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Capital cafeeiro paulista = apropriação de terras devolutas e relações de trabalho nas fazendas de café do Oeste Paulista (1850-1930)

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Agradecimentos:

A tarefa de agradecer a todos que participaram direta ou indiretamente de um trabalho como este é extremamente gratificante e igualmente complicada. A gratificação surge facilmente quando me lembro de momentos vividos nos últimos três anos e percebo que a quantidade de pessoas que contribuíram com esta pesquisa através de sugestões, dicas, conselhos, puxões de orelha ou simplesmente incentivos e compreensão reflete, na verdade, a quantidade de pessoas queridas que estiveram ao meu lado nos últimos anos. Daí também surge a complicação, visto que em poucos parágrafos é simplesmente impossível dizer tudo que eu gostaria de dizer a todas as pessoas que merecem um agradecimento mais do que especial pela construção coletiva desta pesquisa e também pela convivência nos últimos anos.

Primeiramente, agradeço a Professora Lígia Maria Osório Silva, minha orientadora, por ter aceitado a tarefa de me guiar ao longo do trabalho, quando o mesmo já estava em andamento. Sua orientação ao mesmo tempo dura e doce foi fundamental para o amadurecimento da dissertação e para o meu próprio crescimento acadêmico e intelectual. Suas indicações de leitura foram sempre precisas. Seu conhecimento me ajudou a escapar, sempre que possível, de armadilhas e contradições que cercam a infância da vida acadêmica, período no qual ainda me encontro. Sua tranqüilidade foi sempre importantíssima para acalmar minha ansiedade gritante. Sua objetividade foi decisiva para que eu pudesse terminar o trabalho no tempo que estipulei para mim mesmo. Obrigado por tudo professora.

Gostaria de agradecer também a todos os professores do Instituto de Economia da Unicamp, principalmente aqueles pertencentes ao núcleo de História Econômica que foram todos extremamente atenciosos, pacientes e fizeram todo o possível para que a transição da graduação para o mestrado e a ampliação do leque de preocupações acadêmicas fossem realizadas com extrema excelência. Por isso, meus sinceros agradecimentos aos professores José Ricardo Barbosa Gonçalves, Eduardo Barros Mariutti, José Jobson de Andrade Arruda, Pedro Paulo Zahluth Bastos e a todos os outros docentes da Unicamp que contribuíram para minha formação nesses anos em Campinas.

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viii Um parágrafo especial deve ser dedicado a agradecer ao professor Hernani Maia Costa que iniciou este trabalho comigo, forneceu as primeiras sugestões de leitura, as primeiras impressões acerca das idéias iniciais e certamente ajudou a traçar os rumos da pesquisa quando ela ainda estava em sua fase embrionária e a partir de então vem acompanhando meu desenvolvimento participando inclusive da banca de qualificação desta dissertação. Além disso, sempre foi um amigo dentro e fora da sala de aula.

Voltando um pouco no tempo agradeço a todos os professores da época de graduação no Mackenzie que foram fundamentais para que eu escolhesse o difícil caminho da vida acadêmica e que vem me acompanhando e me apoiando nesse período de mestrado. É com grande satisfação que digo que a formação que tive com esses mestres foi fundamental para minha aprovação na Unicamp e para o processo de criação desta pesquisa. Correndo o risco de esquecer nomes igualmente fundamentais destaco aqui a importância dos professores Raphael Bicudo, Ricardo Amorim, Caio Racy, Maurício Fronzaglia, Paulo Scarano, Waleska Ferreira, entre tantos outros. Gostaria de agradecer de forma especial o professor Alexandre de Freitas Barbosa, que, infelizmente, só vim a conhecer pessoalmente quando já estava praticamente formado no Mackenzie, o que me impossibilitou de freqüentar suas disciplinas na graduação. Apesar disso, tivemos um contato bastante próximo nesse meu período na Unicamp, talvez porque ele também tenha raízes aqui em Campinas, mas principalmente porque tenho profunda admiração e respeito pelo trabalho do Alexandre e pelo relacionamento extremamente amigo que ele mantém com seus alunos, tornando-se muitas vezes quase um psicólogo.

Agradeço de forma carinhosa a todos os funcionários do Instituto de Economia da Unicamp: as secretárias, Cida e Marinete, que sempre resolveram os problemas mais imediatos dos alunos; aos funcionários da biblioteca sempre dispostos a ajudar de forma prestativa; a cantina do Chiquinho que sempre forneceu momentos de descanso e descontração no meio de tardes pesadas de estudos. Sou grato também aos funcionários e à estrutura da biblioteca da PUC-SP, onde passo a maior parte do tempo quando estou em São Paulo.

Sou igualmente grato a CAPES, que financiou esta pesquisa desde o início, tornando a vivência em Campinas bem menos dramática.

Cheguei a Campinas em 2008 para viver aqui por dois anos com receio de passar a ver com menos freqüência minha família e meus amigos de São Paulo sempre tão presentes em todos

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ix os momentos de minha vida. Ainda que isso não tenha acontecido, pois passei quase todos os fins de semana na capital paulista, certamente esta ausência teria sido compensada pela nova família que formei aqui em Campinas. Este parágrafo deveria ocupar várias páginas, pois a turma do mestrado que se formou naquele ano foi sem dúvida a mais grata surpresa deste período. Por isso preferi não citar nomes, pois aqui não quero correr o risco de esquecer ninguém! Uma mistura tão caótica e ao mesmo tempo tão perfeita de sotaques de Belo Horizonte, Recife, Florianópolis, Bragança Paulista, Santos, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Santa Maria, Vitória, e tantos outros lugares do Brasil. Uma experiência cultural, intelectual e de amizade que sei que vou guardar para sempre com uma dose grande de saudades!

Da mesma forma sou muito grato a todos os meus amigos de São Paulo, sempre fundamentais nos momentos de folga, sempre um apoio incondicional para minhas decisões, um companheirismo raro; sempre garantindo boas risadas e conversas nos fins de semana.

Também gostaria de agradecer profundamente a toda minha família que sempre acreditou em minha capacidade e aceitou da melhor forma possível as minhas escolhas. Especialmente minha irmã, meu pai e minha mãe sempre solidários, carinhosos, compreensivos, atenciosos, preocupados, respeitadores, e acima de tudo amorosos. Obrigado por tudo, por toda ajuda e por todo o incentivo que nunca me faltaram nessa empreitada e em nenhuma outra.

Finalmente, gostaria de agradecer uma pessoa muito especial para mim. Curiosamente, apareceu na minha vida no mesmo momento em que me mudei pra Campinas, o que poderia ter servido para nos distanciar, mas pelo contrário só serviu para nos aproximar cada vez mais. Seu sorriso, sua alegria contagiante, sua leveza, sua meiguice foram, muitas vezes, como combustíveis para que eu pudesse seguir em frente, me dividindo entre Campinas e São Paulo todas as semanas. A certeza de que após uma semana dura eu teria uma pessoa com tamanha alegria para me receber sempre com muito carinho foi um grande alívio durante todo esse período. Por isso, agradeço demais e com muito amor à minha namorada, amiga e querida companheira Rebecca. Obrigado!

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“Se das ciências, em geral, não é possível afastar o hipotético, a necessidade de hipóteses aumenta nas chamadas Ciências Sociais, sempre que nelas se empreenda obra de compreensão e não apenas de descrição; tentativa de interpretação e não apenas de mensuração do comportamento de um grupo humano”- Gilberto Freyre: Introdução à segunda edição de Sobrados e Mucambos.

