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Formação continuada e acolhimento de professores da educação infantil a partir de narrativas docentes

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Educação

EMILY ALINE MAIOLINO

FORMAÇÃO CONTINUADA E ACOLHIMENTO DE

PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL A PARTIR

DE NARRATIVAS DOCENTES.

CAMPINAS 2020

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EMILY ALINE MAIOLINO

FORMAÇÃO CONTINUADA E ACOLHIMENTO DE

PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL A PARTIR

DE NARRATIVAS DOCENTES.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação Escolar da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Educação Escolar, na área de concentração Educação Escolar.

Orientadora: Profa. Dra. Claudia Amoroso Bortolato

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DE DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA EMILY ALINE MAIOLINO E ORIENTADA PELA PROFA. DRA CLAUDIA AMOROSO BORTOLATO

CAMPINAS 2020

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

FORMAÇÃO CONTINUADA E ACOLHIMENTO DE

PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL A

PARTIR DE NARRATIVAS DOCENTES.

Autor : EMILY ALINE MAIOLINO

COMISSÃO JULGADORA:

Prof.ª. Drª Claudia Amoroso Bortolato Prof.ª. Drª Roberta Rocha Borges Prof.ª. Drª Adriana Varani

Prof.ª. Drª Estela de Sousa Rossetto Prof.ª. Drª Mirian Pacheco Silva Albrecht

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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Dedico esse trabalho...

Aos meus pais, que me ensinaram a ter coragem e uma fé inabalável, obrigada por acreditarem em mim, por me apoiarem em todas as minhas decisões e por me ensinarem a ser feliz com as coisas simples.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, por segurar a minha mão, todas as vezes que eu pensei em desistir. À minha mãe, por me esperar todas as noites, quando eu voltava de Campinas, sempre com uma comida que alimentava o corpo e a alma.

Ao meu pai, por sempre ter palavras de incentivo, me encorajando, independentemente da situação.

À Faculdade de Educação – Unicamp, que me abriu as portas e me ajudou a evoluir mentalmente e profissionalmente.

À minha orientadora Claudia, que acreditou no meu potencial e me deu uma grande chance de mostrar o quanto eu podia contribuir para a educação.

Às sete professoras que contribuíram com suas rememorações, para que esse trabalho pudesse ser realizado.

À minha sobrinha Lívia, que a todo momento se mostrava orgulhosa do trabalho que eu estava construindo.

Aos meus irmãos Wesley e Stephanie, pelo apoio e carinho.

Aos professores do mestrado profissional, que me receberam com tanto cuidado e carinho, e me fizeram perceber o quanto um olhar cuidadoso faz a diferença na vida de uma pessoa. Ninguém solta a mão de ninguém!

Aos meus amigos, que compreendiam as minhas muitas ausências nos encontros da turma e sempre me enviavam palavras de incentivo.

Às minhas amigas do mestrado: Riza, Patrícia e Carina, que dividiram comigo angústias, felicidades e cervejas (na Estação Barão), durante esses dois anos. Às minhas colegas de trabalho, por sempre valorizarem a minha pesquisa.

Aos meus alunos, que tanto me ensinam, e que demostram um amor sincero diariamente.

A cada criança do mundo, que me enche de esperança de um mundo melhor. Aos meus amigos Regis e Ivan, que tive o privilégio de conhecer no MP.

À Luísa pelas ideias iniciais sobre as brincadeiras de acolhimento às professoras. “Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”.

Antoine de Saint- Exupéry

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A vida me trouxe para cá e eu vou ficando por aqui até que Deus me mande plantar sementes em outro lugar. Pois que, além de plantar e enquanto esperamos que a terra geste o broto,

vamos nos alimentando dos frutos que alguém plantou antes de nós. As vezes cansados, descansamos na sombra de uma frondosa árvore, plantada por alguém que nunca duvidou que a semente viraria sombra para muitos loucos que, como nós, insistem em passar a vida plantando em tudo que é chão. Fica a esperança de que, até nas frestas do mais duro concreto nasça a flor. Que de tão linda, faça parar os passos dos mais apressados. Que, de tão delicada, inspire os mais céticos a duvidar do óbvio e acreditar na utopia. Que, de tão forte, arrebente o concreto mais duro, só para mostrar que não se pode duvidar nunca da força da vida. Agora é hora de continuar semeando, pois que de semear vivemos todos nós. Acredito na doçura do fruto que ainda está por nascer,

e estejam certos de que quando eu prová-lo, minhas memórias mais doces trarão todos e cada um de vocês de volta pra minha vida.

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RESUMO

O questionamento e a problemática dessa pesquisa se deram, por meio da observação de professoras entre o ano de 2014 a 2017, enquanto a pesquisadora era diretora de uma creche municipal da cidade de Jacareí. Neste período se observou que elas apresentavam diversas dificuldades no trabalho pedagógico com as crianças, as ações estavam sempre pautadas em práticas tradicionais, direcionadas apenas ao cuidar, não era possível enxergar o protagonismo infantil e a educação infantil como etapa inicial da educação escolar. Esta pesquisa, portanto, tem como objetivo compreender a trajetória de formação dos professores da educação infantil. No trabalho com narrativas as memórias se fazem presente e nas brechas buscamos compreender os processos de formação desses profissionais que atuam na primeira infância. Narrativas que nos revelam os desafios enfrentados no início da carreira, nas trajetórias de formação e no processo de construção de identidade docente. Foi possível observar os elementos que contribuíram para a escolha relativa à carreira, ao ingresso e à permanência no magistério. Foram entrevistadas sete professoras formadas em Pedagogia nas diferentes modalidades de ensino (presencial e à distância), professoras iniciantes, professoras com alguns anos de carreira e outras já com mais tempo no exercício do magistério. A partir das narrativas docentes também buscamos refletir sobre a formação realizada em serviço, como tem se dado, de que maneiras são conduzidas, e como são avaliadas as reuniões pedagógicas em suas práticas. Os referencias para leitura e adensamento das narrativas foram Ivor Goodson e Walter Benjamin, a partir de metodologia desenvolvida por Maria Inês Petrucci-Rosa e colaboradores. Esperamos contribuir para evidenciar a importância da formação continuada, juntamente, com a necessidade de se levar em conta a trajetória de vida das professoras. Por meio da escuta das professoras, foi desenvolvido um material que busca propiciar momentos de acolhida e permanência na escola, com práticas onde os professores possam rememorar e refletir sobre seu cotidiano, criando assim um “movimento” para cuidar de quem cuida da educação.

Palavras – Chave: Formação continuada, Narrativas docentes, Educação Infantil, Acolhimento.

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ABSTRACT

The questioning and the problematic of this research took place, through the observation of teachers and child education assistants between the year of 2014 to 2017, while the researcher was the director of a municipal day care center of the city of Jacareí. In this period it was observed that they presented difficulties in the pedagogical work with the children, the actions were always guided by traditional practices, directed only to the care, it was not possible to see the protagonism of children and early childhood education as the initial stage of school education. This research, therefore, aims to objective to understand the education trajectory of teachers of education childish. In working with narratives, memories are present and in loopholes we seek to understand the formation processes of these professionals working in early childhood. Narratives that reveal the challenges faced at the beginning of the career, in the training trajectories and in the construction process of teaching identity. It was possible to observe the elements that contributed to the choice regarding career, admission and permanence in teaching. Seven trained teachers were interviewed in Pedagogy in the different teaching modalities (face-to-face and distance teachers), beginning teachers, teachers with some years of career and others already have more time in teaching. From the narratives We also seek to reflect on in-service training, how it has been done, in what ways they are conducted, and how the pedagogical meetings in their practices. References for reading and densification of the narratives were Ivor Goodson and Walter Benjamin, from methodology developed by Maria Inês Petrucci-Rosa and collaborators. We hope to contribute to highlight the importance of continuing education, together, with the need to take into account the life trajectory of the teachers. Through listening to the teachers, a material was developed which seeks to provide moments of welcome and permanence at school, with practices where teachers can recall and reflect on their daily lives, thus creating a “movement” to take care of those who take care of education.

