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A progressão tópica na linguagem de pessoas com doença de alzheimer em estágios leve e moderado

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

LUCAS MANCA DAL’AVA

A PROGRESSÃO TÓPICA NA LINGUAGEM EM

PESSOAS COM DOENÇA DE ALZHEIMER EM

ESTÁGIOS LEVE E MODERADO

CAMPINAS,

2019

(2)

A PROGRESSÃO TÓPICA NA LINGUAGEM DE PESSOAS COM

DOENÇA DE ALZHEIMER EM ESTÁGIOS LEVE E MODERADO

Dissertação de mestrado de apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Linguística.

Orientadora: Profa. Dra. Edwiges Maria Morato

Este exemplar corresponde à versão final da Dissertação defendida pelo aluno Lucas Manca Dal’Ava e orientada pela Profa. Dra. Edwiges Maria Morato

CAMPINAS,

2019

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Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem

Dionary Crispim de Araújo - CRB 8/7171

Dal'Ava, Lucas Manca,

D15p DalA progressão tópica na linguagem de pessoas com doença de alzheimer em estágios leve e moderado / Lucas Manca Dal'Ava. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

DalOrientador: Edwiges Maria Morato.

DalDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

Dal1. Alzheimer, Doença de. 2. Neurolinguística. 3. Linguística. 4. Análise do discurso. I. Morato, Edwiges Maria. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The topic progression in the language of people with alzheimer's disease in mild and moderate stages

Palavras-chave em inglês: Alzheimer's disease

Neurolinguistics Linguistics

Discourse analysis

Área de concentração: Linguística Titulação: Mestre em Linguística Banca examinadora:

Edwiges Maria Morato [Orientador] Caio César Costa Ribeiro Mira Elisandra Villela Gasparetto Sé Data de defesa: 26-08-2019

Programa de Pós-Graduação: Linguística Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0001-7641-5382 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/4844764625793702

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Edwiges Maria Morato

Caio César Costa Ribeiro Mira

Elisandra Villela Gasparetto Sé

IEL/UNICAMP 2019

Ata da defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria de Pós Graduação do IEL.

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AGRADECIMENTOS

À Professora Doutora Edwiges Maria Morato, professora, orientadora e norteadora.

Ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pelo apoio financeiro nesta pesquisa de mestrado.

Aos integrantes do COGITES – Grupo de Pesquisa “Cognição, Interação e Significação”, muito obrigada pela troca, apoio, convívio e amizades.

Ao Professor Dr. Caio César Costa Ribeiro Mira e Professora Dra Elisandra Villela Gasparetto Sé, pelas colaborações importantes na minha qualificação.

Aos pacientes com doença de Alzheimer, que realizam o seguimento clínico no Ambulatório de Neurologia do Hospital de Clínicas da UNICAMP, participantes desta pesquisa.

Aos familiares dos participantes desta pesquisa, que permitiram suas mães e pais em sua maioria a colaborar com este estudo, com a consciência de que podiam contribuir para o progresso da ciência. Meu profundo agradecimento e respeito por estas famílias que foram receptivas e compreensivas.

À coordenação e equipe do Ambulatório de Neurologia do Hospital de Clínicas da UNICAMP, em especial ao Prof. Dr. Benito Damasceno e ao Prof. Dr. Marcio Balthazar, que abriram as portas do ambulatório para esta pesquisa.

A todos os meus professores da Linguística e da Fonoaudiologia que tive na minha trajetória, que me abriram os horizontes, contribuindo para minha formação.

Ao meu amor, Sâmia, que me apoiou e me incentivou na minha trajetória. Ao meu irmão mais velho, André, que nunca negou esforços para me apoiar. Ao meu irmão mais novo, Ronaldo, que me apoiou e se fez presente.

À Marina, melhor amiga e conselheira.

Ao Plinio Barbosa e à Rose Barbosa, que são como minha segunda família. Ao Cristiano, funcionário da biblioteca do IEL, pelo apoio e amizade. Ao meu irmão, Felipe, que apesar da distância se fez presente.

Aos meus pais, Antonio e Adriana, que me incentivaram e cuidaram de mim. Aos meus amigos Luana, Thaís Almeida, Thaís Fernandes, Beatriz Telles, Reizel, Núbia, Nicolas, Arlindo e Ana Paula pelo apoio e amizade.

Aos meus amigos, Cristiano, Patrick, Daniel e Nair Andressa, pelo apoio, carinho e conselhos que me nortearam.

(6)

RESUMO

Esta pesquisa investiga as propriedades do tópico discursivo da fala off topic na linguagem de pessoas com Doença de Alzheimer (DA) nos estágios leve e moderado. Neste trabalho, dissertamos sobre aspectos conceituais e analíticos da fala off topic e sobre a noção de tópico discursivo em contexto conversacional. O objetivo deste estudo é analisar as propriedades fundamentais do tópico discursivo concernentes à linguagem na DA nos estágios leve e moderado, relacionando, por meio da análise das propriedades da centração e da organicidade, as caraterísticas da fala off topic abordadas pelo campo da Neurolinguística com as da Linguística Textual. Esta pesquisa se justifica não apenas pelos subsídios teóricos em torno de uma melhor compreensão da linguagem e da cognição na DA, os quais remetem à discussão já clássica sobre o normal e o patológico, esta pesquisa também se ocupa da base teórica interacional no campo da Linguística, trazendo impactos na formulação de diagnósticos e entendimento das dificuldades linguísticas na DA. A metodologia está fundamentada entre dois campos de estudo, sendo base sociocognitiva e Linguística Textual. Pautamo-nos pela análise da linguagem e da cognição em uso, em corpus constituído de dados de 8 participantes de 60 a 90 anos com

e sem diagnóstico de DA que foram submetidosà gravação de entrevistas semidiretivas

em contextos informais, com temas preparados para incentivar a conversação e o desenvolvimento dos tópicos discursivos. Analisamos os mecanismos textuais e referenciais que contribuíram para explorar os Quadros Tópicos nas interações, para então compreender processos verbais e não verbais associados ao reconhecimento, manutenção e desenvolvimento do tópico discursivo nos estágios leve e moderado da neuropatologia. Percebemos, à partir da análise de dados, que há avanços teóricos que vão além da descrição neurolinguística das ocorrências da fala off topic, que derivam da interface entre Neurolinguística e Linguística Textual a partir das descrições de estratégias textuais e comunicativas de segmentos potencialmente off topic na fala dos participantes com DA em situações interativas. Observamos que os participantes com DA moderado produzem mais falas potencialmente off topic em função de “problemas” nos processos de organicidade e de centração, sendo os “problemas” de organicidade encontrados mais nos excertos de participantes com DA leve, enquanto no grupo com DA moderado observamos “problemas” de tanto de organicidade quanto de centração. Observamos também que uma maior autonomia enunciativa, bem como a atividade referencial e predicativa, pertencente à estrutura da centração (tais como anáforas diretas e indiretas, dêiticos)importantes para a atividade referencial (convergência de diferentes unidades) e

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desenvolvimento do tópico discursivo (interdependência de planos) são mais presentes no grupo não-Alzheimer.

Palavras Chave: Doença de Alzheimer; Tópico Discursivo; Fala Off Topic; Neurolinguística; Linguística Textual.

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ABSTRACT

This research investigated the properties of the discursive topic in the language of people Alzheimer's disease (AD) is currently initial and moderate. In this work, dissertations on conceptual and analytical aspects of speech off topic and on a notion of discursive topic in conversational context. The objective of this article is to analyze the fundamental properties of the topic related to the information language, such as the off-topic speech characteristics addressed by the field of neurolinguistics as of Textual Linguistics. This research was not limited to theoretical subsidies around a better understanding of language and cognition in AD, that is, from an already existing base on the normal and pathological, this research also makes of the theoretical base interactional in the field of Linguistics, bringing impacts on the formulation of diagnoses and understanding of language skills in AD. The methodology is based on two fields of study, being socio-cognitive basis and Textual Linguistics. We used the analysis of language and cognition in use, in a corpus consisting of data from 8 participants from 60 to 90 years old with and without AD diagnosis who were subjected to reading semi-directional interviews in informal contexts, with themes prepared for the conversation and the development of discursive topics. We analyze the textual mechanisms and the references that contribute to the exploration of the Basic Frames in the interactions for the teaching of verbal and nonverbal processes associated to the recognition, maintenance and development of the discursive topic in the mild and moderate stages of neuropathology. From the data analysis, we can see that there are theoretical advances that go beyond the neurological description of off topic speech occurrences, which derive from the interface between Neurolinguistics and Textual Linguistics from the textual and communicative databases of speech of participants with AD in interactive situations. We observed that participants with moderate AD produce more potentially off topic speeches due to changes in the organicity and concentration processes, with organicity problems being found more in the excerpts of participants with mild AD, while in the moderate AD group we observed changes in both of organicity and of concentration. We also observed that greater enunciative autonomy, as well as referential and predicative activity, belonging to the structure of the center (such as direct and indirect anaphora, deictic) important for the referential activity (convergence of different units) and development of the discursive topic (interdependence of lines) are more present in the non-Alzheimer group.

