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Sob o mesmo Teto A construção de casas de madeira por jovens voluntários nas favelas brasileiras

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Academic year: 2021

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Construção na favela

O trabalho da ONG que faz casas de

madeira para famílias em extrema pobreza

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DOIS PALITOS. Construção de

setembro de 2012 em Embú das Artes, Grande São Paulo

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Sob o mesmo Teto

Jovens voluntários e moradores de favelas se unem para

construir casas de madeira e buscar melhorias para a vida

nas regiões mais precárias das cidades

reportagem: Milena Lumini

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astava o céu escurecer e trovões anunciarem a chegada de chuva forte para Sueli ficar apreensiva. Adianta-va-se em pegar os lençóis e preparar o sofá da sala para seus dois meninos dormirem, pois no quarto deles não dava, era o lugar da casa onde mais entrava água. Com as goteiras no telhado, pingava sobre a cama, mo-lhava as paredes de madeira e a água escorria por todo o chão. Paulo, seu marido, cobria com lona o guarda roupa, a televisão, a geladeira para que não estragassem.

Quando não era a chuva, o vento tirava o sono de Sueli. Soprava tão forte que ameaçava derrubar as paredes. As telhas, fixadas com pe-sos sobre elas, não garantiam a segurança dos meninos. Seu medo era que, durante a noite, tudo viesse abaixo, paredes, telhas, móveis.

Ela olhava para a casa sem esperanças. A madeira que mantinha aqueles quatro cômodos em pé fora doada havia cinco anos, quando a fa-mília se mudou para o Assentamento Menezes, em Paulínia, interior de São Paulo. Não havia dinheiro para manutenção, tampouco para com-prar tijolos e construir uma casa de alvenaria.

Além do casal, outras 665 mil famílias no estado de São Paulo vivem em casas inseguras. Este é o número de domicílios sem condições de serem habitados de acordo com a Pesquisa de Condição de Vida da Fundação Seade, aplicada em 2006. Para a Secretaria de Habitação do esta-do (SH) e a Companhia de Desenvolvimento Ha-bitacional Urbano (CDHU), que usaram os dados da pesquisa para formular o Plano Estadual de Habitação 2010-2013, barracos de madeira cons-truídos com material reaproveitado são classifi-cados como déficit habitacional e demandam a substituição do domicílio. Moradias em área de

risco de desmoronamento, enchente ou em área sem pavimentação, guias e sarjetas também são incluídas neste déficit.

Foi com a intenção de melhorar a condição de vida de famílias como a de Paulo e Sueli que Daniela Pinheiro, de 25 anos, e outros dois co-legas visitaram o Assentamento Menezes pela primeira vez em setembro de 2012. Vestiam a ca-miseta da ONG Teto, da qual eram voluntários, e procuravam um líder comunitário ou morador antigo que pudesse guiá-los pelo local. Eles que-riam conhecer a história da comunidade e saber se ali havia mais de 30 barracos de madeira. Essa era a primeira condição para poder apresentar sua proposta de trabalho: construir para as fa-mílias uma nova casa de madeira, mais quente, segura e sem infiltração. O segundo requisito era que os moradores aceitassem a intervenção do Teto na comunidade.

O terreno público onde fica o Assentamen-to Menezes foi ocupado por cerca de 90 famílias que moravam em outra favela, a Granja Coavi. Quando o local foi alvo de uma ordem judicial para reintegração de posse, o grupo procurou outro terreno para morar. Entre as famílias que chegaram primeiro ao assentamento, em 2008, estava a de Paulo. Devido a um problema na co-luna, ele teve que deixar o emprego de ajudante geral e a família passou a viver com os 800 reais por mês oferecidos pelo INSS como auxílio-do-ença previdenciário. Por esse motivo, não podia arcar com o aluguel de uma casa.

Durante o primeiro mês de ocupação, Paulo e outros companheiros moraram em barracos de lona até construírem a própria casa. As outras conquistas vieram aos poucos. Conseguiram da prefeitura a liberação de um caminhão pipa que abastecesse as casas uma vez por semana. E

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de-Somente no estado

de São Paulo, 665 mil

famílias vivem em casas

que não têm condições

de serem habitadas

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pois de dois anos sem eletricidade, os moradores arrecadaram dinheiro da comunidade para com-prar um transformador.