Keywords: Continuing education, Teaching narratives, Education Children's, Reception.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADI Auxiliar de Desenvolvimento Infantil

CEI Centros de Educação Infantil

CLT Consolidação das leis do Trabalho

CIEE Centro de Integração Empresa-Escola

CEFAM Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério

CNE Conselho Nacional de Educação

DNEI Diretrizes Nacionais da Educação Infantil

EMEI Escola Municipal de Educação Infantil

ECA Estatuto da Crianças e do Adolescente

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Infantil

PROFA Programa de Formação de Professores A

PROUNI Programa Universidade para todos.

RCNEI Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

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SUMÁRIO

Memorial ...12

Introdução ...31

Capítulo 1 – Percursos da formação docente no Brasil ...35

Capítulo 2 – Breve histórico da creche e da Educação Infantil no Brasil ...43

2.1 - O reconhecimento da primeira infância no Brasil ...43

2.2 – A creche como uma necessidade no país ...46

2.3 - A expansão das creches ...49

2.4 – O reconhecimento da educação em creches e pré-escolas ...52

2.5 - Formação profissional para a educação Infantil ...57

Capítulo 3 – Concepção de criança ...59

3.1 - Criança e infância: diferentes caracterizações ...64

Capítulo 4 – Formação Continuada de Professores ...70

4.1 - A prática reflexiva ...73

4.2 - A prática pedagógica para a educação infantil ...74

Capítulo 5 - Narrativas e Histórias de vida ...79

Capítulo 6 – Princípios Teórico Metodológicos ...83

Capítulo 7 - Mônadas ...87 Professora 1 ...87 Professora 2 ...95 Professora 3 ...101 Professora 4 ...109 Professora 5 ...113 Professora 6 ...119 Professora 7 ...124 Capítulo 8 – Adensamento ...129 Considerações finais. ...133 Índice de Mônadas ...146 Referências ...137

Apêndice 1 – Modelo de TCLE ...145

Apêndice 2 – ACOLHIMENTO DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL ... 148

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Memorial

A menina mimada

No dia 25 de abril de 1989, chegava a segunda filha de um casal de jovens que estavam começando a vida a dois, meu irmão mais velho e eu, tínhamos apenas um ano e meio de diferença, o que fez com que nos tornássemos muito parceiros, afinal, eu era a princesinha da casa, melhor dizendo, a menina mimada que queria ser o centro das atenções a todo o momento. Lembro-me de fazer muitos passeios em um parque delicioso na cidade de Jacareí, o Parquinho dos Eucaliptos. Os finais de semana eram sempre nesse lugar rodeado de grandes arvores e brinquedos nada seguros. Tínhamos uma família de vizinhos que se tornaram da família também, Paulinho era o filho da Silvana que eu dizia para todo mundo que era minha madrinha, e assim, realizavam todos os passeios com a gente, era sacola de lanche de um lado, mãos de crianças no outro, gritos e uma alegria que envolvia todo esse “evento”.

Eu achava que era o lugar mais perfeito dessa vida

Eu morava na rua lateral do “prézinho” do meu bairro, onde meus primos mais velhos estudaram e eu achava que era o lugar mais perfeito dessa vida. Em 1994 quando minha mãe conseguiu minha vaga eu fiquei radiante, me lembro de comprar mochilinha, lancheira, pão de forma para levar de lanche e tudo que eu tinha direito. Chegou o grande dia, lá estava eu acordando super cedo para não perder um minuto desse momento. Fui brincando e correndo pelo caminho (que não chegava a ser 400 metros), mas que era o caminho encantado da minha primeira escola.

E se minha mãe não voltasse nunca mais para me buscar?

Assim que cheguei à escola e vi as crianças chorando, os adultos bravos e minha mãe querendo me dar tchau, entrei em desespero, como eu ficaria naquele lugar? E se minha mãe não voltasse nunca mais para me buscar? Se alguém brigasse comigo? Quem iria me defender? Só tinha uma alternativa naquele momento, que era chorar. E foi isso que eu fiz, chorei muito, minha mãe tentando me empurrar para dentro da sala de aula, eu me jogando no chão tentando evitar e a professora dizendo: não precisa chorar! Mas eu tinha certeza que por dentro ela pensava: Ah se fosse a minha filha!... Depois de muitas tentativas minha mãe desistiu, falou que eu podia voltar para

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casa, já que eu não queria ficar, nesse momento meu choro sumiu e a alegria voltou no meu rosto.

A cada chinelada ela dizia: vai-ficar-na-escola-amanhã-sim

Achei a atitude da minha mãe maravilhosa, ela realmente entendeu minha insegurança e não me forçou, me levou para a casa, para me convencer a retornar no outro dia. Porém para minha surpresa, minha mãe tinha uma pedagogia um tanto quanto diferente. Quando entramos em casa ela ficou furiosa, pegou o chinelo e me bateu bastante, uma verdadeira surra na verdade, a cada chinelada ela dizia: vai-ficar-na-escola-amanhã-sim. Meu Deus, por dentro eu já tinha me arrependido daquele choro, e tinha certeza que seria muito melhor ter encarado aquele medo. Depois das chineladas eu até dormi, pois queria apagar da memória tudo aquilo que eu havia vivido naquela manhã. O restante do dia foi cheio de avisos da minha mãe: Não vai chorar amanhã não, né Emily! E eu concordando, Chorar? Jamais.

E eu dei até um tchau com sorriso no rosto

O segundo dia chegou, eu segui todo aquele ritual de arrumação, meu irmão animado, pois tinha gostado muito do primeiro dia dele e estava ansioso para reencontrar os amigos. Ele me olhava e dizia: Não vai chorar não né chorona? E eu com aquele nó na garganta, porém, com mais medo da minha mãe do que da escola. Chegamos à porta da sala e a professora até estranhou, pois eu não estava chorando e nem fazendo birra, minha mãe me olhou para se despedir e eu dei até um tchau com sorriso no rosto, me lembro até de dizer um: Ufa! Ainda bem que eu fiquei hoje.... E para minha surpresa, amei aquele ambiente, logo fiz amizade, a professora era legal e vez ou outra eu podia ver meu irmão nos corredores e também no momento do lanche, pois dividíamos uma única lancheira, o que me deixava mais segura.

Eu também me sentia muito importante

Os dias e meses foram se passando e eu ia gostando cada vez mais de lá, cada dia era uma novidade diferente, eu chegava em casa querendo contar tudo, mas antes, tinha que mamar no peito da minha mãe, sim, eu mamava com 4 anos e de pé ainda, pois nem cabia mais no colo dela, mas eu nem pensava em parar com aquilo. Até que um dia minha mãe me deu a notícia que mais me abalou, estou grávida! Fiquei intrigada, como eu ia dividir a minha mãe, o peito dela e todo o resto? Não era o que

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eu planejava, a princesa da casa era eu..., mas como a gravidez ia demorar alguns meses, eu não quis me preocupar muito com isso, até que um dia, minha mãe foi me buscar com aquela barriga enorme, e as professores disseram que ela podia assinar uma autorização para eu ir embora sozinha, pois morávamos perto. Ao mesmo tempo em que eu me senti deixada de lado por causa daquele bebê que veio roubar minha mãe de mim, eu também me sentia muito importante, afinal, eu já ia embora da escola sozinha com cinco anos!

Meu pai que só sabia fazer ovo cozido e miojo

Minha irmã Stephanie nasceu em 19995, cinco dias antes do meu aniversário, meu pai ficou cuidando da gente enquanto minha mãe estava no hospital. À noite, fomos a um churrasco na casa da minha tia Orlanda, que tinha uma casa muito bonita e grande, onde eu adorava ir. Meu irmão, meu pai e eu, pegamos o ônibus e fomos, pois não tínhamos carro naquela época, em certo momento da festa, meu pai avisou que minha irmã tinha acabado de nascer, o que deixou todo mundo muito feliz e eu bem séria. Meu pai que só sabia fazer ovo cozido e miojo (que escorria no escorredor de macarrão) não via a hora da minha mãe voltar. Dois dias depois quando ela retornou para casa, veio cheia de cuidados com a cesariana e com aquele bebê no colo, que todo mundo queria ver, apertar beijar. Nem se lembravam na minha insignificante presença, naquele momento tive a certeza de ter perdido o meu reinado.

