensinar, para nós, é um ato barato. Nós desmistificamos essa coisa

de que é caro cuidar de criança. Não é caro não! Caro é não cuidar de criança, caro é deixar a criança analfabeta, caro é deixar a criança à sua própria sorte, abandonada à sua própria sorte, porque fica caro para ela, caro para a família dela, caro para a sociedade, que depois, provavelmente, vai ter que manter essa criança em algum presídio. Então veja, eu sempre acho que tem pouco recurso, porque eu sempre gostaria de fazer mais. Mas hoje nós somos um centro de

referência mundial para treinamento de recursos humanos, e esse

papel nós já assumimos na frente de qualquer outro estado brasileiro. Nós hoje temos condições de treinar recursos humanos, treinar técnicos dos municípios, [...] técnicas modernas, preparação de recursos humanos, isso nós estamos em condições de fazer aqui de São Paulo. (PRONSATO, 2014, p. 115, grifos do original)

De um lado, vemos o intuito de elaborar políticas públicas no campo da cultura direcionadas às crianças e aos jovens, rompendo com o caráter punitivo dos tempos em que vigorava o Código de Menores (Lei 6.697, de 10 de outubro de 1979) no período ditatorial-militar (1964-1985). Por outro lado, identificamos que a proteção e a vigilância de antes cedem espaço ao assistencialismo, que passou a

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Em 1991, integra-se à Secretaria de Assistência Social, e passou a chamar-se Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social (SANMARTIN, 2015, p. 2898).

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compreender esses jovens não mais como questão de polícia, mas como “carentes” (PRONSATO, 2014, p. 98).

Reiteramos a análise de Laura Pronsato (2014), dançarina e pesquisadora (UFV), em sua tese de doutorado, sobre a inserção profissional dos artistas da dança e/ou arte-educadores da dança nas ações socioeducativas, que vê na relação arte e cultura um campo fértil para a resolução de questões políticas, econômicas e sociais, o que naturalmente foge das especificidades desses campos de conhecimento. A relação entre arte e desenvolvimento torna-se quase obrigatória e alvo de justificativa social para o investimento financeiro na área.

Os programas implementados pela Secretaria do Menor foram: o Clube da turma, que previa uma estrutura física de clube (com quadras, campo de futebol e alguns até com piscina) e atingiu seis unidades em 1992, atendendo crianças de 7 a 14 anos; o Enturmando, de caráter profissionalizante, que consistia na atividade de Circo-Escola. Não possuía estrutura fixa, e o investimento envolvia o aluguel de terreno, montagem da lona e construções fabricadas. Segundo Nogueira (2008, p. 40), o desenvolvimento dessa atividade representava um grande risco aos participantes, pela utilização de estruturas baratas e de rápida construção; A turma faz arte não previa infraestrutura de espaços para a realização das atividades, que poderiam acontecer em galpões, barracões ou na própria rua. Neles eram desenvolvidos trabalhos com dança, artes visuais, teatro e educação física (PRONSATO, 2014, p. 121-122).

O contexto e a análise dos projetos socioeducativos desenvolvidos pela Secretaria do Menor do Estado de São Paulo contribuem para a compreensão de como posteriormente se constituíram outros programas socioeducativos envolvendo a arte. No que se refere ao entendimento das contradições e das novas perspectivas que se impõem sobre o ensino da arte exercido por iniciativas governamentais ou ONGs, OSs e OSCIPs, bem como de um novo campo de trabalho que surge para os artistas e os educadores no final da década de 1980, esse marco é importante para verificar a sua repercussão atual nas relações que se travaram entre artistas, ensino de artes e campo de trabalho (PRONSATO, 2014).

Pronsato (20014, p. 124) compreende que os programas citados, em si, eram inovadores para a época e, apesar de não apresentarem noções claras sobre arte, contavam com artistas e educadores com ampla experiência profissional, que proporcionaram trabalhos de qualidade, mesmo com condições inadequadas de

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trabalho com contratos de trabalho parcial, a curto prazo e flexível. Os artistas coordenadores entrevistados afirmaram que tiveram que abrir uma empresa para serem contratados como pessoa jurídica e assim poderem repassar pagamentos aos demais artistas envolvidos.

