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Os ajustes articulatórios e a impostação vocal no canto lírico : o impacto dos exercícios de ressonância de Richard Miller = The articulatory maneuvers and l'impostazione della voce in classical singing : the impact of Richard Miller's resonance exercises

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Academic year: 2021

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BRUNO ARRABAL SPOSITO FERREIRA

Os ajustes articulatórios e a impostação vocal no canto lírico: o

impacto dos exercícios de ressonância de Richard Miller

The articulatory maneuvers and ‘l’impostazione della voce’ in

classical singing: the impact of Richard Miller’s resonance

exercises

CAMPINAS 2018

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Bruno Arrabal Sposito Ferreira

Os ajustes articulatórios e a impostação vocal no canto lírico: o

impacto dos exercícios de ressonância de Richard Miller

The articulatory maneuvers and ‘l’impostazione della voce’ in

classical singing: the impact of Richard Miller’s resonance

exercises

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Música, na área de Música: Teoria, Criação e Prática.

Orientador: Angelo José Fernandes

Este trabalho corresponde à versão final da dissertação defendida pelo aluno Bruno Arrabal Sposito Ferreira e orientado pelo Prof. Dr. Angelo José Fernandes.

CAMPINAS 2018

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Artes Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The articulatory maneuvers and l'impostazione della voce in

classical singing: the impact of Richard Miller's resonance exercises

Palavras-chave em inglês:

Voice Singing

Singing - Instruction and study Vocal training

Singing - Methods

Área de concentração: Música: Teoria, Criação e Prática Titulação: Mestre em Música

Banca examinadora:

Angelo José Fernandes [Orientador] Adriana Giarola Kayama

Joana Mariz de Sousa

Data de defesa: 23-08-2018

Programa de Pós-Graduação: Música

Ferreira, Bruno Arrabal Sposito, 1990-

F413a Os ajustes articulatórios e a impostação vocal no canto lírico : o impacto dos exercícios de ressonância de Richard Miller / Bruno Arrabal Sposito Ferreira. – Campinas, SP : [s.n.], 2018.

Orientador: Angelo José Fernandes.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

1. Voz. 2. Canto. 3. Canto - Instrução e estudo. 4. Treinamento vocal. 5. Canto - Métodos. I. Fernandes, Angelo José, 1973-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

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BRUNO ARRABAL SPOSITO FERREIRA

Orientador: Prof. Dr. Angelo José Fernandes

MEMBROS:

Prof. Dr. Angelo José Fernandes Profa. Dra. Adriana Giarola Kayama Profa. Dra. Joana Mariz De Sousa

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros da Comissão Examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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DEDICATÓRIA

Gostaria de dedicar este trabalho à minha família. Em primeiro lugar, à minha tão querida esposa Carla - Obrigado por me apoiar sempre e incondicionalmente; obrigado pela força, pela inspiração e pelo amor. Ao meu irmão Victor e aos meus pais Angela e José que sempre me apoiaram e fizeram da sua vida uma ponte para

que eu pudesse trilhar meus caminhos com amor, paz e força de espírito. Ao meu amado amigo pet Missô, que sempre me trouxe alegria, conforto e ternura. Aos meus avôs e avós, e aos meus antepassados, em especial, à minha querida avó

Catharina que continua firme, forte e “sempre em frente”. Por fim, a todos meus amigos e familiares, os quais fizeram parte desta jornada, e que me mostraram a

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Agradecimentos

Gostaria de agradecer a todas as pessoas que fizeram parte direta e indiretamente deste trabalho. Aos meus pais e meu irmão, à minha esposa Carla, aos meus avós e aos meus ancestrais, à UNICAMP, ao Instituto de Artes e ao NICS (Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora). Ao meu orientador Angelo José Fernandes, às professoras Adriana Giarola Kayama e Joana Mariz de Sousa, aos meus colegas de pós-graduação, ao professor Jônatas Manzolli, ao pesquisador Danilo Rossetti, aos participantes do experimento: muito obrigado!

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Resumo

Esta dissertação aborda o tema ressonância no canto lírico - os ajustes articulatórios, a impostação vocal, os formantes, o cluster F3F4F5 - bem como realiza um experimento que usa os exercícios de ressonância e impostação apresentados no livro The Structure of Singing de Richard Miller. Os exercícios foram aplicados pelo pesquisador em três estudantes de canto da UNICAMP e posteriormente foi realizada uma inspeção acústica para identificar os efeitos na qualidade da ressonância vocal de cada participante utilizando-se de uma inspeção acústica por meio de programas de computador. No primeiro capítulo, foi desenvolvida uma revisão bibliográfica que cerca o tema ressonância vocal, impostação vocal, teoria dos formantes. Primeiramente delimitando a ideia de voz lírica utilizando a Acústica e a Psicoacústica como fontes teóricas primárias, em seguida, delimitando o tema através de uma bibliografia que aborda o Bel Canto (estilo de canto sobre o qual o canto lírico atual se baseia). Em segundo lugar, dissertou-se sobre o funcionamento do fenômeno da ressonância na voz que culminou nos ajustes articulatórios necessários para gerar a voz lírica que é utilizada nos dias de hoje. No segundo capítulo, foi apresentado o desenho do experimento, suas bases técnicas, seus procedimentos e por fim, a análise acústica realizada por dois programas de computador (Sonic Visualiser e Praat). Além disso, foi realizada uma interpretação da análise acústica através de texto e quadros comparativos. Por fim, foram retiradas algumas conclusões sobre os processos, resultados obtidos e sobre interpretação dos dados.

Palavras-chave: Voz; Canto - Instruções e estudo; Treinamento vocal; Canto - Métodos.

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Abstract

This dissertation deals with the theme of resonance in classical singing - articulatory adjustments, voice placement, formants, F3, F4, F5 cluster. In addition, an experiment was performed using the resonance balance and impostazione exercises presented in the book The Structure of Singing by Richard Miller. Those exercises were applied by the researcher in three undergraduate students of UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas) and later, using two computer programs, a voice assessment was conducted focusing on vocal resonance. In the first chapter, a bibliographical review that surrounds the theme vocal resonance is developed, concerning physical concepts such as sound wave, spectrum, source and filter, etc. Afterwards, the concept of classical voice is explored using Acoustics and Psychoacoustics as primary theoretical sources, then, resonance in classical singing is discussed using a references that touches on the concept of Bel Canto (singing style on which today’s classically singing is based). Secondly, the functioning of the resonance phenomenon in the voice is discussed, culminating in the articulatory adjustments necessary to generate the classical voice that is used today. In the second chapter, the design of the experiment is presented, its technical bases, its procedures and, finally, the acoustic analysis performed by two computer programs (Sonic Visualiser and Praat). In addition, an interpretation of acoustic analysis is performed through text and comparative tables by the researcher so that a clearer idea of the results can be grasped and absorbed. Finally, results are obtained and some conclusions are drawn from the processes as well as from the interpretation of data.

Keywords: Voice; Singing - Instruction and study; singing; voice training; Singing - Methods.

