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A influência da common law no sistema jurídico brasileiro: os princípios garantidores da compatibilidade da súmula vinculante com o sistema pátrio

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO

LEANDRO ANTONIO GODOY OLIVEIRA

A INFLUÊNCIA DA COMMON LAW NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO: OS PRINCÍPIOS GARANTIDORES DA COMPATIBILIDADE DA SÚMULA VINCULANTE COM

O SISTEMA PÁTRIO

FLORIANÓPOLIS 2012

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LEANDRO ANTONIO GODOY OLIVEIRA

A INFLUÊNCIA DA COMMON LAW NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO: OS PRINCÍPIOS GARANTIDORES DA COMPATIBILIDADE DA SÚMULA VINCULANTE COM

O SISTEMA PÁTRIO

Trabalho de conclusão apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção de grau de bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Thiago André Marques Vieira

FLORIANÓPOLIS 2012

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Lauro de Moura Oliveira e Maria Margareth Cardoso Godoy Oliveira, por todo amor e compreensão que sempre dedicaram a mim, pelos exemplos e valores transmitidos e por se preocuparem com os rumos da minha vida. Devo-lhes tudo o que sou.

Ao meu irmão, Lauro Augusto Godoy Oliveira, pela a amizade e companhia de sempre.

A todos os amigos, por tornarem a vida mais prazerosa.

Em especial, a Bernardo Rohden Pires, Bernardo Wildi Lins, Luís Felipe Espíndola Gouvêa, Victor Leduc Machado, Tiago Augusto Costa e Ronan Jacques Antonelli, bem como a todos que, próximos ou distantes, participam ativamente da minha vida, presentes nos bons e maus momentos e que, por inumeráveis motivos, são merecedores das minhas sinceras e elevadas considerações.

À minha namorada, Luiza Bonfante Keller, pela companhia, carinho e atenção a mim dedicados e pelo suporte conferido na realização deste trabalho.

Aos membros da banca, em especial ao professor Thiago André Marques Vieira, por ter contribuído para a construção do meu trabalho, emprestando seu tempo e conhecimento.

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A aprovação da presente monografia não significará o endosso do Professor Orientador, da Banca Examinadora e da Universidade Federal de Santa Catarina à ideologia

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RESUMO

O presente trabalho traça um panorama da aproximação entre os dois grandes sistemas jurídicos contemporâneos, destacando as origens históricas e características principais da civil law e da common law. A ordem jurídica brasileira orienta-se, principalmente, com base no direito codificado na lei, tendo em vista as fortes influências do sistema romano-germânico da civil law, ao passo que a common law tem como diretriz essencial o precedente judicial. A transformação e adaptação do ordenamento pátrio acabaram por aproximar esses dois sistemas, introduzindo o instituto do precedente judicial com força vinculante e obrigatória, com o objetivo de garantir a efetiva aplicação dos princípios da efetividade processual, da celeridade e da segurança jurídica. A Súmula Vinculante surge como artifício para concretizar a influência do sistema anglo-saxão no Brasil, servindo para diminuir a morosidade judicial, adicionar previsibilidade às decisões judiciais além de preservar o direito à justiça garantido aos jurisdicionados.

Palavras-chave: Direito Processual Civil. Sistemas Jurídicos Contemporâneos. Civil Law.

Common Law. Precedente Judicial. Segurança Jurídica. Efetividade Processual. Celeridade. Súmula Vinculante.

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O presente estudo pretende analisar a aproximação contemporânea entre os sistemas da civil law e da common law, destacando os seus fundamentos e as circunstâncias políticas e culturais nas quais se originaram.

Neste viés, necessário saber quais os pilares de cada sistema, visto que seus institutos e conceitos são um tanto quanto divergentes. No sistema da common law (anglo-saxão) o precedente judicial é considerado uma fonte primária, e é por meio dele que a prestação jurisdicional aos cidadãos é eficaz, restando sempre atenta aos princípios da previsibilidade, continuidade e segurança jurídica.

Por outro lado, no sistema da civil law (romano-germânico) a lei é considerada mais do que suficiente para garantir os supramencionados princípios, ignorando, num primeiro momento, a possibilidade de respeito aos precedentes judiciais obrigatórios, base da common law.

Atento as necessidades do sistema jurídico brasileiro, o legislador iniciou recentemente um trabalho de aceitação e introdução de algumas diretrizes do sistema anglo-saxão, especialmente na atribuição da força vinculante ao precedente judicial.

Totalmente inovador, portanto, pensar que em um sistema tradicionalmente estruturado no direito positivo, onde a base do direito é a lei escrita, possa repaginar a forma de aplicação do direito.

É nesse sentido que o presente trabalho tentará analisar como os responsáveis pela criação e aplicação das leis no direito brasileiro começaram a estudar e trabalhar com os institutos oriundos do sistema anglo-saxão, como por exemplo, a teoria do stare decisis, a ratio decidendi, o overruling e o distinguishing.

Ademais, será devidamente questionado se o precedente judicial introduzido na nossa prática jurídica realmente preenche todos os requisitos de formação e aplicação originários, ou restou adaptado à realidade brasileira. Cabe, ainda, citar como exemplo dessa mudança, a Súmula Vinculante, cujo procedimento de criação não se assemelha por completo ao daquele vindo do sistema da common law.

A partir dessa análise, poderá ser dito um das principais contribuições da doutrina da common law na civil law contemporânea é a obrigação de os juízes interpretarem a mesma lei sem que a façam de modo discrepante, uma vez que não podem solucionar demandas iguais de maneiras diferentes, sob risco de ferir os princípios processuais constitucionais dos jurisdicionados.

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É salutar o entendimento de que a segurança da aplicação das normas é obtida perante a igualdade e uniformidade das decisões judiciais, orientação basilar do sistema jurídico anglo-saxão (common law), e é nessa seara que o precedente judicial poderá justificar sua importância para o sistema jurídico da civil law.

Importante, então, entender como poderá ser satisfativa a introdução da doutrina do precedente judicial em um ordenamento cujas raízes se distanciam desse instituto processual estrangeiro. A receptividade em nosso ordenamento passa por compreender de que forma auxiliará no estrito cumprimento dos princípios da efetividade processual, da celeridade e da segurança jurídica.

Uma prestação jurisdicional célere é essencial para evitar que a morosidade na prestação jurisdicional acabe resultando numa prestação ineficaz, possibilitando com que o descumpridor do direito se beneficie dessa lentidão. O fim último do processo deve ser a pacificação social, e não o contrário.

Por derradeiro, oportuno analisar como ocorreu a introdução do precedente judicial anglo-saxão na legislação brasileira, sempre atentando para como poderá ser aplicado de maneira eficaz pelo Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal e demais juízos.

Além do precedente judicial com força vinculante, leia-se aqui, Súmula Vinculante, ter nascido com o fito de auxiliar as Cortes Superiores nas atribuições que lhe são devidas, sua criação irá refletir, ainda, nas instâncias inferiores, possibilitando uma prestação jurisdicional mais segura, atenta as garantias constitucionais.

Após essas considerações, será possível entender a real importância do sistema de precedentes, originado no sistema jurídico da common law, para o direito brasileiro, visto que sua introdução traz maior previsibilidade às respostas judiciais, não sendo somente a legislação capaz de abranger a regulamentação de todas matérias jurídicas.

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· ANÁLISE HISTÓRICA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS

· Os sistemas jurídicos contemporâneos

1.1.1. A common law

Pois bem, para bem introduzir o tema, faz-se impreterível que nesse momento seja feita uma descrição detalhada da evolução do direito inglês ao longo dos tempos, permitindo, assim, que entendamos minuciosamente as origens e influências do sistema da common law.