Quatro meses após a primeira visita do Teto ao Assentamento Menezes, Daniela e ou-tros companheiros voltaram para apresentar oficialmente a proposta da ONG aos moradores e perguntar se eles gostariam de participar da-quele projeto. Espalharam cartazes convocando uma reunião de apresentação e pediram a alguns moradores que informassem os vizinhos sobre o encontro.

Reunidos em um espaço comum na entrada da comunidade, os voluntários apresentaram a proposta: com a ajuda de jovens voluntários, eles construiriam uma casa de madeira de 18 metros quadrados para algumas famílias do Assenta-mento durante um fim de semana. Para isso, os moradores deveriam participar durante todo o processo de construção, auxiliando, inclusive, no preparo das refeições dos voluntários e no des-carregamento das peças da casa. Seria obrigató-rio comparecer às reuniões semanais da ONG e contribuir com 150 reais. Os voluntários escla-receram que a entrega da casa seria o primeiro passo de um processo de desenvolvimento co-munitário do Assentamento Menezes de manei-ra conjunta, Teto e momanei-radores. O tmanei-rabalho tmanei-raria benefícios não só para as famílias mas também para os voluntários, que conheceriam a história do Assentamento Menezes e poderiam aprender muito com as pessoas que moravam ali.

Paulo e Sueli ouviram as explicações com atenção e acompanharam os outros moradores na votação que aprovou o trabalho da ONG no Menezes. Porém, duvidaram da proposta. “O que aquele bando de mauricinhos e patricinhas esta-va fazendo na favela?”, pensaram. Desconfiaram que fosse alguma gincana da faculdade, ou que os jovens queriam autopromoção. “Sueli, esque-ce porque isso aí é fogo de palha”, alertou Paulo. Em julho deste ano, 16 casas foram constru-ídas no Assentamento Menezes, incluindo a do casal.

Um teto para meu país

A ideia de construir casas de emergência nas favelas não surgiu no Brasil, mas no Chile, por iniciativa de um grupo de estudantes da Univer-sidade Católica do Chile e do padre jesuíta Feli-pe Berríos. Em 1997, após algumas atividades de missões em um assentamento precário em Cura-nilahue, no sul do país, os universitários viram que havia grande necessidade de melhorar as condições de vida daquelas pessoas, começando pela moradia. Em uma região de temperaturas extremas, calor forte no verão e frio intenso no inverno, os barracos construídos com sobras de

madeirite e papelão estavam aquém das neces-sidades básicas de uma família. Resolveram, en-tão, construir casas de emergência para aquela comunidade. Estabeleceram a meta de levantar 350 casas durante o verão.

Os abrigos ou casas de emergência, que em espanhol são chamadas de mediáguas, são for-mados por painéis pré-fabricados, de baixo custo e que podem ser construídos rapidamente por mão de obra não especializada. A princípio, a casa tinha três metros por três, mas, ao longo dos anos de trabalho, foi sendo adaptada de acordo com as necessidades dos moradores.

Após a construção das 350 casas, os estu-dantes propuseram-se a um novo desafio: erguer duas mil habitações antes do ano 2000. Para au-xiliar na divulgação da iniciativa e atrair mais voluntários, o projeto recebeu o nome de Un Techo Para Chile. Antes da virada do milênio, a nova meta já havia sido superada. Viu-se aí a possibilidade de os estudantes se estabelecerem como uma organização e seguirem trabalhando nas comunidades.

A intenção de levar o projeto a outros paí-ses partiu de estudantes de El Salvador que, ao conhecerem a atividade da ONG no Chile, ima-ginaram a realização de algo similar em seu pró-prio país. A possibilidade de intervenção surgiu em 2001, quando um terremoto em El Salvador motivou 30 chilenos a viajar à região para cons-truir os abrigos para as pessoas afetadas.

Aos poucos, o projeto foi sendo levado para outros países da América Latina sob o nome de Un Techo Para Mi País (UTPMP). No Brasil, a ONG começou a ser implantada em novembro de 2006, quando desembarcou em São Paulo o voluntário de Un Techo Para Chile, Alvaro Ro-dríguez Rojas, então com 27 anos. Chegou ao país sem ter onde dormir, com bagagem para passar um ano. Trazia alguns contatos de pesso-as npesso-as prefeiturpesso-as e faculdades do estado de São Paulo e um folheto em português mal escrito so-bre a atuação da ONG. “Nós íamos com todas as boas intenções, mas não tínhamos nada, absolu-tamente nada preparado”, lembra. Duas semanas depois, chegariam do Chile outros dois voluntá-rios para auxiliar no trabalho.