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Resumo:

O objetivo do presente trabalho é fornecer uma contribuição à análise do desenvolvimento histórico do capitalismo no Brasil. Para tanto, busca-se analisar as condições de formação do mercado de terras e do mercado de trabalho em torno do complexo cafeeiro de São Paulo entre 1850 e 1930. Em um primeiro momento é realizada uma revisão das condições que levaram a economia cafeeira paulista a alcançar o papel de principal centro dinâmico do Brasil no decorrer do século XIX. Destaca-se também a nova fração de classe dominante que surge no interior da cafeicultura paulista que se diferencia por uma maior possibilidade de direção dos negócios econômicos e por sua forte influência na arena política brasileira. Posteriormente, busca-se entender o padrão de apropriação de terras no oeste paulista a partir da Lei de Terras de 1850 na esteira da expansão cafeeira, e a influência exercida neste processo pelo modelo de expansão agrícola predatório e extensivo herdado da América portuguesa. Verifica-se que a citada lei não teve aplicação expressiva no oeste paulista principalmente em função da atuação dos representantes do capital cafeeiro paulista em três frentes: a violência contra pequenos posseiros, camponeses e comunidades indígenas; a fraude e a falsificação de títulos de propriedade; e a influência direta em cargos públicos de expressão. Diante disso, o fato é que a apropriação territorial por posse continuou tendo papel importante nas áreas da grande empresa cafeeira em São Paulo, distorcendo o funcionamento do mercado de terras nos moldes previstos pela Lei de Terras de 1850. Finalmente, busca-se tornar claro o papel desempenhado pela burguesia cafeeira na política imigratória, com clara preferência pela chegada de imigrantes não-proprietários que se transformassem imediatamente em força de trabalho disponível para a lavoura cafeeira. Procura-se mostrar ainda como o monopólio da terra obtido pelo capital cafeeiro teve papel importante na configuração das relações de trabalho que predominaram no oeste paulista a partir da imigração européia maciça em fins do século XIX.

Palavras-Chave: Complexo Cafeeiro; Capital Cafeeiro Paulista; Apropriação Territorial;

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Abstract:

The objective of this dissertation is to provide a contribution to the analysis of the historical development of capitalism in Brazil. For this purpose, will be examined the standard of the formation of land market and the labor market around the coffee production in São Paulo between 1850 and 1930. First, there will be a review of the conditions that led to São Paulo coffee economy to achieve the role of main dynamic center of Brazil during the nineteenth century. Also important in this process was the new dominant class fraction that arises within the Sao Paulo coffee economy which is distinguished by a greater possibility of direction of economic issues and a strong influence on Brazilian political arena. Subsequently, we seek to understand the pattern of land appropriation in the “oeste paulista” from the Land Law of 1850 in a coffee culture expansion situation. This process was influenced by the extensive standard of agricultural expansion, which was a legacy of Portuguese America. It appears that this law did not have a significant application in São Paulo due to the actions of the leaders of the coffee capital on three fronts: violence against small landholders, peasants and indigenous communities; fraud and falsification of property titles; and the direct influence in public positions. Thus, the fact is that the land appropriation by taking possession continued playing an important role in the areas of large coffee company in Sao Paulo, distorting the functioning of land markets in the manner prescribed by the Land Law of 1850. Finally, we seek to clarify the role of the leaders of the coffee capital in immigration policy, with clear preference for the arrival of non-owners immigrants who became immediately available workforce for the coffee capital. It is important to note that the territorial monopoly obtained by the coffee capital played an important role in the configuration of labor relations that prevailed in the “oeste paulista” from the massive European immigration in the late nineteenth century.

Keywords: Coffee Economy; Coffee Capital in São Paulo; Land Appropriation; Immigration

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

1) Breves considerações teóricas 1

2) Problemática e Objetivos 10

CAPÍTULO 1: A MARCHA DO “OURO VERDE” E A AURORA DA BURGUESIA

CAFEEIRA NO SÉCULO XIX 15

1.1 Antecedentes da expansão cafeeira 18

1.2 A marcha do café e a “origem agrária do capitalismo” brasileiro 23

1.2.1 Vale do Paraíba: preservação da estrutura colonial 24

1.2.2 O café rumo ao oeste paulista e a modernização capitalista 34

1.3 A aurora da burguesia cafeeira paulista 42

CAPÍTULO 2 – EXPANSÃO CAFEEIRA E APROPRIAÇÃO TERRITORIAL NO

OESTE PAULISTA: O NÃO-MERCADO DE TERRAS 61

2.1 Apropriação territorial na América Portuguesa 63

2.2 A Lei de Terras de 1850: a terra como mercadoria 73

2.3 Expansão cafeeira e apropriação de terras 79

2.3.1 Violência e fraude no processo de apropriação territorial nas áreas cafeeiras paulistas 80 2.3.2 Capital cafeeiro e Estado: a legislação favorável aos posseiros 85 2.4 Capital Cafeeiro e monopólio territorial: privilégios econômicos 87 2.4.1 O monopólio da terra como forma de apropriação de trabalho excedente 88

2.5 Regulamentação pública Vs. Interesses Particulares 93

CAPÍTULO 3 – RELAÇÕES DE TRABALHO NO OESTE PAULISTA: A FORMAÇÃO

DE UMA RESERVA DE NÃO-PROPRIETÁRIOS 97

3.1 Fim do abastecimento externo de escravos e primeiras tentativas de transição para o trabalho livre 99 3.1.1 Primeiras experiências com trabalho livre no oeste paulista: preservação da mentalidade

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xviii

3.1.2 Outras experiências, novos fracassos 115

3.2 O escravismo na segunda metade do século XIX: condições de superação 120

3.3 Imigração subvencionada: capital cafeeiro “indenizado” 128

3.4 Terra e trabalho: monopólio territorial e rebaixamento dos custos de produção capitalistas nas

relações de trabalho 138

3.4.1 A formação dos cafezais 139

3.4.2 O Colonato: preservação de relações pré-capitalistas de produção no período pós-abolição 145

CONCLUSÃO 159

(13)

1

INTRODUÇÃO

1) Breves considerações teóricas

Esta breve introdução teórica, ainda que a primeira vista distante de nosso tema central, faz-se necessária na medida em que introduz o leitor a autores e idéias que nortearam o desenvolvimento do presente trabalho e serviram de inspiração para a temática aqui explorada. É importante esclarecer que os processos históricos presentes nas análises subseqüentes são específicos a realidades diferentes daquela observada na evolução histórica do Brasil, mas nos ajudam a apreender certos conceitos que irão surgir ao longo dos capítulos deste trabalho, que tem como finalidade contribuir para a análise crítica de determinados aspectos da formação histórica do capitalismo brasileiro. Ao longo do texto a relação entre os processos analisados nesta discussão teórica e a problemática deste trabalho se tornará clara.

***

Uma rápida passada de olho no noticiário socioeconômico nos mais diversos meios de comunicação contemporâneos e nos mais diferentes cantos do mundo faz com que um aspecto da realidade apareça muito naturalmente frente a nossos olhos, ou melhor, faz com que uma instituição específica se destaque a ponto de ser praticamente impossível explicar as vicissitudes da vida humana sem apegar-se a esta instituição. Trata-se do mercado. É comum que o leitor se depare freqüentemente com explicações acerca da evolução do mercado de trabalho, com análises referentes ao mercado de capitais, com projeções para o desempenho do mercado de crédito, com previsões para a bolha no mercado imobiliário, com o impacto que determinado acontecimento político teve sobre os mercados, etc. Esta instituição abstrata parece de fato ditar os rumos e o ritmo da existência concreta da humanidade.

Por este ângulo e na ausência de uma análise mais cuidadosa poder-se-ia pensar, erroneamente, que esta característica foi comum a toda história do homem, ou seja, que os mercados sempre tiveram papel fundamental no processo de auto-reprodução do ser humano e da própria sociedade. Na verdade, a instituição do mercado existe desde os tempos mais longínquos,

(14)

2 mas somente na época moderna do modo de produção capitalista é que ela passa a ter um caráter

central. Karl Polanyi, em seu clássico A Grande Transformação1 mostra que os mercados

estiveram sempre presentes na vida humana, no entanto, antes da Revolução Industrial eles representavam apenas acessórios da vida econômica. Ainda segundo Polanyi, somente na Inglaterra do século XIX é que a economia de mercado atinge um patamar de importância mais central e as relações sociais passam a subordinar-se ao sistema econômico.