Deu-se o primeiro passo no processo de formação do sistema da common law no século XI, mais especificamente entre os anos de 1066 e 1485, na Inglaterra. A partir da conquista desse país e da região pelos normandos, no ano de 1066, passou a predominar um sistema de poder mais forte e centralizado, marcando o fim das tribos locais e o consequente surgimento do sistema de feudalismo inglês.

Em contrapartida, iniciou-se, logo em seguida, o surgimento de um novo expoente jurídico, o qual se desenvolveu na forma de um sistema inovador e que se propunha a superar as lacunas da common law, o qual se baseava tão somente nas regras de equidade, levando o nome de "Equity", sendo complementar a common law e, por vezes, rival.

Enfim, ao surgir o modelo de feudalismo inglês, que se diferenciava daquele existente no continente europeu, mais especificamente nos países da França, Alemanha e Itália, restou criado um sentimento de disciplina em relação ao soberano, visto que esse possuía um caráter militar e organizado, o que resultou gradativamente em um desenvolvimento da cultura do common law.

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Antes da invasão normanda, vigorava na Inglaterra uma forma de direito baseada nos costumes locais ("County Courts"), onde as decisões eram tomadas nas assembleias dos homens livres. No entanto, após a dominação, instituiu-se um direito comum a toda a Inglaterra, o qual surgiu por meio dos denominados Tribunais Reais de Justiça (“Tribunais de Westminster”), opondo-se, então, à prevalência dos costumes locais.

Com efeito, a competência dos Tribunais Reais de Justiça, efetivamente estabelecidos no Reino da Inglaterra, estendia-se a todos os particulares, sendo ao final da Idade Média os únicos competentes para julgar dentro do território inglês. Contudo, somente era possível acessar os referidos Tribunais requerendo justiça ao rei, essa requisição era feita por meio de um pedido de concessão de writ (mandamento), e esse só era concedido quando a autoridade real tinha perfeito conhecimento da causa.

O objetivo da criação do writ era controlar quais casos interessavam ou não à política do reino, sendo assim, aquele que tivesse interesse em ver seu caso dirigido para as cortes reais deveria, primeiramente, fazer uma solicitação formal ao Chanceler, e esse, posteriormente, realizaria uma análise para ver se seria possível e necessário estender o writ a jurisdição real, determinando ou não que a corte o ouvisse.

Nesse teor, traz-se o ensinamento de SOARES (2000, p. 33):

“À semelhança dos praetores do Direito Romano da época formular, ouviam as queixas e davam (ou, antes, ‘vendiam’ no sentido de pagamento por um serviço público, de custas processuais) um writ, que era uma ação nominada e com fórmulas fixadas pelos costumes, que correspondia à obtenção de um remédio adequado à situação. A ideia do writ era de que se constituía numa ordem dada pelo Rei às autoridades, a fim de respeitarem, em relação ao beneficiado que obtinha o remédio, sua situação jurídica, definida pelo julgamento ao seu favor. Se não houvesse um writ determinado para a situação, não haveria a possibilidade de dizer-se o direito (e, sendo assim, criava-se uma intolerável denegação da justiça e a impossibilidade de saber qual o direito aplicável). Concedido o writ, posteriormente, um jury composto de leigos, em certos casos, julgaria as pretensões da pessoa beneficiada pelo writ (à semelhança do judex no processo formular romano), em razão de determinar os fatos, em função da norma predeterminada; a decisão dos jurors era denominada finding.”

Foi em virtude das sequências de fatos narradas acima que restou instituído na Inglaterra um novo modelo de sistema jurídico, denominado de common law.

Pode-se facilmente enumerar alguns aspectos que se destacam e têm aplicação efetiva no atual direito inglês e que têm total ligação com a história de desenvolvimento do mencionado sistema jurídico, quais sejam:

[a] valorização das regras processuais;

[b] rejeição da distinção direito público- direito privado; e [c] dificuldade na recepção dos institutos do Direito romano.

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Destaca-se, por oportuno, que os juristas ingleses davam grande atenção aos variados tipos de processos, sendo extremamente formalistas, visto a ligação do modelo de processo ao writ correspondente.

Ademais, a rejeição, na Common Law, da distinção entre direito público – direito privado, ocorria em virtude de todos os conflitos serem submetidos aos Tribunais Reais de Justiça. Considerava-se que estando inseridos nesses tribunais, não tinha como evitar a demonstração de interesse do Rei, tendo, dessa maneira, todas as questões jurídicas um real cunho público.

Ainda sobre a matéria, MARINONI destaca mais um aspecto relevante (2010, p. 35):

"Aliás, na tradição do common law inglês, o Parlamento considerava as decisões proferidas pelas Cortes nos casos concretos para, a partir delas, precisar e delinear a lei decorrente da vontade comum. Interessante perceber que exatamente aí surge uma primitiva noção de due process of law, visto como o caminho a ser seguido para a elaboração da lei ancorada nos costumes."

Insta, ainda, trazer o pensamento de CÔRTES (2008, p. 111) a respeito do desenvolvimento e origem do sistema da common law, e que permite fazer um paralelo em relação ao sistema romano-germânico:

“Todo o desenvolvimento da common law teve uma preocupação central – ajustar o processo para que as demandas pudessem ser resolvidas pelo juiz. Não se dava atenção tão grande a eventuais normas a serem produzidas pelo Parlamento e até à proteção material dos bens”.

Complementa-se a história do sistema jurídico anglo-saxão com o fato de que, como mencionado no começo deste subcapítulo, por volta do século XV, após o período de desenvolvimento da common law, surge a Equity, sistema que era representado pelo Tribunal de Chancelaria e serviu para complementar e aperfeiçoá-lo, tendo viabilizado a atualização e renovação do direito inglês até o ano de 1875, momento no qual suas soluções começaram a se tornar tão jurídicas quanto as da common law.

Cabe trazer à baila a passagem do livro de DAVID (1998, p. 283-284) que faz um breve resumo no que tange a evolução histórica da Common Law:

"Podem reconhecer-se quatro períodos principais na história do direito inglês. O primeiro é o período anterior à conquista normanda de 1066. O segundo, que vai de 1066 ao advento da dinastia dos Tudors (1485), é o da formação da common law, no qual um sistema de direito novo, comum a todo o reino, se desenvolve e substitui os costumes locais. O terceiro período, que vai de 1485 a 1832, é marcado pelo desenvolvimento, ao lado da common law, de um sistema complementar e às vezes rival, que se manifesta nas regras de equidade. O quarto período, que começa em 1832 e continua até os nossos dias, é o período moderno, no qual a common law deve fazer face a um desenvolvimento sem precedentes da lei e adaptar-se a uma sociedade dirigida cada vez mais pela administração."

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Em suma, o direito inglês se criou influenciado pelos Tribunais Reais de Justiça (common law) e pelo Tribunal da Chancelaria (equity), e é totalmente baseado em um direito jurisprudencial.

A partir de então começaram a surgir definições para o sistema da common law e seus institutos, como pode ser ver da contribuição sobre o tema que traz DAVID (1998, p. 291): “A common law não se apresenta como um sistema que visa realizar a justiça; é mais um conglomerado de processos próprios para assegurar, em casos cada vez mais numerosos, a solução dos litígios”.