Keywords: Alzheimer's disease; Discursive Topic; Off Topic Speech; Neurolinguistics; Textual Linguistics.

(9)

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA TEÓRICO………...………11

INTRODUÇÃO...11

OBJETIVO GERAL...13

OBJETIVOS ESPECÍFICOS...13

1. CAPÍTULO 1 COMPREENDENDO O AMBIENTE TEÓRICO E EMPÍRICO DA PESQUISA...14

1.1 A ABORDAGEM SOCIOCOGNITIVA...14

1.2 CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM NA ABORDAGEM SOCIOCOGNITIVA...16

1.3 LINGUAGEM E DOENÇA DE ALZHEIMER...18

1.4 ENVELHECIMENTO E DECLÍNIO COGNITIVO LEVE...21

1.5 DOENÇA DE ALZHEIMER...25

1.6 LINGUAGEM E COGNIÇÃO NO ENVELHECIMENTO E NA DOENÇA DE ALZHEIMER...28

2. CAPÍTULO 2 TÓPICO DISCURSIVO E CONCEITO DE FALA OFF TOPIC...31

2.1 TÓPICO DISCURSIVO...31

2.2 CENTRAÇÃO...33

2.3 ORGANICIDADE...33

2.4 O CONCEITO DE FALA OFF TOPIC...37

2.5 FATORES E PROCESSOS DE CONTINUIDADE TÓPICA...38

2.6 FATORES E PROCESSOS DE DESCONTINUIDADE E RUPTURA TÓPICA QUE PODEM INFERIR A FALA OFF TOPIC...39

2.6.1 PROCESSOS DE DESCONTINUIDADE E RUPTURA ESPECÍFICOS DA ORGANICIDADE...39

2.6.1.1 DIGRESSÃO...40

2.6.1.2 FUGA DO TÓPICO...42

2.6.1.3 MUDANÇA OU QUEBRA DE TÓPICO...42

2.6.2 PROCESSOS DE DESCONTINUIDADE E RUPTURA ESPECÍFICOS DA CENTRAÇÃO...44

2.6.2.1 INTRODUÇÃO...44

2.6.2.2 RETOMADA OU MANUTENÇÃO TÓPICA...45

(10)

2.6.2.4 PARENTETIZAÇÃO...45

2.6.2.5 REPETIÇÃO...46

3. CAPÍTULO 3 METODOLOGIA...48

3.1 CONSTITUIÇÃO DA ENTREVISTA SEMIDIRETIVA...48

3.2 PARTICIPANTES DA PESQUISA...50

3.3 APLICAÇÃO DO TESTE DO MINI EXAME DO ESTADO MENTAL (MEEM)...51

3.4 CONSTITUIÇÃO DO CORPUS DA PESQUISA...52

3.4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DO GRUPO NÃO-ALZHEIMER...53

3.4.2 CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DO GRUPO ALZHEIMER...57

3.4.3 HISTÓRIA DE VIDA E HISTÓRIA CLÍNICA DOS PARTICIPANTES DO GRUPO NÃO-ALZHEIMER...62

3.4.4 HISTÓRIA DE VIDA E HISTÓRIA CLÍNICA DOS PARTICIPANTES DO GRUPO ALZHEIMER...63

4. CAPÍTULO 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS...65

4.1 PARTICIPANTES DO GRUPO NÃO-ALZHEIMER...65

4.1.1 EXCERTO 1...65

4.1.2 EXCERTO 2...69

4.1.3 EXCERTO 3...73

4.1.4 EXCERTO 4...77

4.1.5 SÍNTESE DA ANÁLISE DO GRUPO NÃO-ALZHEIMER...80

4.2 PARTICIPANTES DO GRUPO ALZHEIMER...81

4.2.1 EXCERTO 5...81

4.2.2 EXCERTO 6...86

4.2.3 EXCERTO 7...90

4.2.4 EXCERTO 8...95

4.2.5 SÍNTESE DA ANÁLISE DO GRUPO ALZHEIMER...100

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...102

REFERÊNCIAS...107

(11)

APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA TEÓRICO

__________________________________________________________________ INTRODUÇÃO

Nesta apresentação da Dissertação, introduzimos as justificativas e os objetivos que motivaram a realização deste estudo; destacamos aqui uma breve construção teórica das interfaces que fundamentam esta pesquisa, a Neurolinguística e a Linguística Textual.

No Capítulo 1, trazemos o ambiente empírico da pesquisa, que se distingue nas seções sobre linguística e cognição, Doença de Alzheimer (DA) e declínio cognitivo leve (DCL).

No Capítulo 2, abordamos as características e definições do tópico discursivo e as caraterísticas da fala off topic, apresentadas por autores da Neurolinguística e da Linguística Textual. Para isso, evocamos estudos linguísticos que se dedicam tanto à definição do tópico discursivo, quanto de suas descontinuidades e rupturas.

No Capítulo 3, descrevemos a composição da entrevista semidiretiva, a constituição do Mini Exame do Estado Mental (MEEM) (ANEXO I) e apresentamos os perfis dos participantes dos grupos não-Alzheimer e Alzheimer.

No Capítulo 4, apresentamos os excertos e as análises das entrevistas e destacamos as observações gerais de cada grupo.

Nas Considerações Finais, tecemos comentários sobre os objetivos que motivaram este estudo e quais foram alcançados, quais sejam, uma melhor compreensão da fala off

topic no contexto da DA e em contextos interacionais.

Após esta apresentação dos capítulos, discorremos aqui sobre o problema teórico abordado nesta pesquisa. Para isso, primeiramente destacamos que a literatura referente à linguagem de pessoas com DA tem apontado dificuldades na produção do discurso e no processamento da linguagem que afetam a coerência local e global do sentido e influenciam a qualidade interacional de pessoas diagnosticadas (BRANDÃO, 2005; MANSUR et al., 2005; BRANDÃO; PARENTE; PEÑA-CASANOVA, 2008; CRUZ, 2008; SÉ, 2011; MORATO, 2016).

Brandão, Parente e Peña-Casanova (2008) afirmam que essas pessoas lançam mão da linguagem não-verbal, através de gestos e de expressões corporais que lhes propiciam construir o sentido do discurso, a partir do uso funcional da linguagem e que tais estratégias, verbais e não-verbais, são aventadas especialmente no contexto de situações interativas cotidianas. Algumas dessas estratégias passam a fazer parte do conhecimento

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procedural ou implícito do indivíduo, e podem ser usadas para manter a continuidade da comunicação mesmo diante de comprometimentos discursivos (VAN DIJK, 1996).

Ao analisarmos essas estratégias, deparamo-nos com produções de fala off topic (OVERMAN; GEOFFREY, 1987), considerada uma característica comum da linguagem em pessoas com DA nos estágios leve e moderado no contexto de dificuldades linguísticas – como as relativas à evocação de palavras e à atividade referencial – e cognitivas – tais como as relativas à memória de trabalho ou memória episódica- (HAMILTON, 1987 apud CRUZ, 2005).

Essas dificuldades interferem na compreensão do texto falado e dizem respeito, de um modo ou de outro, às dificuldades linguísticas e cognitivas de produção do discurso (BRANDÃO; PARENTE, 2001). No âmbito dos estudos neurolinguísticos, esse tipo de fala é apresentado em termos de devaneios, verbosidades, circunlóquios e digressões mal colocadas durante a execução do discurso (BRANDÃO; PARENTE, 2001; MORATO, 2008).