Dias difíceis estavam por vir

O tempo e os anos foram se passando e eu me acostumei em ser a irmã do meio. Em 1996 fui para o primeiro ano do ensino fundamental, dessa vez em uma escola muito longe da minha casa, em um bairro que era comandado pelo tráfico de drogas. Minha mãe me levou no primeiro dia de aula, com minha irmãzinha no colo, as crianças tinham que se organizar em fila, frente a um papel que tinha o nome da sala, e aguardar a professora vir buscar. Naquele momento eu senti o mesmo medo de quando fui para a escola pela primeira vez na educação infantil, minha vontade era de chorar novamente, mas, como eu já sabia o resultado que teria o choro, preferi engolir a seco e me despedir da minha mãe. As salas eram feias e frias, e como sempre fui baixinha, meus pés não alcançavam o chão, pois a cadeira era muito alta. Aquele quadro negro, cheio de pó de giz, me fazia pensar que dias difíceis estavam por vir, mas encarei aquele desafio.

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Em meio a lágrimas e desespero.

Como era de se esperar, eu logo me acostumei com aquela rotina do fundamental, gostei da professora, que mesmo não tendo muita paciência, demonstrava um pouquinho de carinho por mim. Fui aprendendo a ler que era um grande sonho, a escrever (de “letra de mão”) que foi uma conquista enorme e vencendo os desafios diários. Certo dia teve uma prova de língua portuguesa, havia desenhos na folha, onde eu teria que escrever na frente o que era, parecia muito fácil, pois eram desenhos de mesa, bola, cadeira, entre outros, porém, quando chegou no desenho da mão, começou meu desespero, eu havia esquecido como se escrevia aquela palavra tão pequena, pensei por muito tempo e decidi pedir ajuda para a professora, ela muito brava me disse: “Mão é mão! Como você não sabe escrever essa palavra? Volte para o seu lugar agora! ”, o caminho até minha carteira foi realizado em meio a lágrimas e desespero, ela não me incentivou a pensar na palavra, ela fez com que eu me sentisse uma inútil por não lembrar, depois de alguns minutos chorando, a palavra “apareceu” na minha mente e eu pude entregar minha prova de alma lavada por ter conseguido sozinha.

Naquele momento eu me sentia a pessoa mais empoderada da escola

No quarto ano conheci a professora Renata, que era linda, por dentro e por fora, criamos um vínculo de amizade muito grande, ela me deixava ser a ajudante e responsável da turma sempre, levava meu caderno para a casa dela, para que pudesse atualizar seus registros. Quando ela precisava se ausentar da sala, já avisava a turma: A Emily vai escrever na lousa o nome de quem não se comportar. Naquele momento eu me sentia a pessoa mais empoderada da escola, ficava com o giz na mão e olhando com superioridade para todos. Qualquer movimento brusco eu já considerava como comportamento ruim e o nome ia para a lousa, alguns questionavam, outros pediam por misericórdia, eu até relevava em alguns casos, se eu fosse com a cara da criança, mas deixava claro que na próxima vez não teria perdão.

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Meu “tio” da van há quatro anos

Quando faltavam seis meses para eu terminar o fundamental e migrar para o ensino médio, meu pai ficou desempregado, e não tinha mais condições de pagar a van que me levava para a escola, Sr. Vitorino um velhinho que amava crianças, já era meu tio da van há quatro anos, e eu teria que deixar aquele transporte e começar a caminhar seis quilômetros sozinha até a escola, pois não tinha outra alternativa. Em uma sexta-feira, meu pai foi avisar para ele que não precisaria me buscar na semana seguinte, pois não teria mais condições de pagar por isso. Para nossa surpresa Sr. Vitorino se negou a me deixar, disse que me levaria para a escola sem cobrar nada e que iria orar por nós na Igreja dele, para que meu pai conseguisse um emprego logo, e assim, continuamos juntos até o último dia de aula.

O caseiro da escola também se metia em tudo

No ensino médio que se iniciou em 1999, tudo era mais de “boa”, estudar no Dirceu Junqueira que era a escola no meu bairro, foi motivo de muita alegria, pois finalmente eu iria ter amigos próximos da minha casa. Minha vizinha Viviane, que estudava na sala do meu irmão por ser um ano mais velho do que eu, era minha companheira de trajeto. Todos os dias eu passava na casa dela (três casas depois da minha), para que pudéssemos ir juntas. Vez ou outra, meu irmão ia junto também, mas como nessa fase brigávamos muito, eu preferia nem esperá-lo. Os blocos de salas eram separados por grades, e os professores quase nunca estavam com semblante feliz, a inspetora de alunos, dona Natali, gritava pelos corredores e ameaçava chamar os pais caso ninguém entrasse para a sala naquele momento. O caseiro da escola também se metia em tudo, chamava atenção dos alunos e obrigava a varrer o pátio caso visse alguém jogar o papel no chão, o que eu não achava muito correto, porém, não podia dar minha opinião.

Meu grande sonho era ser caixa de supermercado

Kyoko era o nome da patroa da minha mãe, ela era diretora de escola e supervisora de ensino, nos ajudava muito, me levou pela primeira vez ao cinema e incentivava sempre o estudo. Eu com dezesseis anos já tinha enviado currículo em todas as lojinhas de chineses do centro da cidade, queria trabalhar, ter meu dinheiro para comprar as calças jeans mais legais da época. Meu grande sonho era ser caixa de supermercado, pois eu tinha um desejo de ter uma caixa registradora na infância,

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como não tínhamos dinheiro na época, queria me realizar assim, mas para minha decepção, o supermercado só pegava com dezoito anos completos, então eu teria que esperar por mais dois anos. Minha mãe que estudou até a 4ª série (foi tirada da escola para cuidar de casa e dos irmãos), meu pai que não chegou a terminar o ensino médio (pois trabalhava em plantações de morango e barraca na feira), me incentivavam a estudar, mas não pensavam em uma profissão específica, achavam que o ensino médio já me abriria muitas oportunidades.

Só foquei nos 320 reais

No dia 16 de agosto de 2005, minha mãe me ligou muito feliz, avisando que sua patroa tinha uma oportunidade de emprego para mim, ela fazia parte de uma mantenedora que firmava convênios com a prefeitura da cidade, para tomar conta de Creches e EMEIs, eles estavam conveniando uma nova escola e precisando auxiliares de educação infantil, então ela me indicou, não sabia ao certo o salário, porém, achava que seria um salário mínimo que na época era R$ 320,00. Na hora eu fiquei muito animada, nem pensei no trabalho com as crianças, só foquei nos 320 reais por mês, e aceitei no mesmo instante. A escola era em uma zona rural, que ficava a 20km da minha casa, sendo necessária pegar uma van, pois não tinha ônibus para o bairro, e depois caminhar 3 km por meio de uma mata para chegar até a creche, porém, nada disso me abalava afinal seriam 320 reais por mês.

Fui promovida a professora da sala

A noite anterior ao meu primeiro dia foi a mais longa que eu já vivi, uma ansiedade enorme no coração, como eu iria conseguir cuidar de todas aquelas crianças? E a professora? Será que iria com a minha cara? E os pais, será que iriam me aceitar? Antes do relógio despertar eu já estava de olhos bem abertos, agora com um frio na barriga e medo, mas não tinha como voltar atrás mais, o que me restava era encarar tudo aquilo. Finalmente o relógio despertou para o grande dia, quando cheguei na escola pela manhã, já tive uma grande surpresa, logo no meu primeiro dia eu já assumiria uma sala de crianças com 5 anos sozinha, pois havia acontecido um imprevisto com a outra professora, e eu, com toda a minha falta de experiência, fui promovida antes de iniciar meu primeiro dia de trabalho.