Segundo NOBRE JÚNIOR (2001, p. 50), o sistema do precedente funciona assim: "a) as decisões da Câmara dos Lordes são imperativas para todas as jurisdições, salvo para ela própria, porquanto declaração do Lorde Chanceler, advinda em 1966, tornou público que, no futuro, aquela poderia afastar-se dos seus precedentes anteriores, contanto que as razões prementes de justiça exigissem; b) as deliberações tomadas pela Court of Appeal se impõem para as jurisdições que são inferiores a ela, excetuando-se a si mesma quando se cuidar de matéria criminal; c) as oriundas da High Court of JusticeI se aplicam à baixa justiça (Cortes de Condado e Magistrates Courts), sendo de forte persuasão para os seus órgãos fracionários e para a Crown Court"

Nos dizeres de RÁO (1999, p. 131):

"A common law corresponde a um sistema de princípios e de costumes observados desde tempos imemoriais e aceitos, tacitamente, ou expressamente pelo poder legislativo, revestindo ora caráter geral, quando vigoram em todas as jurisdições, ora caráter especial, quando imperam em certas regiões, tão somente."

"Sua prova resulta da jurisprudência, pois ao julgarem os casos concretos, os juízes declaram o direito comum, que lhes é aplicável. Os julgados assim proferidos, registrados nos arquivos das cortes e publicados em coletâneas (reports), adquirem a força obrigatória de regras de precedentes (rules of precedents), para regerem os casos futuros; ademais juízes e juristas deles extraem princípios e regras, que subsequentemente, ampliam os limites da Common Law e, assim generalizados, propiciam sua evolução."

Para DAVID (1998, p. 286) “a comune ley ou common law é, por oposição aos costumes locais, o direito comum a toda a Inglaterra”.

Por derradeiro, entende a doutrina majoritária que existe uma ligação entre a Common Law e a técnica do jurista romano da época clássica, como bem salienta TUCCI (2004, p. 181):

"Afirma-se correntemente que o método de raciocinar de caso a caso (reasoning from case to case), que marca o direito inglês, tem como ancestral mais remoto a técnica empregada pelo jurista romano da época clássica. E isso se justifica porque o direito romano sempre manteve um perfil dinâmico, de natureza acentuadamente casuística, ou melhor, problemática."

TUCCI (2004, p. 175) ainda destaca aspecto da doutrina da common law de extrema relevância, que mais a frente será esmiuçado, como se vê:

“O juiz da common law deve aproximar os elementos objetivos que possam identificar a demanda em julgamento com eventual ou eventuais decisões anteriores, proferidas em casos análogos. Procede-se, em seguida, ao exame da ratio decidendi do precedente. Dependendo da postura do juiz, pode este ser

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interpretado de modo restritivo (restrictive distinguishing) ou ampliativo (ampliative distinguishing).

Desta maneira, as circunstâncias políticas do período de formação do sistema da common law foram responsáveis pela definição de suas raízes e surgimento de seus principais instrumentos jurídicos, sendo esses utilizáveis até hoje e influenciadores de diversos sistemas jurídicos.

1.1.2. A civil law

Para fins de compreensão da origem histórica da civil law, imperioso mostrar sua ligação direta à família romano-germânica. Nesse sistema a lei, em um primeiro momento, ocupava uma papel secundário, visto que durante o período da Idade Média o direito não se caracterizava por depender de ordem advinda de uma autoridade para que tivesse respaldo dentro da sociedade. A lei, descrita pelo soberano, nesse período detinha apenas um aspecto administrativo, de administração da justiça e de organização.

Somente a partir do século XVIII é que a lei se tornou a característica fundamental do sistema romano-germânico, sendo essa considerada como fonte de direito e originada da positivação do direito natural. Desta forma, os tratados, códigos e os regulamentos passam a ser a base norteadora das condutas individuais e da administração.

Define REALE (2006, p. 142) o modelo da civil law da seguinte maneira:

“Caracteriza-se pelo primado do processo legislativo, com atribuição de valor secundário às demais fontes do direito. A tradição latina ou continental (civil law) acentuou-se especialmente após a Revolução Francesa, quando a lei passou a ser a única expressão autêntica da nação, da vontade geral, tal qual verificamos na obra de Rosseau, Du contrat social.”

A diferença entre o direito inglês e o direito romano-germânico é que o primeiro está ligado com o progresso do poder real à existência de tribunais reais centralizados, enquanto o segundo não tem como objetivo concentrar o poder sobre o direito nas mãos de um soberano, até porque durante o seu período de desenvolvimento não existia uma unidade política efetivamente firmada.

Oportuno dizer que apesar da diversidade dos graus de romanização, alguns elementos são comuns a todos, e aparecem desde a Idade Média em razão da grande influência do Direito Romano. Ensina CÔRTES (2008, p. 137) que:

“O papel reconhecido à regra de direito abstrata e geral, que é retirada pela ciência jurídica do conjunto dos casos concretos e das necessidades da própria sociedade, vale destacar que não se tratou de apenas receber as regras romanas, mas, sim, de, a partir dos textos romanos, mostrar qual o melhor direito a regar a sociedade e o melhor modo de chegar a seu conhecimento.”

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Portanto, reconhece-se que para o direito romano-germânico a fonte primária do direito é o direito positivado, interpretado e influenciado pelos pensamentos e teorias dos juristas, além de ter como característica marcante a justiça e razoabilidade do direito. Por outro lado, no sistema da common law ressalta-se um misto entre a regra do direito escrito e da construção feita pelo próprio juiz a partir dos casos concretos.

Assinala CÔRTES (1998, p. 138) que “Desenvolve-se, no sistema romano-germânico, um modo de raciocínio para resolver casos particulares e litígios a partir de regras gerais, fixados pelo legislador ou enfatizados pela doutrina”.

Conforme entendimento de René David (1998, p. 291), a escola romano-germânica se formou por meio das compilações de Justiniano realizadas nas Universidades Europeias, que criaram uma ciência jurídica. Referido sistema expandiu-se rapidamente por diversos territórios, tendo as codificações das leis proporcionando maior tranqüilidade para as relações sociais e jurídicas.

Ainda sobre o surgimento do sistema romano-germânico, diz CÔRTES (2008, p. 135): “A família romano-germânica, a mais antiga, que concebe o direito como forma de regular as relações entre os cidadãos, formou-se sobre a base do direito romano antigo, tendo o seu berço na Europa.”

As decisões judiciais no sistema romano-germânico não possuíam o mesmo valor criativo-normativo que no sistema da common law, em razão da influência da teoria da separação dos poderes, disseminada por Montesquieu, pela qual o Juiz era apenas a boca da lei, ou seja, limitava-se a dizer o que já estava posto no ordenamento jurídico, o que veio contribuir para a negação das decisões judiciais como fonte do direito nesse sistema.

Pode-se dizer, então, que uma das grandes diferenças entre os regimes jurídicos em estudo é a de que a common law, ao contrário da civil law, admite que o juiz crie o direito - "law-making authoriry" -, e não somente o declare.

De outro lado, destaca DINAMARCO (2001, p. 733-734) que:

“A tradicional divisão dos sistemas jurídicos em famílias, cada qual com suas características próprias e essencialmente diferente das demais (René David), é suplantada pela globalização da cultura e sorva as conquistas de outra e valha-se de experiências desenvolvidas em outro contexto sistemático. Não se trata de substituir um sistema por outro e muito menos de renunciar a princípios, mas de adequar o modo como incidem e com isso caminhar para um processo mais justo e mais efetivo.”

De outro norte, é válido dizer que o marco histórico da civil law, é o Código de Napoleão, visto que possuía o objetivo de limitar ao máximo o poder judicial da época, tendo sido criado até mesmo uma Corte de Cassação (“Cour de Cassation”) para anular as decisões judiciais que fossem em sentido contrário ao desejado pela lei. Essa era a

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função inicial da referida Corte, tendo chegado, posteriormente, ao posto de ser o tribunal de cúpula do sistema, possuindo verdadeira função jurisdicional, e garantindo uma única interpretação da lei.