Apoiado em uma análise antropológica e histórica, Polanyi chega à conclusão de que antes da Idade Moderna, as ações cotidianas dos seres humanos eram destinadas a salvaguardar a situação social, as exigências sociais e o patrimônio social. Em outras palavras, o sistema econômico era regulado por motivações que podem ser chamadas de não-econômicas, ao passo que o sistema de produção e distribuição de bens e serviços funcionasse através de princípios como o da reciprocidade, da redistribuição ou domesticidade - produção para uso próprio. Estes princípios eram derivados de valores relacionados ao senso de comunidade, de parentesco, de religião ou de política.

Na contramão das relações sociais supracitadas, na nova configuração que se matura no século XIX as ações humanas passam a ser motivadas, em boa medida, pela busca do máximo ganho monetário e a tendência é que cada vez mais neste tipo de sociedade a produção seja destinada à venda no mercado. Para que tal processo fosse concretizado era necessário que o trabalho, a terra e o dinheiro – componentes essenciais da indústria – tivessem seu fornecimento garantido, já que a continuidade da produção devia ser assegurada a fim de compensar os altos investimentos dos capitalistas. Desta forma os três componentes supracitados deveriam ser

organizados em mercados e, portanto, transformados em mercadorias como outras quaisquer.2

Forma-se, assim, um mercado de bens e serviços que origina o lucro; um mercado de trabalho que origina os salários; um mercado de terras, donde surgem os aluguéis e um mercado de dinheiro que da vida ao juro. Pressupõe-se que toda a renda será suficiente para comprar todos os bens produzidos, desde que não haja nenhuma interferência externa na formação dos mercados e nos ajustamentos de preços. O mercado é o único organizador da economia. Em suma, esta organização assemelha-se a uma sociedade de mercado auto-regulado. Neste ponto Polanyi

1

POLANYI, Karl. A Grande Transformação: As Origens da Nossa Época. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. 2

(15)

3 enxerga algumas incongruências importantes: em primeiro lugar, define-se “mercadoria” como aquilo que é produzido com a finalidade de venda no mercado. Ocorre, no entanto, que o trabalho consiste na atividade humana da vida diária, a terra nada mais é do que a natureza e o dinheiro apenas um símbolo do poder de compra. Estes elementos não podem ser produzidos e não possuem a finalidade intrínseca de venda no mercado, ou seja, trabalho, terra e dinheiro são mercadorias fictícias e não genuínas.

O trabalho e a terra nada mais são do que os próprios seres humanos nos quais consistem todas as sociedades, e o ambiente natural no qual elas existem. Incluí-los no mecanismo de mercado significa subordinar a substância da própria sociedade às leis do mercado [...] Permitir que o mecanismo de mercado seja o único dirigente do destino dos seres humanos e do seu ambiente natural, e até mesmo o árbitro da quantidade e do uso do poder de compra, resultaria no desmoronamento da sociedade. 3

Nestes moldes, a Revolução Industrial e seus desdobramentos causariam graves ameaças à vida social, notadamente na Inglaterra. Há uma forte noção na análise de Polanyi de que o progresso econômico é seguido por mudanças e desarticulações catastróficas na sociedade. No caso da consolidação da economia de mercado no século XIX a grande desarticulação é representada pela “coisificação” da natureza e do próprio homem, que passam a ser encarados como mercadorias para a venda e obtenção de renda. Ocorre assim uma “transformação que é da

substância natural e humana da sociedade em mercadorias”. 4

Para o autor, a sociedade de mercado auto-regulável não passaria, portanto, de uma utopia, contra a qual a sociedade se defende de forma espontânea.

Na verdade, o século XIX foi marcado por um duplo movimento. De um lado expandia-se o tamanho da organização do mercado em relação às mercadorias genuínas. Por outro lado diversas medidas eram tomadas a fim de restringir a ação dos mercados sobre as chamadas mercadorias fictícias. Em outras palavras, a sociedade buscou se proteger dos efeitos perversos que a crescente economia de mercado era capaz de gerar no sistema social, como o pauperismo, a falta de representação política, o desemprego, a flutuação de preços, e a total destruição de

valores e costumes que pautavam as relações sociais nas sociedades pré-capitalistas. 5

3

POLANYI, Karl. op. cit. p. 93-94. 4

Idem, Ibidem, p. 61. 5

(16)

4 A análise de Polanyi é contestada de certa forma por Fernand Braudel, visto que este autor não diferencia a esfera econômica da esfera social, ou seja, todas as trocas seriam ao mesmo tempo econômicas e sociais, então, poder-se-ia identificar a economia de mercado em períodos precedentes ao século XIX. Além disso, as formas de determinação de preços que escapam da esfera estritamente mercantil continuam a existir mesmo depois da “grande transformação”, o que inválida o século XIX como ponto de inflexão entre economia pré-mercado e economia de mercado. Nas palavras de Braudel:

Reciprocidade, redistribuição são também formas econômicas [...], e o mercado a título oneroso, muito cedo implantado, é também ao mesmo tempo uma realidade social e uma realidade econômica. A troca é sempre um dialogo e, de vez em quando, o preço é imprevisível. Sofre certas pressões (a do príncipe, ou da cidade, ou do capitalista, etc.), mas também obedece forçosamente aos imperativos da oferta, rara ou abundante, e não menos da procura. O controle dos preços, argumento essencial para negar o aparecimento, antes do século XIX, do „verdadeiro‟ mercado auto-regulador, sempre existiu e continua a existir. 6

De acordo com Braudel, um melhor critério para identificar características de economia de mercado seria a existência de flutuação harmoniosa dos preços de acordo com oferta e procura, fenômeno já observado desde a Antiguidade. O autor ressalta a obviedade da constatação de que essa economia de mercado, próxima da concorrência não abarcava toda a economia, no entanto, afirma que nem nos dias de hoje abarca:

O caráter parcial da economia de mercado pode dever-se, com efeito, quer à importância do setor de auto-subsistência, quer a autoridade do Estado que subtrai uma parte da produção à circulação mercantil, quer, na mesma medida ou mais ainda, ao simples peso do dinheiro que pode, de mil maneiras, intervir artificialmente na formação dos preços. Nas economias atrasadas ou muito avançadas, a economia de mercado pode portanto ser minada pela base ou pelo topo.7

Não se pretende aqui tomar partido nesse debate e muito menos resolvê-lo, não pela pouca importância do tema, mas sim porque extrapola os limites deste trabalho. É preferível seguir outro caminho na tentativa de compreender o que há de específico no capitalismo e que o diferencia das formações socioeconômicas que o precedem.

6

BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo: séculos XV-XVIII. Volume 2: Os Jogos das Trocas. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 195.

7

(17)

5 Mas o que diferencia fundamentalmente as formações econômicas pré-capitalistas do capitalismo propriamente dito? Quais as especificidades do sistema capitalista e de que forma foi construída sua configuração baseada em mercados? Uma reposta possível pode ser encontrada na obra de Karl Marx; ainda que existam diferenças metodológicas, teóricas e ideológicas importantes entre Marx e Polanyi, parece possível encontrar um ponto de convergência entre o pensamento destes dois autores, no que tange ao processo degradante de redução da condição humana a simples força de trabalho. Como este ponto parece ser fundamental para explicar o desenvolvimento histórico do capitalismo pensamos não ser inválida a tentativa de utilizar de forma complementar a teoria destes dois autores para esclarecer as questões levantadas anteriormente.