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Participando da segunda guerra mundial

O portão se abriu às 7h, e já tinha uma multidão esperando do lado de fora, eram pais e crianças do próprio bairro e de bairros vizinhos também, que aproveitavam que a van que fazia o transporte até o bairro era gratuita, então levavam as crianças sem custo. As crianças foram chegando, algumas se sentindo inseguras, outras foram logo se apresentando, porém, o olhar de todos os pais era unânime “como essa garota dará conta de cuidar de nossas crianças? ”. Após 30 minutos o horário de entrada se encerrou, e eu já tinha 29 crianças na sala de aula, minha impressão é de que eu estava participando da segunda guerra mundial, pois era mordida para um lado, puxão de cabelo para outro, xixi na roupa e eu desesperada querendo que todos ficassem quietos, imóveis e me obedecendo, mas eles pareciam não me ouvir, e ignoravam todas minhas tentativas de acalmar aquele ambiente que era pequeno demais para o número de crianças. A situação de guerra durou aquele dia inteiro, aliás, os quatro primeiros dias, e eu sempre ia embora com um sentimento de fracasso e prometendo que nunca mais voltaria para aquele lugar.

Foi então que eu descobri que existiam faculdades a distância

Eu fui me fazendo professora com as orientações que eu ia recebendo, de maneira tradicional ainda, porém, com uma preocupação maior em proporcionar o melhor para as crianças. Em meio a rotina de trabalhar o dia inteiro, veio uma notícia que no ano seguinte, não seriam mais admitidos funcionários sem o curso de pedagogia, ou as pessoas procuravam uma maneira de estudar, ou estariam fora daquele emprego. Eu fiquei muito apreensiva, pois parte do salário que recebia, eu tinha que ajudar nas despesas de casa, e arrumar outro emprego não seria tão fácil assim. Foi então que eu descobri que existiam faculdades a distância, com um preço muito mais acessível e que não precisava ir todos os dias. Mesmo não tendo computador em casa, eu fiz a matricula nessa faculdade, após passar no vestibular, que era uma redação, meu pai precisou ir assinar o contrato, pois eu ainda era menor de idade, porém, quem teria que custear todas as despesas seria eu, com meus R$320,00 de salário.

Prontifiquei-me a ajudar os pais que quisessem aprender a ler e escrever

Durante meu horário de almoço no trabalho, que era de 1 hora, eu mal mastigava a marmita que minha mãe preparava todos os dias para conseguir estudar, comecei a ler Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire, um livrinho pequeno, de capa preta, que

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a patroa da minha mãe havia me emprestado para fazer um trabalho da faculdade, eu achava incrível cada palavra dele, comecei a olhar os pais dos meus alunos de forma diferente também, pois até então eu achava um absurdo eles deixarem as crianças na creche o dia inteiro mesmo sem trabalhar, porém, quando comecei a ver que o direito a educação era da criança, eu me desprendi de tudo isso, e comecei a criar parceria com eles. Nas reuniões de pais, comecei a chamá-los para fazer parte do meu “time” e mostrava que as crianças não estavam ali só para serem cuidadas e alimentadas, que a educação era muito mais que tudo aquilo, percebi que muitos deles não eram alfabetizados, para assinar a lista de presença, precisavam da digital no carbono (como isso me doía.... alguns se sentiam constrangidos outros ficavam super à vontade). Foi então que me prontifiquei a ajudar os pais que quisessem aprender a ler e escrever, eu mandava algumas “tarefinhas” para casa, e as três mães que aceitaram essa ajuda, me traziam com muito orgulho as descobertas que haviam feito.

Lembro-me de ir trabalhar de salto

O curso foi chegando ao fim, e eu fui ganhando novas oportunidades, alguns meses antes de eu me formar, fui convidada para trabalhar como apoio de direção em uma EMEI. Eu senti muito por ter saído da creche na zona rural, pois eu já estava lá há 5 anos, porém, não podia perder aquela oportunidade. A diretora da escola em que eu fui trabalhar era simplesmente maravilhosa, Cristiane era uma mulher sensata e sábia, com muita calma e classe para tratar de qualquer assunto, ela foi me ensinando o trabalho pedagógico com as professoras (que nessa escola eram todas formadas), o trabalho burocrático e também a como me relacionar com os demais funcionários e comunidade. Foi o ano em que eu mais aprendi, conseguia acompanhar o trabalho das professoras na sala de aula, passava algumas orientações que eram sempre aceitas por elas, e criei um vínculo muito bom com todas as crianças. Lembro-me de ir trabalhar de salto, um scarpin preto que eu não tirava do pé, pois eu era “apoio de direção” e pensava que deveria me vestir formalmente.

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A filha da empregadinha

Fiquei nessa escola por mais um ano, mas minha diretora recebeu um convite para trabalhar na sede da mantenedora da escola em que trabalhávamos e me convidou para ir junto também. Realizávamos o trabalho pedagógico e administrativo das unidades, e cuidávamos da contratação de auxiliares de educação infantil. Tínhamos uma orientação de selecionar as candidatas com mais formação, de preferência magistério ou cursando pedagogia, mas como a empresa não registrava como professora, muitas das candidatas eram apenas de nível médio. Eu gostava de trabalhar nesse setor, porém, eram muitas questões políticas envolvidas, e os cargos estavam ligados a isso. Depois de uma briga de “chefões”, eu fui transferida novamente para a creche na zona rural, algumas pessoas achavam que eu estava lá, porque eu era “a filha da empregadinha da diretora” e por isso decidiram me “rebaixar” de cargo.

“Jesus me proteja ”

No ano seguinte fui convidada a ser diretora de um projeto socioeducativo, que atendia crianças de 6 a 14 anos, muitas delas em situações de risco, elas frequentavam a escola e no período contrário, participavam de diversas oficinas, e também recebiam alimentação no projeto. Fui totalmente apreensiva, pois seria um trabalho muito diferente do que eu já vinha fazendo há anos, mas, encarei esse novo desafio, seriam com crianças maiores e com monitores ao invés de professores e profissionais envolvidos com a educação, eu não estaria mais ligada a secretaria de educação e sim a secretaria de serviço social e tinha muito medo dos casos que eu iria me deparar. Fui recebida pelo auxiliar de limpeza, era um cara magro e alto, com uma cara que me dava medo, deixava muito claro que era ex-presidiário, o que fazia com que toda a gestão tivesse receio de se “meter” com ele, eu sempre de cabeça erguida, não deixava me abalar, como se eu não me importasse com essa informação, mas por dentro, pensava “Jesus me proteja ”.

É fácil ver o vídeo o difícil é fazer

No ano seguinte fui convidada para ser diretora de uma creche em um bairro próximo ao centro da cidade, fui bem recebida pela equipe e também pela comunidade, atendíamos 140 crianças de 4 a meses a 4 anos, as auxiliares de educação infantil em sua maioria eram formadas em ensino médio, e uma boa parte cursando

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pedagogia. Devido a esse cenário, elas precisam de muita ajuda com a questão pedagógica, eu semanalmente me reunia com elas para que pudéssemos traçar juntas o planejamento da semana. Muitas delas eram bem interessadas nos assuntos tratados, quando eu levava vídeos de prática pedagógicas de outras redes, mostrando um trabalho a ser desenvolvido, o grupo ficava dividido, de um lado as que achavam super legal a ideia e queriam adaptar à realidade da escola, e outras que achavam impossível e só colocavam defeitos. Lembro-me de ter apresentado um vídeo da revista nova escola, que retratava uma prática com brincar não estruturado e uma funcionária me disse: Quantos alunos essa professora tem? Esse espaço é mais adequado que o nosso! É fácil ver o vídeo, o difícil é fazer. As indagações mesmo que de uma maneira muito fechada para o novo, me fizeram perceber que teria que mudar a abordagem da formação, para que elas pudessem refletir sobre a própria prática e não de uma experiência outra.