Para compreendermos os efeitos da fala off topic de pessoas com DA, esta pesquisa objetiva estudar as características deste tipo de fala com vistas à descrição e à compreensão dos fenômenos a ela atinentes. Para tanto, focalizamos uma das situações emblemáticas de uso da linguagem, a conversação, desenvolvida para os propósitos da pesquisa por meio de entrevistas semidiretivas, nas quais os participantes são levados a atuarem como interlocutores ativos na comunicação.

Os relatos, comentários e outras configurações textuais presentes no corpus nos permitiram observar como as pessoas expressam seus pontos de vista, fornecem informações, compreendem seus interlocutores e apreciam suas próprias dificuldades. Por meio destes, pudemos observar complexos processos interpessoais e intrapessoais que caracterizaram os seus cursos de vida, os eventos objetivos e subjetivos construídos da interação social, o que contribui para compreendermos o efeito das características discursivas de pessoas com DA.

Essa compreensão na análise possibilita a abertura de práticas diagnósticas e aplicações terapêuticas bastante úteis, como auxiliar na detecção e no acompanhamento da progressão da doença (BRANDÃO; PARENTE, 2001).

Na análise dos resultados, recorremos tanto a elementos teóricos de uma perspectiva sociocognitiva da Neurolinguística e da Linguística Textual (MARCUSCHI, 2001, 2002; KOCH, 2004; CRUZ, 2008; MORATO, 2004, 2008, 2010, 2012, 2016; SÉ, 2011; MORATO et al., 2017), quanto a uma perspectiva textual-interativa do tópico

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discursivo da Linguística Textual (KOCH, 2001, 2002; MARCUSCHI, 2002; BENTES; RIO, 2006; JUBRAN et al., 1992, 2006; MIRA, 2016).

Essa perspectiva aqui adotada, a partir da qual os eventos e objetos linguísticos e cognitivos são compreendidos e analisados, segundo MORATO (2007):

incorpora aspectos socioculturais e linguístico-interacionais à compreensão da problemática cognitiva, investindo no domínio empírico com base na hipótese de que nossos processos cognitivos se constituem em sociedade e no decurso das interações e práticas sociais (isto é, não são essencialmente individuais e inatos) e na hipótese de inspiração vygotskiana (1934) de que não há possibilidades integrais de conteúdos cognitivos fora da linguagem e nem possibilidades integrais de linguagem fora de processos interativos humanos. Além de ser um fenômeno social (portanto, não descarnada de seus usuários e de suas condições materiais de vida em sociedade), a cognição – tomada sempre em inter-ação – é também situada local e historicamente (MORATO, 2007, p. 43).

Diante desse problema teórico apresentado, abaixo destacamos os objetivos geral e específicos deste trabalho.

OBJETIVO GERAL

Este estudo tem como objetivo estudar a fala off topic na DA por meio de descrições e análises dos processos linguísticos e interacionais observados em situações conversacionais.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

(i) Analisar a progressão e a gestão tópica na linguagem de pessoas com DA, com foco analítico nas propriedades de centração e de organicidade tópica.

(ii) Tecer considerações quanto às características da fala off topic na conversação, em contextos de língua falada não patológicos e no contexto da DA.

(iii) Tecer considerações em relação ao desempenho linguístico-cognitivo alcançado por indivíduos com DA, no estágio leve e no estágio moderado.

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CAPÍTULO 1

COMPREENDENDO O AMBIENTE TEÓRICO E EMPÍRICO DA PESQUISA

_______________________________________________________________ 1.1 A ABORDAGEM SOCIOCOGNITIVA

Esta pesquisa tem como vetor teórico uma abordagem sociocognitiva de cunho interacional. Abaixo, trazemos alguns outros autores filiados a essa perspectiva como forma de destacar seus pressupostos teóricos. Segundo Morato (2012):

A perspectiva sociocognitiva destaca dentre seus postulados os seguintes aspectos: i) a linguagem é indissociável de outros fatores e propriedades da cognição humana; ii) a linguagem é resultado de uma imbricação de fatores externos e internos, como os relativos às propriedades biológicas e cognitivas dos seres humanos e os relativos às práticas da vida em sociedade e às experiências socioculturais dos indivíduos. Tais aspectos, de maneira distinta, estão presentes no desenvolvimento, na restrição ou na reorganização tanto de processos de aquisição, quanto de alteração da linguagem

Nessa perspectiva, a pergunta sobre cognição não é uma indagação direta sobre a relação linguagem-mundo, mas sim sobre como nós usamos a linguagem enquanto forma constitutiva de mediação dessa relação. Para essa perspectiva, a cognição é um resultado, e não um antecedente da atividade interacional dos indivíduos com o mundo sociocultural, esse entendimento, forte desde os anos 1980, está de alguma forma presente na concepção de cognição e de linguagem como atividades situadas e coletivas (MORATO, 2012, p. 189 - 190).

Para explicitarmos os termos da abordagem sociocognitiva adotada neste estudo, tomemos uma outra passagem da autora (2016):

Instanciada no uso, no contexto das práticas e rotinas simbólicas da vida em sociedade, nas práticas interacionais as mais diversas, a pergunta sobre cognição passa a ser também e sobretudo sobre os processos que ela envolve. Afinal, o que a cognição requer ou envolve? Ela envolve, entre outros elementos associados à compreensão e à conceptualização – do mundo, do outro da fala do outro – um papel crucial na negociação, na construção e no reconhecimento de um conhecimento e de um foco comum, na compartilha de intenções (“sintonia referencial”, de acordo com Marcuschi, 1998), na diversidade de expectativas e das marcas de

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atenção conjunta, além de um imprescindível interesse subjetivo pela interação. Assim, é possível, a partir dessa concepção de cognição, lançar-se ao desafio de descrever e analisar como os indivíduos constroem, planejam e executam seus gestos simbólicos no decurso da interação e no contexto nos quais estão envolvidos.

O caráter sociocognitivo de nossa vida mental se constitui, entre outras características e fatores citados acima, pela recursividade comunicativa, pela intencionalidade compartilhada, pela perspectivação conceitual, de acordo com Tomasello (2008, 2009, 2014). Investidas de propriedades intersubjetivas e inferenciais, as práticas discursivas – que ancoram a relação entre interação e conceptualização – tornam-se uma das chaves para entendermos o modus operandi da cognição humana. Para essa abordagem da cognição, chamada largamente de sociocognitiva (KOCH; CUNHA-LIMA, 2004; MORATO, 2015), uso e interação não podem ser separados do funcionamento cerebral e cognitivo – são e estão, afinal, enfeixados na construção do conhecimento e na representação da experiência (MORATO, 2016, p. 580 - 581).

Segundo Silva (1997), essa perspectiva aborda:

A linguagem perspectivada como meio de conhecimento e em conexão com a experiência humana do mundo unidades e as estruturas da linguagem são estudadas, não como se fossem entidades autónomas, mas como manifestações de capacidades cognitivas gerais, da organização conceptual, de princípios de categorização, de mecanismos de processamento e da experiência cultural, social e individual. (SILVA, 1997, p. 59).

A abordagem sociocognitiva e sua concepção de linguagem, de cognição e de mundo, com os símbolos e as categorizações através das quais representamos a nossa experiência e a realidade não provêm apenas da nossa estrutura corporal ou mental, como afirma Vilela (2003):

Uma cultura consiste numa rede de sistemas de significado, concepções e esquemas interpretativos que se geram, aprendem, ativam, constroem e se mobilizam em práticas sociais, normas impostas por instituições, incluindo as linguísticas (VILELA, 2003, p. 198).

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linguagem e interação são decisivas para o desenvolvimento cognitivo e para a sociabilidade humana. Entre as teses associadas a essa perspectiva está a da indissociabilidade entre linguagem e outros aspectos da cognição humana; a da plasticidade cerebral enquanto plasticidade sociocognitiva (portanto, não inata e não baseada apenas e tão somente em mecanismos neurobiológicos); a do contexto como construção sociocognitiva (e não mero entorno físico que ancora os atos de significação); a da não dicotomia entre “fatores de ordem cognitiva” e “fatores de ordem social”. O domínio empírico de exploração dessas teses revela uma grande preocupação com a visibilidade dos dados e com a constituição de corpora linguísticos autênticos e sociolinguisticamente variados (MORATO, 2016, p.585).