Marx, em sua tentativa de enfrentar o problema da evolução histórica e “estabelecer o mecanismo geral de todas as transformações sociais: isto é – a formação das relações sociais de produção que correspondem a um estágio definido de desenvolvimento das forças produtivas materiais” 8

, esboçou um esquema no qual as sociedades passam de um sistema comunal primitivo e caminham até o desenvolvimento do capitalismo, passando entrementes por outros tantos modos de produção, como o modo asiático, o modo antigo, o modo germânico, o feudalismo, etc. A seqüência não é necessariamente cronológica, linear e nem representa progresso. Tampouco se deve dar credibilidade a um suposto etapismo de um determinado marxismo ortodoxo que sugere que todas as formações sociais passem necessariamente pelas citadas etapas ou modos de produção como que numa obrigação histórica pré-determinada. O que se deve ter em mente a partir do esboço de Marx é que os sistemas econômicos cada vez mais se afastam da situação primitiva do homem. O que importa, para os fins deste trabalho, não é a análise de cada um dos modos de produção pré-capitalistas sugeridos por Marx, mas sim compreender quais as características que foram desaparecendo da sociedade ao passo que esta se afastava de sua situação primitiva até chegar ao modo capitalista de produção, bem como visualizar as diversas formas de violência que foram praticadas neste processo histórico.

O homem em seu estado mais primitivo já realiza trabalho, o que significa que ele interage com a natureza, utilizando-a e modificando-a de acordo com as necessidades de sua

8

HOBSBAWM, Eric. Introdução in: Marx, Karl. Formações econômicas pré-capitalistas. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1985, p. 15.

(18)

6 existência diária. Ao utilizar e modificar a natureza o homem, na verdade, realiza uma apropriação. Daí a importância do conceito de propriedade - que antes do sistema capitalista nada tem a ver com propriedade privada, mas sim com propriedade natural. Neste estágio primitivo, a produção e a troca têm como finalidade direta o valor de uso, ou seja, a manutenção do produtor

e da comunidade. 9

Com o desenrolar do movimento histórico algumas características fundamentais deste esquema primitivo vão desaparecendo. Primeiramente, a relação primitiva do homem com os meios de sua auto-reprodução, que é uma relação de propriedade natural, é rompida através de uma progressiva e violenta separação do trabalhador direto e seus meios de trabalho - a terra inicialmente. No capitalismo, a separação se completa quando o trabalhador é reduzido à força de trabalho. Este processo é o que Marx chama de acumulação primitiva de capital. O sistema capitalista exige uma acumulação prévia de capital que ocorre fora do esquema capitalista de extração de mais-valia – Como se deu essa acumulação primitiva?

Marx analisa o caso clássico da Inglaterra. O processo passou por diversas fases que tem uma característica em comum: a violência. Cercamentos, expulsão de camponeses, expropriação de terras comunais, de territórios da Igreja católica durante a Reforma, de bens do Estado e da Coroa inglesa após a Revolução Gloriosa de 1688, atos parlamentares impulsionando a desapropriação de camponeses, fazem parte de um movimento iniciado nos séculos XV e XVI e que se arrasta até o século XIX, incentivado e executado por grandes proprietários de terras e arrendatários, e que culminaria numa situação na qual duas classes sociais antagônicas são colocadas frente a frente. De um lado possuidores de dinheiro, meios de produção e meios de

subsistência e, de outro lado trabalhadores livres10, que tem como única propriedade sua força de

trabalho. Aqueles compram e estes vendem trabalho. “Estabelecidos esses dois pólos do mercado,

ficam dadas as condições básicas da produção capitalista”.11

9

“Os indivíduos comportam-se não como trabalhadores, mas como proprietários e membros de uma comunidade em que trabalham. A finalidade deste trabalho não é a criação de valor. [...] Seu propósito é a manutenção do proprietário individual e sua família, bem como da comunidade como um todo”. MARX, Karl. Formações econômicas pré-capitalistas. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1985, p. 66.

10

Marx, ironicamente, chama os trabalhadores de “duplamente livres”. Primeiro são livres porque não são escravos e nem servos, mas também estão livres ou desprovidos de todos os meios de sua auto-reprodução.

11

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro Primeiro, Volume II. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 828.

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7 Sistematizando o raciocínio, pode-se dizer que o processo de separação do produtor direto de seus meios de produção, que transforma este produtor em trabalhador assalariado e estes meios de produção em capital é o que Marx chama de acumulação primitiva de capital, e ocorreu com base em violência, e não trabalho, direito ou parcimônia como pretende o pensamento social burguês. Quanto a este último ponto Marx é taxativo:

O roubo dos bens da Igreja, a alienação fraudulenta dos domínios do Estado, a ladroeira das terras comuns e a transformação da propriedade feudal e do clã em propriedade privada moderna, levada a cabo com terrorismo implacável, figuram entre os métodos idílicos da acumulação primitiva. Conquistaram o campo para a agricultura capitalista, incorporaram as terras ao capital e proporcionaram à indústria das cidades a oferta necessária de proletários sem direitos. 12

Um segundo aspecto que afasta a sociedade capitalista de suas precedentes é que no modo de produção capitalista, o valor de uso deixa de ser a finalidade maior do processo produtivo, e é substituído pelos princípios da troca e da acumulação. Antes o homem era o objetivo da

produção, agora a produção é o objetivo do homem e a riqueza o objetivo da produção. 13 Este

mesmo processo cria uma crescente individualização do homem, em detrimento de sua característica primitiva de animal gregário – aquele que vive em bando ou faz parte de um rebanho. Isso significa que as noções de comunidade vão desaparecendo e dando lugar a uma concepção bem mais individual de sobrevivência.

O processo histórico que dá origem ao capitalismo corresponde à dissolução das “diversas

formas nas quais o trabalhador é um proprietário e o proprietário trabalha”.14

Ocorre a dissolução da relação com a terra, vista como condição natural de produção e, portanto, de existência do homem. Dissolução das relações em que o homem surge como proprietário dos instrumentos de produção. Dissolução da posse de meios de consumo necessários para a sobrevivência do homem antes do fim do processo produtivo. Por fim, ocorre a dissolução de formas de exploração nas quais ocorre a apropriação do próprio trabalhador (escravidão, servidão). “O capital se apropria

12

MARX, Karl op. cit. (2008), p. 847. 13

“A antiga concepção segundo a qual o homem sempre aparece (por mais estreitamente religiosa, nacional ou política que seja a apreciação) como o objetivo da produção parece muito mais elevada do que a do mundo moderno, na qual a produção é o objetivo do homem, e a riqueza, o objetivo da produção”. MARX, Karl op. cit. (1985), p. 80. 14

(20)

8

não do trabalhador, mas de seu trabalho – e não diretamente, mas por meio da troca”.15 – estas

são as pré-condições para o surgimento do trabalhador duplamente livre e do capital.