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Sumário

Introdução ... 10

1. A voz humana, seus contextos e conceitos ... 16

1.1. O Bel canto como referência de sonoridade vocal ... 35

1.2. O fenômeno da ressonância na voz ... 39

... 1.2.1. Formantes e suas relações com o trato vocal ... 45

... 1.2.2. Teoria da Perturbação ... 49

... 1.2.3. A movimentação dos formantes ... 51

... 1.2.4. O cluster dos formantes 3, 4 e 5 (formante do cantor) ... 53

2. Metodologia ... 56

2.1. O Desenho experimental ... 56

2.2. Sobre os descritores de áudio ... 62

3. Análise dos resultados - interpretação dos dados da análise acústica .... 63

3.1. Análise acústica ... 63

3.2. Questionário: análise das respostas dos participantes ... 114

4. Considerações finais ... 118

Referências bibliográficas ... 122

APÊNDICE ... 125

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Introdução

A partir do momento em que um estudante decide se tornar um cantor lírico profissional, ele se depara com uma exigência que, para muitos, se torna um enorme desafio a ser superado: a projeção vocal1, da qual se desdobram outros aspectos da voz humana como a ressonância, a impostação, os ajustes fonoarticulatórios, o controle dos formantes, etc. A necessidade de um cantor ter uma ótima projeção vocal não é somente técnica, mas, sobretudo, se olharmos o assunto mais objetivamente, esta necessidade é prática, já que um cantor que não pode ser ouvido não consegue se comunicar com o público. Este fato se deve pura e simplesmente ao ambiente em que a voz humana está inserida: boa parte do repertório vocal erudito é escrito para voz acompanhada por grandes orquestras, realizado em salas de concerto ou teatros e não há utilização de microfones ou sistemas de amplificação sonora. Segundo Sundberg:

Se substituíssemos um cantor profissional por uma pessoa sem treinamento vocal numa ópera, o resultado provavelmente seria que o público não conseguiria sequer ouvir a voz da pessoa, a não ser que o acompanhamento orquestral fosse leve (SUNDBERG, 1987. p. 115) 2. A motivação da realização desta pesquisa vem de quando cursei o Bacharelado em Música com habilitação em canto no Instituto de Artes da UNESP. Lembro-me de quando me deparei com a situação de ter sido elogiado por cantar bem em uma das provas mensais, com a ressalva que, aparentemente, o fato da minha voz não ter boa projeção, impostação ou ressonância comprometeu consideravelmente meu desempenho. Fiquei intrigado, mas depois, ao longo dos anos, ouvia de colegas e amigos cantores narrativas bem similares, sobretudo das vozes masculinas.

1 Entende-se por projeção vocal, a capacidade de uma voz ser ouvida num ambiente grande

e/ou com elevado nível de competição sonora, como por exemplo, uma voz lírica em meio a uma grande orquestra numa sala de concerto ou num teatro de ópera. Esta projeção está ligada à percepção do nosso sistema auditivo da intensidade sonora.

2 If we replace a professional Singer with an untrained speaker in an opera performance, the

result would probably be that the audience could not hear the speaker’s voice at all, except when the accompaniment was soft.

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Desde então, me debrucei sobre livros, tive aulas com diversos professores, passei a ouvir cantores reconhecidos nacional e internacionalmente, na tentativa de compreender o que precisava ser feito para chegar à perfeição técnica e à melhor projeção vocal possível. Um dos problemas encontrados era a dificuldade de se entender sensorial e racionalmente os ensinamentos dados pelos professores. Primeiro, havia uma diferença no conteúdo das informações (que talvez tenha sido o maior dos problemas); mais tarde compreendi que cada cantor, professor ou pianista colaborador tinha uma ideia diferente acerca do que era necessário ser realizado no âmbito da técnica vocal. Segundo, havia uma aparente diferença estrutural de abordagem: uns queriam que o som fosse “para frente”, outros que houvesse “um espaço atrás” para que o som vibrasse; alguns professores trabalhavam a técnica de respiração utilizando-se da parede abdominal “indo para dentro”, outros, ao contrário, diziam que o abdômen deveria “ir para fora”; outros diziam, até mesmo, que deveria haver apenas a contração da musculatura abdominal. Quanto ao trabalho de desenvolvimento da projeção vocal, alguns professores utilizavam a boca fechada como guia para se encontrar um melhor ajuste ressonantal - em italiano chamada de bocca chiusa – utilizando exercícios em xãzI=xåz ou até mesmo em xÏzK Alguns professores utilizavam exercícios com consoantes sonoras antes de uma vogal determinada como o xîáz[. Enfim, o repertório de exercícios vocais utilizado pelos professores, fonoaudiólogos e profissionais da voz em geral é bem vasto. Aparentemente, cada profissional possui uma gama de exercícios que enfatizam de forma geral determinados aspectos específicos da voz, mas, em muitos casos, acabam por negligenciar outros aspectos também importantes.

Por fim, veio a constatação de que a pedagogia vocal era um tema a ser estudado e analisado, sobretudo a área da pedagogia que trata da acústica e do sistema ressonantal e articulatório. Segundo Sundberg (1987):

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O tempo gasto para um cantor aprender a fazer os ajustes articulatórios corretamente pode ser muito aumentado se o professor optar por evitar termos mais diretos e usar uma terminologia mais sugestiva – como, por exemplo: o som deve ‘ir para frente’, o som deve tocar no nariz, ‘o metal’ deve ser mantido no som, o som tem que ser ‘coberto’, etc. (SUNDBERG, 1987, p. 122) 3.

Através da leitura da bibliografia que trata do tema, observa-se que a questão da forma de comunicação, o modo como se ensina determinado aspecto do canto lírico, é fundamental. O pesquisador americano Richard Miller (1996) afirma que uma terminologia de caráter imaginativo deve ser usada com cautela, se o propósito for ensinar a técnica do canto. Ele vai mais longe ao apelar para uma conscientização acerca do assunto por parte dos professores, enfatizando que “controlar o seu próprio instrumento e descrever quais são suas sensações não é suficiente para a instrução de outras pessoas” 4 (MILLER, 1996, p. 7).

A pesquisadora Karen Sell (2005, p. 5-7) afirma que “há um espaço entre a teoria e a prática da pedagogia vocal que precisa ser conectado” 5. Apesar disto,

ela também aponta que “a melhor teoria do mundo não pode ter sucesso se os professores forem incompetentes ou não puderem se comunicar bem com os alunos, ou ainda, se estes estudantes não puderem responder bem à comunicação”

6. A pesquisadora defende que um excelente cantor não necessariamente é um

excelente professor, teoria já defendida por Tosi (2009, p. 68), segundo o qual há a necessidade de o professor comunicar seus “sentimentos com facilidade com um método adaptado ao aluno, mais particularmente às habilidades deste aluno” 7. Sundberg apud Sell (2005, p. 70) comenta que alguns professores têm curiosidade

3 The time needed may, in some cases, be greatly extended if the teacher avoids instructing in

direct terms and prefers a suggestive terminology – for example, that the tone must ‘go forward’, that the tone must ‘play in the nose’, that the ‘steel’ must be maintained in the tone, that the tone must be “covered” (tradução nossa).

4 Managing one’s own instrument and describing how it feels to oneself is not sufficient for the

instruction of others (tradução nossa).

5 The gap between theory and pedagogical practice needs to be bridged (tradução nossa). 6 The best theory in the world cannot succeed if teachers are incompetent and unable to

communicate with students, and if the students themselves are unresponsive (tradução nossa).

7 It may seem to many, that every perfect Singer must also be a perfect Instructor, but it is not

so; for this, Qualifications (though ever so great) are insufficient, if he cannot communicate his Sentiments with Ease, and in a Method adapted to the ability of the scholar (tradução nossa).

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sobre a visão mais científica da produção da voz e que outros podem querer descobrir uma terminologia em comum que os ajudaria a se relacionar com a terminologia utilizada por outros professores e por outros profissionais, como os otorrinolaringologistas. Ou seja, existe a necessidade de se desenvolver meios para que estas terminologias “conversem entre si”. Segundo Carlsson et Sundberg (1992, p. 257) “o clássico dilema da pesquisa na área da voz cantada são as dificuldades de se interpretar corretamente instruções pedagógicas em termos científicos” 8.

