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3. A FORÇA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS

3.2. A origem e a definição da Súmula Vinculante

Nesse ponto, inicia-se trazendo a importância salientada por MARINONI (2010, p. 481) acerca da súmula para o ordenamento: “o instituto da súmula pode servir para garantir a necessidade de coerência da ordem jurídica e de tutela da igualdade e da segurança”.

Ainda no que toca a real e efetiva utilização da súmula, alude MARINONI (2010, p. 481):

“Como as súmulas foram utilizadas de modo a apenas facilitar as decisões, estas foram pensadas como normas com pretensões universalizantes, ou melhor, como enunciados abstratos e gerais voltados à solução de casos. Note-se, entretanto, que as súmulas são calcadas em precedentes e, portanto, não podem fugir do contexto dos casos que por eles foram solucionados. Bem por isso, para se saber se uma súmula é aplicável a outro caso, é necessário verificar o contexto fático dos casos que lhe deram origem, assim como as proposições sociais que fundamentaram os precedentes que os solucionaram”.

Não se deve esquecer que a súmula só tem efetiva aplicação e sentido para existir quando retratar a realidade do direito jurisprudencial de determinado momento

histórico da sociedade. Somente irá ser aplicada quando não esquecer os precedentes que a fizeram nascer, assim como seus fundamentos e valores, cuja origem está no ambiente histórico, político e social em vigor.

Segundo definição de SILVA (2004, p. 73) súmula é:

“Súmula não é votada no parlamento, nem muito menos é expressão da vontade geral e da soberania. Tem uma pretensão bem mais modesta. Não é invasora das atribuições do Legislativo. Trata-se tão-só de interpretação cristalizada dos tribunais sobre uma lei ou alguns de seus dispositivos que, pela repetição, se tornaram constantes.”

No ordenamento jurídico brasileiro destaca-se o instituto da Súmula Vinculante, originada dentre as recentes reformas que atribuem força vinculante ao precedente judicial. Sua atuação é no sentido de limitar o poder de decisão dos juízes de instâncias inferiores, tendo sido criada com o objetivo de trazer segurança jurídica, determinando que todas as decisões sobre a mesma tese sejam decididas da mesma forma.

MANCUSO (2007, p.375) define o efeito vinculante da súmula da seguinte maneira:

“A atribuição de efeito vinculante confere às súmulas editadas com essa característica status equivalente ao da lei ou da Constituição, isto é, deparando-se o juiz com caso sobre o qual a súmula incidiria, sua aplicação é obrigatória”.

Ainda nessa seara, TUCCI (2004, p. 170) assim conceitua o efeito vinculante:

“[...] encontra-se condicionado à posição hierárquica do tribunal que as profere. Normalmente, na experiência jurídica da common law, o julgado vincula a própria corte (eficácia interna), bem como todos os órgãos inferiores (eficácia externa). Não se delineia possível, à evidência, a aplicação dessa regra em sentido contrário.”

Cumpre relembrar que a Súmula Vinculante foi positivada por meio da Emenda Constitucional 45/2004 e complementada pela Lei 11.417/2006, que disciplinou a edição, cancelamento e revisão de enunciado de Súmula Vinculante. Esta tem como definição ser o entendimento consolidado e obrigatório sobre determinada norma.

Contudo, desde a Emenda Constitucional de 28.08.1963 as súmulas (“Súmulas da Jurisprudência Predominante”) já eram utilizadas pelo Supremo Tribunal Federal, mas possuíam apenas eficácia persuasiva, sendo instituída a força vinculativa recentemente.

Nessa linha, destaca DINAMARCO (2001, p. 1131):

“O primeiro passo foi dado no distante ano de 1963. Sob a liderança histórica do Min. Victor Nunes Leal, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal passou a incluir na competência do relator o poder de ‘mandar arquivar o recurso extraordinário ou o agravo de instrumento indicando o correspectivo número da súmula’ (art. 15, inc. IV). Essa foi uma das técnicas idealizadas com o objetivo de buscar saídas para o notório, antigo e angustiante problema da sobrecarga da Corte Suprema brasileira, que já fora objeto das preocupações de Alfredo Buzaid

na década dos anos cinquentas. Estava nesse momento, também, instituída a Súmula do Supremo Tribunal Federal, que se destinou a favorecer a estabilidade da jurisprudência e, de igual modo, a simplificar o julgamento das questões mais frequentes.”

O referido efeito persuasivo indicava que a súmula poderia apenas influenciar o julgamento de casos futuros, não estando os juízes obrigados a seguir os seus fundamentos jurídicos.

Nesta dimensão fica claro que as súmulas são conhecidas há muito tempo no ordenamento brasileiro, como afirma MARINONI (2010, p. 216):

“As súmulas sempre foram conhecidas no direito brasileiro. Inicialmente, as súmulas serviram para identificar e precisar o entendimento de dado tribunal acerca de questão jurídica. Jamais tiveram eficácia prática, já que não eram obrigatórias nem mesmo aos juízes do tribunal que as produzira e nunca contaram com adequada atenção dogmática, necessária à dilucidação do seu uso e revogação.”

A partir do momento em que a jurisprudência passou a ter um papel mais ativo no sistema baseado no Direito codificado, e que no Direito anglo-saxão costumeiro o precedente passou a não ser mais tão rigoroso, é que se iniciou a introdução, no sistema jurídico brasileiro, da súmula vinculante.