Pode-se concluir finalmente que o avanço histórico do capitalismo é na verdade o mesmo processo que torna o mercado uma instituição central para a reprodução objetiva da vida material humana. Isso não significa que um aumento puramente quantitativo dos mercados ou das trocas

mercantis seja suficiente para explicar o surgimento histórico do capitalismo propriamente dito. 16

Uma visão diferente é apresentada neste tema também por Fernand Braudel: o autor propõe que o capitalismo seja, na verdade, o contramercado. O capitalismo seria representado por uma espécie de nível superior da sociedade econômica formado pelos grandes conglomerados empresariais, multinacionais, trustes, etc. Nesse nível prevalece o preço de monopólio, os

privilégio, a lei do mais forte. 17 Abaixo desse nível estaria a verdadeira economia de mercado, o

setor concorrencial onde prevalece o preço de mercado e a atuação das pequenas e médias empresas e seria mais correto enquadrarmos esse nível inferior fora do que se chama capitalismo. Nas palavras do autor: “A loja onde compro o meu jornal não conta para o capitalismo

(...). Também não contam as oficinas artesanais e as pequenas empresas independentes”. 18

Existiria ainda um setor situado mais abaixo e também fora da categoria do capitalismo, representado pelo trabalho informal, pelo trabalho doméstico, pela fraude – Braudel chama este setor de andar térreo ou rés-do-chão:

Este andar térreo é enorme. Acima dele, a zona mais representativa da economia de mercado multiplica as ligações horizontais entre os diversos mercados; nela um certo automatismo liga habitualmente oferta, procura e preços. Finalmente, ao lado, ou melhor, acima desta camada, a zona do contramercado é o reino da esperteza e do direito

15

Idem, Ibidem., p. 93. 16

No século XVIII, por exemplo, a organização e a difusão dos mercados na China eram quantitativamente mais importantes que na Europa. Apesar disso as relações capitalistas de produção e a Revolução Industrial aconteceram na Europa e não na China. Sobre este ponto ver ARRIGHI, Giovanni. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. São Paulo: Editora Boitempo, 2008.

17

“Já não existem leis do mercado para as grandes empresas capazes de influenciar a procura com uma publicidade altamente eficaz, capazes de fixar arbitrariamente os preços. [...] Mas o mercado subsiste: posso ir a uma loja, a uma feira qualquer e „testar‟ a minha realeza muito modesta de cliente e de consumidor. Do mesmo modo, para o pequeno fabricante – tomemos o exemplo clássico da confecção -, imperativamente apanhado no jogo de uma concorrência múltipla, a lei do mercado existe sempre plenamente.” BRAUDEL, Fernand. op. cit. Volume 2: Os Jogos das Trocas, p. 197.

18

(21)

9 do mais forte. É ai que se situa por excelência o domínio do capitalismo –ontem como hoje, antes como depois da Revolução Industrial. 19

Feitas as ressalvas anteriores, é necessário clarear que, do ponto de vista adotado neste trabalho, a transformação fundamental que origina as formações econômicas capitalistas é de ordem qualitativa, ou seja, reflete a posição ocupada pela instituição mercado na vida de determinada sociedade. Conclui-se, portanto que o que há de específico no capitalismo e que caracteriza uma profunda descontinuidade com relação às formações pré-capitalistas é justamente o papel coercitivo desempenhado pelos mercados. A sociedade capitalista é a única que funciona sob o impulso do imperativo, ou seja, da coerção de mercado. 20 Onde os agentes sociais não precisam do mercado para sobreviver, ainda que existam trocas em larga escala, não se verifica, necessariamente, o desenvolvimento capitalista propriamente dito.

A característica distintiva dominante do mercado capitalista não é a oportunidade ou a escolha, mas, ao contrário, a compulsão. Isso se observa em dois sentidos: primeiro, a vida material e a reprodução social no capitalismo são universalmente mediadas pelo mercado, de forma que, de um modo ou de outro, todos os indivíduos tem que entrar nas relações de mercado para obter acesso aos meios de subsistência; e segundo, os ditames do mercado capitalista – seus imperativos de competição, acumulação, maximização de lucros e crescente produtividade do trabalho – regem não apenas todas as transações econômicas, mas as relações sociais em geral. Como as relações entre os seres humanos são mediadas pelo processo da troca de mercadorias, as relações sociais entre as pessoas assemelham-se a relações entre coisas – o „fetichismo da mercadoria‟, na célebre expressão de Marx. 21

Em outras palavras os indivíduos não escolhem ou aproveitam uma oportunidade, mas são obrigados a recorrer ao mercado para garantir sua auto-reprodução. Este é o imperativo de mercado característico do capitalismo, que surge com o processo histórico de separação do trabalhador direto dos meios de trabalho. A centralidade do mercado na sociedade capitalista se reflete no fato de que os trabalhadores dependem dele para ter acesso aos meios de sua reprodução e capitalistas também devem recorrer ao mercado para comprar força de trabalho e meios de produção e realizar lucro, por meio da venda de produtos e serviços. Em última instancia a própria reprodução social depende do mercado, ainda que a sociedade crie quase que

19

BRAUDEL, Fernand. op. cit. Volume 2: Os Jogos das Trocas, p. 197. 20

WOOD, Ellen Meiksins. A Origem do Capitalismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 21

(22)

10 espontaneamente, instituições para se proteger da completa submissão ás leis de auto-regulação

do mercado. 22

***

2) Problemática e Objetivos

A breve discussão teórica realizada acima a respeito do surgimento de uma sociedade que tem o mercado como instituição central e que, na verdade, corresponde ao processo histórico do avanço do capitalismo é fundamental para tornar claros os objetivos deste trabalho, bem como para aclarar as bases de sustentação das hipóteses e idéias aqui defendidas. A partir deste ponto busca-se adentrar e apresentar o real objeto de estudo desta pesquisa.

Em um plano mais geral este trabalho tem por objetivo compreender a formação e o desenvolvimento no denominado “Oeste Paulista”, dos mercados de dois elementos fundamentais, desde a época colonial, para a estrutura socioeconômica brasileira: o mercado de terras e o mercado de trabalho. Na esteira da marcha capitalista que avançou por São Paulo na segunda metade do século XIX é possível observar algumas tentativas de inserção do trabalho e da terra em uma lógica mercantil, baseada em contratos de compra e venda negociados de forma impessoal e não mais pautada em privilégios e costumes no caso da terra e violência física e moral no caso do tráfico de trabalhadores escravos. Ou seja, neste período houve uma série de ações e reações que faziam parte de um movimento de criação do mercado de terras e do mercado de trabalho em São Paulo, no seio da expansão do complexo cafeeiro paulista. Em que medida a construção plena destes mercados obteve sucesso ou não é uma questão chave que se busca responder ao longo dos capítulos posteriores do trabalho.

Estes dois mercados foram escolhidos como tema central da pesquisa por se tratarem de dois fatores de produção - terra e trabalho – que foram, desde os tempos coloniais, a base de expansão da agricultura brasileira, caracterizada pelo crescimento extensivo, de tal sorte que se mostra interessante perceber como a tentativa de inserção de tais fatores produtivos numa lógica de mercado pode surgir como ponto de inflexão da estrutura do crescimento econômico do Brasil. Nas palavras de Emília Viotti da Costa: “A expansão dos mercados e o desenvolvimento do

22

(23)

11 capitalismo causaram uma reavaliação das políticas de terras e do trabalho em países direta ou

indiretamente atingidos por esse processo”. 23

É justamente o movimento através do qual ocorreu esta reavaliação das políticas de terra e de trabalho em São Paulo que buscamos analisar nesta pesquisa.

O corte temporal deste trabalho corresponde, grosso modo, ao período que vai de 1850 a 1930, com alguns recuos ou avanços em relação a esta periodização na medida em que se achar conveniente ou necessário. 1850 é um ano enigmático na medida em que foi justamente naquele ano que o problema da substituição da mão-de-obra passa a receber maior atenção no Brasil, em função da abolição do tráfico internacional de cativos. É também o ano da primeira Lei de Terras no Brasil, que buscava organizar a situação da apropriação territorial no país. Por outro lado, a pesquisa se estende até 1930 devido à percepção de que a economia cafeeira paulista – lócus central de nossa análise – foi, também durante a República Velha, o principal centro dinâmico da economia brasileira.

