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Sobre o fim da Idade Média e o começo do Capitalismo

. Aula de noções introdutórias pelo Prof. João Borba

1. Uma breve História do fim da Idade Média e do começo do Capitalismo. Na Idade Média as pessoas se distribuíam em três grandes grupos sociais que chamamos de “castas”, o que significa que eram grupos fechados e ninguém podia “passar” de um grupo para outro: havia os trabalhadores (camponeses), os guerreiros (que eram os nobres) e os sacerdotes (o clero, ou seja, o pessoal da Igreja, em todos os níveis de sua hierarquia, do coroinha até o papa). Acreditava-se que Deus havia decidido quais famílias e pessoas estavam destinadas a serem de qual casta, e desde cedo, isso já estava fixado na vida de cada pessoa para sempre, até a morte. Descendentes de camponeses seriam sempre camponeses. Descendentes de nobres, sempre nobres. Quanto aos membros da Igreja, era preciso “descobrir” desde bem cedo quem tinha como destino entrar para a Igreja, mas costumava ser sempre gente da nobreza.

Não existiam países, a Europa estava toda dividida em grandes fazendas que eram propriedade dos nobres ou da Igreja: os “feudos”. O nobre que era dono de um “feudo” era o que chamamos de um “senhor feudal”. Para os nobres, era como se os camponeses fizessem parte da terra. Um feudo podia mudar de dono muitas vezes, mas os camponeses íam junto, tinham direito sagrado de estar naquela terra onde viviam havia muitas gerações, em suas pequenas vilas, e não podiam ser tirados de lá. Alguns nobres, no entanto, podiam infernizar a vida dos camponeses que viviam em seu feudo, cobrando impostos pesadíssimos e obrigando-os a seguirem leis terríveis, desde que esses nobres não tirassem obrigando-os camponeses de suas terras e não os impedissem de tirar dessa terra pelo menos o mínimo necessário para o seu sustento — porque isso era considerado um direito sagrado, dado aos camponeses por Deus.

Nesses feudos, todo mundo se conhecia, e este é um dado importante. Os nobres eram em toda a Europa uma minoria, sustentada pelo trabalho da maioria que eram os camponeses, e os donos dos feudos de uma mesma região muitas vezes eram parentes. Mas os camponeses de um feudo também se conheciam, e tinham uma vida comunitária muito ativa, todos os problemas mais gerais, que afetavam toda a comunidade, eram resolvidos por todos em conjunto; eles formavam grandes conselhos camponeses em que decidiam o que devia ser feito, então pediam permissão ao senhor feudal (que normalmente cobrava algum imposto por essa permissão) e organizavam o trabalho em forma de mutirão para resolver o problema, fosse uma praga nos campos, uma fera atacando os rebanhos e que precisava ser caçada, uma ponte quebrada, o mato invadindo uma estrada que precisava ser limpa, ou fosse o que fosse. Só as questões de guerra eram resolvidas pela nobreza.

Na Idade Média, então, a guerra era coisa de nobres, era uma arte reservada só para a alta classe. Ode parecer que isto era um benefício para os camponeses, que afinal tinham proteção e não precisavam enfrentar a luta armada. Mas não era bem assim. Um nobre jamais admitiria um de seus camponeses lutando, isso seria vergonhoso, um vexame, uma “baixaria”, por assim dizer; um camponês que se metesse a guerrear poderia ser duramente punido pelo nobre (ou pela própria comunidade dos camponeses); um nobre que pusesse seus camponeses para guerrearem poderia causar nojo aos outros nobres, por “sujar” a nobre arte da guerra trazendo para ela a “gentalha da ralé”, e certamente perderia o respeito e a amizade de toda a casta da nobreza. No campo de batalha, um nobre não se disporia a enfrentar um camponês, viraria as costas e iria embora indignado.

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de gente “inferior”, então a guerra era uma das principais maneiras pelas quais um nobre podia enriquecer: enriqueciam conquistando mais terras (com mais camponeses para trabalharem para ele), pois os vencedores tomavam as terras (e os camponeses) dos vencidos. Isto era especialmente importante para os filhos mais novos das famílias nobres, os caçulas, porque na partilha da herança dos pais, os filhos mais velhos dividiam os feudos da família, com todo o poder e riqueza que isso significava; os do meio eram encaminhados para a Igreja, onde poderiam chegar a ter terras e poder, mas paralelamente, porque aquelas terras que ficavam para a Igreja não eram das pessoas do clero, mas da Igreja como instituição; e os mais novos, finalmente, ficavam sem nada, então freqüentemente saíam pelo mundo guerreando para conquistar algum espaço, e formavam exércitos mercenários, que lutavam para qualquer outro nobre em troca de alguma riqueza.