Apesar desta entrada do saber científico na área da pedagogia vocal que antes foi dominada pelos performers e músicos da área de voz, cantores e professores de canto em sua maioria, os autores Norman Punt e H. Plunket Greene

apud Sell (2005, p. 69) recomendam que os professores evitem um jargão de

anatomia no ensino do canto lírico. Isto não significa que o professor não deva compreender ao, menos em linhas gerais, o funcionamento da fisiologia e da acústica vocal. Todavia, neste âmbito, Miller (1996, p. 209) aponta a existência de um tipo de professor chamado de “professor tecnicamente intenso” cujo único foco pedagógico é trabalhar a técnica do aluno, negligenciando ou considerando menos importantes aspectos como a própria comunicação da musicalidade e da arte. Segundo o pesquisador, o professor pode correr o risco de criar uma “máquina de produzir som” em vez de um bom cantor. Claro que a ciência precisa achar seu caminho dentro da pedagogia vocal para que professores, cantores, fonoaudiólogos, otorrinolaringologistas possam dialogar de forma mais eficiente e comunicativa. Sobre isso, Sousa et. al. (2010, p. 318) afirmam:

O livre trânsito entre os estudos científicos da voz cantada e a prática do professor de canto encontra ainda alguns obstáculos. Em nome do rigor metodológico, a ciência vê-se obrigada a isolar da realidade os elementos que se propõe a estudar, a fim de obter resultados confiáveis e passíveis de generalização (SOUSA et. al. 2010, p. 318).

Portanto, a justificativa da existência desta pesquisa se dá, primeiramente, porque há, de fato, uma tradição oral no ensino do canto lírico. Além disso, conforme afirma Flávio Apro (2006, p. 25), há também uma grande resistência

8 The classical dilemma of research in the area of the singing voice are the difficulties to

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por partes dos performers, neste caso os cantores, de formalizar suas práticas interpretativas, ferramentas de estudo e os seus métodos de estudo. Historicamente, também, há uma tendência de se separar o trabalho teórico – construído a partir de bases metodológico-científicas, – da produção artística em si. É como se houvesse uma separação clara entre o pensamento teórico-científico e o pensamento prático-artístico, tornando-os quase antitéticos, dificultando que o músico executante coloque suas ideias no papel por meio de trabalhos científicos.

Depois de apresentado o problema concernente à própria tradição do ensino do canto e aquele relacionado ao desenvolvimento da própria ciência, um problema de ordem prática surge; este relacionado à comunicação. Quando os músicos decidem formalizar suas práticas e métodos, falta uma linguagem clara e objetiva para transmitirem suas ideias. Segundo Kerman apud Apro (2006):

Não será por falta de tentativas. Livros escritos (ou ditados) por excelentes executantes musicais constituem uma verdadeira salada, indo do anedótico até o metafísico; todos incluem, entretanto, algum material, em algum nível, sobre questões concretas acerca da performance. Raras vezes esse material é muito esclarecedor – embora pressinta, por vezes, que o esclarecimento ronda por perto, à distância do gramofone. Ler livros de grandes artistas não é a melhor maneira de compreender seus segredos artísticos. [...]. Lê-se com admiração, simpatia e por vezes até com angústia sobre os esforços de músicos para reconciliar em suas mentes esses aspectos aparentemente irreconciliáveis. E voltamo-nos para suas gravações a fim de captar como as soluções foram realmente encontradas (APRO, 2006, p. 276-277).

Segundo Barnes-Burroughs (2008) e Weekly e LoVetri (2003) apud Sousa (2010):

Desde a época dos primeiros tratados, escritos a partir do século XV, até a atualidade, o conhecimento de canto vem sendo transmitido com base numa tradição geracional de professor para estudante por séculos. Nesse processo, um cantor que conseguiu ser bem-sucedido utilizando os ensinamentos de um cantor mais velho e experiente tende a transmitir sua experiência pessoal a cantores mais novos, que a retransmitirão a outros, e assim por diante (SOUSA, 2010, p. 317-28).

Este método definido pela História e testado ao longo dos anos foi o principal meio de transmissão do conhecimento na área do canto. A linguagem escrita também esteve presente para clarificar determinados aspectos do uso da voz e do seu ensino. Sobre o século XVII, por exemplo, Stark (1999) afirma que:

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Métodos vocais completos, ou tutores e mestres, emergiram no século XVIII e se tornaram fontes importantes de técnica vocal, mas estes trabalhos também falharam em dar instruções específicas sobre como usar a voz. A linguagem da pedagogia vocal teve reviravoltas e frequentemente [se utilizava de] significados obscuros (STARK, 1999, p. XVIII).9

Não sabemos se o público leitor dos tratados de canto também achava a qualidade da mensagem dos textos escritos obscura, mas, pode-se pensar que, em se tratando de uma atividade cuja natureza é tão complexa até para os cientistas da voz, professores e cantores, é provável que poucas pessoas compreendessem com exatidão, amplitude e profundidade a arte do canto.

Mais especificamente relacionado ao canto, o problema da comunicação parece ser realmente um desafio a ser superado. Segundo Miller (1996):

Não há razão para um performer bem-sucedido descrever processos pessoais para outras pessoas desde que a performance em si fique no seu próprio campo de atividade. Quando, entretanto, ele decide dar instruções, uma linguagem objetiva e comunicativa deve ser desenvolvida10 (MILLER, 1996, p.3).

Este trabalho utilizou-se dos exercícios de ressonância e articulação apresentados em Miller (1996). O motivo pelo qual este livro será utilizado é a relevância e importância do autor Richard Miller. A comunicação entre professor e aluno, neste caso, não será considerada, pois os exercícios serão lidos pelo pesquisador para o participante da pesquisa de forma a apenas instruir o que deverá ser feito no experimento.

O objetivo principal desta pesquisa foi verificar quais serão os resultados obtidos, após a aplicação dos exercícios de ressonância e articulação apresentados no livro The Structure of Singing de Richard Miller com um grupo de três alunos do sexo masculino do curso de Bacharelado em Música – habilitação em voz – do

9 Complete vocal method books, or ‘tutors,’ emerged in the eighteenth century, and

became important sources on vocal technique from that point onward, but these works, too, often lacked specific instructions on how to use the voice. The language of vocal pedagogy took various twists and turns, often with obscure meanings (tradução nossa).

10 There is no reason for the successful performer to describe personal processes to others so

long as performance remains his or her only field of activity. When, however, the performer turns to giving instruction, communicative, objective language must be developed (tradução nossa).

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Instituto de Artes da UNICAMP. Os resultados são o produto da análise acústica que foi feita nas gravações de vogais sustentadas através de descritores de áudio11 que

buscaram informações como o espectrograma, a frequência fundamental e intensidade (em dB) e a intensidade subjetiva.

Os objetivos específicos são: 1) definir o que é voz do ponto de vista acústico e psicoacústico e qual a referência de sonoridade vocal que a pesquisa trata utilizando-se da bibliografia que estuda a Acústica Musical e a Ciência da Voz; 2) explicar o sistema de funcionamento de ressonância do trato vocal humano tendo por base a bibliografia que aborda o tema; 3) definir quais ajustes articulatórios devem ser realizados para a obtenção do timbre característico do canto lírico através de informações provenientes das referências bibliográficas que abordam o tema; 4) apontar “caminhos” para o desenvolvimento da técnica vocal no canto lírico nas vozes masculinas.

Esta dissertação está estruturada em quatro capítulos. O primeiro constrói o corpo teórico do trabalho delimitando o tema de forma mais aprofundada - a voz como fenômeno físico e psicofísico; o seu funcionamento desde a origem do som pelas pregas vocais até a sua irradiação no espaço; as especificidades da voz lírica e suas características sonoras e fisiológicas. O segundo capítulo descreve a metodologia do trabalho - suas ferramentas de aplicação; as variáveis; a forma e o desenho do experimento. O terceiro trata das análises acústicas e da intepretação destas análises através de um texto dissertativo e de quadros comparativos. O último capítulo elucida questões finais, fornece reflexões sobre os desdobramentos da pesquisa e, sobretudo do experimento, finalizando o trabalho.