Desta forma, manteve a cultura da civil law de que a lei significa certeza e segurança jurídica, devendo o juiz aplicar a vontade apenas fundamentado na lei.

VIEIRA (2007, p. 270) traz a seguinte definição da civil law:

"[...] o termo Civil Law refere-se ao sistema legal adotado pelos países da Europa Continental (com exceção dos países escandinavos) e por, praticamente, todos os outros países que sofreram um processo de colonização, ou alguma outra grande influência deles – como os países da América Latina. O que todos esses países têm em comum é a influência do Direito Romano, na elaboração de seus códigos, constituições e leis esparsas. É claro que cada qual recebeu grande influência também no direito local, mas é sabido que, em grande parte desses países, principalmente os que são ex-colônias, o direito local cedeu passagem, quase que integralmente, aos princípios do Direito Romano. E, por isso, a expressão Civil Law, usadas nos países de língua inglesa, refere-se ao sistema legal que tem origem ou raízes no Direito da Roma antiga e que, desde então, tem-se desenvolvido e se formado nas universidades e sistemas judiciários da Europa Continental, desde os tempos medievais; portanto, também denominado sistema Romano-Germânico".

A respeito do sistema da civil law no Brasil, afirma MARINONI (2010, p. 19): "Não há dúvida que o papel do atual juiz do civil law e, principalmente, o do juiz brasileiro, a quem é deferido o dever-poder de controlar a constitucionalidade da lei no caso concreto, muito se aproxima da função exercida pelo juiz do common law, especialmente a da realizada pelo juiz americano. Acontece que, apesar da aproximação dos papéis dos magistrados de ambos os sistemas, apenas o common law devota respeito aos precedentes – o que se afigura altamente nocivo ao sistema de distribuição de justiça, à afirmação do Poder e à estabilidade do direito no Brasil.

A ausência de respeito aos precedentes está fundada na falsa suposição, própria ao civil law, de que a lei seria suficiente para garantir a certeza e a seguranças jurídicas."

Cabe, ainda, destacar que esse sistema tem como um dos princípios norteadores, o princípio da legalidade, que significa que os magistrados devem decidir os casos de acordo com a norma escrita. Essa característica não induz em rigidez extrema, pelo menos dentro do sistema jurídico brasileiro, uma vez que se permite ao juiz decidir de acordo com suas próprias opiniões no sentido da lei.

1.2. O precedente judicial como fonte de direito

Afirma René David (1998, p. 282) que as principais espécies de fontes formais do direito são: jurisprudência, lei, costume, doutrina e a razão.

O direito inglês, aqui representando pela common law, é um direito jurisprudencial, para o qual a lei, dominante no sistema romano-germânico, que é criada pelo legislador não passa de fonte secundária do direito. No entanto, não há como esquecer que os

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precedentes, assim como a lei e os costumes, constituem fontes formais de direito da common law.

Nota-se, portanto, que a existência da lei não se opõe a common law, convivendo em harmonia a criação de leis e o sistema de precedentes judiciais, sendo, ainda, a autoridade da lei superior a das decisões judiciais. Até porque, como diz MARINONI (2009, p. 19): “De qualquer modo, se, no direito inglês primitivo, havia baixa produção de leis, isso não ocorre no common law contemporâneo”.

Analisa MARINONI (2009, p.19) as fontes do direito no sistema inglês:

“De qualquer modo, se, no direito inglês primitivo, havia baixa produção de leis, isso não ocorre no common law contemporâneo. A suposição de que, nos Estados Unidos, a produção legislativa do direito é baixa, o que impõe a sua criação pelos juízes, não só é falsa, como produz enganos em termos de direito comparado. É provável que um estado típico dos Estados Unidos tenha tanta legislação quanto um país europeu ou latino-americano, a qual obviamente deve ser aplicada e interpretada pelos juízes.”

Regra geral, na common law o precedente judicial é considerado uma fonte de direito, e assim o é em virtude de o juiz inglês não apenas aplicar as normas gerais, mas por também ter a oportunidade de controlar a legitimidade dos atos legislativos.

Na common law considera-se que pelo fato da decisão ter força obrigatória, constitui direito, isto é, o precedente é uma fonte do direito, assim como a lei elaborada pelo Poder Legislativo. Nesse sentido, afirma MARINONI (2009, p. 20):

“A circunstância de o precedente ser admitido como fonte de direito está muito longe de constituir um indício de que o juiz cria o direito a partir da sua própria vontade. Nesta perspectiva, a força obrigatória do precedente, ou a admissão do precedente como fonte de direito, não significa que o Judiciário tem poder para criar o direito.”

Segundo MARINONI (2009, p. 18): “Não há como negar a importância que o stare decisis teve para o desenvolvimento do common law, nem como esquecer que os precedentes – ao lado da lei e dos costumes – constituem fonte de direito neste sistema”.

Já no sistema jurídico brasileiro, considera-se como fonte primária do direito a lei, cuja origem é o está no positivismo jurídico, teoria que define que o direito é posto pelo Estado e que se preocupa apenas com as questões de validade da regra jurídica posta. Em razão dessa influência, construiu-se o sistema nacional baseado no direito codificado, ou seja, escrito.

No que tange a codificação do direito, interessante trazer trecho do texto de MARINONI (2009, p.30):

“Porém, a codificação, por si só, não pode explicar a distinção entre o common law e o civil law. Não se pense que o civil law é caracterizada pelos Códigos e pela tentativa de completude da legislação, enquanto o common law tem uma característica exatamente contrária. O common law também tem intensa produção legislativa e vários Códigos. O que realmente varia do civil law para o common law é o significado que se atribui aos Códigos e à função que o juiz exerce ao

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considerá-los. No common law, os Códigos não tem a pretensão de fechar os espaços para o juiz pensar; portanto, não se preocupam em ter todas as regras capazes de solucionar os casos conflitivos. Isto porque, no common law, jamais se acreditou ou se teve a necessidade de acreditar que poderia existir um Código que eliminasse a possibilidade de o juiz interpretar a lei. Nunca se pensou em negar ao juiz do common law o poder de interpretar a lei. De modo que, se alguma diferença há, no que diz respeito aos Códigos, entre o civil law e o common law, tal distinção está no valor ou na ideologia subjacente ao Código.”

A respeito da aceitação do precedente judicial como sendo uma fonte de direito, ensinam DIDIER JUNIOR, BRAGA E OLIVEIRA (2009, p. 386):

“Não bastassem as hipótese em que, inegavelmente, os precedentes têm força vinculante e obrigatória, aproximando-se dos binding precedents do direito anglo-saxônico, a atividade criativa do Direito se mostra cada vez mais presente, sobretudo em razão dos atuais contornos da função jurisdicional, que vem exigindo do magistrado não apenas a tarefa da aplicação da lei, mediante o vetusto método da subsunção normativa, como também, e principalmente, a tarefa de adequação constitucional do caso concreto. Muito mais do que aplicar a lei, cumpre ao magistrado criar uma norma jurídica que fundamente e dê validade à sua conclusão. Essa criação se faz a partir da análise do caso concreto sob a perspectiva constitucional, sobretudo à luz dos direitos fundamentais.”

Dessa forma, uma decisão judicial será capaz de servir como fonte de direito quando seu núcleo essencial puder ser utilizado como diretriz para o julgamento posterior de casos semelhantes.