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ALVENARIA A maioria das casas nas

favelas brasileiras são de tijolos, como no Jardim Ipanema, em São Paulo

Naquele momento, a UTPMP estava presen-te em outros sepresen-te países: Uruguai, Colômbia, Mé-xico, Costa Rica, El Salvador, Peru e Argentina. O Brasil era um desafio para a expansão do tra-balho por ser um país muito grande, onde não se fala espanhol e por concentrar quase metade da população em extrema pobreza da América Lati-na. São Paulo foi a cidade escolhida para abrigar a sede da ONG por se tratar de um grande centro econômico e por concentrar duas universidades tradicionais do país, nas quais seria possível re-crutar voluntários, a Universidade de São Paulo (USP) e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Os voluntários chilenos tam-bém contavam com a ajuda de um brasileiro, for-mando em arquitetura, Marcelo Pavan, que ha-via conhecido a ONG no Chile e aceitara auxiliar na implantação dela no Brasil.

Para iniciar os trabalhos, procuraram-se os centros acadêmicos das universidades de São Paulo em busca de estudantes que quisessem participar de uma construção na favela. A inten-ção era levar um pequeno grupo para construir poucas casas em uma espécie de oficina. Conhe-cendo a dinâmica do trabalho, esses estudantes poderiam recrutar mais voluntários e dar conti-nuidade ao projeto.

Depois, o grupo entrou em contato com al-gumas prefeituras buscando apoio e indicações de onde seria possível trabalhar. Eles fizeram maquetes da casa de emergência e slides para apresentar a ONG. Houve, contudo, dificuldade para que autoridades e empresas confiassem na-quele projeto.

Ao conhecer uma favela brasileira, Alvaro notou diferenças significativas em relação aos assentamentos chilenos. No Brasil, a grande maioria das casas era de alvenaria, muitas vezes com dois até três andares e banheiro interno. “No Chile, por ser um país com movimento de terra, com terremoto, as famílias não constroem em sólidos, elas constroem de madeira e um piso. Constroem, se podem, mas sempre de um andar”, explica. Por essa razão, seria necessário buscar lugares onde houvesse construções de papelão e madeirite, para quem o abrigo de emergência teria maior impacto.

A primeira construção de casas de emergên-cia no Brasil foi realizada no fim de semana dos dias 14 e 15 de abril de 2007, na favela de Itape-gica, em Guarulhos, região metropolitana de São Paulo. Foram construídas duas casas com a aju-da de 12 voluntários, estuaju-dantes aju-da PUC-SP e aju-da USP. As habitações foram integralmente

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finan-DE MAfinan-DEIRA Foi necessário convencer os

jovens de que uma casa, mesmo sem luz ou banheiro, já era uma grande melhoria

ciadas pelo escritório central da ONG, no Chile. A prefeitura de Guarulhos teve participação im-portante no trabalho, pois indicou a comunidade onde as casas poderiam ser feitas e viabilizou lu-gares para armazenar os materiais de construção e para o pernoite dos estudantes.

Depois dessa atividade, formou-se a primei-ra equipe de Um Teto Paprimei-ra Meu País no Bprimei-rasil, com seis voluntários fixos. Eram dois diretores gerais e outros quatro voluntários responsáveis, cada um, por uma das áreas de trabalho da ONG: detecção, voluntariado, construção e formação. Alvaro ressalta que o primeiro contato dos vo-luntários com as favelas foi essencial para a continuidade do trabalho. “Sempre depois das primeiras construções, há um impacto muito forte nos jovens porque se retiram muitos pre-conceitos que eles tinham com as favelas. Uma vez que tenham construído, compartilhado com a família, eles se dão conta de que o trabalho não era só construir a casa, mas conviver com eles, conhecer sua história”, explica.

Um dos desafios desta equipe foi convencer os estudantes a participarem do projeto. Muitos tinham medo de entrar nas favelas e outros du-vidavam da eficácia de uma casa de madeira, sem banheiro ou eletricidade. Alvaro também lembra que havia falta de interesse geral pelo trabalho voluntário. “No Chile, fazer voluntariado era quase parte de sua graduação. Aqui em São Pau-lo custava muito que eles tivessem interesse”, observa.