Para entendermos melhor a concepção de linguagem na abordagem sociocognitiva, na próxima seção trazemos autores que associam linguagem e cognição às experiências socioculturais e interacionais.

1.2 A CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM NA ABORDAGEM

SOCIOCOGNITIVA

Nesta pesquisa, compreender e analisar o discurso produzido por participantes com uma patologia que afeta também a produção da linguagem, a DA, são importantes para o entendimento do ambiente e das interações sociais dos participantes diagnosticados. Para esta compreensão, nesta seção, assumimos a existência de convenções e adaptações a uma realidade cultural e social.

Segundo Marcuschi (2005), essa concepção de linguagem na abordagem sociocognitiva relaciona o discurso com processos sociais e internos (nossos esquemas mentais) e, de acordo com Koch (2004), nessa abordagem, o mundo é sociocognitivamente produzido.

Nessa concepção, segundoMarcuschi (2005, p. 69), a linguagem é vista não como

uma representação dos referentes mundanos, ou mera competência de habilidades cognitivas inatas, mas o local onde, dialeticamente, a exterioridade (o cultural, o social e o histórico) se relaciona com os processos internos, construindo discursiva e intersubjetivamente versões públicas do mundo.

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De acordo com o autor (2005, p. 68), a nomeação e a referenciação são processos complexos que precisam ser analisados na atividade sociointerativa e dependem do ponto de vista dos interlocutores para que os seres e os objetos do mundo sejam construídos.

Segundo Marcuschi (2005):

conhecer um objeto como cadeira, mesa, bicicleta, avião, livro, banana, sapoti não é apenas identificar algo que está ali, nem meramente usar um termo que lhe caiba, mas é fazer uma experiência de reconhecimento com base num conjunto de condições que foram estabilizadas numa dada cultura (MARCUSCHI, 2005, p. 69).

Sobre a concepção de linguagem na abordagem sociocognitiva, Morato (2017) afirma que:

É preciso, ainda, considerar que, a despeito da evolução das teorias lingüísticas sobre a questão do sentido (que englobam a apropriação social da linguagem, não opõem comunicação e significação de maneira tautológica, apontam para a dimensão interativa dos processos de significação), a noção ideacional de signo predomina nos estudos que envolvem linguagem e cognição. As teorias intelectivas ou representacionais de linguagem, assim, se reúnem em “busca do cognitivo” seja na mente das pessoas, seja nas formas sociais de condutas humanas, com o objetivo de descrever o processamento do discurso ou a maneira pela qual são fixadas as representações e processos de significação qualificados de uma forma algo geral como fenômenos “extralingüísticos”. O problema do “extralingüístico” nos leva em direção à existência de um social, um contexto, um uso, uma cognição à margem da linguagem. Se a linguagem é apenas uma das formas possíveis de significação, como conciliar essa idéia com o fato de que é linguagem também o que contribui para a construção de significações extralingüísticas, propriedades tanto do sistema lingüístico quanto de outros sistemas de signos e operações simbólicas? Como reagir ao fato de que mesmo um (meta)discurso sobre a significação não lingüística (como o das Ciências Cognitivas) depende inteiramente da linguagem e dos efeitos de sentido que provoca? Em suma, o que é a significação, se a linguagem existe e o faz apenas mediante as experiências significativas de vida em sociedade? Se cognição é uma forma de (ser) conhecimento, dependente dos processos de significação, linguagem é, por suas propriedades formais e

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discursivas, não apenas uma outra forma, mas a própria possibilidade de conhecimento, a “atividade significante e reflexiva por excelência”, segundo um postulado típico das correntes enunciativas, que dá forma ao processo de apreensão do real, constituindo-o e sendo constituída por ele (MORATO, 2017, p. 88).

Em conjunto, essas ponderações e reflexões acima nos levam ao entendimento da cognição como sendo um fenômeno situado e social, o que justificaria o termo sociocognição. É essa perspectiva, que associa linguagem e cognição às experiências socioculturais e interacionais (SALOMÃO, 1999; SILVA, 1997) e que tem sido chamada de sociocognitiva, base da interface disciplinar do estudo aqui empreendido.

Para compreender os problemas de linguagem na DA em termos neurolinguísticos, na próxima seção, destacamos como a patologia tem sido associada a esses problemas nas descrições mais tradicionais do campo da Neurolinguística.

1.3 LINGUAGEM E DOENÇA DE ALZHEIMER

De acordo com Morato (2017), em termos neurolinguísticos, a DA:

tem sido tradicionalmente associada à perda da memória e da consciência, razão dos sintomas linguísticos e cognitivos apresentados em graus variados de severidade pelos indivíduos diagnosticados, como desorientação temporal e espacial, lacunas ou falhas mnêmicas variadas (memória episódica, autobiográfica, semântica, cultural etc.), infração de regras pragmáticas que orientam os atos comunicativos nas mais variadas circunstâncias de uso social da linguagem e da dinâmica interacional de uma forma geral, alteração da faculdade crítica, fala off topic, dificuldade de reconhecer intenções comunicativas e realizar inferências de forma relevante para os propósitos discursivos e interacionais. Vale notar que, de um modo ou de outro, mesmo os indivíduos sem comprometimento neurocognitivo podem confrontar-se com fenômenos como os acima descritos nas mais variadas práticas discursivas e sociais cotidianas, o que não permite tomar ambas as patologias — a não ser ao arrepio do bom-senso — como meras excrescências em relação ao que é tido como normal na linguagem e na cognição. Assim, podemos admitir que não apenas as condições neuropsicológicas e neurolinguísticas específicas indicariam o caráter patológico das produções e interpretações linguísticas, mas processos de (des)legitimação de ordem sociocultural associados ao que se

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entende por bem falar, bem pensar, bem agir. Processos de (des)legitimação da competência comunicativa de indivíduos com afasia e doença de Alzheimer estão, vale dizer, associados a determinados escopos dos termos da afasia e da doença de Alzheimer, em especial os atinentes a modelos linguísticos fortemente estruturalistas e a modelos neuropsicológicos estritamente biomédicos, muito judiciosos em relação ao que é considerado normal ou desviante na linguagem e na cognição (MORATO, 2017, p. 163-164).

Nas descrições mais tradicionais do campo da Neurolinguística, mencionam-se problemas de linguagem marcantes em aspectos pragmáticos e semânticos, com relativa preservação dos fonológico-sintáticos, de rara ocorrência até os estágios mais avançados (KEMPLER, 1995). Embora os pesquisadores concordem com a existência de dificuldades léxico-semânticas nos indivíduos com DA, ainda não se chegou a um acordo a respeito da natureza desses déficits (MANSUR et al., 2005).

A falta de ativação semântica e dificuldade de constituir expectativas em relação à apresentação de itens lexicais, permite dar consistência à hipótese de que a progressiva deterioração da informação semântica é desencadeada a partir da perda de atributos específicos da linguagem (BELL; CHENERY; INGRAM, 2001).

Atualmente, pode-se evidenciar dificuldades de compreensão de sentenças complexas, como as não canônicas, com voz passiva e sentenças extensas. Embora essa posição tenha se tornado largamente aceita, as bases para a explicação dos problemas de linguagem permanecem controversas (MANSUR et al., 2005).

Alguns autores defendem a ideia de que, a dificuldade na linguagem estaria relacionada ao efeito da sobrecarga na capacidade de armazenamento na memória de curta duração (GROSSMAN et al., 1996).

Estudos de Croot et al. (2000) e Patel e Satz (1994) apontam que dificuldades na produção discursiva oral têm sido constatadas desde o estágio leve da DA. Essas dificuldades também foram encontradas em estudos sobre interações conversacionais na DA (MENTIS; BRIGGS-WHITAKER; GRAMIGNA 1995; RIPICH et al., 1991), nos apontando diferenças no gerenciamento das interações e produções de fala, evidenciando dificuldades no âmbito pragmático-conceitual.

Até atingir o estágio moderado de comprometimento da DA, a pessoa pode manter as habilidades comunicativas, que revelam sua capacidade de readaptação funcional,

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apesar da redução da iniciativa, espontaneidade, limitação de vocabulário e dificuldade de encadear ideias e fornecer informações precisas (AZUMA; BAYLES, 1997).