A importância do precedente está na sua aplicação como ferramenta de integração do direito com o escopo de aperfeiçoar e complementar o ordenamento jurídico que, por vezes, não consegue alcançar com rapidez a evolução da sociedade. Desta forma, serve a atuação do Poder Judiciário como fonte de inspiração para posterior atuação do Legislativo, que buscará adaptar a legislação a realidade social, haja vista que a ordem jurídica vigente pode estar envelhecida diante das constantes transformações consuetudinárias.

Não são poucos os casos nos quais o precedente judicial se antecipa a legislação, servindo de inspiração para o legislador tornar o novo entendimento cristalizado nos tribunais em texto normativo.

Por outro lado, alguns autores afirmam, como por exemplo, Carlos Maximiliano, que um julgado isolado não constitui precedente judicial, é necessário que haja uma repetição de decisões no mesmo sentido, devendo, portanto, ser uniforme e constante para ser caracterizada como fonte de direito.

Conforme SOARES (2000, p.52), no sistema jurídico anglo-saxão, uma única decisão judicial é considerado um precedente obrigatório, em virtude de declarar a existência de uma norma jurídica para o caso concreto, sendo a jurisprudência a fonte primária do direito.

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O magistrado ao desempenhar sua atividade jurisdicional não está meramente aplicando uma técnica de interpretação e aplicação legislativa, até mesmo porque existem casos em que esse se depara com conceitos vagos e indeterminados, devendo desempenhar uma verdadeira técnica de análise e criação do Direito, restando claro o papel do precedente como nova fonte do Direito.

Nesse sentido, é o entendimento de STRECK (1998, p. 86): “é induvidoso que a jurisprudência no Brasil se constitui, além de fonte de normas jurídicas gerais, uma fonte subsidiária de informação e alimentação ao sistema de produção de normas jurídicas”.

Ademais, no atual cenário do sistema jurídico brasileiro, o juiz não apenas declara a vontade da lei, mas também exerce o controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos. Desempenha, ainda, a concretização daquilo que está exposto no ordenamento jurídico diante do caso específico.

Segundo MARINONI (2009, p. 21): “A evolução do civil law, particularmente em virtude do impacto do constitucionalismo, deu ao juiz um poder similar ao do juiz inglês submetido à common law e, bem mais claramente, ao poder do juiz americano, dotado do poder de controlar a lei a partir da Constituição”.

Nessa linha de pensamento, o precedente surge como resultado da atuação dos magistrados nos casos concretos, recebendo, no Brasil, a denominação de súmula, podendo ou não ter efeito vinculante. O precedente, criado pelo juiz ao julgar um caso real, é uma nova fonte do direito, vez que será aplicado, reflexamente, a outras inúmeras situações análogas.

Nesse talante, traz-se o entendimento de MARINONI (2010, p. 40):

"A evolução do civil law,particularmente em virtude do impacto do constitucionalismo, deu aos seus juízes um poder similar àquele do juiz inglês submetido ao common law e, bem mais claramente, ao poder do juiz americano, dotado de poder de controlar a lei a partir da Constituição. No instante em que a lei perde a supremacia, submetendo-se à Constituição, transforma-se não apenas o conceito de direito, mas igualmente o significado de jurisdição. O juiz deixa de ser um servo da lei e assume o dever de dimensioná-la na medida dos direitos positivados na Constituição. Se o juiz pode negar a validade da lei em face da Constituição ou mesmo instituir regra imprescindível à realização de direito fundamental, o seu papel não é mais aquele concebido por juristas e processualistas de épocas distintas".

No Brasil, ao ser introduzido o instituto da Súmula Vinculante no texto da Carta Magna, recepcionou-se a teoria do precedente judicial como fonte de direito, afinal de contas o magistrado, adaptando-se a evolução do direito, passou a atuar auxiliando na criação do direito e no controle dos atos do Estado. Como se vê na palavra de NEIVA (2007, p. 19):

“A Emenda Constitucional n. 45/04 trouxe a figura, celebrada por alguns, temida por outros, das súmulas com efeito vinculante. Como fontes de direito obrigatórias,

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que indiscutivelmente serão, espera-se que tais súmulas contribuam para um aumento da certeza jurídica, isto é, que sirvam de guia segura de orientação aos cidadãos, empresas e administração pública para a adoção de condutas que atendam seus interesses e sejam, ao mesmo tempo, lícitas.”

Desta feita, o juiz não pode atuar como se servo da lei fosse, permitindo-se, por meio da influência dos conceitos caracterizadores da common law, que no sistema jurídico brasileiro o magistrado assume o dever de atuá-la na medida das normas que estão positivadas na Constituição Federal.

Define-se, então, o precedente como uma fonte de direito, e para confirmar esse conceito, traz-se a seguinte citação de MARINONI (2009, p. 22):

“Porém, a concepção dogmática de que o direito se restringe ao produto do Legislativo, ancorada na ideologia da Revolução Francesa e no dogma da estrita separação dos poderes, não sobreviveu aos fatos históricos, à conformação diversificada dos sistemas jurídicos dos vários países da civil law e, sobretudo, ao advento do constitucionalismo. Anote-se que Merrymann, um dos maiores comparatistas estadunidenses, ao admitir que o constitucionalismo fez surgir uma nova fonte do direito no civil law, adverte que, ao se admitir que o juiz pode decidir que uma lei é invalida por estar em conflito com a Constituição, quebra-se o dogma da separação estrita entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, e, desta forma, abre-se oportunidade para se dizer que o juiz da civil law também cria o direito.”

Deixa o Poder Judiciário de ser, como afirmava Montesquieu, apenas a boca da lei, isto é, não atua tão somente reconhecendo direitos preexistentes, mas transforma uma norma genérica e de aplicação abstrata em uma norma concreta e específica.

1.3. Institutos fundamentais do sistema jurídico da common law: stare decisis, ratio decidendi, distinguishing e overruling

O sistema inglês da common law tem como um dos seus elementos modernos a teoria do stare decisis, cujo nome vem da expressão latina “stare decisis et non quieta movere”, que significa, por essência, que não deve ser alterado aquilo que já fora decidido anteriormente. A sua razão de ser é a de que um precedente judicial, especialmente aquele oriundo da Corte Superior, possui eficácia vinculante (“binding effect”) sobre os demais juízos que lhe são hierarquicamente inferiores.

Luiz Guilherme Marinoni destaca que a diferença entre a common law histórica e a teoria do stare decisis é a de que o primeiro se resume aos costumes gerais que estabelecem o comportamento dos Englishmen, enquanto o segundo é entendido como as regras que servem para regular o uso dos precedentes judiciais, sendo um componente criado após a common law.

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Ao seguir as regras do stare decisis deve o magistrado e o tribunal observar duas premissas básicas: I – está vinculado às suas próprias decisões proferidas anteriormente sobre determinada matéria (eficácia horizontal); e II – está vinculado aos precedentes oriundos das instâncias superiores (eficácia vertical).

COLLIN (2000, p. 350) assim define a doutrina do stare decisis: “Latin phrase meaning ‘stand by preceding decisions’: principle that courts must abide by precedents set by judgments made in higher courts”.

CÔRTES (1998, p. 139) assinala que: “fica clara a distinção com a common law e, principalmente, a ausência de uma prática intensa do stare decisis, pois os países da civil law partem da premissa de que as leis regulam as relações sociais, sendo o papel dos juízes de aplicadores e, no máximo, adaptadores das normas abstratas aos casos concretos”.

O precedente judicial não deve ser aplicado de forma automática, deve-se utilizar as técnicas oriundas do sistema da common law para que se seja feito o cotejo do precedente e do caso em análise no julgamento.