Toda essa maneira como as sociedades se organizavam era considerada a ordem que Deus colocou entre os homens. As coisas eram assim por vontade de Deus. E a Igreja, como porta voz de Deus, era o poder supremo em toda a Europa. Se alguma coisa em todo esse modo como as sociedades se organizavam parecia ruim, era porque nós, pobres seres humanos limitados em nossa pequenez, nno tínhamos como compreender a sabedoria infinita de Deus, e portanto nno conseguíamos entender de que maneira aquilo tudo, no fundo, era bom — mas certamente devia ser, porque era a ordem de Deus na Terra, e Deus era bom. Só o próprio Deus teria uma inteligência tão profunda e infinita que seria capaz de compreender de que maneira, no conjunto de tudo o que existe no universo, essa ordem das coisas entre os homens era boa. Deus, em sua sabedoria, teria escolhido essa maneira de ordenar as nossas vidas justamente por ser muito boa.

Mas e os reis? Na Idade Média, ao contrário do que muita gente pensa por causa dos filmes e desenhos animados da televisão, que distorcem as coisas falando em reis e rainhas poderosos em seus castelos, e de lindas princesas, os reis não tinham nenhum poder especial, não passavam de figuras simbólicas. Eram coroados pelo papa e considerados pessoas sagradas, mas ao contrário do papa, que tinha muitas terras e dinhairo, e exércitos de nobres de toda a Europa sob seu comando, os reis não tinham poder para fazer muita coisa. Eram nobres como qualquer outro, com suas terras e seus camponeses, e além desse poder igual ao de qualquer nobre, apenas tinham apenas esse “luxuoso” título que fazia deles pessoas consideradas “sagradas”. Mas por causa desse título, às vezes podiam pelo menos atuar como juízes supremos em algumas disputas entre nobres ou então entre os camponeses (que costumavam adorar a figura do rei vendo nele uma espécie de esperança de que Deus estivesse mais próximo e pudesse ouvir suas queixas através daquele homem sagrado). Com isso, às vezes os reis conquistavam o apoio de outros nobres, que queriam ser favorecidos nos tribunais. Mas era só isso.

Um último detalhe muito importante: na Idade Média, os camponeses de um feudo viviam isolados dos camponeses de outros feudos. Não se viajava muito porque havia povos guerreiros muito violentos que vinham do norte da Europa e atacavam as pessoas que encontravam. Também atacavam as aldeias, destruindo tudo, roubando a produçno, matando os homens e estuprando ou seqüestrando as mulheres. Era uma época de muito medo, por isso os camponeses necessitavam da proteção dos nobres, que sabiam guerrear. Quando havia um ataque desses povos do norte, que eram chamados de “bárbaros”, o povo corria para dentro das muralhas do castelo do senhor feudal, que saía para protegê-los e proteger suas terras, reunindo-se com os nobres vizinhos para guerrear contra os bárbaros (e é bom lembrarmos que a morte de muitos camponeses significava um prejuízo enorme para o senhor feudal, que dependia do trabalho deles).

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Os povos “bárbaros” do norte começam a aparecer cada vez menos, e conforme os ataques diminuem, o medo de sair do feudo (e a dependência da proteção dos nobres) também diminui. Um número cada vez maior de camponeses, ao invés de produzir para a comunidade camponesa e para o senhor feudal, começa a levar sua produção para as estradas e armar barracas para vendê-la nas encruzilhadas, acumulando dinheiro só para si mesmo e para sua

família. Nobres e camponeses começam a ir a essas feiras para comprar o que falta em seus

feudos (e, naturalmente, começa a faltar cada vez mais, porque há cada vez menos camponeses que ficam nas aldeias para produzir). Muitas barracas começam a se acumular nessas encruzilhadas, formando feiras em que os antigos camponeses (que são agora comerciantes) vindos de diferentes feudos começam a sentir a pressão da concorrência uns com os outros, e começa a se tornar importante ficar o maior tempo possível com a barraca

armada e os produtos à venda ao invés de voltar para a aldeia (afinal, “tempo é dinheiro”).

As barracas começam a se transformar em casas, as feiras em cidades, que são chamadas de “burgos”. Esses ex-camponeses, agora comerciantes, que começam a enriquecer rapidamente, são os primeiros “burgueses”.