A perspectiva sociocognitiva, base da interface disciplinar deste estudo, auxilia no entendimento do sujeito idoso e nas suas habilidades comunicativas, nas quais auxiliam com a descrição do ambiente social. Todavia, a DA tem sido prioritariamente um objeto de investigação do campo das pesquisas biomédicas, tanto neurológicas quanto neuropsicológicas (CRUZ, 2008). Nesses campos, as pesquisas sobre a cognição, processamento linguístico-cognitivo e problemas linguístico-cognitivas inserem-se, majoritariamente, numa tradição quantitativa e experimental e partem, muitas vezes, de uma concepção representacional e localizacionista da mente humana (CRUZ, 2008; MORATO, 2012).

Contudo, como afirma Morato (2012):

Mais recentemente, os estudos dedicados às afasias e à Doença de Alzheimer que se desenvolvem no âmbito de modelos explicativos psicossociais (LYMAN, 1989; BALLENGER, 2006; BERRIOS, 1990; HOLSTEIN, 1997; BEACH,1987), que não levam em conta apenas biomarcadores como as placas senis ou o componente genético, têm admitido que a linguagem e a interação influenciam de maneira decisiva o ritmo e a intensidade do declínio cognitivo (LEIBING e COHEN, 2006; CRUZ, 2008; MORATO, 2010a, SÉ, 2011; DIAS, 2012), bem como têm admitido (SCHEGLOFF, 2003; KITA et al, 2003; KLIPPI, 2003; GOODWIN, 2004; OELSCHLAEGER E DAMICO, 2003; FERGUSON, 1996; MORATO et al., 2010b) que, na complexa semiologia das afasias, a linguagem sempre diz respeito, de maneira direta ou indireta, a vários outros processos cognitivos interatuantes na compreensão e produção de sentido (MORATO, 2012, p. 183-184).

O problema que se coloca com relação à investigação da linguagem na DA vista a partir de uma perspectiva sociocognitiva, poderia ser formulado da seguinte forma: sendo a DA uma patologia que afeta a cognição humana, podemos supor que os fatores levados em consideração na definição e na compreensão do que seja a própria DA não caberiam numa concepção meramente biomédica da cognição (CRUZ, 2008; SÉ, 2011; MORATO, 2016).

A investigação da linguagem na DA a partir da perspectiva sociocognitiva, não é capaz de promover uma descrição das características linguísticas patologicamente alteradas sem que isto coloque em conflito o que é e não é generalizável, o que são

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ocorrências eventuais e o que pode ser considerado como uma heterogeneidade constitutiva da linguagem e da cognição humana (MORATO, 2016; SÉ, 2011).

A possibilidade de pensarmos em funções gerais da linguagem em interação e, ao mesmo tempo, de especificarmos aquilo que seria particular a cada tipo de situação interacional, contribui para a compreensão dos processos sociocognitivos constitutivos da linguagem e das práticas interativas dos sujeitos com a doença (CRUZ, 2008).

Como afirma Morato (2016), a propósito:

a afecção cerebral difusa e progressiva não compromete apenas e isoladamente as funções cognitivas; seu impacto se observa também no declínio da vida psicossocial do doente, em função do declínio sociocognitivo que se observa na evolução dessa patologia, de modo a afetar todo o entorno social dos que com ela convivem. O declínio nela observado, pois, não pode ser reputado apenas ao que acontece na intimidade do cérebro do indivíduo com diagnóstico de Doença de Alzheimer; tem a ver também com os impactos da doença no entorno interpessoal, nas formas de recepção social da doença (algo que inclui as práticas diagnósticas e a interação do doente com seus próximos), bem como de seu enfrentamento no plano psicossocial, médico-terapêutico e familiar. Como bem nota o sociólogo Roy Porter (1994), “a doença põe a linguagem sob tensão” - e também a cognição e a interação, poderíamos complementar a essa afirmação (MORATO, 2016, p. 584).

Sendo a linguagem um fator de influência no funcionamento de processos cognitivos associados à velhice, sobretudo à velhice desenvolvida em contextos de vulnerabilidade variada, a seguir, dissertaremos sobre o envelhecimento e o declínio cognitivo leve para elucidar suas eventuais implicações da linguagem e da cognição nessa etapa da vida, não raras vezes ligadas diretamente à emergência da DA.

1.4 ENVELHECIMENTO E DECLÍNIO COGNITIVO LEVE

Segundo Brandão e Parente (2001), as controvérsias, dúvidas e mistérios que rondam os estudos a respeito da linguagem do idoso demonstram que este é um campo que ainda necessita evoluir muito, mas que está em franco crescimento e é caracterizado pelo enfoque interdisciplinar.

Segundo a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) (2015), o envelhecimento é compreendido como um processo natural, em que as capacidades e

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necessidades de saúde dos idosos, dependem do que ocorre ao longo de todo o curso da vida. A mesma organização (2015) define envelhecimento como:

um processo sequencial, individual, acumulativo, irreversível, universal, não patológico, de deterioração de um organismo maduro, próprio a todos os membros de uma espécie, de maneira que o tempo o torne menos capaz de fazer frente ao estresse do meio-ambiente e, portanto, aumente sua possibilidade de morte (Organização Brasileira de Saúde. Ministério da Saúde. Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa, Cadernos de Atenção Básica 2015, p. 35).

As mudanças que constituem e influenciam o envelhecimento são diversas e dependem de múltiplas circunstâncias. No nível biológico, o envelhecimento é associado ao acúmulo de uma grande variedade de danos moleculares e celulares. Com o tempo, esse dano leva a uma perda gradual de funcionalidades com aumento do risco de contrair diversas doenças (WHO, 2018).

Além disso, alterações na composição corporal, como diminuição de estatura e da densidade óssea, perda de peso, de força e alterações no equilíbrio são alterações características da terceira idade e em muitos aspectos, causadas pela inatividade física (BOVOLENTA, 2015).

Essas mudanças incluem alterações nas relações sociais das pessoas idosas, bem como na necessidade de lidar com perdas de relações próximas e mudanças de papéis nas responsabilidades familiares (COSTA; MELO, 2016).

Aos níveis das estruturas corticais, a literatura mais organicista da linhagem, no campo do interesse do envelhecimento, aponta déficits estruturais anatômicos e fisiológicos que ocorrem nesse período da vida (FABRON et al, 2011).

Nessa linhagem, Balthazar (2008, p. 27) afirma que existem mudanças significativas na dilatação e no sistema ventricular no envelhecimento, ocasionando acometimentos nas conexões cerebrais do idoso, resultando em alterações organicistas e déficits motores no corpo como um todo, incluindo habilidades da fala.

Segundo Hedman et al (2016), afiliados a essa perspectiva, as funções executivas corticais, que são responsáveis pelo planejamento e execução de atividades, incluindo o raciocínio, a lógica, as estratégias e as tomadas de decisões, além da manutenção de ações permanentes de controle mental, ficam comprometidas com o avanço da idade.

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Consoante a essa perspectiva biomédica do envelhecimento, define-se, segundo os autores (2016), o conceito de DCL compreende as fronteiras entre o envelhecimento mental saudável e o patológico (HEDMAN et al, 2016).

As características clínicas do DCL incluem alterações de memória episódica, como esquecimentos relacionados às situações da vida cotidiana ou outras alterações cognitivas envolvendo atenção, alterações de processamento da linguagem, comprometimentos de orientação no tempo e no espaço, dificuldades de reconhecimento de ambientes e pessoas bem como organização e planejamento de pensamentos, entre outros (ABREU et al, 2005).

O número e o tipo de alterações cognitivas determinam o padrão de diagnóstico de DCL. Define-se DCL amnéstico quando um indivíduo apresenta comprometimento unicamente de memória episódica. Quando o indivíduo apresenta alterações de memória e de outras funções cognitivas, ele é diagnosticado com DCL amnéstico e de múltiplos domínios. Aqueles indivíduos com memória inteiramente preservada, mas que apresentam comprometimento de outras funções cognitivas recebem o diagnóstico de DCL de múltiplos domínios. A identificação do tipo de DCL merece cuidado especial porque a natureza clínica de cada um deles pode representar uma condição própria ou antecipar a conversão para um padrão específico de demência (ALZHEIMER

ASSOCIATION1, 2017).