Segundo o Black’s Law dictionary, o stare decisis significa “a doutrina do precedente, que uma Corte deve seguir as decisões judiciais anteriores quando os mesmos pontos surgem em novos litígios”.

Enfim, o stare decisis funciona como se fosse um princípio norteador para resolução de casos que apresentem semelhanças de fatos e de questões de direito quando comparados a casos anteriormente julgados. Sua utilização é fundamental para a busca de previsibilidade (“predictability”) das decisões, assim como para permitir uma maior estabilidade para o sistema jurídico.

Traz-se, por oportuno, o significado da expressão stare decisis no entendimento de SILVA (1998, p. 57):

“Interpretação literal do que estaria a compreender tal expressão seria ‘stare decisis et quieta non movere’ ou mantenha-se a decisão e não se pertube o que foi decidido. Sobre o ‘stare decisis’ se assenta um dos pilares de todo o sistema judiciário, por exemplo, dos Estados Unidos da América do Norte, porque para todo o direito anglo-americano, as decisões judiciais e, principalmente as decisões judiciais dos tribunais superiores forma, por assim dizer, uma forragem por sobre a qual caminham todos os demais julgadores.”

Por outro lado, a ratio decidendi é a base de uma decisão judicial, isto é, são os seus fundamentos jurídicos, razões que levaram o juiz a decidir o caso concreto de uma determinada maneira. Ela consiste na essência da tese jurídica que foi utilizada pelo magistrado para decidir um caso em concreto, tendo sido a sentença proferida com base em três características principais, quais sejam: [a] indicação dos fatos relevantes para a causa; [b] raciocino lógico-jurídico da decisão; e [c] juízo decisório.

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Segundo CÔRTES (2008, p. 115) a ratio decidendi tem como definição o que segue:

“A verdadeira decisão tomada pelo Tribunal, ou melhor, a razão utilizada pela Corte, é chamada de ratio decidendi (ou razão de decidir), e é vinculativa, devendo ser respeitada. Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência da common law falam, também, em obter dictum, o que integra a decisão de forma indispensável, mas não vincula para os casos subsequentes.”

Nesse espectro, podemos afirmar que o precedente judicial incide apenas sobre as questões de direito, não atingindo os fatos do caso ou os fatos que foram levados em consideração pela sentença.

O juiz que profere a sentença cria a sua tese jurídica partir da análise de um caso concreto, dando origem a uma norma jurídica que irá se adequar perfeitamente para o litígio em foco. Essa tese jurídica é que leva o nome de ratio decidendi, ou holding no sistema norte-americano. Como assevera DIDIER JUNIOR, BRAGA E OLIVEIRA (2009, p. 382) “ela deve ser exposta na fundamentação do julgado, porque é com base nela que o juiz chegará, no dispositivo, a uma conclusão acerca da questão em juízo”.

É assim que surge o precedente judicial, a partir de uma decisão judicial (ratio decidendi + obter dictum) cuja ratio decidendi, também denominado de núcleo essencial, pode ser utilizada com diretriz para casos análogos vindouros.

Vale lembrar que somente os tribunais é que possuem o poder de vincular as cortes de hierarquia inferior, desta forma, os juízes do primeiro grau não produzem decisões que possam ser vistas como precedentes por outras cortes.

Destaca, ainda, DIDIER JUNIOR, BRAGA e OLIVEIRA (2009, p. 384) que “as razões de decidir do precedente é que operam a vinculação: extrai-se da ratio decidendi, por indução, uma regra geral que pode ser aplicada a outras situações semelhantes”.

Ademais é importante enfatizar que a ratio decidendi de uma sentença “não é pontuada ou individuada pelo órgão julgador que profere a decisão. Cabe aos juízes, em momento posterior, ao examinarem-na como precedente, extrair a norma legal (abstraindo-a do caso) que poderá ou não incidir na situação concreta”. (TUCCI, 2004, p. 175)

Além da ratio decidendi, a decisão judicial é formada pelos fatos ou fundamentos que, muito embora façam parte no caso julgado, não são relevantes a ponto de formarem a tese jurídica, são os denominados obter dictum. Esses são os fundamentos do direito que tem estreita ligação com a matéria decidida, mas não formam a ratio decidendi.

Em contraponto, relembra-se que apesar do juiz estar condicionado ao precedente, não quer dizer que se tornou em simples instrumento de justiça, tendo em vista a maleabilidade do direito, e por consequência das decisões jurídicas. O precedente poderá

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deixar de ser aplicado quando as circunstâncias sociais em que o caso paradigma foi julgado tiverem mudado.

Assim, asseveram DIDIER JUNIOR, BRAGA e OLIVEIRA (2009, p. 394) em sua doutrina:

“Percebe-se, com isso, certa maleabilidade na aplicação dos precedentes judiciais, cuja ratio decidendi (tese jurídica) poderá, ou não, ser aplicada a um caso posterior, a depender de traços peculiares que o aproximem ou afastem dos casos anteriores. Isso é um dado muito relevante, sobretudo para desmistifcar a ideia segundo a qual, diante de um determinado precedente, o juiz se torna um autômato, sem qualquer outra opção senão a de aplicar ao caso concreto a solução dada por um outro órgão jurisdicional.”

É nesse ponto que surge uma das técnicas de aplicação do stare decisis, que recebe a denominação de distinguishing, isto é, caso os fatos fundamentais do precedente não coincidam com os fatos fundamentais do caso concreto, deve-se tê-los como distintos.

MARINONI (2010, p. 112) contribui brilhantemente sobre o tema com o seguinte pensamento:

“O sistema em que a eficácia das decisões é absolutamente vinculante proíbe o juiz de decidir de forma contrária ao tribunal que lhe é superior, assim como proíbe o órgão jurisdicional de negar o que já decidiu. É claro que o fato de a decisão ser absolutamente vinculante não impede o juiz de fazer o distinguished do caso que lhe é submetido, ou seja, de evidenciar que a questão posta para julgamento é diferente ou que os fatos da causa que está para ser julgada tornam a questão de direito distinta da já decidida”.

Geralmente o juízo faz uma análise dos casos e se não forem encontradas similaridades entre os fatos e as questões de direito constituidoras do caso anterior e do novo caso, a Corte não se valerá do precedente, minimizando-o ou afastando seus efeitos.

Ao se fazer a comparação entre o caso paradigma (precedente judicial) e o caso em análise, serve o distinguishing como um método de análise. Funciona, assim, como uma forma para que o precedente judicial não se prolongue eternamente, o que poderia resultar em uma imutabilidade jurídica prejudicial ao direito.

Sobre a técnica do distinguishing, SOUZA (2010, p. 47) explica que:

“O poder de distinguir é importante – não se nega – como meio de dar flexibilidade ao sistema e de fazer justiça no caso concreto. Entretanto, não pode ser levado ao extremo, sobretudo por assim ferir, com uma injustiça gritante, o princípio da isonomia. Sem falar que o uso indiscriminado do poder de distinguir pode levar a se duvidar, de modo geral, da real vinculação aos precedentes”.

Por fim, caso conclua-se que o caso concreto e o precedente judicial são incompatíveis entre si, aplica-se a técnica do overruling, também oriunda do sistema anglo-saxão, e que permite superação do precedente e nova aplicação do direito.

O overruling tende a ocorrer em razão de novas circunstâncias sociais, políticas e econômicas que tornam os precedentes anacrônicos, isto é, em defasagem

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com o sistema jurídico moderno. Sua criação serviu para que a Corte pudesse repensar seus posicionamentos ao longo do tempo, podendo até mesmo superá-los em razão de não serem mais efetivos para dirimir conflitos e controvérsias.