1. A voz humana, seus contextos e conceitos

A voz humana é provavelmente o mais antigo instrumento musical. O conjunto de possibilidades de som que podem ser produzidos através do aparelho fonador do corpo humano é múltiplo, amplo e difícil de delimitar. Sons como o

11 Descritores de áudio são medidas de processamento digital de sinais sonoros para extrair

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cochicho, o sussurro, o grito, o choro, a fala e o canto nos seus mais variados estilos dependem da conexão entre o nosso cérebro e outros sistemas do nosso corpo que envolvem desde o controle dos grandes músculos respiratórios e os músculos que sustentam a nossa postura, até os refinados movimentos dos vários músculos intrínsecos (internos) da laringe. Além destes, os músculos faciais, a língua, o palato mole, também chamado de véu palatino, e outras partes do nosso aparelho fonador atuam para que a voz seja produzida. De acordo com Sundberg (1987, p.1) as diferentes estruturas que mobilizamos no uso da voz podem ser chamadas, no seu conjunto, de órgão vocal. A voz, então, é formada a partir de três principais sistemas, a saber: respiração, fonação e articulação. Sundberg (1987, p. 9) afirma que o órgão vocal é composto por três unidades: o aparato respiratório (sistema respiratório), as pregas vocais (sistema fonatório) e o trato vocal (sistema articulatório).

Em primeiro lugar, é importante definir e explicar o que é voz de forma mais exata. Neste trabalho utilizaremos o conceito de voz como um fenômeno sonoro. Entretanto, o som, por sua vez, pode ser compreendido de duas formas distintas: 1) uma perturbação que movimenta o ar ou outro meio qualquer (a madeira, o metal, etc.); e 2) uma sensação sonora percebida pelo ouvido humano. Dentro deste último conceito, segundo Everest e Pohlmann (2009), o som pode ser entendido como uma excitação do mecanismo auditivo que resulta na sua percepção. Portanto, a partir destes conceitos podemos pressupor como definir melhor a voz. Façamos, então, uma pequena digressão para elucidar algumas informações importantes acerca deste tema – a definição mais apropriada de voz entendida como um fenômeno sonoro sendo ele estudado pela ‘acústica’ e também pela ‘psicoacústica’.

Comecemos, então, pela definição do primeiro conceito. O som é um fenômeno físico, estudado pela acústica (sendo esta uma subárea da ondulatória que é a subárea da física que estuda as ondas) e que, por sua vez, tenta compreender os eventos que envolvem a perturbação de um meio material (como o ar, água, a madeira, o metal) através do que chamamos de onda sonora. Acerca das ondas, Paraná (2002) afirma que:

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Quando este meio de propagação é uma reta, trata-se de uma onda unidimensional (exemplo: ondas em cordas). Sendo o meio uma superfície plana, a onda é bidimensional (exemplo: ondas do mar). Ondas tridimensionais são as que se propagam no espaço (exemplo: ondas sonoras) (PARANÁ, 2002, p. 329).

A onda sonora é uma perturbação em um meio material que possui algumas características principais: frequência, amplitude, comprimento e fase. Dentre estas, as mais importantes para o presente estudo são: frequência – que se correlaciona, mas não é um sinônimo de altura (ou seja, as notas musicais) – e a amplitude, que está relacionada à percepção de intensidade de um som (quão forte ou fraco ele é).

As ondas sonoras podem ser representadas através de gráficos chamados de senoides. A seguir, os gráficos das figuras 1 e 2 representam a variação da pressão de ar (eixo vertical), ou seja, a amplitude da onda, em função do tempo (em segundos) (eixo horizontal). As ondas representadas são chamadas individualmente de onda senoidal simples (APPELMANN, 1986, p. 103-110).

Figura 1: Gráfico mostrando a relação entre pressão de ar (eixo vertical) e tempo (horizontal) (APPELMAN, 1986, p. 103).

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Sabe-se que existem dois tipos de ondas senoidais: a simples, como acabamos de ver, e a onda composta. Esta é caracterizada pela união de várias ondas senoidais simples, ou seja, qualquer onda composta periódica12 pode ser decomposta em ondas senoidais simples. Na verdade, os sons de todos os instrumentos musicais conhecidos geram ondas compostas, posto que a onda senoidal simples somente pode ser criada em laboratório. Um exemplo da onda composta, sob o qual nos deteremos em maior atenção agora, será o som gerado pela voz humana.

Falaremos a seguir, portanto, da onda composta que é formada então por uma onda senoidal principal (também chamada de frequência fundamental) em conjunto com outras ondas cujas frequências são múltiplos daquela fundamental. Por exemplo, se a fundamental é 440 Hz (podemos chamá-la também de f1), seus

múltiplos são f2: 880 Hz, f3:1320 Hz, f4:1760 Hz, f5:2200 Hz, f6:2640 Hz, etc. – ou

seja, multiplica-se o valor da fundamental por 2,3,4,5,6 e etc. para chegarmos a estes valores de frequência, chamadas de parciais harmônicos13 (APPELMANN,

1986, p. 103-110). O gráfico representante da voz humana é mais complexo do que o mostrado acima, justamente, devido aos seus parciais harmônicos. Veja abaixo um exemplo da forma de uma onda complexa:

12 Onda periódica é caracterizada por se repetir em intervalos de tempos iguais.

13 Existem também os parciais inarmônicos que são parciais que são múltiplos inexatos da

fundamental. Segundo Everest e Pohlmann (2009, p. 12), o piano e os sinos, por exemplo, possuem parciais inarmônicos que caracterizam o seu timbre. Os instrumentos de percussão de forma geral possuem também parciais inarmônicos que os caracterizam.

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Figura 3: Gráfico de uma onda complexa de uma voz lírica

Nas imagens mostradas acima, sobretudo, na Fig. 1, é possível observar importantes características das ondas sonoras para a compreensão do fenômeno sonoro como a frequência. A frequência é o número de oscilações por segundo que uma onda sonora possui. Sua unidade de medida é Hz (Hertz) e o padrão internacional de afinação é a nota Lá414 (440 Hz), isto é, esta nota musical possui 440 oscilações por segundo.

Um conceito importante para se entender o funcionamento da voz humana, sobretudo da fonação15 é a Teoria Fonte-Filtro, criada e descrita pelo pesquisador Gunnar Fant em 1960. Basicamente, de acordo com Fant (1970, p. 15), a onda sonora resultante da fala – ou mesmo da voz cantada, neste caso, é uma resposta do sistema de filtro do trato vocal para uma ou mais produções de som. Além disso, existe uma relação direta entre fonte e filtro e os atos fonatórios e articulatórios, que são considerados separadamente. Neste sentido, a fonação é a

14 Toma-se neste trabalho como referência o Dó central como Dó4 seguindo os atuais

padrões internacionais.

15 Fonação é a atividade realizada pelo corpo humano, mais especificamente pelo aparelho

fonador, no qual há vibração das pregas vocais causada pelo fluxo e pressão de ar vindos dos pulmões e pela ação combinada dos músculos da laringe comandados pelo cérebro.

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ação cuja vibração das pregas vocais gera o som chamado de fonte glótica. A articulação, por sua vez é a ação que molda e modifica este som gerado pela fonte.

Figura 4: Ciclo típico de vibração normal das pregas vocais visto com fotografias de velocidade ultrarrápida na laringe (ZEMLIN, 2000, p. 169).

Segundo Fant (1970, p.17), a fonte glótica16 é uma perturbação sobreposta pelo fluxo do ar do sistema respiratório que causa fricção ou plosão, ou no caso da voz, pela modulação quase periódica do fluxo de ar devido aos

16 Segundo Sundberg (2015, p. 29), fonte glótica é o som produzido pela vibração das pregas

vocais através da fonação. Utilizaremos, a partir de agora, este termo para nos referirmos à fonte citada na Teoria Fonte-Filtro.