De acordo com Clemente Filho (2008),pessoas com DCL, especialmente DCL

envolvendo problemas de memória, têm maior tendência a desenvolver a DA ou outras demências, embora DCL nem sempre leve à demência. Em algumas ocasiões, o DCL reverte para a cognição normal ou pode permanecer estável (ALZHEIMER

ASSOCIATION, 2017).

Segundo Hedman et al (2016), quando observamos falhas nas funções executivas, como acontece na DA e no DCL, é comum surgirem, no envelhecimento, problemas que alteram processos linguísticos, como planejamento, organização, manejo de tempo, memória e controle das emoções. Mansur e Garcia (2006, p. 88) ressaltam que os déficits relacionados ao envelhecimento se estendem a outras esferas cognitivas, como a linguagem.

No que diz respeito aos processos linguísticos associados ao envelhecimento, Preti (1991) abordou as características do léxico no discurso do idoso, mais especificamente, aquelas que evidenciavam marcas lexicais de espaço e tempo. Segundo o autor, a

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linguagem do idoso se caracteriza pelo aparecimento constante de informações sobre o passado, através do surgimento de determinadas expressões, vocábulos, formas de tratamento, estruturas formulaicas antigas (arcaísmos gírios e frases feitas) e maior formalidade na linguagem, que provocam um constante processo de explicação na sua fala, quando se dirige a interlocutores jovens.

Segundo Brandão e Parente (2001):

A linguagem, sendo um fator que sofre influência de possíveis processos cognitivos em declínio na velhice, é um aspecto que não deve ser negligenciado na intervenção cognitiva do idoso. Tanto este como seus familiares devem conhecer e saber lidar com os processos cognitivos que podem modificar-se com o aumento da idade. Estratégias que visem a intervenção sob aspectos como a memória de trabalho, a atenção e a velocidade de processamento devem ser desenvolvidas para trabalharem a favor da linguagem, utilizando recursos que promovam a valorização do self e que tirem proveito dos pontos fortes da cognição do idoso, como a preservação da memória episódica, o uso de estratégias de compreensão que valorizam o contexto e os aspectos globais do discurso do interlocutor e a habilidade de produzir narrativas interessantes e marcadas pela riqueza na expressão das emoções (BRANDÃO; PARENTE, 2001, p. 49).

Damasceno (1999), por seu turno, assinala as limitações dos testes diagnósticos tradicionais, descontextualizados e sumários, para o diagnóstico diferencial entre envelhecimento (normal) e o declínio cognitivo associado às demências:

De modo geral, a linguagem do idoso saudável ou demente tem sido avaliada com testes metalinguísticos, limitados aos níveis fonológico, sintático e semântico-lexical, dando pouca importância ao nível discursivo-pragmático, que pode mostrar alterações precoces nessas situações. Estes testes não incluem aspectos discursivos e epilinguísticos, deixando assim de detectar perturbações do processo de significação, como as alterações nas relações de sentido, problemas com pressupostos interpretativos, violação de leis conversacionais ou discursivas, dificuldades com operadores argumentativos, alterações de mecanismos de coesão e coerência textual, dificuldades com acesso e manutenção de tópicos.

O envelhecimento normal deixa relativamente intactos o vocabulário e o processamento sintático, enquanto altera a lembrança de palavras (na

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conversação e em testes de fluência verbal), aparecendo então raras parafasias semânticas. No nível discursivo, podemos ver dificuldades narrativas (especialmente com inferências, sumarização e interpretação moral de estórias) e omissão de informações sobre a “situação” da estória; omissão de passos essenciais durante a descrição de procedimentos; e na conversação, dificuldade de compreensão, falta de clareza do enunciado, “parafasias narrativas” e problemas com inferências e pressuposições. Estudos longitudinais utilizando recontagem e interpretação de estórias mostram variação intraindividual da “amnésia” de um dia para o outro, dependendo de variáveis como o tamanho e complexidade da estória, alterações do humor, problemas de família, doenças passageiras, efeito colateral de medicamentos, entusiasmo, familiaridade ou interesse com a estória e efeito da prática e aprendizado (DAMASCENO, 1999, p. 80 - 81).

Na próxima seção abordamos a DA, uma patologia neurodegenerativa que o paciente com DCL teria, segundo alguns autores (FROZZA; LOURENCO; FELICE, 2018; SHIGAEFF et al, 2017), maior chance estatística de desenvolver ao longo do processo (multifatorial) de envelhecimento.

1.5 DOENÇA DE ALZHEIMER

A DA é um transtorno neurodegenerativo progressivo que se manifesta por deterioração cognitiva como comprometimento progressivo das atividades de vida diária e uma variedade de sintomas neuropsiquiátricos e de alterações comportamentais. É considerada uma das formas mais comuns de demência, com atribuição em torno de 60-80% dos casos (ALZHEIMER ASSOCIATION, 2017). É uma neuropatia que acomete cerca de 47 milhões de pessoas ao redor do mundo (WHO, 2016). Segundo dados da Associação Brasileira de Alzheimer2 (ABRAz) (2017), estima-se que 1,2 milhão de brasileiros sofrem com a DA, entretanto a maioria dos casos permanece sem diagnóstico. A prevalência da DA é de 2% em participantes com 65 anos e 35% aos 85 anos.

Levando em consideração que a expectativa de vida aumentou em países desenvolvidos, o número de pessoas com DA tende a aumentar ou até dobrar o número até 2030 (ALZHEIMER ASSOCIATION, 2017). Desta maneira, esta doença se torna uma

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grande preocupação global em virtude dos acometimentos que ela desencadeia no indivíduo e na sociedade (FROZZA; LOURENCO; FELICE, 2018).

A etiologia precisa da DA é desconhecida, mas sabe-se que ela provoca lesões cerebrais e degeneração progressiva das células cerebrais (HUIHONG et al, 2018). Estudos sobre a patologia afirmam que a característica principal da doença é o depósito da proteína beta-amilóide nos espaços entre as células, criando placas denominadas senis. O agrupamento da beta-amilóide bloqueia as sinapses celulares e causa inflamações, provocando degeneração celular (CAPPA, 2018; HUIHONG et al, 2018).

Esse conjunto de danos cerebrais desencadeia sintomas como comprometimento de memória, disfunção de linguagem, flutuações, distúrbios de sono, depressão, ansiedade, entre outros (FROZZA; LOURENCO; FELICE, 2018).

Alguns fatores são considerados relevantes para o surgimento da DA, como fatores genéticos, a vulnerabilidade social, o envelhecimento não saudável, o histórico de acidentes vasculares cerebrais, traumatismos cranianos e depressões crônicas ou não, entre outros.

A duração e a intensidade dos danos provocados por ela são caracterizadas por estágios de comprometimento, sendo estes considerados leve, moderado e grave (CUBINKOVA et al, 2018).

Em termos gerais, segundo Morato (2016):

A Doença de Alzheimer se traduz por alterações cognitivas e comportamentais que constituem uma síndrome demencial associada à presença de lesões histológicas características. No campo dos estudos neurocognitivos, entende-se em linhas bem gerais que a Doença Alzheimer evolui em três fases: a forma leve, na qual os problemas mnésicos são constantes, assim como certa desorientação das funções executivas cotidianas (como as profissionais e as domésticas) e dificuldades sutis de processamento semântico e de manipulação das regras pragmáticas que presidem a utilização da linguagem; a forma moderada, na qual os problemas mnésicos passam a ser incapacitantes, seguidos de crescente desorientação temporal-espacial e de problemas de linguagem mais frequentes e prontamente perceptíveis; a forma severa, na qual a memória encontra-se gravemente alterada e a linguagem apresenta-se sensivelmente comprometida em todos os seus níveis de constituição (MORATO, 2016, p. 583 - 584).

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Os quadros abaixo mostram as caraterísticas apontadas por autores em relação aos estágios de comprometimento da DA na perspectiva do processo linguístico-cognitivo:

AUTORES ESTÁGIO INICIAL OU LEVE

Brandão e Parente (2001), Damasceno (2001), Cruz (2004), Mansur et al (2005), Ahlsén (2006), Morato (2015); e Sé (2011).