Eu não queria mudar de escola

O ano era 2013 e novamente fui transferida de escola, a justificativa era de que meu trabalho teria sido muito bom, e por isso, precisava implantá-lo em outra unidade escolar, eu não queria mudar de escola, mas como não tinha outra opção, acabei indo. Os pais e funcionários também não aceitaram essa mudança, fizeram até abaixo assinado, porém, sem sucesso. Minha escola nova era bem pequena, com 4 salinhas apenas e 80 crianças. Tínhamos um problema com o córrego que passava ao lado da escola, nos dias de chuva ele transbordava e ficávamos ilhados, logo no meu primeiro dia, os funcionários já me colocaram contra a parede para que eu pudesse resolver esse problema. O Sr. Guilherme que já era bem idoso trabalhava no serviço geral, ora ele estava de bom humor e colaborava com tudo, em outros momentos chegava irritado, por brigar com sua esposa e não podíamos nem olhar para a cara dele, que já vinha grosseria. Aos poucos, juntamente com a equipe, fomos dando uma carinha nova para a escola, conseguimos pintá-la com o dinheiro arrecadado em uma ação social na escola, ganhamos prêmios no comércio e fizemos um bingo que foi um grande sucesso e o ambiente ficou mais agradável. Convencemos o Sr. Guilherme a fazer uma horta na escola, e isso acabou acalmando ele também, que passou a chegar mais alegre, mesmo com problemas pessoais.

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As educadoras não conseguiam ver o cuidar e o educar como ações indissociáveis, eu tive que convencê-las de que era possível dar autonomia para as crianças, já as professoras formadas no magistério se prendiam muito em atividades escritas, estavam preocupadas com quantidade de atividades, Catarina uma mineira de voz grossa e alta me dizia: O que eu vou mostrar para os pais na reunião? Você não deixa a gente dar papel! Para desconstruir essa ideia de que o centro do processo era a criança e não o produto final, foi demorado. Rosilma uma funcionária que era chamada carinhosamente de Mida, era “pau para toda obra”, ela gostava de coisas práticas, de colocar a mão na massa, de dar banho, trocar e dar comida, ela dizia que não tinha nascido para estudar não, e se precisasse entrar na faculdade, ela ia virar faxineira, porque não queria saber disso. Por trás dessa aversão ao estudo, ela tinha um potencial enorme, era muito sabida e suas ações com as crianças eram recheadas de carinho e afeto, aos poucos eu consegui mostrar a ela, o quanto as teorias pedagógicas, os estudos e as pesquisas nos auxiliavam no trabalho com as crianças, tornando o ambiente mais calmo e leve. Comecei a fotografar e a registrar a rotina da sala dela, com pequenos vídeos onde era possível ver o quanto as crianças iam evoluindo a partir das ações dela e o quanto isso ainda podia melhorar. Ela se sensibilizou muito e me disse: Mulher! Parece que eu estou começando a entender essa tal de pedagogia!

Você vai e pronto! Não tem discussão!

E como de costume, assim que a equipe ficou “redondinha”, e o final do ano chegou, eu novamente fui transferida, dessa vez para a maior creche da cidade, com 400 alunos e 60 funcionários, quando recebi o e-mail avisando, fiquei muito brava, fui até minha coordenação com todos os argumentos possíveis e impossíveis, bati o pé falei que não ia me mudar de escola novamente, minha coordenadora conversou, falou sobre o meu trabalho, que eu precisava contribuir em outras unidades, mas nada me convencia, eu batia o pé e dizia que não queria ir, até que ela se irritou e falou: você vai e pronto! Não tem discussão!

Eu sabia que havia plantado uma sementinha da educação

Encerramos o ano com uma festa linda para as crianças e para a comunidade, nossa confraternização foi cheia de emoção, amor, carinho e lágrimas de alegrias, pudemos rememorar tudo o que havíamos vivido naquele ano, coisas tristes, e muitas coisas

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felizes também, que renderam boas gargalhadas. Naquele momento eu tive um sentimento de missão cumprida, eu sabia que havia plantado uma sementinha da educação no coração de cada uma e que isso já era o bastante para que elas refletissem no trabalho com nossos pequenos, fui embora de coração em paz e com a alma bem leve.

Isso me aproximava cada vez mais das educadoras

O trabalho nessa nova escola era cheio de desafios, como a equipe era grande, as faltas também eram, cada dia tínhamos uma média de 7 faltas e precisávamos fazer milagre para garantir o atendimento das crianças. Por muitas vezes eu tinha que ir para a sala ajudar as meninas, trocava, dava banho e ajudava a dar comida, não me importava em ser diretora e estar exercendo aquela função, e isso me aproximava cada vez mais das educadoras. Utilizava meu horário de almoço para resolver as questões administrativas, pois era o horário em que as crianças dormiam e tudo ficava mais calmo. Os dias iam se passando e eu me acostumando com aquela rotina puxada de todos os dias.

Os bebês tinham que ficar sentados...

O fato que mais me marcou foi entrar em uma determinada sala, com alunos de 2 anos e meio, onde todos estavam sentados em roda e a professora dando uma super bronca em um menino, ela estava muito brava, dava até para sentir um certo descontrole da parte dela. Fiquei assustada e no mesmo momento quis entender o que estava acontecendo, ela me falou que ele não estava obedecendo e saindo da roda, pois os bebês tinham que ficar sentados esperando dar a hora do jantar que seria às 15:00, e o momento em que eu presenciei a cena ainda era 14:30. Questionei com ela o fato das crianças não terem maturidade para esse tempo ocioso, ela ficou desconcertada, mas eu percebia que no fundo ela estava segura de que isso era uma conduta correta a se tomar... |O que me preocupava ainda mais.

Passei a ter mil ideias

Comecei a refletir sobre a minha própria prática como gestora, se de alguma maneira eu estava alimentando aquele contexto, ou dando a entender que as ações teriam que ser autoritárias e ao mesmo tempo cuidadosas. Se essa realidade fosse na primeira creche em que eu trabalhei, onde ninguém tinha formação pedagógica eu até

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entenderia, mas o contexto era de uma escola com professoras formadas, que já estudaram em algum momento sobre a criança, ou de estagiários que estavam tendo contato com uma pedagogia tão “nova” e ao mesmo tempo tinham atitudes muito ultrapassadas (que já funcionaram em um certo período da história, mas que nos dias atuais não caberia mais). Isso me instigava a entender o exato momento em que a formação acadêmica enfraqueceu e o que poderia ser feito para ajudá-las, passei a ter mil ideias, inclusive que talvez a modalidade de ensino das faculdades poderia interferir na prática, na qualidade do ensino, eram muitas ideias, teorias construídas e descontruídas, que me deixavam inquieta a todo instante.

Vi aquele e-mail como um presente divino

Certo dia estava na minha mesa e recebi um e-mail da secretaria de educação, divulgando abertura de inscrição para o mestrado da Unicamp, li o edital e vi que teria 4 dias para construir um projeto de pesquisa, não tinha dúvida do que eu queria pesquisar, vi aquele e-mail como um presente divino, pois eu estava inquieta com as situações da escola, só que não sabia como começar a pesquisar. Debrucei-me nos livros e comecei a colocar no papel minhas dúvidas e meus anseios, não contei para ninguém do meu trabalho, pois eu não acreditava que pudesse ter a chance de entrar em uma universidade tão conceituada, afinal, quantas pessoas muito inteligentes estariam concorrendo a essa vaga, e a vergonha de divulgar a todo mundo e receber um não. Contei apenas para o meu noivo que eu estava em um projeto impossível de dar certo.

Não estou contando com isso...

Cheguei no trabalho no outro dia e contei para meus colegas e para minha coordenadora, pois teria que faltar, para realizar a segunda etapa que seria a prova escrita, todos ficaram muito contentes com a oportunidade que eu estava tendo, me falavam: já deu certo! Tenho certeza que você tem capacidade de passar, mas eu, com o pessimismo de sempre respondia: Ah gente, não sei não, vamos ver! Não estou contando com isso... (mas no meu coração era o que eu mais queria na vida, porém, não podia criar muitas expectativas). Novamente me debrucei na bibliografia, fiz todas as leituras indicadas e me preparei para o dia da prova.

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Quando cheguei para fazer a prova, me senti um peixe fora d’água, todo mundo bem à vontade, tranquilos e eu lá com aquela roupa social, toda tensa, parecendo que ia a uma entrevista de emprego. Puxei assunto com uma menina que estava ao meu lado, Ana Karolina, uma pessoa sorridente, acolhedora, que amava a cultura indígena, estava com uma roupa colorida que me chamou atenção, me identifiquei de cara com ela, conversamos sobre nossas carreiras e sonhos, em 10 minutos ela já sabia muita coisa da minha vida, pois eu comecei a falar e não parava mais, nos desejamos boa sorte antes de iniciar a prova e demos um grande abraço, abraço esse que seria o começo de uma grande amizade no futuro, de um laço forte que acabava de ser criado.