(22)

movimentos de abertura e fechamento das pregas vocais. Segundo Sundberg (2015, p. 35):

Se o ar pulmonar exercer a devida pressão sobre uma glote suficientemente fechada, as pregas vocais tenderão a entrar em vibração. Esse processo envolve diversos fatores, entre eles, a chamada força de Bernoulli, que desempenha um papel bastante específico na iniciação da vibração das pregas vocais. Essa força ocorre quando algo impede a passagem livre do ar e força, por assim dizer, o seu escoamento em camadas, com diferentes velocidades. Nesse escoamento em camadas, as partículas que percorrem distâncias maiores adquirem maior velocidade e, consequentemente, menor pressão. Esse tipo de situação produz uma subpressão precisamente onde as camadas escoam com maior velocidade; com isso, as paredes do duto pelo qual o ar se desloca tendem a sofrer uma sucção (SUNDBERG, 2015, p. 35)

Muito importante para a fonação, sobretudo, no início de vibração das pregas vocais, este efeito de acordo com Vennard (1967, p. 39) ocorre, pois, “quando um gás está em movimento, ele exerce menos pressão no ambiente acima dele do que a sua pressão normal”. A pesquisadora Doscher (1994, p. 59) comenta que “quando as pregas vocais estão suficientemente próximas, o ar se move mais rapidamente devido ao estreitamento da glote” 17, as pregas vocais, por conseguinte, são literalmente sugadas pela pressão negativa de ar na glote. O fechamento das pregas vocais é determinante para a mecânica da fonação.

17 … when the vocal lips are close enough to each other, the air moves at a greater speed

(23)

Figura 5: Imagem mostrando o Efeito de Bernoulli. De forma representativa, as setas indicam o sentido de direção das camadas de ar bem como a distância percorrida por cada camada e a sucção das pregas vocais

sendo gerada (SUNDBERG, 2015, p. 35).

Por fim, segundo Zemlin (2000, p. 312), o som gerado pela fonação é configurado então pelo trato vocal que funciona como um ressoador. Sundberg (1987, p. 10) afirma que esta configuração é criada pela ação dos articuladores que moldam o trato vocal. Este fenômeno é chamado de articulação. Somente depois que a fonte glótica é moldada pela articulação é que o som final (o som que de fato é percebido pelo nosso aparelho auditivo) será irradiado pelo trato vocal através, principalmente, da abertura labial e nasal – orifícios de contato com o ambiente externo. Ainda acerca da conceituação de fonte e filtro, Sundberg (1987, p. 49) afirma que para se definir fonte de um modo que seja relevante para a voz lírica, dela, é preciso elencar ao menos três dimensões, a saber: frequência fundamental, amplitude e espectro (ou seja, altura, intensidade e propriedades timbrísticas). Aqui é importante mencionar algumas propriedades do som sendo algumas delas já bem conhecidas, mas cuja contextualização neste trabalho se demonstra relevante.

A altura, por exemplo, é um parâmetro ou propriedade do som que é medido em Hertz e se relaciona com a palavra da língua americana pitch18. Do ponto

de vista da onda sonora, altura é o número de oscilações que uma onda possui

18 Na verdade, frequency é traduzido por frequência e pitch por altura. A palavra pitch se

relaciona com a palavra afinação. Quando se diz que “pitch is low”, significa que a afinação está baixa. Não se diz, portanto, “the frequency is low” quando uma nota está desafinada por exemplo.

(24)

dentro de um período de tempo – no caso da medida Hz, considera-se o tempo em segundos19. Ou seja, altura é frequência neste caso. A intensidade é a propriedade

do som que se relaciona com a amplitude da onda sonora, quando um som é mais intenso que outro ele possui uma maior amplitude. Para medir intensidade, utiliza-se a medida decibel (dB). Este parâmetro é utilizado para medir a variação da pressão sonora20 em um meio material e está intimamente ligado à variação da intensidade de um som.

A terceira dimensão da fonte glótica, conforme mencionado acima, o

espectro sonoro é o gráfico mostrando a frequência fundamental juntamente com os

parciais harmônicos e suas respectivas amplitudes. Este gráfico é denominado de espectro da fonte glótica (voice source spectrum). Segundo Sundberg (2015, p. 101), teoricamente é possível demonstrar que as intensidades dos componentes harmônicos, quando se tem um voz produzidas em intensidade habitual, que constituem o espectro da fonte glótica decaem em 12 dB/oitava aproximadamente. Significando que cada parcial é 12 dB menos intenso em comparação com aquele que estiver uma oitava abaixo, portanto, metade de sua frequência. Outro termo que será utilizado neste trabalho é espectro propagado que é demonstrado num gráfico no qual há uma curva ou um traço - dependendo como os harmônicos se apresentarem – conectando os parciais (vide imagem abaixo). Na imagem abaixo é possível observar que o espectro da fonte glótica não é igual ao espectro propagado, ou seja, o som irradiado pelos lábios como som final. O próprio trato vocal, através das características de resposta, chamadas de formantes, filtra o som advindo da fonte que, por fim, resulta no espectro propagado conforme mostra a figura abaixo.

19 A fórmula utilizada – aqui a título de curiosidade é F = 1/T, sendo F o valor da frequência

em Hz e T o período de tempo em segundos.

20 Como a intensidade do som é difícil de ser obtida, utiliza-se o nível de pressão sonora

(NPS) que é aproximadamente igual ao nível de intensidade (NI). Segundo Everest e Pohlmann (2009, p. 22): a intensidade acústica é proporcional ao quadrado da pressão acústica. Tem-se aqui, portanto, a relação entre o nível de intensidade e o nível de pressão sonora. A pressão sonora é medida em dB (decibel) e está relacionada a potência de um som (quantidade de energia gasta num determinado período de tempo).

(25)

Figura 6: Traçado esquemático de uma radiografia de um indivíduo produzindo uma vogal neutra; características do espectro da fonte glótica e da resposta acústica do trato vocal (função de transferência). O espectro propagado (resultado final) é demonstrado (ZEMLIN, 2000, p. 316).

Assim, a voz é gerada pelo fluxo de ar e da pressão subglótica que através da modulação feita pelas pregas vocais, seguida pela modificação realizada pela articulação/ressonância, resulta no som complexo que é filtrado pelo ambiente e pelo nosso sistema auditivo. O modo como percebemos o som será brevemente descrito no próximo subcapítulo.

O som é tão essencial para a sobrevivência humana e de outros animais que dependem deste modo de percepção – se assim podemos dizer – porque podemos ouvi-lo; se fossemos surdos o som não teria relevância alguma para a comunicação humana e dos outros animais. Existe em nós um sistema que consegue transformar a onda sonora em movimentos mecânicos, que resulta em impulsos elétricos e que, por sua vez, são enviados ao cérebro criando a sensação que chamamos de som. Na verdade, a palavra som talvez não existisse se não pudéssemos ouvir o som. Segundo Everest e Pohlmann (2009, p. 39) “a psicoacústica é uma ciência que inclui no seu estudo a estrutura física do ouvido, os caminhos do som e sua função, a percepção humana do som e suas inter-relações.” O conhecimento desta área é incompleto; para se ter uma ideia de como a audição é complexa, segue um exemplo que pode servir de ilustração:

(26)

Ao ouvir a uma orquestra sinfônica, concentre-se primeiro nos violinos, nos violoncelos e nos contrabaixos. Agora, foque sua atenção nos clarinetes, oboés, fagotes e flautas. Este é um poder incrível do sistema de audição humano. No canal do ouvido, todos estes sons são misturados e o cérebro consegue separá-los da onda sonora complexa resultante. Através de um treino rigoroso, um observador de percepção aguçada pode ouvir o som de um violino e identificar vários parciais além da frequência fundamental (EVEREST et POHLMANN, 2009, p. 39).21

Segundo pesquisador alemão Helmholtz (1875, p. 11), um dos primeiros problemas estudados pela psicoacústica foi quantos tipos de sensação o ouvido consegue gerar e quais diferenças nos meios de excitação externos ou no som, correspondem a estas diferenças de sensação22. Helmholtz destaca a busca por diferenciar as sensações causadas devido a diferentes sons daquelas causadas devido ao próprio meio de transmissão destes sons. Ou seja, sons idênticos do ponto de vista puramente físico se tornam diferentes para o nosso sistema de audição devido ao meio de propagação: se, por exemplo, estamos dentro da água ouviremos os sons de forma diferente do que se estivéssemos fora d’água.