No contexto atual, todos os instrumentos acima descritos, com suas origens no sistema jurídico da common law, influenciam o atual regime judicial brasileiro, sendo gradativamente reconhecida a verdadeira importância dos precedentes judiciais obrigatórios para que o ordenamento pátrio consiga proporcionar aos jurisdicionados um acesso à justiça mais efetivo.

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2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS

2.1. Princípio da efetividade processual

É relevante dizer que os princípios constitucionais processuais são definidos por REALE (2006, p. 127) como sendo enunciações normativas, que em razão de sua existência condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, tanto para sua aplicação, quanto para a elaboração de novas normas. Servem, portanto, no campo da pesquisa pura do Direito e para sua atualização prática.

BANDEIRA DE MELLO (2008, p. 75) traz importante contribuição para o tema, conceituando os princípios como sendo mandamentos nucleares de um sistema, ou seja, são seus verdadeiros alicerces e disposições essenciais que se espalham por diferentes normas, servindo de critério para sua compreensão, haja vista que definem a lógica e a racionalidade do sistema normativo.

Ainda no que tange a conceituação dos princípios, afirma BARROSO (1999, p. 147-149):

“Os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo o mais genérico ao mais específico, até chegar a formulação da regra concreta que vai reger a espécie.” No âmbito da proteção do princípio da efetividade processual, o acesso efetivo à justiça se destaca como uma das preocupações modernas dos estudiosos do processo civil, visto que se destaca como aspecto importante na concretização da atividade jurisdicional eficaz.

AMARAL (2008, p. 18) assegura que para restar garantida a efetividade do processo é necessário que:

“[...] se para ser efetivo necessita o processo ‘cumprir integralmente toda a sua função sócio-política-jurídica’, então nem sempre o rápido fim do litígio corresponderá à efetividade processual, pois o açodamento pode ser causa de injustiças tão ou mais graves do aquelas causadas pela morosidade. Daí por que a celeridade apenas idealmente deve ser a característica de um processo efetivo, mas não se confunde com o valor efetividade, este bastante mais amplo [...]” Nesse passo, para que o acesso à justiça possa ser efetivo, útil, célere, justo e atender as demandas da sociedade, o sistema jurídico deve ser igualmente acessível à todos os jurisdicionados, assim como deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos, além de serem tempestivos.

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Ao tentar definir a efetividade do processo, BEDAQUE (2007, p. 53) diz: “Processo efetivo é aquele que, observado o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade, proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material”.

Não há como iniciar um debate sobre a lentidão e ineficiência processual sem que se trate do grande número de recursos existentes, instrumentos utilizados para aqueles que não se conformam com as decisões ou sentenças desfavoráveis. O legislador nacional, consciente e preocupado com a aplicação do presente princípio, trabalha para evitar a proliferação de recursos protelatórios, cuja existência somente irá servir para atravancar o regular andamento regular dos processos judiciais.

Para tanto, se preocupa o legislador, por exemplo, em atribuir efeito vinculativo a novos instrumentos que vem sendo inseridos no ordenamento jurídico pátrio, objetivando, portanto, construir um aparelho judicial mais célere e, consequentemente, mais efetivo.

Diante do atual cenário, o maior respeito aos precedentes judiciais se apresenta como uma ótima alternativa para proporcionar uma duração razoável do processo aos jurisdicionados, colocando em prática a tão aclamada e desejada efetividade.

Ademais, a garantia de uma prestação judicial em conformidade com as prerrogativas constitucionais afasta a morosidade de que se vê refém o jurisdicionado, esse que se sujeita a conflitos desgastantes em razão da existência de um Poder Judiciário obsoleto e por vezes desligado da realidade social.

Assim, imperioso concluir que quanto mais tempo demorar para o direito do cidadão ser reconhecido, menos eficácia terá. A incessante busca pela concretização da paz social está diretamente ligada com a segurança jurídica, a efetividade e a celeridade do reconhecimento do direito pertencente ao jurisdicionado.

No que diz respeito a possível insatisfação do jurisdicionado com a prestação jurisdicional em razão da estagnação do Poder Judiciário moderno, DINAMARCO (2001, p. 755) assenta que:

“Um dos grandes males da justiça reside no conformismo do próprio juiz diante de certos preconceitos que tradicionalmente limitam a efetividade da tutela e o levam a atitudes passivas diante da inocuidade de certas decisões. Associado à indesejável estagnação das legislações, esse comportamento é responsável pela fraqueza da Justiça e pela generalizada insatisfação em face dela.

Nem sempre a tutela jurisdicional que as pessoas vêm buscar no processo consuma-se com a edição da sentença que julga as pretensões contrapostas as partes. Tutela é proteção e consiste na melhora que o litigante vencedor recebe na sua situação jurídica deduzida em juízo, de modo que, terminando o processo, ele se encontre, na sua vida comum em relação ao outro litigante e aos bens controvertidos, em situação melhor do que aquela em que se encontrava antes do processo.”

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O juiz ao interpretar a lei deve ter uma postura sensível diante dos valores da sociedade e das suas mutações, atuando sempre de acordo com a eticidade, operabilidade e sociabilidade. Além disso, a efetividade só será virtuosa se não colocar de lado outros valores importantes para o processo, especialmente a justiça.

Para ilustrar, oportuno trazer passagem do trabalho desenvolvido pelo Desembargador Professor Frederico Neves, junto ao Centro de Estudos Judiciários do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco:

“A palavra de ordem, na atualidade, é a da efetividade do processo. A sociedade moderna não mais admite uma Justiça atravancada, morosa e, por isso, ineficiente. A longa duração do processo acarreta às partes graves e irreparáveis lesões. A progressiva valoração da celeridade processual não deve, contudo, levar a subalternizar, como por vezes entre nós se verifica, a necessária maturação da decisão judicial. É preciso que sejam adotados mecanismos capazes de assegurar, com larga margem de segurança, uma solução mais pronta e expedita dos problemas levados ao Judiciário. A edição de Súmulas vai ao encontro desse anseio, porque elas refletem o pensamento do Tribunal, sobre determinadas matérias já inúmeras vezes apreciadas, fazendo imprimir, bem por isso, maior rapidez às decisões judiciais, sem olvidar a garantia da previsibilidade, também inerente à segurança dos julgados.”

MARINONI (2010, p. 187) cita como exemplo para garantir a aplicação do referido direito fundamental do jurisdicionado o seguinte:

“Se os tribunais inferiores estão obrigados a decidir de acordo com os tribunais superiores, sendo o recurso admissível apenas em hipóteses excepcionalíssimas, a parte não tem de necessariamente chegar à corte superior para fazer valer o seu direito, deixando de ser prejudicada pela demora e também de consumir o tempo e o trabalho da administração da justiça.”

Assevera CÔRTES (2008, p. 13) que por meio da introdução de novos instrumentos processuais no ordenamento jurídico brasileira, com destaque para aqueles influenciados pelas diretrizes do sistema da common law, os jurisdicionados poderão obter uma prestação jurisdicional substancialmente mais eficaz:

“O elevado número de recursos em tramitação, especialmente no Supremo Tribunal Federal – muitos tratando de matérias idênticas e já decididas pela Corte -, e a necessidade de adoção de outro instrumento (além dos mecanismos de uniformização de jurisprudência e da coisa julgada), que possibilitasse uma maior efetivação da segurança jurídica, justificam a súmula vinculante que, apesar da pouca tradição nacional no assunto, se corretamente utilizada, auxiliará e otimizará a prestação jurisdicional, tornando-a mais efetiva e segura.”

