3. A FORÇA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS
3.5. A questão do efeito vinculante no projeto do novo Código de Processo Civil
O novo Código de Processo Civil, atualmente em discussão no Congresso Nacional, atenta para a questão da inserção do efeito vinculante no ordenamento jurídico brasileiro, tanto na esfera das Cortes Superiores, quanto nas instâncias inferiores.
A proposta de alteração do Codex Processual Civil visa tornar mais efetivos vários aspectos referentes à aplicação da justiça, privilegiando princípios processuais como o da celeridade e da efetividade do resultado da prestação jurisdicional.
Nesse sentido, pode-se extrair da exposição de motivos do Anteprojeto do Código de Processo Civil a seguinte frase, suficiente para resumir umas das grandes preocupações do legislador: “O Novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo”.
No que tange a importância da aplicação do efeito vinculante no ordenamento jurídico pátrio, preocupa-se o legislador, como se vê:
“Por outro lado, haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis,nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se a
regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de tribunais diversos. [...] Prestigiou-se, seguindo-se direção já abertamente seguida pela ordenamento jurídico brasileiro, expressado na criação da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) e do regime de julgamento conjunto de recurso especiais e extraordinários repetitivos (que foi mantido e aperfeiçoado) tendência a criar estímulos para que a jurisprudência se uniformize, à luz do que venham a decidir tribunais superiores e até de segundo grau, e se estabilize.[...] Por isso é que esses princípios foram expressamente formulados. Veja-se, por exemplo, o que diz o novo Código, no Livro IV: ‘A jurisprudência do STF e dos Superiores Tribunais deve nortear as decisões de todos os Tribunais e Juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia’.”.
Ainda nessa toada, uma das propostas do Novo Código de Processo Civil é implantar nos Tribunais Estaduais o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, já instituído no Superior Tribunal de Justiça por meio da Lei n. 11.672/2008, visando afastar a morosidade judicial e a divergência das decisões judiciais, criando previamente uma tese jurídica para que os magistrados decidam o caso concreto da mesma forma.
O referido incidente poderá servir quando surgirem demandas repetitivas sobre a mesma questão de direito e que a solução possa vir a gerar grande insegurança jurídica nos jurisdicionados, uma vez que a decisão dos litígios de maneira conflitante deve ser afastada.
Diante de tal quadro, evidencia-se a preocupação em acompanhar a dinamicidade processual e transformar o sistema jurídico nacional em prol dos jurisdicionados. Contudo, persiste a dúvida em saber se os magistrados estão maduros para conseguir aplicar esse novo instituto da forma correta, seguindo suas diretrizes e raízes, ou se o utilizarão apenas com o objetivo de acelerar a prolação de decisões judiciais e desafogar o Poder Judiciário.
CONCLUSÃO
A aplicação do Direito difere nos dois grandes sistemas jurídicos contemporâneos, sendo que para na civil law o direito positivado na lei é a base de tudo, e para a common law o precedente judicial é a principal diretriz jurisdicional.
Permitiu-se fazer uma aproximação entre essas duas concepções de Direito no ordenamento jurídico brasileiro, cujas origens são do sistema da civil law, com o objetivo de aproveitar os institutos do sistema da common law na prestação jurisdicional eficaz, prática e segura.
Cabe destacar que tanto na civil law quanto na common law o que se deseja é a firmeza e constância do ordenamento jurídico em dar respostas claras, isonômicas e justas aos problemas sociais, não estando essas duas famílias tão distantes.
Diante disso, refletir acerca do papel desempenhado pela lei no Estado brasileiro é fundamental no sentido de reconhecer que ela, por vezes, não é suficiente para exprimir os valores constitucionais do Estado, deixando de cumprir com plena eficácia alguns princípios e direitos fundamentais dos cidadãos.
Por meio da introdução do precedente judicial no sistema processual e Poder Judiciário pátrio é possível seu aperfeiçoamento, visto que a aproximação com outra ordem jurídica, em específico a common law, mostra-se saudável e importante para sua evolução.
Frisa-se que a força do precedente judicial está em permitir com que o juiz possa traçar nova interpretação normativa em relação a uma situação material, não estando totalmente submisso a lei como ocorria antes da aproximação entre os sistemas jurídicos aqui estudados.
Além disso, garante a unidade da ordem jurídica, assim como a igualdade e segurança jurídica, servindo para extinguir a divergência jurisdicional, fator responsável pela insegurança, incerteza e desconfiança presentes na vida dos jurisdicionados, visto que a lei passa a ser interpretada e aplicada de forma uma.
A segurança jurídica não estará mais subordinada ao estrito cumprimento da lei, mas será sim preservada por meio da certeza e previsibilidade que marcam o precedente judicial com força vinculante e obrigatória.
Ademais, como destacado em capítulo específico, devem os poderes atuar no sentido de preservar os princípios processuais constitucionais da celeridade, efetividade e segurança jurídica, garantias fundamentais à prestação jurisdicional eficaz e justa.
Da análise do terceiro capítulo, observa-se que o legislador brasileiro preocupado com o efetivo cumprimento dos princípios processuais constitucionais descritos no segundo capítulo, resolveu criar a Súmula Vinculante, cujas raízes estão ligadas ao precedente judicial anglo-saxão, contudo seu processo de formação e seus efeitos se distanciam do seu instituto originário.
Enquanto o precedente é uma norma para jurisdição de um caso concreto, com origem em situação pretérita, a Súmula Vinculante, criada com a Emenda 45/2004, prescreve um enunciado normativo abstrato, isto é, desvinculado das situações concretas
que lhe deram origem, não sendo o caso paradigma que lhe deu origem de extrema importância para aplicação futura.
A preocupação de que a Súmula Vinculante se tornaria um instrumento engessado e distante da realidade afasta-se pelo fato de que o Supremo Tribunal Federal acompanha a dinamicidade da jurisprudência, revendo, temporalmente, os conceitos acerca de determinada matéria, nunca se afastando da estabilidade, previsibilidade e segurança jurídica oferecidas aos jurisdicionados.
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