Em uma das estratégias para atrair voluntários, a equipe planejou uma campanha de impacto. Construíram um barraco de papelão e madeirite semelhante aos que se via nas favelas dentro do campus da USP. No entorno, colocaram mensagens denunciando a situação de pobreza e chamando atenção ao projeto. Havia também um e-mail e o endereço da página da ONG na internet para quem se interessasse.

Ao final de 2007, além da construção de abril, foram realizadas outras cinco atividades nas co-munidades Hatsuta, São Rafael e Chacrinha, em Guarulhos, e nas favelas Santa Maria e Kantian, em Itapeva, a 306 quilômetros de São Paulo, to-talizando 86 casas.

Após sete anos de atuação no país, a ONG cresceu expressivamente, ainda que os números sejam muito menores do que em outros países. Hoje, trabalham cerca de 80 voluntários fixos no escritório de São Paulo. Foram construídas 1680 casas em 61 comunidades com a ajuda de 22 mil voluntários. No Chile, entre 1997 e 2005, foram mobilizados 20 mil voluntários e construíram-se 24 mil casas. Se antes atrair os jovens era uma dificuldade, hoje há mais interessados do que vagas para as atividades. As inscrições para a construção de setembro deste ano, que oferecia 470 vagas para voluntários universitários, foram encerradas em cinco horas. Estudantes do inte-rior de São Paulo e, inclusive, de outros estados como Minas Gerais e Rio de Janeiro viajaram até a capital paulista para participar do evento.

No ano passado, os diretores de Un Techo Para Mi País dos 19 países onde a ONG atua reviram o modelo de trabalho da organização, buscando mais envolvimento dos moradores da comunidade e a maior proximidade deles com os voluntários. Junto com a estratégia de interven-ção, alterou-se o nome e o logotipo da ONG, que passou a se chamar Techo nos países de língua hispânica e Teto aqui no Brasil, como já era in-formalmente chamada pelos voluntários.

O modelo de trabalho adotado pela ONG é padrão em todos os países em que está presen-te e foi desenvolvido a partir da experiência nas comunidades do Chile. A intervenção ocorre em três etapas. A primeira envolve o processo de se-leção das comunidades e famílias e a construção da casa. A intenção, neste momento, é que além de fornecer uma moradia de melhor qualidade e que solucione as principais urgências, a cons-trução da casa gere confiança entre os dois gru-pos para que seja desenvolvida a segunda etapa do projeto, chamada de habilitação social. Nesta

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ENQUETE Ao escolher os moradores contemplados, consideram-se renda, condição da casa e estrutura familiar

segunda fase, são realizadas reuniões entre as lideranças comunitárias e voluntários para se discutir e pensar soluções para as necessidades prioritárias do grupo. A partir das ideias levan-tadas, o Teto implementa planos de apoio nas áreas de educação, saúde e fomento produtivo. A terceira e última etapa do trabalho consiste em prover casas definitivas às famílias e garantir que a comunidade consolide sua identidade, au-togestão, organização e participação dos mora-dores para que a necessidade de intervenção do Teto deixe de existir.

Todo esse processo começa, frequentemen-te, com um voluntário em frente ao computador, olhando a visão de satélite da região periférica de uma cidade. Foi assim que Daniela Pinheiro encontrou o Assentamento Menezes. Ao obser-var os mapas de cidades da região metropolitana de Campinas, ela buscava imagens de casas mui-to próximas, dispostas de maneira desordenada e densa, com ruas tortuosas e sem asfalto. Anotava o endereço do local para visitá-lo.

O próximo passo é informar-se na prefeitura sobre a existência de algum processo de remoção em andamento, plano de habitação ou urbaniza-ção previstos para aquele local. O Teto atua em comunidades onde as pessoas moram há mais de um ano e que ali pretendem continuar vivendo. Caso haja indícios de que os moradores se mu-darão em breve, a prefere-se não iniciar o traba-lho. O diretor de detecção e designação, área que seleciona as comunidades e as famílias, Gabriel Figueiredo, de 26 anos, explica: “Não vale a pena a gente entrar pra trabalhar sendo que a gente

pode trabalhar com pessoas que não estão con-templadas com essa solução mais permanente.”