A alteração da memória episódica no estágio leve da doença pode estar relacionada aos recursos atencionais, podendo refletir uma dificuldade de codificação e armazenamento, mais do que um problema de evocação. Quanto ao nível semântico-lexical, há dificuldades para lembrar palavras na conversação, nomear objetos, tarefas de fluência verbal. As confabulações são observadas no discurso espontâneo e nas conversações, que são marcadas pela dificuldade em manter e em mudar de tópico de forma adequada à dinâmica interacional e aos propósitos interacionais.

Quadro 1. Alterações linguístico-cognitivas encontradas no estágio inicial ou leve da DA.

AUTORES ESTÁGIO INTERMEDIÁRIO OU MODERADO

Brandão e Parente (2001), Damasceno (2001), Mansur et al (2005), Ahlsén (2006), 2009), Sé (2011) e Morato (2017)

Há dificuldades de definir, nomear objetos e itens de uma dada categoria, em associar palavras e em produzir e compreender gestos e pantomimas. Há também dificuldades discursivo-narrativas devido às alterações da memória, sobretudo as de natureza autobiográfica, responsável pelo armazenamento da experiência passada que permite recuperar de forma significativa eventos selecionados do curso de vida. Nesta fase é também encontrada alteração do processamento fonológico durante o processamento linguístico-discursivo.

Quadro 2. Alterações linguístico-cognitivas encontradas no estágio intermediário ou moderado da DA.

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AUTORES ESTÁGIO AVANÇADO OU GRAVE Brandão e Parente (2001), Damasceno (2001), Mansur et al (2005), Ahlsén (2006), Sé, (2011) e Morato (2017).

A esta fase está associado o aprofundamento do que vários autores interpretam como síndrome afásico-apráxico-agnósica.

Os esquecimentos são mais frequentes, assim como linguagem elíptica com redução de vocabulário, especialmente substantivos e nomes próprios, além de parafasias semânticas, repetições, excesso de dêiticos e perífrases. Alterações nos níveis fonéticos e fonológicos, bem como nos aspectos semântico-pragmáticos da linguagem aumentam nesta fase, na qual se aprofundam as dificuldades na compreensão de linguagem figurada (metáforas, provérbios, analogias) moral da estória e material humorístico.

Quadro 3. Alterações linguístico-cognitivas encontradas nos estágios avançados ou grave da DA.

Dentre os sintomas da DA, a demência aparece como sendo um fator importante para as causas de morbidade e mortalidade do idoso (SHIGAEFF et al, 2017). A evolução da DA começa com alterações estruturais no hipocampo causando comprometimento da memória, dirigindo-se para região temporal, parietal, frontal, atingindo as áreas corticais associativas e a atrofia do corpo caloso.

Essas alterações estruturais resultam em grandes impactos na vida do indivíduo com DA devido ao declínio das funções cognitivas, dificuldade motora, desorientação e danos na linguagem, entre outras (HUIHONG et al, 2018, p. 2).

A DA não altera apenas estruturas neurológicas e funções cognitivas variadas, mas, principalmente, as relações entre linguagem, cognição e interação. Isso faz com que haja comprometimento de toda a organização simbólica das práticas sociais cotidianas nas quais os indivíduos se envolvem (SÉ, 2011, p. 23).

Para compreendermos as alterações do funcionamento linguístico-cognitivo durante o processo de envelhecimento, na próxima seção vamos abordar essas alterações no campo dos estudos neurocognitivos.

1.6 LINGUAGEM E COGNIÇÃO NO ENVELHECIMENTO E NA DOENÇA DE ALZHEIMER

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No campo dos estudos neurocognitivos, entende-se que a DA evolui em três estágios, como vimos nas seções precedentes. Trazemos novamente aqui um resumo dos estágios de evolução da DA nos quais se observam traços recorrentes (MORATO, 2017):

no qual os problemas mnésicos são constantes, assim como certa desorientação das funções executivas cotidianas e dificuldades sutis de evocação de palavras e manipulação de regras pragmáticas e sociocognitivas que presidem a utilização da linguagem nos mais variados contextos de uso; moderado, no qual os problemas mnésicos passam a ser incapacitantes, seguidos de crescente desorientação temporal-espacial e de problemas de linguagem frequentes (confabulação, circunlóquios, anomia, fala agramatical, etc.) e prontamente perceptíveis nas atividades cotidianas; severo, no qual a memória, a consciência e outros processos cognitivos encontram-se gravemente alterados e a linguagem apresenta-se sensivelmente comprometida em todos os seus níveis – formais e discursivos – de constituição (MORATO, 2017, p. 162).

Como vimos nas seções precedentes, o funcionamento linguístico-cognitivo sofre alterações durante o processo de envelhecimento, enolvendo mudanças no funcionamento biológico, psicológico e social de cada indivíduo, com modificações de fatores comportamentais, ambientais, históricos e socioculturais (SÉ, 2011 p. 23).

Diversos estudos têm abordado as mudanças do funcionamento linguístico-cognitivo no envelhecimento (PRETI, 1991; BRANDÃO; PARENTE, 2001; SÉ, 2003, 2011; MIRA, 2016; CARNIN, 2017). Preti (1991) apontou que idosos apresentam mais ocorrências de alguns fenômenos, tais como repetições, pausas, hesitações, digressões e potenciais desvios de tópico, marcados por inserções parentéticas, dificuldades nominativas e expansões.

Sobre esses fenômenos, conjeturamos ser importante refletirmos sobre os processos de construção intersubjetiva conjunta dos sentidos nas interações (MIRA, 2016, p. 148). Assim sendo, partimos de uma análise de cunho sociocognitivista para pensarmos questões relacionadas as construções de realidade que os participantes desta pesquisa trazem.

Entendemos que os processos de construção e elaboração de sentidos, de organização e rememoração do real, se dão a partir do trabalho dos interagentes que, inseridos em contextos específicos, constroem estratégias comunicativas na construção conjunta de sentidos (MIRA, 2016, p. 148).

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Dessa maneira, pessoas sem comprometimentos neurocognitivos também podem confrontar-se com produções de fala off topic nas práticas discursivas cotidianas, o que não nos permite tomar a DA “como meras excrescências em relação ao que é tido como normal na linguagem e na cognição” (MORATO, 2018, p. 163). Estas e outras implicações da fala off topic em processos conjuntamente operados na construção da interação serão abordadas no capítulo a seguir.

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CAPÍTULO 2

TÓPICO DISCURSIVO E CONCEITO DE FALA OFF TOPIC __________________________________________________________________

2.1 TÓPICO DISCURSIVO

O objetivo deste capítulo é fundamentar a base teórica deste trabalho. Para isso, abarcamos autores que definem a noção de tópico discursivo e explicitamos sobre a sua análise nas interações conversacionais.

Nesta seção, abarcamos a noção de tópico discursivo, visto, segundo a literatura (MAYNARD, 1980; JUBRAN et al, 1992; GALEMBECK, 2005; JUBRAN, 2006; NASCIMENTO, 2012), como um fator que organiza a conversação, sendo um processo conjuntamente operado pelos falantes na construção da interação.

Segundo Maynard (1980), a noção de tópico é calcada inicialmente no âmbito gramatical da frase, passando pela abordagem funcionalista e, posteriormente, para o domínio textual-discursivo, ela aponta para a delimitação da forma do tópico e para a configuração de uma categoria de análise.

Jubran et al (1992, p. 361) afirmam que o tópico é uma categoria abstrata, primitiva, que “se manifesta na conversação, mediante enunciados formulados pelos interlocutores a respeito de um conjunto de referentes explícitos ou inferíveis, concernentes entre si e em relevância num determinado ponto da mensagem”.

Para Jubran et al (1992), os aspectos do processamento do fluxo de informação no discurso oral dialogado, possuem referências a uma unidade discursiva, na qual compreende um fragmento textual caracterizado pela centração em um determinado tema, com extensões variadas, desde o âmbito do enunciado até o mais abrangente envolvendo porções maiores do texto.

Segundo Marcuschi (2005, p. 22) o tópico discursivo é uma categoria decorrente de um processo colaborativo e interpretativo que envolve os participantes de uma interação, sendo uma construção conjunta num processo de trocas verbais. Devemos entender que são situações que apresentam características comuns, independente de quem sejam os interagentes.