A partir disto, começam a ocorrer algumas tranformaçtes interessantes: com esse novo grupo dos comerciantes as pessoas começam a perceber que não estão predestinadas

por Deus a serem pobres ou ricas por toda a vida: é possível mudar as próprias condições de

vida através dessa nova forma de trabalho. As pessoas começam a acreditar menos naquilo que a Igreja ensinava sobre a ordem de Deus no mundo dos homens, e começam a valorizar cada vez mais o esforço e a capacidade humana de realizar as coisas. Naturalmente a Igreja oficial não vê nada disso com bons olhos, e faz propaganda contra esse novo grupo social que começava a desacreditá-la e fazê-la perder o poder. Mas existem grupos religiosos que

protestam contra o modo de ver as coisas da Igreja oficial, e que defendem essa nova

valorização do esforço para melhorar de vida através do trabalho: esses grupos, que vão crescendo cada vez mais, ficam conhecidos como igreja protestante. Nessas situação, então, há gente que vê essa luta para melhorar a própria vida e a vida da própria família como algo sagrado e desejado por Deus, já que Deus nos teria dado essa capacidade de mudar. Mas também há gente que já não pensa mais tanto no que Deus deve estar achando de tudo isso, e que começa a acreditar que Deus não interfere muito na vida aqui neste mundo, e cuida apenas da vida após a morte. O que acontece na prática é que essa nova valorização das capacidades humanas vem junto com uma valorização da esperteza do comerciante, que já não lida mais com as pessoas amigas da aldeia, que ele conhece e que o conhecem bem desde a infância, mas sim com gente desconhecida de todo tipo que vem às encruzilhadas para comprar. O comerciante, que não se sente tão “amigo” dessa geste desconhecida, começa a aprender a ser dissimulado, a enganar, a ser frio e calculista e tirar vantagem dos compradores que não o conhecem, para conseguir lucrar mais. Muitas vezes as críticas da Igreja oficial aos burgueses se dirigem contra essa esperteza “imoral” que visa o lucro, contra a nova maneira

de ser dessa gente comerciante que vem tendo tanto sucesso. Mas nem sempre a crítica é

justa, porque há muitos burgueses que, na linha daquele pensamento da nova igreja protestante, consideram sagrado aquilo que estão fazendo, e não estão pretendendo enganar ninguém.

Além da Igreja oficial, os que insistem em continuar camponeses também não gostam dessa mentalidade dos novos burgueses, principalmente porque começam a se tornar cada vez mais difíceis os trabalhos comunitários em mutirão para resolver os problemas que são do interesse de todos na aldeia. Quem vai ajudar a consertar a ponte quebrada? Limpar as estradas que vão sendo tomadas pelo mato? Caçar a fera que está atacando o gado? Há cada vez menos gente para isso. Os burgueses muitas vezes são vistos, então, como uma espécie de

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“traidores”, gente mesquinha e avarenta que deixou de ajudar a comunidade para cuidar de seus próprios interesses. O que está entrando em cena e se tornando cada vez mais forte é o

interesse privado, a valorização da vida privada, em detrimento da vida comunitária.

Os nobres, por sua vez, tendo menos camponeses para sustentá-los, também começam a empobrecer. Começa a ficar claro, então, que a principal fonte de renda deles

tinha sido muito mais o trabalho dos camponeses do que as guerras. Agora, empobrecidos,

cada vez mais nobres começam a se comportar como aqueles filhos mais novos da família que se tornavam mercenários, ou seja, começam a vender seus serviços como guerreiros. Muitos exércitos mercenários formados por nobres empobrecidos começam a circular pela Europa, e freqüentemente se comportam como uma espécie de “gangsters nômades”: viajam pela Europa, atravessam cidades (“burgos”) destruindo tudo, depois oferecem “proteção” em troca de dinheiro, mulheres, comida, abrigo por algum tempo etc. Alguns, sem camponeses em número suficiente para sustentar seu estilo de vida, até mesmo acabam se rendendo completamente a esse novo tipo de trabalho (em que pelo menos não se mete as mãos na terra como um camponês, porque os nobres detestam isso), e se associam a comerciantes enriquecidos, oferecendo as estradas das poucas terras que lhe restam em troca de algo, ou seja, começam a comercializar suas terras.