Para que o referido instituto processual veja-se perfeitamente adequado ao ordenamento jurídico pátrio, é necessário que se aceite e aplique a teoria da interpretação do precedente, uma vez que esse deverá vigorar em consonância com a lei.

MELLO (2008, p. 104) define a Súmula Vinculante como sendo “instrumento de consolidação do teor dos precedentes judiciais, dotado de eficácia normativa, sujeitando seu descumprimento, inclusive, ao ajuizamento de reclamação perante o STF”.

A Súmula Vinculante possui um procedimento específico de criação, devendo ser analisado se há legitimidade ativa do seu proponente, conforme os requisitos do art. 103-A, Constituição Federal de 1988 e art. 3º da Lei 11.417/2006, além das reiteradas decisões da Suprema Corte acerca da matéria sumulada.

Sua criação reflete o pensamento majoritário do Supremo Tribunal Federal, sendo extraído a ratio decidindi das reiteradas decisões análogas proferidas. Funcionam, assim, com o fito de evitar a remessa desnecessária de processos repetitivos.

Portanto, a sua edição decorre da existência de reiteradas decisões sobre determinada matéria de cunho constitucional, isto é, o assunto que formará o enunciado da súmula deverá ter sido debatido por diversas oportunidades no Supremo Tribunal Federal, e encontrar-se maduro para restar positivado.

Eis, sobre o ponto, a lição de CÔRTES (2008, p. 227):

“A súmula vinculante, é certo, carrega também o valor efetividade, na medida em que pretende tornar mais ágil e útil a prestação jurisdicional, evitando a perda

desnecessária de tempo para o desfecho de uma ação e o desrespeito à jurisprudência já conslidada do STF.

Segundo MARINONI (2010, p. 489) a súmula vinculante pode ser definida assim:

“Em suma, a súmula vinculante é a inscrição de um enunciado a partir da ratio decidendi de precedentes – ou, excepcionalmente, de precedente – que versaram uma mesma questão constitucional. Assim, é indesculpável pensar em adotá-la, revisá-la ou cancelá-la como se fosse um enunciado geral e abstrato, ou mesmo tentar entendê-la considerando-se apenas as ementas ou a parte dispositiva dos acórdãos que lhe deram origem. Lembre-se que a ratio decidendi nada mais é do que o fundamento determinante ou o motivo essencial da decisão. Ora, se a elaboração da ‘súmula vinculante’ depende da adequada percepção dos fundamentos determinantes do precedente – ou dos precedentes -, é pouco mais do que evidente a impossibilidade de aplicá-la, revisá-la ou cancelá-la sem se considerar os fundamentos determinantes dos precedentes que deram origem à sua edição.”

Oportuno dizer que em decorrência do efeito vinculante do enunciado sumular, a reclamação serve como modo de proteção de ato administrativo ou decisão judicial que porventura venham confrontar ou aplicar indevidamente o teor da Súmula Vinculante, garantindo plenamente a sua eficácia.

Nessa passo, SILVA (2004, p.137) expõe a importância da súmula com efeito vinculante no ordenamento jurídico nacional:

“A unificação interna da jurisprudência dos tribunais e, num segundo momento, a vinculação desta jurisprudência, constituem medidas indispensáveis para a completude do ordenamento jurídico, a fim de que se transforme em um sistema operativo, coeso e capaz de exercer com segurança sua função pedagógica de orientação da conduta dos cidadãos e dos agentes legais, bem como o poder de decisão sobre os conflitos sociais”.

Ressalta DINAMARCO (2001, p. 1126-1127) a importância da força vinculante:

“No sistema da common law costuma ser dito que a força vinculante dos holdings (máximas contidas nos julgamentos) propicia a quádrupla vantagem expressa nas palavras igualdade-segurança-economia-respeitabilidade. Vendo agora o avesso representado pela imensa fragmentação de julgados presentes na realidade brasileira, tem-se que nos julgamentos e repetitivos e absolutamente desvinculados residem fatores que podem comprometer cada um desses ideais da boa justiça, porque (a) somente os que puderem e se animarem a subir ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça poderão afastar de si os julgamentos desfavoráveis suportados nas instâncias locais; (b) por isso mesmo ou por outros fatores, reinará sempre entre os jurisdicionados alguma incerteza sobre o futuro dos litígios em que se acham envolvidos; (c) o Poder Judiciário prossegue envolvido em um trabalho inútil e repetitivo, quando poderia liberar-se da carga da repetição e dedicar-se com maior proficiência e celeridade a outros casos; e (d) as decisões do órgão competente para dada matéria ficariam sempre prestigiadas, prevalecendo soberanas e com homogeneidade em todos os casos.”

Questão interessante, por fim, é saber que a aplicação da súmula no ordenamento jurídico pátrio não pode ser apenas um guia de interpretação, deve ser aplicada em razão de rememorar os casos que a originaram. Caso contrário, sua utilização estará distante do desenvolvimento do direito e da busca da justiça nos casos reais.

A Súmula Vinculante busca assegurar o princípio da segurança jurídica e da igualdade, evitando que uma mesma norma seja interpretada de forma distinta para situações fáticas iguais, criando distorções inaceitáveis, assim como tenta desafogar o Supremo Tribunal Federal dos inúmeros processos existentes, gerados pela repetição exaustiva de casos cuja solução já se conhece previamente.