A abordagem textual-interativa, conforme é desenvolvida a partir dosestudos do Projeto de Gramática do Português Culto Falado (JUBRAN, 2006, p. 91), assinala uma tendência em atribuir à dimensão textual e à dimensão interativa na conceituação do tópico como uma categoria de análise, convergindo com a configuração do domínio textual-discursivo da noção de tópico de Maynard (1980).

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Para Galemback (2005, p. 176), o tópico é, essencialmente, uma categoria com uma base textual e outra interacional. Textual, pois se relaciona com a organização do texto, e interacional, por ser uma entidade que permite aos interlocutores atribuírem propriedades específicas a ele, conforme suas práticas interacionais.

Marcuschi (2005, p. 22) ressalta a importância de analisar o tópico discursivo quando afirma que este é parte elementar da conversação e a base para o início de uma interação. Ao analisarmos interações conversacionais, estamos analisando as propriedades e traços dos tópicos discursivos destas interações.

Cavalcante et al (2010, p. 250) explicitam que o tópico discursivo tem uma natureza de categoria sociocognitiva. Para os autores, é uma relação global, de longo alcance, criada tanto por indício fornecido pelo contexto, como por outros dados do entorno sociocultural e situacional dos enunciadores e coenunciadores, que integra vários referentes em um único conjunto referencial.

Segundo os autores (2010):

As relações de interdependência entre tópicos, seja no plano hierárquico, seja no plano linear, também são construídas em processos globais, de longo alcance para os quais concorrem não apenas elementos formais, presentes no cotexto, mas também elementos do entorno sociocultural e situacional (CAVALCANTE et al, 2010, p. 250).

Nascimento (2012, p. 93) assinala que há no tópico uma organização com regularidades passível de investigação nos estudos da análise da conversação. Segundo a autora (2012), o tópico discursivo deve ser analisado diante de uma relação com os segmentos textuais. De acordo Nascimento (2012, p. 101) “a categoria analítica de tópico discursivo opera recortes de segmentos textuais de forma que o analista seja capaz de identificar o que se fala e como isso é organizado no texto”.

Desta forma, conjeturamos que o modelo textual-interativo de tópico discursivo é bastante pertinente para tratar de aspectos linguísticos e não linguísticos da fala off topic apresentada em conversações que desenvolvem tópico discursivo, como entrevistas.

A fala off topic, ainda que vista como eventual estratégia de condução e gestão do tópico, pode colocar em risco a continuidade referencial, a coerência e a coesividade no tópico discursivo. Devemos entender, no ponto em que estamos, como funcionam as duas propriedades fundamentais do tópico discursivo, centração e organicidade.

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2.2 CENTRAÇÃO

Nesta seção abordamos o funcionamento de uma propriedade fundamental do tópico discursivo, a centração. Para isso, abordamos autores do campo da Linguística Textual que delinearam definições acerca do que norteia o tópico discursivo.

Para Fávero (2001, p. 40), a centração norteia o tópico de tal forma que, quando se tem uma nova centração, tem-se um novo tópico. A centração, no tópico discursivo está relacionada ao conceito de conteúdo e pode ser associada ao delinear no que se compreende por assunto ou tema.

Segundo Nascimento (2012, p. 102), a centração é “a primeira propriedade definidora do tópico discursivo, então, aponta para o direcionamento dos diversos enunciados formadores de um tópico para o desenvolvimento de um mesmo tema e abrange seus traços”.

Jubran (2006) propõe que os traços abranjam uma noção mais ampla de interação, como “função interacional de modo amplo, inerente a todo e qualquer texto” (2006, p. 35). Assim sendo, os traços de concernência, relevância e pontualização, abrangidas pela centração são definidos pela autora:

a) a concernência – relação de interdependência entre elementos textuais, firmada por mecanismos coesivos de seqüenciação e referenciação, que promovem a integração desses elementos em um conjunto referencial, instaurado no texto como alvo da interação verbal; b) a relevância – proeminência de elementos textuais na constituição desse conjunto referencial, que são projetados como focais, tendo em vista o processo interativo;

c) a pontualização – localização desse conjunto em determinado ponto do texto, fundamentada na integração (concernência) e na proeminência (relevância) de seus elementos, instituídas com finalidades interacionais (JUBRAN, 2006, p. 35).

2.3 ORGANICIDADE

Nesta seção abordamos outra propriedade fundamental do tópico discursivo, segundo Jubran et al (2002), é a organicidade, caracterizada pelas manifestações de interdependência estabelecidas no plano hierárquico e no linear (sequencial). A organicidade:

É manifesta por relações de interdependência que se estabelecem simultaneamente em dois planos: no plano hierárquico, conforme as dependências de superordenação e subordenação entre tópicos que se

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implicam pelo grau de abrangência do assunto; no plano sequencial, de acordo com as articulações intertópicas em termos de adjacências ou interposições na linha discursiva (JUBRAN et al, 2002, p. 345).

Para entendermos a propriedade da organicidade, nos atentamos em explicitar, através da literatura (FÁVERO, 2001; JUBRAN et al, 2002; GALEMBECK, 2005; NASCIMENTO, 2012), essas relações de interdependência estabelecidas entre os tópicos nos planos hierárquico e linear.

Fávero (2001, p. 47) aplica a um esquema de representação por níveis do Quadro Tópico (QT) dessas relações de interdependência dos planos hierárquico e sequencial. Os níveis vão desde um constituinte mínimo, Subtópico (SbT), até porções maiores, Supertópicos (ST) ou Tópicos (T). Segundo a autora, o QT pode ser assim representado:

Figura 1. Representação do Quadro Tópico segundo Fávero (2001).

Segundo Jubran et al (2002, p. 345), é possível verificar as camadas de organização desses níveis de hierarquização do tópico, que vão desde um tópico suficientemente amplo (ST), passando por tópicos particularizadores (T), findando nos constituintes tópicos mínimos (SbT).

Para Galembeck (2005), os planos horizontal e vertical devem ser assim compreendidos:

Plano linear ou horizontal: indica a relação entre os tópicos na linha discursiva, em sua linearidade, noção por meio do qual compreendemos o fenômeno de continuidade, quando há organização sequencial dos tópicos e o fenômeno de descontinuidade, marcada pela perturbação na sequencialidade; ST T T SbT SbT SbT SbT

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Plano vertical, por sua vez, diz respeito às relações de interdependência existentes entre um determinado tópico e suas subdivisões (GALEMBECK, 2005, p. 278).

De acordo com Jubran et al (2002), essas relações de interdependência entre os níveis hierárquicos no QT são explicitadas a seguir:

a) centração num tópico mais abrangente (SUPERTÓPICO, ST), que recobre e delimita a porção de discurso em que ele é focal;

b) divisão interna em tópicos co-constituintes (SUBTÓPICOS – SbT), situados numa mesma camada de organização tópica, na medida em que apresentam o mesmo teor de concernência relativamente ao ST que lhes é comum;

c) subdivisões sucessivas no interior de cada tópico co-constituinte, de forma que um tópico pode vir a ser o mesmo tempo ST ou SbT, se mediar uma relação de interdependência entre dois níveis não imediatos (JUBRAN et al, 2002, p. 348).

Jubran et al (2002) definem os QTs como procedimentos metodológicos de que se valem o analista para indicar quais são os tópicos e quais os subtópicos de um texto.

Após explorar as propriedades que definem a categoria analítica de tópico discursivo, Jubran et al (2002) apresentam uma metodologia de análise da organização tópica que contempla o esquema do QT de Fávero (2001):

a) Segmentação do texto em suas menores porções (segmentos tópicos), assim consideradas aqueles identificáveis fundamentalmente pelo princípio da centração, e delimitadas, eventual e complementarmente, por marcas lingüístico-discursivas.

b) O agrupamento desses segmentos tópicos conforme o grau de associação entre eles e o enquadramento sucessivo dos grupos em níveis mais elevados, obtendo-se como resultado a configuração de pirâmides tópicas (JUBRAN et al, 2002, p. 357-358).

Nessa mesma perspectiva de QT, Nascimento (2012):

constitui uma noção abstrata e relacional. Devido o tópico ter um valor relacional na linha de subordinações contínuas, o recorte do Quadro Tópico fixará a condição de supertópico ou subtópico. É o analista, portanto, quem estabelece os níveis hierárquicos, construindo os Quadros Tópicos (NASCIMENTO, 2012, p. 104).

Referências

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