Nessas condições, os pequenos conflitos que precisam de julgamento em um tribunal, conflitos entre camponeses e burgueses, nobres e burgueses, nobres e nobres, burgueses e burgueses, burgueses e compradores em geral, começam a aumentar em toda a Europa, e o julgamento dos reis começa a ser cada vez mais requisitado. Os reis (que aliás,

cobram pelas decisões a favor de um lado ou de outro nas disputas) começam a ter não só o

seu prestígio aumentado, mas também maior riqueza do que antes. Com os burgueses ocupados com seus negócios, a Igreja desacreditada, os nobres empobrecidos e as comunidades camponesas enfraquecidas (com menor mão de obra), quem iria cuidar dos interesses públicos, ou seja, daquilo que é do interesse de todos, como a manutenção das estradas em bom estado, por exemplo? As pessoas começam a se voltar para o rei, que começa a cobrar impostos em troca de investir na contratação de gente para fazer esses serviços em toda a região daqueles que falam a mesma língua que ele. Começa a se formar algo como o que hoje chamamos de país, dirigido pelo rei como governante. O rei começa a ter exército e polícia sob seu comando.

É importante notarmos, em todo esse processo, que começa a desaparecer aquela vida comunitária da Idade Média, em que a maioria da população (os camponeses) se preocupava com o que era de interesse público, ou seja, do interesse de todos. No lugar disto começa a crescer rapidamente a valorização dos interesses privados de cada burguês e sua família, e juntamente com isso, começa a tomar forma e se fortalecer o que se chama de “Estado moderno”, com o governo de um rei responsável pela solução desses problemas de interesse público em toda uma extensa região de gente que fala a mesma língua, e essas regiões começam a assumir a forma dos países que conhecemos hoje. Por que o rei governa só uma região em que as pessoas falam a mesma língua? Em primeiro lugar, por uma questão de conveniência, porque é mais fácil lidar com gente que fala a mesma língua, e porque assim também tende a haver menos conflito entre as pessoas da região, já que se entendem com mais facilidade. Mas também porque os burgueses que falam a mesma língua e vivem na mais ou menos na mesma região começam a reclamar da concorrência de burgueses que vêm de longe para vender ali porque ali há mais fregueses. Para diminuir a concorrência, esses burgueses mais próximos uns dos outros começam a se unir e pedir para o rei alguma proteção contra esses comerciantes de língua estrangeira. O rei, fazendo negociações com os nobres que têm terras nas fronteiras dessa região, começa então a colocar ali soldados que

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cobram impostos altíssimos para os comerciantes estrangeiros que quiserem entrar, e isso é o que em economia se chama protecionismo: o governo protege os comerciantes e produtores locais contra a concorrência dos estrangeiros, cobrando impostos muito altos sobre as mercadorias que alguém quiser trazer para dentro da região protegida. Com isso, muitos estrangeiros não vêem mais vantagem em entrar na região para vender seus produtos, porque fica muito caro. Mas alguns entram, e pagando os impostos de proteção, deixam o governo mais rico e mais poderoso. Essas fronteiras que vão sendo cada vez mais protegidas pelos novos governantes (os reis) é que vão formando as fronteiras dos países.

O rei combra impostos em toda essa extensa região que é o país. A diferença fundamental entre o rei e os nobres, é que o rei passa a governar mesmo sobre terras que não são da sua propriedade — portanto já não está governando um feudo, já não é mais um senhor

feudal — e faz isso em troca da contratação de gente para cuidar do que é do interesse de todos nessa região, burgueses, nobres e camponeses (ou seja, do que é de interesse público)

inclusive porque as pessoas que cuidavam disso (os camponeses) estão cada vez mais se tornando burgueses e voltando seus interesses para os problemas privados, de modo que já não têm mais tempo para essas coisas. Outra coisa importante a notar, além disto, é que um

país é muito maior do que um feudo, as pessoas agora circulam mais livremente, com mais

segurança, pelas estradas, indo de um lado para o outro pelo país, e convivem diariamente cada vez mais com gente desconhecida, e não só com gente conhecida desde a infância.