O campo de trabalho aberto pelos projetos socioeducativos em artes, cujo público alvo era composto por crianças e jovens de baixa renda, convoca artistas com formação em música, dança, artes visuais e artes cênicas, a serem chamados de arte-educadores. Esta terminologia, com o passar dos anos, admite múltiplos significados até ser enquadrada, pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO/2002), no grupo de “Trabalhadores de Atenção, Defesa e Proteção a Pessoas em Situação de Risco” (PRONSATO, 2014, p, 85).

A arte-educação, ocupação recém-criada por projetos sociais, parece não apresentar uma articulação clara com a área da educação e/ou com a área de artes – uma contradição a ser compreendida. Ao olhar essa terminologia e a atuação desse profissional, Pronsato (2014, p. 130) indaga: “o que eles estão chamando de arte-educador?”.

De um lado, temos um movimento em arte-educação formado por artistas e educadores que, em conjunto, defendem as quatro áreas de conhecimento em artes (música, dança, artes visuais e artes cênicas), sua regulamentação e as formas de inserção do ensino de artes.

A arte-educação constitui no Brasil, um movimento surgido no final da década de 1970, fora da educação escolar que buscava novas metodologias de ensino e aprendizagem da arte nas escolas por meio de uma concepção de ensino de arte com base numa ação educativa mais criadora, mais ativa e que envolvesse o aluno de forma mais direta, mais concreta. [...] [termo] que serviu para identificar uma posição de vanguarda do ensino de arte contra o oficialismo da educação artística dos anos 70 e 80. (BIASOLI, 1999, p. 87, p. 89)

Por outro lado, estabeleceu-se a arte-educação como sinônimo de intervenção cultural nas periferias e convencionou-se que o arte-educador que atua nas periferias, como artista ou não, desenvolveria trabalhos artísticos motivados por questões institucionais alheias à arte. Parte desse imaginário coletivo, conforme vimos, tornou-se oficial por meio da CBO/2002.

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Pronsato (2014, p. 206) destaca a dificuldade dos artistas da dança durante as entrevistas, quando tentavam definir o que faz o educador ou o que é arte-educação. Eles expunham no processo uma crise identitária e discursiva acerca da profissão, arriscando-se entre leituras de pesquisadores da área e as suas experiências no trabalho.

Uma forma de resolver essa tensão, conforme analisou Pronsato (2014, p, 242), foi reformular a terminologia para “artistas-educadores”, conduzindo a uma compreensão política de atuação profissional na qual se dá ênfase à experiência artística dos artistas. Embora a saída encontrada no interior do grupo de trabalhadores seja legítima, estamos diante da ponta do iceberg, que pode ser maior do que se imagina; trata-se de um dos elementos que virá a expressar a questão “como e por que a música veio a ocupar um lugar de destaque dentre os projetos sociais voltados à questão do menor?”, sobre a qual iremos nos aprofundar.

A origem do Projeto Guri

O debate a partir dos anos 2000 mantém o mesmo foco de antes, motivado pela necessidade de reduzir o crescimento dos índices de criminalidade e taxas de homicídio contra os jovens, o que tem fundamento, se observarmos os dados referentes ao período, conforme apresenta Paula Miraglia em 20007. Além disso, a autora destaca a identificação desses dados com “bolsões de risco” ou “bolsões de violência”, segundo pesquisa realizada pelo Governo do Estado de São Paulo, concentrando-se nos seguintes distritos: Cidade Ademar, Sapopemba, Jabaquara, Itaquera e Jardim Ângela, nos quais a taxa de homicídios entre jovens de 15 a 24 anos chegou a atingir 206,87 em 19998. Para efeito de comparação, a taxa na cidade de São Paulo no mesmo ano, de acordo com Miraglia (2002), era de 121,33.

(HIKIJI, 2006, p.84-5).