Segundo Everest e Pohlmann (2009, p. 39) o ouvido humano não consegue detectar sons mais fracos (menos intensos) do que o som das partículas de ar ao atingir o tímpano. Segundo eles, qualquer som mais fraco seria engolido pelo barulho inerente às próprias moléculas de ar. O que significa que a sensibilidade da nossa audição se dá justamente no limite do som mais fraco possível no ar. Na verdade nosso ouvido também é capaz de amplificar determinadas frequências. Segundo Everest e Pohlmann (2009, p. 41), para as frequências mais relevantes da fala, aquelas que ficam em torno de 2.000 a 3.000 Hz, a pressão sonora no tímpano do nosso sistema auditivo aumenta cerca de 5 dB.

21 Listening to a symphony orchestra, concentrate first on the violins, the cellos and the

double-basses. Now focus your attention on the clarinets, the oboes, bassoons, and flutes. This is a remarkable power of the human auditory system. In the ear canal, all these sounds are mixed together, and the ear-brain succeeds in separating them from a complex sound wave. By rigorous training, a keen observer can listen to the sound of a violin and pick out the various overtones apart from the fundamental (tradução nossa)

22 Our first business will be to examine how many kinds of sensation the ear can generate,

and what differences in the external means of excitement or sound, correspond to these differences of sensation (tradução nossa).

(27)

Veremos adiante que esta região de frequência é importante, sobretudo para as vozes masculinas no canto lírico, pois é nela que aparece o “formante do cantor” 23.

Everest e Pohlmann (2009, p. 41) afirmam que o sistema de audição humano também extrai uma informação direcional do espectro sonoro percebido pelo tímpano. Por exemplo, se utilizarmos um fone de ouvido para escutar sons em uma banda de frequência, ou seja, uma região de frequência, com um filtro especifico de 7.2 kHz, a sensação será de que aqueles sons estariam vindo de uma fonte que estaria no nível do observador, ou seja, na altura de seus tímpanos. Se por outro lado ajustarmos este filtro para 6.3 kHz, pareceria que os sons estariam vindo de uma fonte que estaria acima do observador, vindo do topo de sua cabeça. Talvez por isso, seja comum que professores de canto utilizem informações de direcionamento do som para se obter um ajuste ressonantal melhor. Observemos o seguinte parágrafo:

‘Conduzir a voz para frente’; ‘colocar a voz na máscara’; ‘cantar como num bocejo’; ‘dirigir a voz para cima, entre os olhos’; ‘não deixar a voz cair’. Essas expressões metafóricas são exemplos de um jargão conhecido no meio musical como “imagens”, e são utilizadas por professores de canto de abordagens técnicas e estilísticas as mais variadas em seu processo de ensino (SOUSA, J. M. et. al. 2010, 317).

Além da questão da direcionalidade, o próprio tamanho do canal auditivo é responsável por criar uma ressonância devido ao comprimento da sua abertura até o tímpano. Este pico de ressonância está na região dos 3000 Hz e na região dos 4000 Hz sua amplificação chega a incríveis 12 dB. (EVEREST et POHLMANN, 2005, p. 41-42)

23 Segundo Sundberg (1987, p.118), o formante do cantor é um pico de energia na região dos

3000 Hz que é independente da frequência fundamental e da característica de uma vogal. Este pico de energia é responsável por gerar uma maior projeção da voz lírica masculina num ambiente de muita intensidade sonora como, por exemplo, no meio de uma grande orquestra.

(28)

Figura 7: Canal auditivo, fechado em um lado pelo tímpano e aberto no outro (EVEREST e POHLMANN, 2009, p. 42).

Figura 8: Imagem mostrando a função de transferência do canal auditivo mostrando a sua ressonância natural (EVEREST e POHLMANN, 2009, p. 42).

O modo como percebemos a relação entre a intensidade e a frequência de um som possui - se assim podemos dizer - um caráter subjetivo, conforme o som for ficando mais agudo, nosso ouvido tende a identificar um aumento virtual da intensidade. Colocando-se de forma mais simples, somos mais sensíveis a sons mais agudos do que a sons mais graves. Esta característica da nossa percepção auditiva deve então ser considerada quando precisamos, por exemplo, identificar um determinado aumento de intensidade quando se compara sons de frequências distintas. Para isto, uma solução encontrada pela Ciência é a utilização das curvas de igual intensidade (equal-loudness contour) que são adotadas internacionalmente para medir a relação intensidade-frequência. Para entendermos melhor, observemos o gráfico a seguir: P re ss ão s o n o ra r el at iv a (d B ) Frequência (Hz) Tímpano P re ss ão Distância

(29)

Figura 9: Imagem mostrando a relação entre a intensidade de um som e o modo com nosso sistema auditivo o decodifica. (EVEREST e POHLMANN, 2009, p. 46).

Cada curva é baseada na frequência de 1kHz, o termo fone é definido então baseado nesta frequência. Por exemplo, a curva de intensidade passando por 40 dB de pressão sonora em 1 kHz é chamada de curva de 40 fones. Segundo Everest e Pohlmann (2009, p. 48), cada curva foi obtida experimentalmente perguntando-se a sujeitos de pesquisa, quando os níveis em diferentes frequências soavam igualmente altos quanto ao som de referência de 1 kHz (Estas informações vieram de sons puros, portanto bem diferentes dos sons que ouvimos no dia-a-dia, sobretudo na música). Esta medida tem relação direta com modo como o nosso ouvido percebe o som. Podemos tirar algumas conclusões acerca do gráfico acima, por exemplo: na curva dos 70 fones na região de 1 kHz temos 70 dB de pressão sonora. Na região de 4 kHz para que tenhamos 70 dB de pressão sonora nosso ouvido o identificará com se tivesse 80 fones de intensidade. Com este exemplo, podemos observar que nosso sistema auditivo é mais sensível à sons na região de 4 kHz do que na região de 1 kHz. A gráfico a seguir mostra a relação entre a pressão sonora em dB em diferentes frequências e a intensidade em fones (phons):

N ív el d e p re ss ão s o n o ra ( d B ) Frequência (kHz) Nível de intensidade Limiar de audibilidade

(30)

Figura 10: Relação entre a resposta do ouvido (unidade de medida: fones - phons) para diferentes níveis de pressão sonora em diferentes frequências (EVEREST e POHLMANN, 2009, p. 47).

A figura acima mostra: para que um som de frequência de 20 Hz soe para o ouvido humano com a mesma intensidade que um som de 1000 Hz, é necessário que o primeiro seja 58 dB mais forte que o segundo.

Como dito anteriormente, em outras palavras, a audição humana é mais sensível na região de 3 kHz, ou seja, mesmo que a pressão sonora em dB for próximo a 0 dB, um som poderá ser ouvido e captado por uma pessoa de audição normal - é possível tirar esta conclusão observando-se a figura 9 por exemplo. Por outro lado, a audição nos seres humanos é bem diferente da audição de outros animais - diferentemente de outros animais, nós não percebermos os ultrassons, sons acima dos 20 kHz e os infrassons, sons abaixo de 20 Hz.