Acredita-se que a gênese ou o embrião de uma formação social baseada em imperativos de mercado no Brasil se deu em torno da expansão do complexo cafeeiro no Oeste Paulista, quando surgiam os primeiros sintomas de uma modernização capitalista no país. Neste sentido surgem diversas questões a nossa frente: De que forma a expansão cafeeira em São Paulo impulsionou ou obstaculizou a formação dos mercados de terra e de trabalho? Quais as formas através das quais a fração de classe dominante representada pela burguesia cafeeira paulista atuou no processo de formação destes mercados específicos? O que foi realizado na órbita da arena política do Império brasileiro, e posteriormente da República para acelerar ou retardar este processo? O processo foi pautado pela violência, nos termos de Marx? Que formas de produção ou de relações de produção existiam no oeste paulista antes da expansão cafeeira, e que foram desarticuladas por esta expansão? E quais formas de trabalho foram criadas no interior das fazendas paulistas de café? É com base em todas estas questões e no referencial teórico apresentado que esta pesquisa irá avançar a partir desta introdução.

***

23

COSTA, Emília Viotti da. Política de Terras no Brasil e nos Estados Unidos. in: COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia a República: momentos decisivos. 1ª edição. São Paulo: Ed. Grijaldo, 1977, p. 127.

(24)

12 O primeiro capítulo do trabalho será destinado a realizar uma revisão bibliográfica de análises consagradas a respeito da economia cafeeira no Brasil, a fim de compreender as características fundamentais da expansão desta cultura, principalmente a partir do momento que ela chega a São Paulo e, particularmente ao Oeste Paulista. Será de fundamental importância a apreensão de que quando o café é alçado à posição de produto dominante a dinamizar a economia brasileira, surge também uma nova fração da classe economicamente dominante no país, que tem suas raízes no complexo cafeeiro. Pretende-se esclarecer quais as características desta nova fração de classe, quais seus meios de atuação e como defendem seus interesses particulares. Com isso acredita-se poder mostrar que esta elite, composta principalmente pelas famílias representantes do capital cafeeiro, utilizou instrumentos, legítimos ou não, para moldar a formação do mercado de terras e do mercado de trabalho em São Paulo, de acordo com as necessidades de acumulação de capital do complexo cafeeiro.

No segundo capítulo do trabalho a questão fundamental a ser explorada é a evolução da apropriação territorial no Brasil. Para tanto se realizará uma breve revisão da história da apropriação de terras, desde os tempos coloniais até a Lei de Terras de 1850, que pretendia criar um mecanismo a partir do qual a aquisição de terras devolutas fosse realizada primordialmente via mercado a partir de então. Pretende-se mostrar como a atuação dos membros do capital cafeeiro impediu que a terra fosse colocada na órbita de mercado, nos moldes previstos pela Lei de Terras de 1850. Ora, visto que a expansão agrícola no país era extensiva, baseada na exploração de novas terras, não interessava a esta elite que o mecanismo de apropriação primária de terras fosse cercado por burocracias e exigências que poderiam dificultar a reprodução do capital ou impor obstáculos aos ganhos obtidos com a especulação fundiária.

Procuramos mostrar ainda que o fato de não ter se concretizado o projeto de construção de um mercado de terras devolutas pautado em contratos de compra e venda, não implica que o acesso a terra fosse ilimitado ou estendido para a maioria da população. Pelo contrário, o capital cafeeiro desenvolveu mecanismos para obter uma espécie de monopólio sobre a terra, e assim, se beneficiar de diversas vantagens econômicas na produção capitalista de café. Neste sentido será bastante interessante observar que as formas de atuação desta elite, muitas vezes, se caracterizaram pela violência contra pequenos posseiros, pequenos camponeses, comunidades

(25)

13 indígenas, etc. Também a corrupção de cartórios, a falsificação de títulos de propriedade e a fraude foram constantes neste processo de apropriação territorial. Por fim procura-se mostrar como a própria legislação oficial sistematicamente favoreceu a legalização da situação jurídica daqueles que haviam se apropriado de porções de terra de forma ilegítima, fato que reflete a influência política dos representantes do capital cafeeiro, a partir do século XIX.

Com tudo isso será possível perceber que na verdade o que prevaleceu no período analisado foi um não-mercado de terras e que para isso teve papel fundamental a nova fração de classe dominante que surge na esteira da expansão cafeeira em São Paulo. É justamente nesse ponto que a análise de Karl Marx descrita na introdução teórica nos ajuda a relativizar a noção de progresso e modernidade que acompanha, muitas vezes, as análises sobre o processo histórico de avanço do modo de produção capitalista. Como veremos adiante, no Brasil este processo foi acompanhado de métodos arcaicos de violência, fraude e desarticulação de formações sociais pautadas em valores e princípios pré-capitalistas.

O terceiro e último capítulo terá configuração bastante parecida com o segundo, porém com ênfase na formação do mercado de trabalho em São Paulo. Serão analisadas as diversas experiências e tentativas de atrair imigrantes europeus para a lavoura cafeeira; as formas através das quais o Estado imperial e, posteriormente, o estado de São Paulo, impulsionaram este processo e como a necessidade de acumulação de capital no complexo do café foi determinante para que o tipo de imigração dominante fosse aquela destinada a suprir a falta de “braços” na lavoura do café. Nesse sentido, não interessava que os imigrantes chegassem a São Paulo com qualquer tipo de propriedade que pudesse retirá-los da lógica dos imperativos de mercado. Os imigrantes deveriam ser, na verdade, duplamente livres para que fossem impelidos a vender sua força de trabalho no mercado de modo a suprir a necessidade de mão-de-obra nas fazendas de café em São Paulo. Ou seja, era necessário buscar trabalhadores que já haviam sido expropriados na Europa e que, portanto, já estavam submetidos à lógica dos imperativos de mercado, para que formassem uma reserva de não-proprietários disponíveis ao capital cafeeiro paulista. Neste último capítulo busca-se entender também as formas através das quais o monopólio da terra por parte dos membros do capital cafeeiro impactou os contratos de trabalho estabelecidos nas fazendas de café do oeste paulista, com claras vantagens econômicas para o detentor do monopólio territorial.

(26)

14 ***

Em suma, pretende-se, ao fim deste trabalho, mostrar como uma nova fração de classe dominante que se forma no interior do complexo cafeeiro paulista se torna hegemônica na sociedade brasileira na segunda metade do século XIX e desenvolve a capacidade de subordinar determinações, legislações e regulamentações públicas a seus interesses particulares de acumulação de capital. Neste processo o poder político-econômico daquela nova elite foi amplamente utilizado, mas também a fraude, a corrupção e a violência tiveram importância crucial na formação de um não-mercado de terras e de uma reserva de trabalhadores europeus não-proprietários na sociedade paulista do fim do Império e da Primeira República.

(27)

15

CAPÍTULO 1: A MARCHA DO “OURO VERDE” E A AURORA DA

BURGUESIA CAFEEIRA NO SÉCULO XIX

Outros viajantes, em andrajos, carregando pobres trouxas e arrastando crianças de olhos fundos, contemplam, atemorizados, essas paisagens estranhas; vêm da Bahia, de Pernambuco, ou do Ceará, atraídos pela fama lendária da região pioneira paulista. Ouvia-se falar português, mas com o zetacismo do japonês ou o sotaque do alemão. Os corredores dos trens ficavam abarrotados. Nas estações, numerosa multidão se comprime sobre as plataformas e as jardineiras com os estribos já apinhados de passageiros esperam a chegada do trem de São Paulo, para conduzir novos recém-chegados até as terras de que esperam mil maravilhas. Tudo é alvoroço, tudo é confusão, tudo é dinamismo. (Pierre Monbeig – Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo)

O Brasil do século XIX foi palco de um movimento contraditório. Um movimento que reforçava as características estruturais básicas da economia dos três primeiros séculos de colonização e, ao mesmo tempo, criava as condições para sua superação, ainda que paulatina: trata-se da expansão do complexo exportador cafeeiro.

Com a crise que abalou, ainda no século XVIII, os principais produtos agrícolas e minerais de exportação que haviam dinamizado a economia brasileira até então, fazia-se necessário encontrar uma nova fórmula ou um novo caminho para que a acumulação de capital não fosse completamente obstaculizada no setor mais dinâmico da economia brasileira. A solução construída foi a formação da grande empresa exportadora de café, empreendida, inicialmente, nos mesmos moldes da economia colonial de outrora: latifúndio, monocultor e escravista, voltado para o mercado externo.