Para o mesmo período, Hikiji (2006) apresenta os resultados da pesquisa promovida pela Unesco (2004), em que são analisados trinta projetos em diferentes estados do país, nas áreas de arte, cultura, cidadania ou esporte, associando-os a

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Na faixa etária entre 15 e 24 anos, em 2000, a taxa de óbitos por homicídio no Brasil é de 52,1 (número de homicídios por cem mil habitantes) e em São Paulo é de 89,6, número inferior somente aos estados do Rio de Janeiro (107,6) e Pernambuco (102,8) (MIRAGLIA apud HIKIJI, 2006, p.84-5). 8

Dados sistematizados pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade, fonte primária (2002). Cabe lembrar que a taxa apresentada sempre corresponderá ao número de homicídios por cem mil habitantes da região (HIKIJI, 2006, p.85).

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alternativas de superação da realidade de pobreza e violência dos jovens neles atendidos.

Outro dado relevante para nós é que, em 2002, a Fundação Seade lançou o Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ)9, coordenado pela socióloga Felícia Madeira, por solicitação da Secretaria de Estado da Cultura, com o intuito de viabilizar o empréstimo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para a implantação de programas na periferia da capital – neste caso, o Programa Fábricas de Cultura10 (SEADE, 2007). As variáveis consideradas a fim de delimitar as regiões metropolitanas com maior risco de criminalidade entre jovens de 15 a 19 anos foram: a taxa de crescimento populacional, o número de jovens residentes no local, a taxa de mortalidade por homicídio nessa faixa etária, o percentual de mães precocemente grávidas, o valor do rendimento do chefe de família e os jovens fora da escola (HIKIJI, 2006).

A elaboração do IVJ tornou-se um elemento-chave para nós, ao passo que permite a compreensão de dois fatores que refletem sobre as ações dos projetos sociais, sobretudo, no âmbito do Guri: 1-) a cristalização da representação social do jovem pobre que vive nas regiões periféricas da cidade como propenso ao crime, conforme analisou Emir Sader (1987, p. 14-5), em que a questão do menor, reconhecida na década de 1960 como problema de miséria social, passou a ser vista nos anos 1980 como problema de segurança pública; 2-) a perspectiva de análise proposta por Hikiji (2006, p.86-87), que nós reiteramos, acerca da expressão situação de risco que considera que não são os jovens quem se veem em risco, mas a sociedade, pois eles são os protagonistas da violência. Por isso, os diversos projetos em arte-educação, voltados para populações de baixa renda, admitem o fazer artístico como oposição à situação de risco.

9 “No IVJ 2002, a intenção era pontual e voltada para a seleção de distritos administrativos da capital a serem contemplados pelo Programa Fábricas de Cultura. Assim, entre os dados utilizados na sua construção, além das estatísticas vitais produzidas pela Fundação Seade e passíveis de atualização anual, foram considerados dados levantados pelo Censo Demográfico 2000, do IBGE. Portanto, a atualização desses dados só poderia ser realizada por ocasião do novo levantamento censitário, em

2010” (SEADE, maio de 2007, p. 01). Disponível em:

http://produtos.seade.gov.br/produtos/ivj/ivj_2000_05.pdf. Acesso em: 10 out. 2014. 10

A Poiesis – Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatura atualmente gerencia as atividades desenvolvidas nas unidades: Brasilândia, Jardim São Luís, Capão Redondo, Jaçanã e Vila Nova Cachoeirinha (http://www.fabricasdecultura.org.br/). E a Catavento Cultural e Educacional

Organização Social da Cultura gerencia as atividades nas unidades: Vila Curuçá, Sapopemba, Itaim

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Figura 1 – Tipos de Área.