O sone é uma unidade de intensidade que se referencia a uma pressão sonora numa frequência de 1 kHz. Segundo Everest e Pohlmann (2009):

N ív el d e p re ss ão s o n o ra ( d B ) Frequência (kHz)

(31)

Muitos experimentos conduzidos com centenas de sujeitos a vários tipos de sons geraram um consenso que diz: para um aumento de 10 dB na pressão sonora, uma pessoa média reporta que há um aumento na intensidade subjetiva em duas vezes. Para a diminuição de 10 dB a percepção da intensidade diminui pela metade. O Sone é uma unidade de medida subjetiva. Um sone é definido como a intensidade (não o nível de intensidade) percebido por uma pessoa ouvindo a um som de 1 Khz em 40 fones de nível de intensidade. Um som de 2 sones é duas vezes mais forte e 0,5 sones duas vezes mais fraco24 (EVEREST e POHLMANN, 2009, p.

49).

Figura 11: Gráfico que mostra a relação entre a intensidade subjetiva em sones e a intensidade física em fones. Este gráfico só se aplica a tons de 1 kHz (EVEREST e POHLMANNN, 2009, p. 50).

Será definido a seguir um parâmetro essencial que utilizaremos nesta dissertação: a Intensidade subjetiva (Loudness).

A Fig. 12 mostra três diferentes sons com a mesma pressão sonora de 60 dB. Suas bandas de frequência são 100, 160 e 200 Hz, mas suas intensidades subjetivas (intensidades que consideram a percepção do sistema auditivo) variam de uma forma que suas áreas são iguais (neste contexto área é a relação entre a

24 Many experiments conducted with hundreds of subjects and many types of sound have

yielded a consensus that for a 10-dB increase in sound pressure level, the average person, reports that loudness is doubled. For a 10-dB decrease in sound level, subjective loudness is cut in half. The sone is a unit of subjective loudness. One sone is defined as the loudness (not the loudness level) experienced by a person listening to a 1-kHz tone of 40-phon loudness level. A sound of 2 sones is twice as loud and 0,5 sone half as loud (tradução nossa).

Nível de intensidade (fones)

In te n si d ad e (s o n es )

(32)

potência (eixo vertical) e a distância em Hz (eixo horizontal) entre dois sons ou ruídos25). Em outras palavras, os três sons têm a mesma intensidade objetiva em

dB. Entretanto, os três sons da figura 12A não têm a mesma intensidade subjetiva quando levamos em conta a largura de banda crítica, o primeiro tem a maior intensidade subjetiva entre eles. Quanto mais próximos dois sons estiverem entre si, maior será a sua intensidade subjetiva, a partir deste conceito determina-se o parâmetro que será utilizado nesta dissertação: intensidade subjetiva (Loudness).

Para entendermos melhor esta relação entre dois sons, devemos relacionar W/m² (medida de potência) com dB (medida de pressão sonora). Tomemos um exemplo hipotético em que tenhamos uma nota Ré4 de intensidade objetiva 84 dB (sendo Dó central = Dó4) cantadas por um tenor e por uma contralto, mostraríamos este dois sons a um grupo de pessoas que deveriam identificar os autores das vozes (qual nota é a cantada pelo tenor e qual pela contralto?). É provável que a maioria das pessoas conseguisse identificar os autores das notas emitidas de forma correta. A partir daqui surgiria então uma questão: que aspecto do timbre faria esta distinção dos autores das vozes se evidenciar? A resposta estaria justamente na relação entre os parciais gerados. Segundo Sundberg (2015, p. 149), esta característica vocal chamada por Terhardt de dimensão de timbre, “depende essencialmente das características espectrais, ou seja, da amplitude de seus parciais e da distância entre eles”. Retomando então o exemplo apresentado, no som da voz do tenor haveria uma concentração de energia em uma região de frequência e na contralto, esta concentração de energia estaria situada em outra região. Haveria uma distribuição diferente de energia ao longo do espectro sonoro, delimitando, portanto esta diferença timbrística.

25 Ruído é um conjunto de sons que é caracterizado por um barulho ou chiado sem altura

(33)

Figura 12: (A) Diferentes larguras de banda e (B) as relações com a intensidade subjetiva (lado direito) e intensidade em fones (lado esquerdo).

A Fig. 12B mostra a relação entre a largura de banda crítica e os níveis de intensidade em fones e em sones. A figura mostra que a largura de banda crítica afeta a intensidade subjetiva dos sons. Na figura A temos três sons de bandas diferentes, mas tendo todos a mesma pressão sonora em 60 dB. A intensidade subjetiva nas bandas de 100 Hz e de 160 Hz são as mesmas, mas na de 200 Hz, parciais soam mais fortes porque excedem a largura de banda crítica da nossa audição que é de 160 Hz em 1 kHz. Isto significa que a partir de 160 Hz, a percepção da intensidade sonora em dB começa a aumentar porque a banda crítica do nosso ouvido para uma frequência pré-determinada de 1 kHz é de 160 Hz. A figura acima mostra que a banda crítica é de aproximadamente de 100 Hz na região grave e acima de 500 Hz é de aproximadamente 20 % da frequência central. Por exemplo, se compararmos dois sons, um de 600 Hz e outro de 800 Hz a frequência central entre eles é de 700 Hz (600 + 800 = 1400 ⁄2 = 700). 20% de 700 Hz é 140 Hz, que é o valor da banda crítica, neste caso. Aqui, ambos parciais estão dentro da mesma largura de banda crítica. Peguemos um exemplo complementar: ao se considerar frequências de 600 Hz e 1000 Hz teríamos um valor de banda de 160 Hz. Neste caso, os parciais considerados não estariam na mesma largura de banda, já

Largura de banda crítica (Hz)

In te n si d ad e em f o n es In te n si d ad e su b je ti va ( so n es )

(34)

que teríamos uma diferença entre eles maior que 160 Hz. Portanto, nosso ouvido iria captá-los identificando cada um deles de forma separada.

Se ouvirmos dois tons de mesma intensidade simultaneamente, situados em uma mesma banda crítica, é bastante improvável que consigamos ouvir cada um deles separadamente: eles se fundirão de modo a se tornarem perceptivelmente indissociáveis. Para que possamos ouvir cada um dos dois tons simultâneos em mesma intensidade, eles devem estar situados em bandas críticas diferentes. (SUNDBERG, 2015, p.150)

A importância do entendimento da relação entre dois sons faz evidenciar, por exemplo, uma compreensão maior acerca das diferenças entre a voz de contralto e a voz de tenor que muitas vezes cantam na mesma região de notas (tessitura). Segundo Sundberg (2015, p. 150 e 151), uma das diferenças entre as vozes de tenor e a de contralto é o grau de rugosidade. Segundo ele,

Sabemos que o nível sonoro de dois formantes aumenta quando eles se aproximam no espectro; podemos assumir que os parciais de terceiro e quarto formantes devem ser mais intensos nos tenores do que nos contraltos. Se dois formantes estiverem situados na mesma banda crítica, haverá grande chance de seus parciais se tornarem mais intensos e a qualidade da voz, mais rugosa. A pesquisa de Terdhardt mostrou que a distância entre parciais em tenores é de aproximadamente 16%, ou seja, menor do que uma banda crítica, e de aproximadamente 27% nos contraltos, ou seja, maior do que uma banda crítica. Uma proximidade maior ou menor entre o terceiro e o quarto formantes em tenores e em contraltos deve causar diferenças importantes no grau de rugosidade de ambas as vozes (SUNDBERG, 2015, p. 151).

Por fim, nossa audição ainda distingue sons curtos de longos e suas relações com suas intensidades. Dois sons de mesma pressão sonora e altura são ouvidos de forma diferente se um for rápido como um clique e o outro longo. O mais longo é percebido como mais intenso que o curto. Ao fim, pode-se entender um pouco de como nossa audição e nossa percepção do som se caracterizam e como podemos relacionar isto à ciência da voz de forma bem pontual.