Este gênero – que por seu sucesso comercial no século XIX ficou conhecido como “ouro verde” - se firmou definitivamente, na década de 1830, como principal produto da pauta de exportações do Brasil e sua forte progressão ao longo de todo o período imperial, e mesmo nas primeiras décadas republicanas, dará o tom de uma série de modificações na estrutura econômica do país. Em torno da economia cafeeira se desenrolam aquelas que costumam ser consideradas as principais “modernizações capitalistas” ocorridas no país, principalmente a partir de 1850 – construção de um sistema ferroviário, algum grau de mecanização agrícola, desenvolvimento de novas frentes de acumulação de capital (comércio, finanças e indústria, por exemplo), utilização

(28)

16 de trabalho livre, ainda que não apoiado no assalariamento puro. Assim, reforça-se o que foi afirmado no primeiro parágrafo: a empresa cafeeira, se num primeiro momento recrudesceu a estrutura colonial e reflexa da economia brasileira, posteriormente, ao longo de seu desenvolvimento criou as condições materiais para a superação de algumas características

importantes da época do Brasil colônia. 24

De acordo com João Manuel Cardoso de Mello, os pré-requisitos mais relevantes para o surgimento do capital industrial originam-se na economia cafeeira: uma acumulação prévia de capital potencialmente aplicável na indústria; uma força de trabalho livre e disponível ao capital; mercado interno para produtos industriais; e capacidade para importar alimentos, meios de

produção, bens de consumo e bens de produção. 25 Vale lembrar ainda que a relação entre café e

indústria não é linear, mas sim contraditória: o desenvolvimento capitalista originado na expansão cafeeira incentiva o desenvolvimento da indústria, no entanto, esse mesmo desenvolvimento industrial é limitado pela posição dominante que a produção cafeeira ocupa na economia brasileira, o que reflete, por sua vez, determinada divisão internacional do trabalho, na

qual o Brasil se enquadra como produtor de bens primários para o mercado externo. 26

É importante ressaltar, no entanto, que se a economia cafeeira criara algumas pré-condições para que o crescimento econômico e a acumulação de capitais se potencializassem, também existiam situações na virada do século XIX para o século XX que colocavam obstáculos para o pleno desenvolvimento do capitalismo industrial brasileiro na República Velha. Nesse sentido, destaca-se o fato de que alguns segmentos do processo de acumulação escapavam ao controle completo da burguesia cafeeira nacional: por exemplo, as etapas de comercialização do produto eram controladas, em boa medida, pela Inglaterra e pelos Estados Unidos e a intermediação financeira estava nas mãos, principalmente, da City londrina. Havia, portanto, uma

24

A relação entre café e indústria é discutida de forma exemplar em CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. 4ª ed. Campinas/SP: Unicamp. IE, 1998; MELLO, João Manuel Cardoso de. O Capitalismo Tardio: Contribuição à revisão crítica da formação e do desenvolvimento da economia brasileira. 5ª Ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986; SILVA, Sérgio. Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil. São Paulo: Ed. Alfa Omega, 1976.

25

MELLO, João Manuel Cardoso. op. cit. 26

(29)

17 distribuição da apropriação dos excedentes entre agentes internos e externos – estes últimos

representados pelo capital comercial e financeiro - com clara desvantagem para os primeiros. 27

Criava-se assim um círculo vicioso, visto que a realização do valor da economia agroexportadora passava pela intermediação comercial e financeira de agentes estrangeiros, o que canalizava parte importante do excedente econômico para fora do país, negando a própria produção de valor. A parcela do excedente transferida ao exterior só voltaria ao país sob a forma de novos empréstimos externos, voltando ao início do ciclo. Este processo bloqueava ainda o avanço do capitalismo industrial brasileiro, pois os canais de comercialização e financiamento externos adentravam de forma menos significativa a órbita de produtos que não fossem de agroexportação, posto que visassem, principalmente, o aprofundamento da “vocação agrícola” das periferias que assim continuariam ocupando o papel de fornecedoras de matérias-primas e

alimentos a baixo custo para a grande indústria dos países centrais. 28

A discussão sobre a industrialização brasileira e as formas através das quais a economia cafeeira impactou neste processo ultrapassa os limites deste trabalho, mas ilustra de forma contundente a importância decisiva que o complexo cafeeiro alcançou no desenvolvimento da economia capitalista nativa. Neste trabalho pretende-se analisar o desenvolvimento das formas de apropriação de terras e de força de trabalho no processo de expansão das fazendas de café que ocorre no oeste paulista na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, a fim de apreender até que ponto tais formas foram ou não mediadas pelo mercado. Pretende-se demonstrar que durante todo o período colonial e boa parte do período monárquico, a terra e o trabalho estiveram inseridos em uma lógica de apropriação que fugia dos mercados, e assentava-se em princípios como o privilégio, os costumes, a força, a violência e a ilegalidade.

Esta situação passa a ter novos contornos ao longo do século XIX, mais especificamente a partir de 1850, quando a Lei de Terras e a Lei Eusébio de Queiroz colocam de forma inequívoca a necessidade de se repensar as formas de apropriação territorial e de obtenção de força de trabalho na economia brasileira. Neste primeiro capítulo procura-se fazer uma revisão

27

OLIVEIRA, Francisco de. A Economia da Dependência Imperfeita. 5ª ed. Rio de Janeiro: Graal Biblioteca de Economia, 1989.

28

Idem, Ibidem. Nas palavras do autor: “Em primeiro lugar, a intermediação comercial e financeira retira da economia uma parte ponderável do excedente produzido, que não será reinjetado nela, mas serve à acumulação na economia dos países que a realizam; é, em outros termos, uma repetição de fenômeno sempre presente à economia brasileira, desde os dias da Colônia.” p. 16.

(30)

18 bibliográfica acerca do nascimento e da expansão da empresa cafeeira no Brasil, recuperando os principais aspectos, as principais dificuldades e superações da marcha do café, desde sua implantação no Vale do Paraíba até a expansão rumo ao oeste paulista.

Além disso, espera-se mostrar que concomitante ao sucesso comercial atingido por esta cultura agrícola, nasce uma nova fração de classe dominante no país, diretamente ligada ao complexo cafeeiro, e que, como mostraremos nos próximos capítulos, terá participação fundamental no processo de transformação das formas de apropriação da terra e da força de trabalho.

1.1 Antecedentes da expansão cafeeira

O último quartel do século XVIII foi um período de dificuldades para a economia exportadora brasileira. O valor baixíssimo atingido pelas vendas de açúcar no mercado internacional e o esgotamento da economia do ouro haviam reduzido significativamente o nível de renda per capita da economia do país. Celso Furtado alega que nesta época a única região brasileira que apresentou algum grau de prosperidade foi o Maranhão com base na produção de algodão que possuía uma demanda externa crescente, principalmente em função da expansão da Revolução Industrial na Inglaterra. A produção de arroz também surgia como uma boa oportunidade: a guerra de independência dos Estados Unidos havia desarticulado a economia daquele país, que era o grande fornecedor de arroz para a Europa, e, assim, a produção

maranhense pôde encontrar condições favoráveis para se desenvolver. 29

Uma série de eventos externos casuais fez com que os produtos tropicais tivessem seus preços elevados na virada do século, no entanto isto gerou apenas uma prosperidade circunstancial e, passada essa fase de “falsa euforia”, o Brasil teria dificuldades em encontrar um produto que fosse capaz de dinamizar a economia do país nos anos pós-independência. Na verdade, a análise da falsa euforia parece mais adequada ao estudo do setor exportador da economia brasileira. José Jobson de Andrade Arruda propõe que a ênfase dada pelos historiadores ao setor exportador é proveniente da maior facilidade de acesso a documentação e informações neste setor e também da indiscutível importância da atividade exportadora numa