Naturalmente, a Igreja oficial também não vê com bons olhos o crescimento dessas

forças concorrentes que são os reis, considerados como figuras sagradas e uma espécie de

representantes de Deus, assim como o papa. A Igreja, então, procura manter o seu poder forçando acordos com os futuros reis em troca de sua coroação (que oficialmente é feita sempre pelo papa). O que mais incomoda a Igreja é talvez o fato de que esses reis começam a formar exércitos, contratando batalhões de nobres mercenários para protegerem as terras onde cobram seus impostos, e isso significa que a Igreja, cujo poder se estendia livremente por toda a Europa, ensinando as idéias que bem entendesse, começa a ter seu território de dominação dividido por esses reis com os quais ela agora precisa negociar para saber o que pode e o que não pode ensinar às pessoas em cada região do continente, em cada país. O poder político, na Europa, está dividido entre o decadente poder espiritual da Igreja (que é um poder sobre a vida espiritual dos homens e sobre suas almas eternas, e que podemos dizer que é parecido com o poder que a mídia exerce sobre a mentalidade das pessoas nos dias de hoje, ditando modas, valores e maneiras de pensar e agir), e os crescentes poderes temporais ou seculares (o poder dos reis é chamado de “temporal” ou “secular”, porque na época se diz que é um poder sobre o mundo material e sobre as coisas que não são eternas, isto é, sobre as coisas que mudam com o tempo ou com o passar dos séculos).

2. Aonde essa transformação nos levou

Toda essa transformação do feudalismo medieval em uma nova situação, com países governados por reis, acontece na Europa entre os séculos IV e V depois de Cristo, com o ritmo de transformação variando de região para região. Na nova situação, a vida das pessoas começa a depender, cada vez mais, do capital, isto é, do dinheiro ou daquilo que pode ser trocado por dinheiro (bens e mercadorias, crédito etc.). O próprio trabalho começa a ser encarado cada vez mais como algo que se faz em troca de dinheiro, e não como algo que se faz por tradição, ou para ajudar a comunidade, ou porque Deus quer que trabalhemos. Todas essas outras razões, e outras, ainda podem estar presentes, mas a principal razão pela qual as pessoas trabalham passa a ser o dinheiro. Os camponeses que vão saindo do campo mais tarde

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para tentar a sorte nos burgos, em geral não conseguem enfrentar a concorrência dos que já estão lá juntando dinheiro há mais tempo, e acabam oferecendo a eles o seu trabalho em troca de dinheiro. É o começo do capitalismo, situação em que tudo caminha na direção da

acumulação de cada vez mais capital.

No capitalismo, as pessoas começam a viver em função disto: de juntar mais e mais dinheiro. As empresas, mais do que as pessoas, também funcionam assim. E o governo também, porque mais dinheiro significa maiores condições para resolver problemas de interesse público e para contratar exércitos e polícia, a fim de controlar o país, portanto mais dinheiro significa mais poder. E para juntar mais capital, é preciso que esse capital venha de algum lugar. Quem compra, passa um pouco de seu capital para a pessoa que vende, e isso quer dizer que o modo de acumular mais capital é vender mais. O comprador que vem pela estrada é quem vai decidir se quer comprar do comerciante que está do lado de cá dessa estrada ou do outro comerciante que está do lado de lá, e os comerciantes, então, disputam a atenção e o interesse do comprador, eles competem um com o outro. No capitalismo, essa

concorrência é importante, e os novos burgueses começam a perceber que não há como

escapar dela. Quem tem mais dinheiro consegue contratar mais gente para trabalhar e produz mais mercadorias, e também consegue abaixar o preço dos produtos para conquistar os clientes, enquanto o concorrente mais pobre não consegue abaixar o preço, porque se fizer isso não consegue pagar seus trabalhadores.

A partir daí, conforme vão passando os séculos, vão surgindo ferramentas cada vez melhores para produzir, porque é preciso produzir mais mercadorias para vender e mais depressa, para acumular capital mais depressa do que a concorrência. A produção vai se aperfeiçoando. As ferramentas vão se transformando em máquinas, primeiro de madeira, depois de metal, e cada vez maiores e capazes de produzir coisas mais rapidamente, com menos trabalhadores para operá-las. Ter uma boa máquina sai mais barato e dá menos trabalho do que pagar mais trabalhadores, e assim, aos poucos vai começando a faltar emprego para esses trabalhadores, que também começam a concorrer uns com os outros pelos empregos, por exemplo aceitando salários mais baixos.

No século XIX, a situação já está bem diferente, porque existe agora uma nova classe econômica que é a dos trabalhadores assalariados (que recebem salário dos empresários em troca pelo trabalho). As máquinas usadas pelos empresários donos de fábricas são enormes , produzem muito e muito depressa, e precisam de poucos trabalhadores para serem operadas. Isto significa que há muito desemprego e muita fome em toda a Europa, e quem consegue trabalho aceita trabalhar em condições muito ruins: 12 a 14 horas de trabalho, salário miserável, os filhos trabalhando também desde crianças nas fábricas, sem escola, sem nenhuma garantia contra problemas de saúde etc.