Eu lia o material, mas não compreendia o que estava escrito

Passei em mais uma etapa e fui convocada para a entrevista com a minha orientadora, cheguei um pouco mais cedo que do que horário previsto, eu estava bem nervosa, na verdade uma pilha de nervos, aproveitei que teria um tempo ocioso antes de ser chamada e levei meu material da pós-graduação para estudar, era uma pasta preta imensa, cheia de textos, eu lia o material, mas não compreendia o que estava escrito, pois minha mente estava focada naquela entrevista, não queria falar demais e nem falar de menos também, tinha que dosar minha emoção naquele momento.

Com uma cara de inteligente

Desisti de tentar ler e fui me sentar na poltrona próxima a sala de entrevista, me lembro de chegar um homem de óculos, com uma cara de inteligente, sério, e aparentemente bem reservado, me deu boa tarde e se sentou. Ele ficou ao meu lado durante uns 15 minutos em silêncio, eu como sempre arrumei um jeitinho, de puxar assunto, perguntei seu nome, onde trabalhava o que estava fazendo ali. Coincidentemente ele era o Carlos, que carinhosamente eu apelidaria de Carlinhos no futuro, ele estava ali para ser entrevistado pela minha orientadora também. Conversamos sobre a carreira de professor, sobre sonho de fazer mestrado, sobre as dificuldades encontradas e também sobre o frio na barriga que os dois estavam sentindo naquele momento, pois não tínhamos noção de como seria a entrevista e o que nos seria perguntado.

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A Claudia me chamou para iniciar a entrevista, e eu entrei com a pasta preta enorme nas mãos, cheia de material de estudo. Ela logo descontraiu o ambiente e me perguntou onde eu ia com todos aqueles papéis, eu dei risada, mas na verdade estava rindo de nervoso, pensando que ter levado aquela pasta seria um ponto negativo. Na sala também tinha um outro professor convidado, João Henrique, que já tinha lido meu material e estava com bastantes anotações e apontamentos para me fazer. Os dois me deixaram tão à vontade para conversar sobre a minha pesquisa, que o medo e insegurança foram desaparecendo, eu podia ser eu, e falar tudo o que eu pensava sobre aquele assunto, sem me preocupar com certo ou errado.

“Eu lembro da moça bonita, da praia de boa viagem…”

Fui embora ao som de Alceu Valença: “Eu lembro da moça bonita, da praia de boa viagem…”, com um sentimento de gratidão no coração, o caminho já não era mais novidade, imaginava todas as idas e vindas que eu faria até acabar o mestrado, não tinha nada garantido ainda, porém, eu já sentia que seria aluna da Unicamp, fui dirigindo muito devagar, até que eu me lembrei que eu ainda teria que voltar em minha unidade, para fechar a escola, e tive que acelerar.

Minha família ficou cheia de orgulho dessa conquista

No dia 16 de dezembro finalmente saiu o resultado e eu pude comemorar, minha família ficou cheia de orgulho dessa conquista, fizeram um churrasco no jantar para não passar em branco essa data. Minha mãe que não entendida muito bem de questões acadêmicas, falava com orgulho para os vizinhos que a filha dela ia fazer doutorado em Campinas, e a todo momento eu precisava explicar que era o mestrado ainda, mas ela não conseguia gravar isso na memória.

Me diziam para ficar nos dois municípios e esquecer o tal mestrado

O ano acabou e as férias chegaram, e eu ainda não sabia como conseguiria me organizar para fazer os créditos, estava torcendo para oferecerem no período da noite, para que eu conseguisse cumprir toda a carga horária. Foi então que recebi um telegrama da prefeitura de Jacareí, me convocando para assumir o concurso no cargo de professor, assim trabalharia meio período e faria os créditos. Realizei todos os exames admissionais, levei toda a documentação, porém, um dia antes de me efetivar, a prefeitura de São José dos Campos também me convocou para efetivar no

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concurso prestado. Todas as minhas amigas me diziam para ficar nos dois municípios e esquecer o tal mestrado, pois não dava para abrir mão de um cargo público assim e ali eu estava com opção de escolha nos dois.

Meu coração foi ficando apertado

Confesso que fiquei durante um dia inteiro pensando muito em que decisão tomar, talvez fosse mais seguro eu garantir os dois cargos públicos, pois eu não sabia quando teria outra oportunidade de prestar e conseguir passar em outra prova dessa, meu coração foi ficando apertado e minha mente gigante, tudo que eu mais queria estava acontecendo ao mesmo tempo na minha vida.

Comecei uma vida toda nova

Resolvi ir para a igreja e pedir direção à DEUS, para que eu conseguisse tomar a decisão mais correta para minha vida, me lembro que em certa altura da celebração o pastor disse: vá em frente e não olhe para trás! E isso me deu a plena certeza de que eu deveria correr atrás do meu sonho e enfrentar qualquer dificuldade para fazer o meu mestrado. Então no outro dia, fui ao meu emprego e pedi demissão, aceitei a proposta para ir trabalhar no município de São José dos Campos e comecei uma vida toda nova.

Aquilo me tocou de cara!

As aulas do mestrado se iniciaram após o carnaval, eu estava muito ansiosa para começar, a aula inaugural teve uma fala muito importante da professora Montoan, em suas sábias palavras, ela falou sobre hospitalidade, de como nós professores deveríamos receber nossos alunos, para que eles tivessem a vontade de querer voltar no outro dia. Ela deu o exemplo de um hotel que oferece o melhor para o seu cliente e isso que deveríamos ter me mente quando preparamos nossa aula. Aquilo me tocou de cara! Eu já estava mudando meu olhar na aula inaugural, e ficava imaginando o quanto mais eu aprenderia até o final do curso. Levei um exemplar do Cá entre nós para os professores da minha escola, mostrei os vídeos da aula inaugural e convidei todo mundo para conhecer a universidade.

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Nem tudo eram flores, era muito corrido minha semana, eu dava aula no período da manhã e o único crédito que conseguia fazer no primeiro semestre de curso era na quinta-feira à noite, dia em que eu tinha que cumprir horário de trabalho coletivo na escola também, então eu saia de casa às 6 da manhã para dar aula, ficava na escola até as 16:00 e ia direto para Campinas, trajeto este que eu demorava 2 horas para fazer, tinha que ir comendo algum lanche rápido enquanto eu dirigia, quando eu chegava na universidade já estava muito cansada, então eu tinha um ritual, entrava no banheiro, escovava os dentes e fazia uma oração, pois aquilo era meu sonho e eu tinha que dar conta do recado, as aulas eram sempre maravilhosas, me enchiam de esperança pela educação, conhecer a história de cada colega de sala me fazia entender o clima que envolvia a Unicamp desde o momento em que se pisa naquele chão, os professores e alunos falavam com tanto amor sobre as batalhas enfrentadas, que era a coisa mais linda de se ver.

Meus olhos queriam fechar a todo momento

Meu retorno era a parte mais cansativa, pegar mais duas horas de estrada às 22h onde meu corpo não queria me obedecer mais e meus olhos queriam fechar a todo momento, era algo terrível, então eu abria as duas janelas do carro, colocava uma música bem alta e ia pelo meu caminho, lutando contra o sono e o cansaço. Quando eu chegava em casa minha mãe estava me esperando, ela me avistava entrando na sala, se alegrava e dizia em alta voz: Graças a Deus você chegou bem! Ela ficava muito preocupada e tinha medo de acontecer algum acidente, pois a estrada era muito escura e perigosa.