29

(31)

19 economia colonial que não se auto-determina, ou seja, na qual a realização dos lucros é externa, assim como as decisões políticas e de investimentos, que se dão no espaço metropolitano. Isso não significa, no entanto, que a produção interna de subsistência e de abastecimento não fosse significativa. Pelo contrário, a própria exploração colonial pela metrópole implicava o desenvolvimento, na colônia, de uma burocracia administrativa, de infra-estrutura de portos e estradas, aparato de defesa, produção de alimentos para subsistência ou abastecimento, ou seja,

criava condições para uma diversificação da produção colonial. 30 Ao analisar tal diversificação

notadamente na segunda metade do século XVIII, José Jobson de Andrade Arruda percebe que:

(a produção agropecuária) passa de 33 para 126 produtos, dentre os quais o ouro e o açúcar perdem a hegemonia que sempre tiveram. O açúcar representa, no final do período, não mais do que 35% do total da exportação, respondendo o restante da produção por uma significativa dinamização da vida econômica interna da colônia, com acentuada tendência a internalização do fluxo de renda e, até mesmo, o estímulo ao desenvolvimento da pequena indústria ligada a transformação de produtos agropecuários. 31

Sem deixar de lado, portanto, a importância da produção de subsistência, de abastecimento e da diversificação econômica interna entre os anos de 1780 e 1830, pode-se dizer que a crise se manifestava fundamentalmente no setor exportador, aquele mais dinâmico da economia brasileira.

Na primeira metade do século XIX os preços do açúcar caem abruptamente, assim como os do algodão, e na parte meridional do país a economia não se recuperara da decadência do ouro. A economia brasileira era fortemente dependente do setor exportador, no entanto, o valor das exportações crescia menos do que o crescimento populacional. Na primeira metade do século XIX, “a taxa de crescimento médio anual do valor em libras das exportações brasileiras não excedeu 0,8 por cento, enquanto a população crescia com uma taxa anual de cerca de 1,3 por cento.” 32

Desta forma, a crise do setor exportador neste período certamente significou uma redução da renda real per capita no Brasil.

30

ARRUDA, José Jobson Andrade. O Sentido da Colônia: revisitando a crise do antigo sistema colonial no Brasil (1780-1830). in: TENGARRINHA, José (org.) História de Portugal. 2ª edição. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP: UNESP; Portugal, PT: Instituto Camões, 2001.

31

Idem, Ibidem., p. 251. (parênteses nossos) 32

(32)

20 A situação financeira do Estado brasileiro era igualmente preocupante. Em 1810 o Brasil havia assinado tratados comerciais com a Inglaterra que reduziam sensivelmente as tarifas de importação para produtos ingleses, o que acabaria por gerar uma queda nas receitas públicas do Brasil, posto que estas proviessem, fundamentalmente de impostos sobre importação. Neste contexto, fez-se necessária a criação de um imposto sobre as exportações que, na prática, significava um corte nos lucros dos grandes agricultores, dificultando ainda mais a situação dos complexos exportadores do país. Esta situação de crise econômica e financeira gerou ainda mais dificuldades, dado que boa parte do fluxo de capitais externos que chegava ao Brasil na primeira metade do século XIX tinha utilização improdutiva – como cobrir déficits públicos, por exemplo -, e o fluxo de investimentos produtivos diretos era bastante diminuto. Nas palavras de Celso Furtado: “Que crédito poderia ter o governo de um país de economia em decadência e cuja capacidade para arrecadar impostos estava cerceada? Para contar com a cooperação do capital

estrangeiro, a economia deveria primeiro retomar o crescimento com seus próprios meios.” 33

Analisemos a questão colocada por Furtado: quais meios próprios dispunha o Brasil para retomar o crescimento econômico? É certo que a estrutura produtiva do país contava com baixíssimo nível técnico, que havia uma notável escassez de capitais e que o mercado interno – como em qualquer formação econômica assentada na escravidão – era bastante fraco. O Brasil não tinha outra alternativa clara a não ser reunir meios para estabelecer a retomada de uma posição de destaque no âmbito do comércio internacional, ao passo que era a demanda externa a variável chave da dinâmica econômica do país. O grande obstáculo parecia ser o fato de que os produtos tradicionais de exportação do Brasil estavam com cotação baixa no comércio exterior e

seus mercados cada vez menos atrativos. 34

No caso do açúcar, os preços internacionais estavam reduzidos em função da entrada de novos concorrentes no mercado mundial: Estados Unidos e Europa desenvolvem técnica de produção de açúcar a partir da beterraba no século XIX. Estes eram os principais consumidores do açúcar brasileiro até então, e neste período passam a produzir o próprio açúcar utilizando a beterraba e se tornam até mesmo exportadores do produto. Além disso, surge um novo supridor no mercado mundial, a saber, Cuba. Por fim havia a concorrência das colônias antilhanas

33

Idem, Ibidem., p. 111. 34

(33)

21 inglesas, que passam a suprir sua metrópole. Em meados do século XIX, o Brasil é responsável

por menos de 8% da produção mundial de cana-de-açúcar. 35 No caso do algodão, a produção em

larga escala dos Estados Unidos resultava numa queda acentuada dos preços do produto, que tornava pouco rentável o negócio algodoeiro. Os Estados Unidos contavam com a expansão do mercado inglês e de seu mercado interno, além de fretes relativamente baixos e grande oferta de mão-de-obra escrava e de terras de boa qualidade, o que lhes proporcionava condições para obter o domínio do mercado. “O fumo, os couros, o arroz e o cacau eram produtos menores, cujos

mercados não admitiam grandes possibilidades de expansão”.36

Neste ponto cabe questionar se a indústria representaria alguma possibilidade de ser a protagonista da retomada do crescimento econômico brasileiro nesta época de crise. De acordo com Caio Prado Jr., enquanto perdurasse a tarifa de importação preferencial de 15% para a Inglaterra seria impossível desenvolver qualquer produção industrial nacional, visto que esta não poderia concorrer com os produtos importados, e, portanto, o Brasil estaria destinado a, cada vez mais, se especializar na produção agrícola de gêneros para exportação. “Essa situação tenderá sempre a se agravar com o correr dos anos, graças ao aperfeiçoamento contínuo da indústria

européia e conseqüente barateamento e melhoria dos seus produtos”. 37

A impressão que fica é que a industrialização brasileira teria sido barrada, no século XIX, por falta de proteção à indústria nacional. João Manuel Cardoso de Mello, no entanto, coloca a questão em outros termos, numa análise que parece mais adequada. Segundo este autor, os produtos industriais importados, ainda que entrassem com tarifas relativamente baixas, tinham que enfrentar altos custos de transporte entre os portos e os centros consumidores, além da desvalorização da moeda brasileira que elevava os preços relativos dos produtos importados. Portanto, se recebiam facilidades de um lado, os importados enfrentavam sérias dificuldades de outro lado. 38

35

PRADO JUNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 47ª reimp. Da 1ª edição de 1945. São Paulo: Editora Brasiliense, 2006.

36

FURTADO, Celso. op. cit., p. 113. 37

PRADO JUNIOR, Caio. op. cit., p. 135. 38

Este ponto já havia sido desenvolvido de certa forma por Celso Furtado. O autor afirma que na década de 1820, com as dificuldades de arrecadação geradas pela queda nas tarifas de importação, o governo brasileiro passa a incorrer em sucessivos déficits públicos que seriam sanados por meio de emissão de papel-moeda, o que gerava uma desvalorização do mil-réis em relação à libra esterlina, agravada pelo alto coeficiente de importações da economia brasileira. Com a desvalorização do câmbio ocorre uma elevação relativa dos preços de produtos importados, que

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