O capitalismo começa a mostrar, então, alguns conflitos internos bastante graves. Nessa época ainda não há leis trabalhistas e nada protege os trabalhadores contra os abusos dos patrões. Esses trabalhadores de fábricas começam a organizar muitas revoltas contra essa situação, protestando, pedindo salários melhores e melhores condições de trabalho. É o começo dos movimentos dos operários em defesa de seus direitos, que começa a se opor a essa situação de miséria à qual o capitalismo os levou. Uma parte desse movimento está preocupada apenas em corrigir as coisas, mas não chega a negar o próprio capitalismo. Outra parte leva os protestos mais longe e quer acabar com o capitalismo. Os mais revoltados começam a perceber que uma das principais idéias valorizadas no capitalismo é o

individualismo: cada um por si, e todos concorrendo contra todos, de modo que cada

indivíduo procura o melhor para si mesmo e para os seus familiares, sem se preocupar com o que é o melhor para a sociedade em geral. E é em oposição a isso que começa a surgir um

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movimento no sentido contrário: o socialismo -- em que as pessoas começam a parar de pensar só em si mesmas e nos seus próximos, e começam a pensar mais no social, no que é o melhor para o conjunto da sociedade. O socialismo nasce, então como uma forma de se valorizar a sociedade, contra o individualismo, que valorizava o indivíduo, sua liberdade e seus direitos, sem se preocupar com os resultados disso para a sociedade como um todo. O

movimento socialista se desenvolveu principalmente entre os operários, como uma revolta

contra o “cada um por si” do individualismo, que na prática estava deixando muita gente em condições de vida miserável, e sem liberdade para nada, enquanto só alguns poucos se davam bem. Mas outras coisas além dessa revolta tiveram influência também na formação do socialismo: a Igreja cristã, que pregava a igualdade e a irmandade de todos os seres humanos; e os antigos laços familiares que muitos operários ainda tinham, com avôs e avós que ainda eram camponeses, de modo que ainda tinham algum contato com tradições camponesas que vinham sendo passadas de pai para filho desde a Idade Média. Os camponeses medievais viviam uma vida comunitária muito intensa, e em cada aldeia todos trabalhavam juntos pelo bem de toda a comunidade. Essa tradição não chegou a se perder de maneira completa, e muitos operários ainda a conheciam pelas histórias de seus antepassados, embora já vivessem em cidades (“burgos”) e um tipo de vida bem diferente, muito mais individualista do que aquela. Não há absoluta certeza quanto a isso, mas ao que parece, o primeiro a usar o termo “socialismo” foi um discípulo de Saint-Simon chamado Pierre Leroux.

Enquanto Auguste Comte (outro aluno de Saint-Simon) acabou ficando famoso como o fundador oficial da sociologia (ciência que estuda a sociedade), Pierre Leroux e mais todo um grupo de ex-alunos de Saint-Simon (que havia morrido), formaram uma nova forma de cristianismo, que enfatizava muito essa idéia cristã de que no fundo somos todos irmãos e iguais, e começaram a falar cada vez mais em socialismo (movimento político e social que

valoriza a sociedade como um todo, e não só os indivíduos). Essa nova seita cristã

saint-simoniana tinha ao mesmo tempo idéias políticas muito claras e muito fortes, que acabaram ficando conhecidas como socialismo cristão. Mas Auguste Comte não gostava dessa linha

socialista. Achava que era preciso uma ciência, capaz de estudar e entender o funcionamento

das sociedades, de maneira objetiva e realista, e não um movimento político de valorização do

social. Saint-Simon, com o qual tanto Auguste Comte quanto Pierre Leroux e os

saint-simonianos cristãos tinham estudado, falava das duas coisas: da necessidade de um movimento de valorização dos interesses da sociedade como um todo – movimento que ele achava que seria mais forte se fosse uma espécie de religião misturada com política – e também da necessidade de se criar uma ciência que estudasse seriamente e com realismo o funcionamento da sociedade. Comte, organizando e deixando mais claro e mais coerente tudo o que Saint-Simon havia dito sobre essa nova ciência que era necessária, foi quem começou a chamá-la, pela primeira vez, de “Sociologia”.

BIBLIOGRAFIA

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