Distritos do Município de São Paulo 2005

Fonte: Fundação Seade. Sistema de Estatísticas Vitais11

11

Ressaltamos que os critérios estatísticos sobre classe elaborados pela Fundação Seade dizem respeito à associação do conceito de vulnerabilidade em relação à condição de pobreza; a operacionalização dessa noção considera indicadores socioeconômicos e geográficos no que tange a uma rede de fenômenos que aumentam riscos ou desvantagens dos jovens. Os níveis de renda foram decisivos para situar a localização de suas moradias no contexto urbano paulistano. Quanto à segmentação do município de São Paulo em áreas homogêneas, a referência utilizada foi o Índice

Paulista de Vulnerabilidade Social – IPVS (SEADE, 2000 – elaborado por meio do Censo

Demográfico de 2000), no qual a classificação do espaço em uma escala de vulnerabilidade à pobreza consistiu em: nenhuma vulnerabilidade, vulnerabilidade muito baixa, baixa, média, alta e muito alta. Desse horizonte, foram delimitados para o Índice de Vulnerabilidade Juvenil quatro tipos

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Figura 2 – Índice de Vulnerabilidade Juvenil, segundo Tipos de Área. Município de São Paulo

2000-2005

Fonte: Fundação Seade.

A hipótese elaborada por Hikiji (2006) torna-se um ponto de partida para a compreensão do presente objeto de pesquisa, ou seja, o investimento em ações culturais por meio de projetos sociais não está associado diretamente ao direito à cultura, conforme regulamentam o ECA e a própria Constituição Federal (1988), e, sim, ao problema de segurança pública, do ponto de vista de sua concepção inicial.

de distrito administrativo da capital paulista, expressando o perfil de vulnerabilidade à pobreza da população jovem que reside nas áreas classificadas como: rica, classe média, classe média baixa e pobre (SEADE, 2007).

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Ao recuperarmos as declarações públicas do ex-secretário de Cultura do Estado de São Paulo, Marcos Mendonça (1999), e da coordenadora geral do Guri, Elizabeth Parro (HIKIJI, 2006), ambos no referido contexto, verificaremos os objetivos iniciais do Projeto Guri convergindo com a perspectiva da segurança pública:

[...] o programa pretende promover a autoestima dos participantes, muito mais do que propriamente ensinar música. Na última rebelião na Febem do Tatuapé (zona leste da capital), onde há um polo, os menores guardaram os instrumentos em uma sala que foi a única a não sofrer depredações. Desde o início do projeto na unidade, o número de fugas caiu 42%. As crianças que desejarem continuar com o estudo musical após completarem 18 anos e que forem consideradas aptas pelos maestros dos polos têm a possibilidade de conseguir bolsas de estudo no conservatório de Tatuí ou na Universidade Livre de Música, na capital. (MENDONÇA, 1999, p. 03)

O objetivo do projeto não é formar músicos, mas sim trabalhar autoestima, cidadania, tirar a criança da rua e mostrar para ela uma condição de vida melhor. (HIKIJI, 2006, p. 76)

A fim de recuperar mais elementos que remontam à história desse projeto, como os ideais de cultura impressos na sociedade nesse período, seguimos o caminho metodológico apontado por Hikiji (2006) e pesquisamos o acervo da mídia impressa de maior veiculação em São Paulo (Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo), de 1995 a 2014. Sabemos das limitações de tais fontes, mas, dada a escassez de trabalhos acadêmicos sobre o Projeto Guri12, essa foi a alternativa encontrada para compreender o alcance social e cultural associado a ele.

A hipótese de Hikiji (2006) acerca da construção social do medo relacionado aos pobres e da violência constantemente atribuída a eles foi confirmada. Em especial, no conteúdo das matérias publicadas entre 1997 a 2003. Nós sabemos que tal “estrutura de sentimentos” diz respeito à classe social dominante; contudo, ela detém o poder simbólico necessário para influenciar a sociedade de seu tempo e, por isso, atinge ampla adesão social, alimentando o discurso da segurança pública e os anseios educacionais.