Me tornei o que eu mais temia

O tempo foi passando e eu fui conhecendo mais professores da Unicamp, com as orientações da Claudia foi nascendo um novo projeto de pesquisa, pois me dei conta de que eu não sabia nada sobre o que realmente era uma pesquisa. Fui amadurecendo minhas ideias, tendo contato com novos autores, me apaixonei por Walter Benjamin e suas mônadas, tive a oportunidade de me aprofundar na História da Educação do Brasil, e entender a necessidade do enfrentamento para a valorização da profissão docente, fui virando uma pessoa crítica e mil vezes mais comprometida com a educação e ao mesmo tempo, me tornei o que eu mais temia, “aquela pessoa que anotava tudo o que via, fala de crianças e de professores, pois

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poderia ser usado na minha dissertação”, me faltava só um chapéu escrito: Pesquisadora, porque o caderninho só ia crescendo a cada dia.

Percebi que se fazia mais urgente pensar no acolhimento dos professores antes de qualquer coisa.

Quando entrei com meu projeto no mestrado, eu pensava em introduzir TIC na educação infantil, achava que para melhorar a qualidade da educação infantil, seria preciso formar os professores para utilizar a tecnologia, porém, por meio das entrevistas com as professoras, os estudos e minhas vivências no mestrado profissional, me distanciei dessa ideia e percebi que se fazia mais urgente pensar no acolhimento dos professores antes de qualquer coisa, como uma poderia incentivar um profissional a se abrir para o novo, sem ao menos escutar o que ele tinha a dizer e principalmente o que ele pensava sobre essa ideia.

Chegava até a imaginar as cenas de tudo aquilo acontecendo

Iniciei o período das entrevistas que realizaria com as professoras para entender a importância da formação continuada na vida de cada uma delas, minha primeira entrevistada foi uma professora que dava aula na mesma escola que eu, ela estava a 2 anos de se aposentar, aceitou meu convite prontamente e se mostrou muito à vontade para contar um pouquinho da sua história. Enquanto ela ia contando todas as situações vividas eu ia fazendo parte daquele contexto como se realmente tivesse participado de tudo aquilo, chegava até a imaginar as cenas de tudo aquilo acontecendo, em alguns momentos ela dava gargalhada de felicidade e por lembrar de situações muito engraçadas no início de sua carreira, em outros ela chorava com um pouquinho de tristeza por ter enfrentado situações que fugiam do seu controle. No final ela me abraçou forte e me agradeceu por ter tido a oportunidade de reviver momentos em que ela já achava que não existia mais em sua memória, coisas que lá atrás não faziam sentido nenhum, mas foram ressignificadas a partir da rememoração durante a entrevista.

O que me fazia crescer era nunca perder o futuro de vista.

Quantas vezes o meu olhar mudou ao longo desse memorial, se eu pudesse classificar uma mudança como a mais importante, sem dúvida seria depois da primeira entrevista que eu fiz com uma professora. Consegui tirar uma venda dos meus olhos

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e perceber que a “chave” da minha problematização, que a tantos anos eu tentava entender, estava em ouvir as professoras, sim, apenas ouvir, sem julgar, sem apontar erros e acertos, e assim, conseguir entender os anseios e dificuldades, pois a classe dos professores está tão acostumada com “indicadores” que os apontam como pessoas desmotivadas, que não estão abertos para o novo, como uma classe desunida sem comprometimento, mas poucos sentam para realmente ouvir o que eles têm a dizer, antes de determinar normas a serem seguidas, desprezando assim, memórias tão ricas que podem contribuir para a melhoria do sistema da educação. Nesse contexto minha pesquisa foi se tornando efetiva, pois percebi que o que me fazia crescer era nunca perder o futuro de vista, e esse futuro está na educação.

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Introdução

A proposta apresentada nessa pesquisa visa colaborar com as discussões relativas à importância da formação continuada (aperfeiçoamento profissional em serviço) dos professores da educação infantil, a partir das narrativas pessoais dos professores, nos quais os percursos das histórias de vida revelam os processos formativos do desenvolvimento pessoal e profissional de cada um deles.

Tal proposta originou-se devido ao trabalho que a professora/pesquisadora realizou nas creches conveniadas da Prefeitura Municipal de Jacareí, que atendiam crianças de 4 meses a 4 anos de idade, durante 13 anos (do ano de 2005 a 2018), sendo 7 deles no cargo de diretora de creche.

A prefeitura firmava convênio com o terceiro setor, repassava uma verba por criança atendida para a entidade, disponibilizava o prédio e garantia o fornecimento de alimentação para as crianças, em contrapartida, a entidade precisava realizar eventos sociais para arcar com as demais despesas das escolas.

Com as creches conveniadas, as profissionais que atendiam as crianças, eram contratadas pela entidade em regime de trabalho CLT, as profissionais eram registradas como Auxiliares de educação infantil e cumpriam 8 horas diárias de trabalho, era exigido para a contratação como formação mínima o ensino médio, muitas das auxiliares eram formadas em pedagogia/magistério/letras, porém, não eram registradas como professoras, pois não havia verba para pagar o piso salarial docente, além de que, precisavam de mão-de-obra em período integral.

Através do acompanhamento do trabalho pedagógico, foi possível perceber que grande parte das profissionais da creche (que eram todas mulheres), tinha uma visão um tanto quanto assistencialista e tradicional para atender aquela faixa etária, em várias situações, as profissionais se preocupavam apenas em conter as crianças sentadas na roda, esperando o horário para realizar determinada atividade. Essas observações foram gerando incômodo, pois a educação já havia superado esse modelo de atendimento à

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criança pequena a muitos anos, e pelo menos uma profissional de cada sala, era formada e já tinha tido contato com esses estudos na formação inicial que é decorrente do curso que profissionalizou o docente.

Como a demanda de crianças aumentava a cada dia, a entidade optou por contratar estagiárias do curso de pedagogia, fez um convênio com o CIEE da cidade e começou a receber as estudantes. A maioria delas estavam no primeiro ano de curso, algumas vinham da rede particular de ensino com experiência de auxiliar professores, outras tinham vivenciado o cuidar com os filhos, primos e irmãos mais novos, e uma pequena parte estava tendo esse contato pela primeira vez.

Antes de iniciar o trabalho, elas passavam por uma pequena orientação com a diretora da unidade, onde era descrito de maneira bem genérica o trabalho a ser desenvolvido, as regras de convivência e ressaltado a importância do trabalho pedagógico em todas as ações com a criança.

O que de fato acabava se esperando das estagiárias (mesmo que totalmente contrária à proposta do estágio), era que elas pudessem de uma maneira simples contribuir com as profissionais mais antigas da creche, trazendo sugestões de novas possibilidades e levando outro olhar para a forma de atender a criança, pois estavam imersas em uma pedagogia atual e tendo contato com as concepções de criança e educação.

Porém, não era isso que acontecia, as estagiárias acabavam reproduzindo as mesmas práticas que vivenciavam no dia-a-dia, era mais frequente a necessidade de fazer intervenções para orientar as práticas pedagógicas diariamente. A necessidade de pesquisar sobre formação continuada do professor da educação infantil, e também em como acolher esses profissionais, era cada vez mais forte. Assim, a partir dessas inquietações no cotidiano da creche, nasceu o projeto de pesquisa.

A pesquisa envolveu duas frentes, a primeira foi ouvir os professores de educação infantil sobre sua formação inicial e continuada, seus anseios e problemas no início da profissão, posteriormente dando ouvidos às suas falas foi desenvolvido um material que busca propiciar momentos de acolhida e

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permanência na escola, com práticas onde os professores possam rememorar e refletir sobre seu cotidiano.

No Capítulo 1 – Para entender as raízes históricas da formação docente no Brasil, foi realizada uma pesquisa discutindo os movimentos de criação de cursos de formação docente com levantamento de informações da história social e educacional brasileira, onde observaremos inúmeras descontinuidades tanto em programas quanto em políticas públicas de formação, as quais culminaram com a formação de professores em nível superior nas licenciaturas curtas e longas.

No Capítulo 2 – Breve histórico da creche e da Educação Infantil no Brasil, a partir de 1889 quando a primeira infância foi reconhecida no Brasil, relacionando as questões de constitucionalização das escolas de educação infantil e a expansão das creches, discorremos também sobre a formação profissional e a qualidade de ensino nesse período, deixando evidente assim as diferentes mudanças nas maneiras de realizar os atendimentos das crianças. Foi importante contextualizar esse histórico para poder entender os vestígios/concepções tradicionalistas que encontramos em algumas práticas pedagógicas nos dias atuais.