Ainda nessa linha, pensa BEDAQUE (2006, p. 49):

"Processo efetivo é aquele que, observado o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade, proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material. Pretende-se aprimorar o instrumento estatal destinado a fornecer a tutela jurisdicional. Mas constitui perigosa ilusão pensar que simplesmente conferir-lhe celeridade é suficiente para alcançar a tão almeja efetividade. Não se nega a necessidade de reduzir a demora, mas não se pode fazê-la em detrimento mínimo de segurança, valor também essencial ao processo justo."

Por fim, ressalta-se que por meio da introdução e respeito dos precedentes judiciais no ordenamento jurídico pátrio, o Poder Judiciário restará mais eficiente, uma vez

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que respeitada a duração razoável do processo, o sistema se tornará mais célere e barato.

Além disso, o processo só será efetivo quando for resolvido num tempo hábil, estando o presente princípio intrinsecamente ligado ao princípio da celeridade processual e da segurança jurídica.

2.2. Princípio da celeridade

A morosidade na solução dos litígios foi sempre um problema do sistema jurídico nacional, as sábias palavras do ilustre mestre Rui Barbosa já alertavam para essa situação alarmante e perigosa aos jurisdicionados, dizendo: “Justiça que tarda é sempre falha”.

O que pode se extrair da brilhante fala do citado Rui Barbosa é que inúmeras vezes a demora na prestação jurisdicional acaba resultando numa prestação ineficaz, possibilitando com que o descumpridor do direito se beneficie dessa lentidão. O fim último do processo deve ser a pacificação social, e não o contrário.

Com efeito, efetividade da prestação jurisdicional deve ser um princípio que se aplique e contemple a todos os jurisdicionados de forma isonômica, não servindo apenas para satisfazer o autor ou réu, que supostamente tenha razão. O Judiciário tem papel fundamental nessa busca, atuando sem ofender qualquer garantia constitucional. Para isso, valores como a simplificação do procedimento e a economia processual são capazes de contribuir para a celeridade do processo.

Analisando a importância da celeridade no decorrer de uma demanda judicial, afirma AMARAL (2008, p. 54):

“Não é difícil concluir que a celeridade consiste num valor cuja importância se acentua à medida que avança o processo em direção à definição da norma jurídica concreta, atingindo o seu ápice no momento seguinte ao que aquela norma se torna definitiva (trânsito em julgado da sentença), quando os riscos de erro pela máxima aceleração do procedimento já não se mostram tão relevantes quanto nos momentos anteriores.”

Com o objetivo maior de superar a lentidão e ineficiência do Poder Judiciário, aprovou-se a Emenda Constitucional n. 45, no dia oito de dezembro de dois mil e quatro, conhecida como emenda da Reforma Judiciário, tendo surgido precipuamente para tentar amenizar a excessiva demora da prestação jurisdicional e atualizar o ordenamento jurídico brasileiro.

Essa reforma resolveu por acrescentar ao artigo 5º da nossa Constituição o inciso LXXVIII, cujo teor é: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados

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a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

O legislador brasileiro resolveu tomar como parâmetro o texto contido no artigo 8º, da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos (“Pacto de San José da Costa Rica”), que reza: “Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei anterior, na defesa de qualquer acusação penal contra ela formulada, ou para determinação de seus direitos e obrigações de ordem civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza”.

Para BEDAQUE (2006, p. 50): "Efetividade, celeridade e economia processual são importantíssimos princípios processuais relacionados diretamente com a promessa constitucional de acesso à Justiça."

Nesse norte, MEDINA (2005, p. 50) afirma que:

“Claro que razoável duração do processo, preconizada pelo dispositivo em comento, não é de fácil concretização. Não se trata porém, de preceito retórico cuja realização prática dependesse da maior ou menor dose de boa vontade do legislador, da autoridade administrativa ou do juiz. A razoabilidade de uma conduta, embora representando um conceito jurídico indeterminado, corresponde a princípio jurídico em torno do qual já se estabeleceu toda uma doutrina, capaz de orientar também a interpretação do novo dispositivo concernente a tramitação dos processos.”

Nelson Nery Júnior (2010, p. 318) salienta que o aspecto da duração razoável do processo envolve dois momentos, o primeiro no que tange ao respeito do tempo que leva um processo para ter um solução, desde o seu início até o trânsito em julgado do processo, e o segundo que se refere a criação e, consequente, adoção de métodos alternativos que solucionem os conflitos.

Ao surgirem novos meios para sanar as lides, a demanda de trabalho do Poder Judiciária diminui gradativamente, aliviando a burocracia processual e permitindo um abreviamento da duração média do processo. Com um processo célere, o direito material pode ser defendido e realizado com a plena eficácia e a desejável rapidez.

Por outro lado, o respeito ao princípio da celeridade processual não pode andar sozinho, devendo-se atentar pela proteção de preceitos como o da veracidade e da utilidade judicial, sob pena de o Poder Judiciário caminhar rápido, porém em desconformidade com a ética dos princípios.

Importante, ainda, destacar assertiva de JUNIOR (2010, p. 320):

“A razoabilidade da duração do processo deve ser aferida mediante critérios objetivos, já que não se afigura possível o tratamento dogmático apriorístico da matéria. Comporta, portanto, verificação da hipótese concreta.

Esses critérios objetivos são: a) a natureza do processo e complexidade da causa; b) o comportamento das partes e de seus procuradores; c) a atividade e o

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comportamento das autoridades judiciárias e administrativas competentes; d) a fixação legal de prazos para a prática de atos processuais que assegure efetivamente o direito ao contraditório e ampla defesa.”

Desta feita, a observância dos referidos critérios permitiria com que o princípio da celeridade processual fosse alcançado, excluindo a atual realidade do número exorbitante de processos, e superar a quantidade insuficiente de servidores e magistrados.

Cabe, ainda, atentar-se para o fato de que um dos aspectos mais debatidos na história do direito processual é o seu tempo de duração, haja vista que o tempo que se leva até que seja proferida a decisão final do judiciário é algo que sempre foi visto como passível de trazer sensíveis problemas às partes, em especial à parte que não possui o bem ou patrimônio que é objeto do litígio em mãos.

Contudo, para que o ideal de razoável duração do processo seja alcançado, deve-se tomar cuidado nas medidas que serão tomadas, como bem observa JUNIOR (2010, p. 323):

“A busca da celeridade e razoável duração do processo não pode ser feita a esmo, de qualquer jeito, a qualquer preço, desrespeitando outros valores constitucionais e processuais caros e indispensáveis ao estado democrático de direito. O mito da rapidez acima de tudo e o submito do hiperdimensionamento da malignidade da lentidão são alguns dos aspectos apontados pela doutrina como contraponto à celeridade e à razoável duração do processo que, por isso, devem ser analisados e ponderados juntamente com outro valores e direitos constitucionais fundamentais, notadamente o direito ao contraditório e à ampla defesa.”

Enfim, a busca pela aplicação do presente princípio é um árduo trabalho a ser enfrentado por todos, não só pelo Poder Judiciário, mas também com auxílio do Executivo e do Legislativo, além de se mostra necessária a contribuição dos políticos, especialmente no que concerne ao cumprimento do texto constitucional.

2.3. Princípio da segurança jurídica

O Direito, em todas suas variadas formas, almeja garantir a harmonia entre os cidadãos, sendo que para isso as relações jurídicas devem estar protegidas pelo princípio da segurança jurídica, um dos princípios de maior relevância para a ordem jurídica brasileira. Nessa toada, salutar iniciar a descrição do presente princípio com o auxílio da definição dada por MARINONI (2010, p. 121):

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