(35)

1.1. O Bel canto como referência de sonoridade vocal

Um dos tipos de emissão vocal26 que podemos aprender a reproduzir é aquela característica do canto lírico ocidental, ouvida principalmente na ópera, na canção erudita de câmara, oratórios e sinfonias. É claro, contudo, que a “criação” deste timbre pelo aparelho fonador exige um treinamento importante, essencial, e que será uma considerável parte do foco deste trabalho. Mais ainda, este tipo de emissão vocal não delimita uma única forma no uso da voz; há diferenças timbrísticas mesmo dentro de uma mesma ópera. De forma mais geral, esta estética vocal, caracterizada por uma determinada emissão vocal, é talvez uma das mais importantes e belas possibilidades do uso da voz. A cultura italiana criou até mesmo um termo para denotar esta sonoridade: bel canto (que em português significa canto belo), termo que se remete desde o final do século XVI e é utilizado até os dias de hoje. Segundo Stark (1999), o termo é largamente utilizado e somente vagamente entendido, não havendo consenso entre os musicólogos e professores de canto no que se trata da sua precisa aplicação. Contudo, acreditamos que este termo, segundo descreve e analisa Stark (1999) e Reid (1971), pode nos ajudar a entender um pouco da sonoridade abordada nesta dissertação. A sonoridade de uma voz treinada dentro desta estética vocal pode ser facilmente reconhecida por muitas pessoas, sobretudo daquelas pertencentes à cultura ocidental e isto se deve, com certeza, às suas características, qualidades e às suas particularidades sonoras.

Segundo Fields (1979, p. 3), o canto ser considerado uma forma de arte é algo complexo e envolve áreas do conhecimento como a psicologia, acústica, a fisiologia, etc. Para se entender um pouco melhor esta afirmação, veremos estes conceitos a seguir. A psicologia se relaciona à voz porque cantar é um ato que envolve o uso da consciência, do corpo, da linguagem verbal e não verbal, e que, portanto, tem conexão direta com os processos mentais que envolvem o aprendizado do canto e do ato próprio de cantar como uma externalização dos processos mentais conscientes e inconscientes. Também existe uma ciência

26 Existem diversas formas de se emitir um som vocal; os sons vocais do canto lírico, por

exemplo, são bem diferentes daqueles utilizados no jazz, samba, rock, etc. Neste trabalho chamaremos esta diferença no modo de produção do som vocal de: tipos de emissão vocal.

(36)

chamada de psicofísica que estuda as relações entre estímulos físicos e fenômenos percebidos pela mente e que pode ser utilizada para se compreender melhor a relação entre aquilo que se sente através dos sentidos (audição, tato, visão, olfato, paladar) e aquilo que se compreende através da mente. Para se entender um pouco desta área do conhecimento, segue a citação abaixo da MIT Encyclopedia of

Cognitive Sciences:

Por exemplo, no caso da visão, uma pessoa consegue quantificar a influência da intensidade física de uma fonte luminosa do ponto de vista do nível da sua detecção, ou da influência do tamanho da sua onda no matiz percebido. Outros exemplos podem também ser selecionados do estudo da audição e de outros sistemas sensoriais27 (WILSON e KEIL, 1999, p. 691). Fields (1979) ainda menciona a Acústica como uma das áreas de conhecimento que abrangem o estudo da voz por estuda-la como um fenômeno sonoro, conforme explicado anteriormente. E por último, menciona também a Fisiologia (neste caso, a Fisiologia da Voz) por estudar o funcionamento das funções que envolvem a produção da voz humana.

A complexidade do fenômeno de produção vocal se reflete na sonoridade criada pelo aparelho fonador talvez tão intrigante, estimulante e curiosa para o cérebro humano que provoca uma qualidade de sensação28 muito específica e

intensa. É comum que as crianças, por exemplo, tentem imitar um cantor lírico na tentativa de buscar “entender sensorialmente” aquele ato de cantar diferente e único. Karen Sell (2005) complementa a ideia de Fields de que o canto, mais especificamente, “a pedagogia vocal é um campo no qual um número de disciplinas são mutualmente apoiadas entre si e os cantores devem ser bem versados delas”

27 For example, in the case of vision, one can quantify the influence of the physical intensity of

a spot of light on its detectability, or the influence of its wavelength on its perceived hue. Examples could as well be selected from the study of AUDITION or other sensory systems (tradução nossa).

28 Segundo Gescheider, a psicofísica surgiu quando em 1960, o físico alemão G. T. Fechner

introduziu técnicas para se medir eventos mentais. Segundo o pesquisador, elementos como a intensidade do estímulo, a variação deste estímulo e as propriedades da sensação são fundamentais. Segundo Gescheider estas propriedades ou dimensões da sensação são basicamente quatro: a intensidade, a qualidade, a extensão e a duração – é oportuno observar que, estas propriedades se parecem com aquelas do som (intensidade, timbre, altura e duração).

(37)

(p. 1)29. Acredita-se, então, que a voz humana não pode ser compreendida somente

sob uma ótica, um aspecto, ou uma visão unilateral, mas que diferentes áreas do conhecimento que são múltiplas e por vezes distantes entre si (como a Acústica e a Fisiologia) podem fornecer subsídios para uma visão mais aprofundada acerca do tema. Sell afirma ainda que há diferentes pesquisadores que se especializaram em determinadas áreas e cita suas obras de relevância dentre de grandes áreas de conhecimento. Dentre eles Johan Sundberg (1936), Ingo R. Titze (1941) e David M. Howard (1928) na acústica, Robert T. Sataloff (?30) na Anatomia e Fisiologia.

Segundo Reid (1971, p. 20), existe uma relação entre um som bonito e a completa liberdade vocal. Esta liberdade vocal, por sua vez, revelaria o “timbre natural” e a voz “adquiriria” ressonância, uma extensão ampliada e flexibilidade (possibilidade maior de variação timbrística, de articulação e de dinâmica). Um dos objetivos do bel canto é, de fato, gerar o maior conforto vocal possível, utilizando-se de um conjunto de conceitos, ideias e exercícios para se obter esta liberdade total. Segundo Reid (1971), para se atingir estes objetivos, o que se destaca como conceito, neste caso, é o de pureza das vogais31. Para o autor a pureza de vogais seria a base para se chegar a um som belo e perfeito e segundo ele nada seria mais importante para o cantor do que a revisão das bases da produção vocal.

Voltando à caracterização e delimitação da voz lírica, uma das suas características mais importantes é o vibrato (característica que não é exclusiva do tipo de emissão utilizada no canto lírico). Este aspecto vocal pode ser descrito de acordo com Seashore (1936, p. 7 apud Miller, 1996) como uma pulsação da nota, geralmente acompanhada por uma sincrônica pulsação de intensidade e timbre, de uma extensão e frequência que gera uma agradável flexibilidade, delicadeza e riqueza timbrística ao som (Miller, p. 182). Segundo Miller (1996, p. 183), a oscilação do vibrato considerada agradável e normal é em torno de 6,5 Hz, não sendo

29 Singing pedagogy is a field to which a number of mutually supportive disciplines contribute

and singers should be well versed in these (tradução nossa).

30 Data de nascimento não encontrada.

31 Do ponto de vista científico, este termo pureza de vogais soa muito abstrato e pouco claro,

principalmente fora de contexto. Provavelmente, o autor estivesse dando um destaque à importância da clareza e delimitação dos formantes das vogais (veremos mais adiante que o domínio da articulação no tocante à configuração dos formantes são essenciais para o cantor) como ferramenta para o desenvolvimento do timbre vocal do cantor lírico

Referências

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