No capítulo 3 – Criança e infância: diferentes caracterizações, procuramos entender o significado do termo infância na etimologia da palavra e na concepção de diversos autores, onde é possível perceber o quanto essa concepção mudou ao longo da história, o que caracterizou a própria infância como uma construção social com especificidades concretas.

No capítulo 4 – Formação continuada de professores, discutimos sobre os paradigmas conservadores em que a formação continuada esteve ligada por muito tempo, realizamos um “movimento” desde a criação da escola normal, até a promulgação da LDB que trouxe um outro olhar mais reflexivo para as práticas pedagógicas na educação infantil.

No capítulo 5 – Histórias de Vida, discutimos a importância de se ouvir os professores e as professoras quando o assunto for de escola. Reformas educacionais de cima para baixo são fadadas ao insucesso.

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No capítulo 6 – Metodologia, apresentamos a metodologia empregada no tratamento das entrevistas, que foram transcritas e textualizadas e posteriormente foram produzidas mônadas benjaminianas. O adensamento foi posteriormente feito no capítulo 8, onde relatamos o que e onde nos tocam as narrativas e as consequentes mônadas produzidas a partir dos relatos de história de vida das professoras entrevistadas.

No capítulo 7 – Mônadas, onde dispomos os fragmentos produzidos a partir das entrevistas de 7 professoras, com formações e tempos de exercício da profissão diferentes. Temos as iniciantes, as que já estão a mais tempo e as que estão exercendo sua profissão há mais de 20 anos.

No capítulo 8 – Adensamento, onde discutimos as nossas percepções, pois não é o narrador quem aconselha, é o ouvinte que faz da narrativa um conselho. A narrativa não termina na história contada, mas, na história ouvida pelo outro, pois “o narrador retira o que ele conta da experiência: de sua própria ou da relatada por outros” e incorpora “as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes” (BENJAMIN, 2012, p.217).

No Apêndice 1 o modelo de TCLE usado e no Apêndice 2 o material que será disponibilizado como e-book, com o título de “ACOLHIMENTO DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL”

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Capítulo 1 – Percursos da formação docente no Brasil

Por meio da reflexão histórica a partir da leitura de Saviani (2009) que trata da formação docente no Brasil, é possível entender que a escola elementar e à docência vieram articuladas ao projeto colonizador e ao espírito da contrarreforma que marcou a companhia de Jesus em Portugal e nas colônias, pois foram 210 anos de monopólio Jesuítico no Brasil, onde eles consolidaram o ensino público, criaram a escola de primeiras letras e os colégios formadores de sacerdotes, com o objetivo de difundir a religião.

Vale ressaltar que neste período, o governo de Portugal não permitia a criação de universidades na colônia, pois a educação era um privilégio apenas da nobreza, e, como não havia um processo de difusão de educação e saberes para toda a colônia, os jesuítas ficavam restritos minimamente ao processo de alfabetização, transmitindo valores de fé e o humanismo (SAVIANI, 2009).

Ainda, segundo Saviani (2009), após a expulsão dos Jesuítas, em 1759, algumas medidas foram aplicadas pelo Marquês de Pombal. A Reforma Pombalina trouxe: implantação do ensino público oficial, nomeação dos professores pela coroa, aulas régias (gramática latina, grego e retórica) e subsídio literário que era uma espécie de remuneração para os professores.

O autor ainda nos carrega a um olhar histórico no período de 1827 – 2006, sobre a institucionalização da Escola Primária e os caminhos da profissão docente desde a colônia até a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

 1827-1890 (63 anos) – É inaugurada a primeira escola normal, que enfatiza um modelo de formação pedagógica com a metodologia do ensino mútuo e sem a preocupação com o ensino superior, era apenas um professor que lecionava todas as matérias. Vale ressaltar que foi nesse período que as mulheres foram autorizadas a frequentarem a escola.

 1890-1932 (42 anos) – Começou a se pensar em uma organização de padrão de funcionamento das escolas normais, a ênfase era em exercícios práticos, uma preparação técnica, visto que a escola normal trabalhava em como ensinar.

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 1932-1939 (4 anos) – Uma nova fase se abriu para a educação, se iniciou uma preocupação cientifica acerca do ensino, e com isso a implantação do Instituto de educação do distrito federal e Instituto de Educação de São Paulo, ambos pensados para que a escola normal virasse uma escola de professores, incluindo assim disciplinas como: Biologia Educacional, Sociologia Educacional, Psicologia Educacional, sistema de educação e introdução ao ensino.

 1939-1971 (32 anos) Os Institutos de Educação do Distrito Federal e de São Paulo foram elevados ao nível universitário, tornando-se a base dos estudos superiores de educação: o paulista foi incorporado à Universidade de São Paulo, fundada em 1934, e o carioca foi incorporado à Universidade do Distrito Federal, criada em 1935. Cabe observar que, ao ser generalizado, o modelo de formação de professores em nível superior perdeu sua referência de origem, cujo suporte eram as escolas experimentais às quais competia fornecer uma base de pesquisa que pretendia dar caráter científico aos processos formativos.

 1971-1996 (25 anos) A escola normal foi substituída pela habilitação específica para o magistério (HEM) sendo organizada em duas modalidades, uma com duração de 3 anos que habilitaria lecionar até a 4 série e outra com duração de 4 anos, habilitando o magistério até a 6 série do 1 grau.

 1996-2006 (10 anos) – Com a nova LDB, em 20de dezembro de 1996, foi introduzido como alternativa o curso de pedagogia e licenciatura aos institutos superiores e escolas normais superiores, com o intuito de efetuar um nivelamento por baixo. Sendo assim, os institutos de nível superior eram vistos como uma segunda categoria que promovia uma formação mais aligeirada e barata (SAVIANI, 2009).

A formação docente e a necessidade de pensá-la foram preconizadas no século XVII por Comenius, entretanto, a resposta institucional a essa formação se deu somente no século XIX, quando, após a Revolução Francesa, a instrução popular passou a ser um problema a ser pensado, derivando desse movimento a criação de Escolas Normais com a finalidade de preparar os professores para o atendimento a essa demanda.

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Nesse contexto, pensar a formação de professores está vinculado às políticas públicas, de acordo com Secchi (2013, p.2):

Uma política pública possui dois elementos fundamentais: intencionalidade pública e resposta a um problema público; em outras palavras, a razão para o estabelecimento de uma política pública é o tratamento ou a resolução de um problema entendido como coletivamente relevante.

Dessa forma, a formação de professores surge então, como resposta a uma demanda, emerge de uma necessidade de se responder a uma questão social, nesse caso, a instrução popular.

Esse movimento no Brasil apareceu de forma mais explícita após a independência, no século XIX, um país de latifundiários e escravos, a corte que veio com D. João no início do século e poucos comerciantes, alguns funcionários públicos, um número muito pequeno de escolas e o baixo interesse em tê-las. Assim não havia uma preocupação real com a formação de professores. Após a independência, cresceu a demanda social por instrução popular e pela criação das escolas normais, responsáveis pela formação de professores para atuar no ensino elementar. É na Lei das Escolas de Primeiras Letras, promulgada em 15 de outubro de 1827, que essa preocupação apareceu pela primeira vez (SAVIANI, 2008).

De acordo com Saviani (2008), em 1834, quando a promulgação do Ato Adicional à instrução primária passou a ser responsabilidade das províncias, O primeiro Curso Normal foi criado na Cidade da Corte e em seguida em outras Províncias, porém sem sucesso. A criação de Escolas Normais no Brasil foi marcada por diversos movimentos de afirmação e de reformulações, que se estabilizaram somente após 1870.

Com a influência do ideário iluminista, a educação no Brasil assumiu novas perspectivas. Entretanto, desde o período imperial até a República a instrução primária se deu de forma descentralizada, o que pode ser comprovado com a reforma educacional realizada em São Paulo no ano de 1890, uma vez que “a condição prévia para a eficácia da escola primária é a adequada formação de seus professores” (SAVIANI, 2011, p. 121).

Referências

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