Dessa forma se constrói a necessidade de cultivo de uma cultura tida como da minoria e voltada aos pobres, como um modo de “civilizar”, sobretudo, crianças e

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No último levantamento bibliográfico realizado em 2014 foram encontradas somente duas teses sobre o Projeto Guri: A música e o risco: etnografia da performance de crianças e jovens participantes de um projeto social de ensino musical (2006), da antropóloga e Professora do Departamento de Antropologia da USP, Rose Satiko Gitirana Hikiji. E Tecendo cidadania no território da Educação

Musical: a experiência do Guri Santa Marcelina (2013) da assistente social e Coordenadora da área

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jovens, a fim de conter possíveis tensões sociais, mas também com uma pretensão de transformação social a partir desses meios; eventualmente, encontramos as duas dimensões nesse projeto.

A existência dos pobres e de suas necessidades culturais ganha visibilidade, porém suas caracterizações estereotipadas impõem a priori o lugar de recepção dos bens culturais. Vejamos somente alguns títulos que fazem menção a esse processo de assimilação cultural. No jornal O Estado de S. Paulo: “Música transforma vida de 250 guris da Febem” (19/07/1999a), “Arte é usada para elevar auto-estima de jovens; Música erudita torna-se um atalho para a cidadania” (21/08/1999b), “Chance para os menores da Febem” (02/12/1999c), “Arte recupera menor infrator da Febem” (25/04/1998), “Ocupando mentes” (05/05/2000a), “Projeto Guri leva música a crianças carentes” (05/06/2000b), “Jovens da periferia representam o Brasil em NY” (04/05/2002); e no jornal Folha de S. Paulo: “Arte faz fuga da Febem diminuir 41%” (06/06/1997), “Aumentar auto-estima é arma contra crime” (26/07/1998), “Milton canta com meninos da Febem” (14/09/1997), “Música clássica orquestra as primeiras notas de cidadania” (26/07/2001).

Percebe-se, nesse período, a ênfase da mídia sobre a inserção do projeto de ensino musical no ambiente da Febem – tanto que há pouquíssimas referências aos demais polos do projeto, o que causa a falsa impressão de que todos os participantes fossem menores infratores da Febem – e a sugestão de uma certa pacificação pela música. Porém Hikiji (2006) nos convida, em sua análise, a olhar para além das oposições música e violência, bem e mal, por meio da observação da experiência desses jovens.

Primeiramente, a autora discute a categoria tempo, por entendê-la como central, pois a demanda da sociedade é de que se ocupe o tempo ocioso ou livre das crianças e dos jovens pobres, para que não haja espaço para a sedução da criminalidade. E, do mesmo modo, com relação aos filhos e às filhas de famílias da classe média e alta, para que não haja nenhum potencial empreendedor desperdiçado. Da célebre frase “Tempo é dinheiro”, de Benjamin Franklin, oportunamente analisada por Max Weber (2004), interpreta-se tempo ocioso é perigoso. Tal valor negativo remete a uma herança da Revolução Industrial e a sua construção de que o ócio e o tempo livre não geram riquezas.

Há que investigar, conforme sugere Hikiji (2006), os sentidos atribuídos à ocupação do tempo com a música e as possibilidades de o tempo musical libertar os

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sujeitos. Para a política institucional da Febem, salienta a autora, a ocupação do tempo é a ideia fundamental para a ruptura com o destino livre e errante produzido na rua. No Projeto Guri, a ocupação do tempo pela música pretende disciplinar os sujeitos. Melanie Farkas, presidente da Sociedade de Amigos do Projeto Guri, declarou: “A música, diferentemente de outras atividades, é uma atividade de conjunto. Para a ideia de integração, disciplina, organização é a maneira mais adequada para criar a sensação de trabalho em conjunto” (HIKIJI, 2006, p.77, grifo nosso).

Sendo assim, temos elementos para inferir que, nesse momento histórico, para a coordenação do projeto, roubar dos filhos e das filhas dos pobres o tempo livre destinado à brincadeira e à socialização, no espaço público, significa disciplinar uma classe trabalhadora.

Que o conceito de disciplina é fundamental à música ocidental não há dúvidas, porém a supervalorização da disciplina por um projeto social que visa à inclusão sociocultural e não tem a intenção de ser um curso técnico e profissionalizante, é, no mínimo, emblemática. Conforme ressalta Hikiji (2006), há outros atributos pertinentes ao fazer musical que felizmente não escapam à relação experimental vivenciada por esses sujeitos, o que faz renascer, no contato com a música, o sentimento de tempo liberado.

A experiência orquestral proporcionada por esse projeto promove o contato com o outro, a construção coletiva, a relação indivíduo e grupo como unidade de sentido e de solidariedade, conforme argumenta Hikiji (2006, p. 145-6, grifos do original):

O fazer musical, lembra Lévi-Strauss (O Cru e o Cozido, 1991, p.35), pega “pelas entranhas”, age “sobre o espírito e sobre os sentidos”, move “ideias e emoções’. Ou seja, instaura desejo, gera sentimento e reflexão, produz conhecimento. [...] presenciei jovens despertados pelo fazer musical, jovens que percebiam suas potencialidades e as limitações decorrentes de sua situação, seja de preso, seja de pobre. Jovens que percebiam o prazer decorrente da produção de sons, de música, mas sabiam que dificilmente teriam acesso a esse prazer do outro lado dos muros. E o aluno que fala para o professor “quando sair daqui quero roubar um contrabaixo” é a expressão da explosão da dicotomia, um retrato da contradição.

Assim como o Projeto Guri na Febem, havia outras opções de projetos na área de arte-educação nessa instituição, o que permitia a escolha pelos jovens.

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Quando optavam pelo Guri, reforça Hikiji (2006), havia um senso de diferenciação entre o interior da Febem e a rua, de abandono dos estereótipos imputados pela sociedade e de humanização. Já os internos identificados como aqueles da música de rua também apresentam uma dimensão interessante. Encontramos acerca disso somente uma matéria dentre todas as referentes ao projeto nos jornais pesquisados, na seção “Reabilitação”, da Folha de S. Paulo (10/07/1999):

Segundo Rose Marie dos Santos, coordenadora de projetos especiais da Febem, iniciativas desse tipo são importantes para a reintegração social desses meninos. Para o músico PMC, líder do Jigaboo, o projeto Realidade tem como função mostrar a realidade desses adolescentes sob o ponto de vista “de quem está lá dentro” e colocar os jovens no mercado musical. Alemão, 17 anos, “Entrei pra 'família Jigaboo' pra mostrar à sociedade que não somos o que eles pensam. Tem muita gente de valor aqui". Cascavel, 17 anos, “Resolvi entrar no projeto Realidade pra poder falar do que eu vivo, de como me sinto aqui".

"Nossa ideia não é formar músicos profissionais, e sim transformá-los em cidadãos sensíveis", afirma Renata Soares, diretora da escola-oficina e responsável pelos setores de profissionalização e de arte e cultura da Febem.

A rua, conforme nota Hikiji (2006), é, para os jovens da Febem, sinônimo de libertação e criação, tanto é que no discurso dos rappers ela é lembrada como lugar da cultura e metáfora da sociedade, onde se produz um tipo de conhecimento que também tem uma finalidade própria e emancipadora em si – basta tomar como exemplo o rap produzido, na região do Capão Redondo, bairro periférico de São Paulo, por uma referência neste campo, o grupo Racionais MCs.

Retomando o Projeto Guri, embora ele tenha uma posição ideológica bem demarcada, conforme alerta Hikiji (2006, p. 220-1), as relações sociais são muito mais dinâmicas do que podemos supor, a ponto de o ensino de música ser capaz de colocar “em risco a ordem que separa os universos do trabalho e do lazer, da punição e da diversão, de presos e libertos, do popular e do erudito, de pobres e ricos”. É preciso destacar essa dimensão, para não deixar se perder, na análise, a presença das contradições.

Partindo dessa breve contextualização que fundamenta a elaboração do Guri, poderemos tratar diretamente seus aspectos gerais: objetivos, público alvo, proposta educativa, entre outros, sempre associados aos valores que o constituíram.

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