Outros requisitos para iniciar a intervenção são o terreno não oferecer grandes riscos aos moradores e voluntários, como áreas de desaba-mento iminente, e a existência de, no mínimo, 30 barracos de madeira. “Se for pra entrar numa comunidade pra construir de uma vez doze ca-sas e depois não voltar mais lá, não vale tanto a pena quanto entrar numa comunidade que tem talvez um potencial construtivo maior ou que a gente pode trabalhar com mais calma e trabalhar ao longo de seis meses ou algo assim”, explica Gabriel. Em sua opinião, o fator principal para a escolha da comunidade é o interesse na propos-ta do Teto, pelo qual avalia-se a perspectiva de continuar trabalhando com a comunidade após as primeiras construções.

Devido ao crescente número de projetos de habitação nas favelas e pelo fato de a ONG já es-tar presente em diversas comunidades da Gran-de São Paulo, é cada vez menor o número Gran-de lu-gares onde o Teto consegue atuar nesta região. A solução para a expansão do trabalho no estado é buscar comunidades em outras áreas, como a região metropolitana de Santos e de Campinas.

Assim que os moradores da comunidade conhecem o projeto da ONG e aprovam a sua intervenção, os voluntários fazem um mapa da comunidade, assinalando as casas, pontos de re-ferência e outros detalhes que serão importantes para a logística da construção.

Para conhecer cada uma das famílias que mo-ram na comunidade, o Teto realiza as Enquetes

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DENSAS Nas favelas urbanas, os terrenos nem sempre

comportam a casa de 18m² e podem ter lixo e entulho

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Massivas (EMs) ou Detecções Massivas (DMs), que consistem na aplicação de questionários pe-los voluntários. A diferença entre as EMs e DMs é que as primeiras ocorrem durante um dia e em apenas um local, enquanto as DMs duram um fim de semana inteiro e podem ser realizadas em mais de uma comunidade ao mesmo tempo.

Os questionários incluem perguntas refe-rentes à condição física da moradia, dados so-cioeconômicos e sobre a estrutura familiar. Essas informações serão usadas, posteriormente, para avaliar quais famílias têm maior urgência de uma nova habitação. Têm prioridade casas com infiltração, chão de terra, congestionamento do-miciliar, famílias com grávidas, crianças peque-nas, idosos, doentes crônicos e desempregados. Para essas pessoas, um novo lar proporcionaria mais ânimo para buscar outras soluções por con-ta própria. “A gente acredicon-ta que a construção da casa seja um alívio para que a pessoa consiga, em vez de se preocupar se a casa tá ali ou não, se vai cair durante a noite, que ela gaste energia com outras facetas da vida”, explica Gabriel.

Como o Teto depende de doações para cons-truir as casas, nem todas as famílias podem ser atendidas de uma só vez. As enquetes ajudam a escolher quem será contemplado, mas a deci-são sobre quem deve receber a casa é feita pelos chefes de escola. Eles são os voluntários que as-sumem a função de organizar a construção em uma comunidade, garantindo que os moradores e voluntários estejam comprometidos com o tra-balho.

Para escolher as famílias da primeira cons-trução no Assentamento Menezes, a chefe de escola Isadora Todero, de 23 anos, levou em con-sideração o quanto o Teto poderia realmente aju-dar na mudança. “O que a gente tenta analisar é qual a capacidade da família de sair daquela situação por si só. Existem fatores que tornam isso mais difícil”, explica. Victor Okabayashi, 23 anos, que foi chefe de escola junto com Isadora, completa: “A gente sempre busca os moradores mais interessados.” Para ele, o envolvimento é fundamental.

As famílias selecionadas devem assinar um contrato de doação com obrigação, que estabe-lece o pagamento de uma taxa de 150 reais e o compromisso de participar das reuniões sema-nais de acompanhamento que antecedem a cons-trução. Também é necessário providenciar óleo queimado para passar sob o piso da casa e des-montar o barraco antigo antes da chegada dos voluntários. Durante a construção, os moradores precisam preparar o almoço da equipe e partici-par ativamente do trabalho. Pede-se a eles que não pratiquem sexo e não estejam sob o efeito de bebidas alcoólicas e drogas para não

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compro-INDÍGENA A aldeia Tekoa Pyau, em São Paulo, foi uma das comunidades atendidas pela ONG no mês de julho

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meter a atividade. Esta última regra vale também para os jovens participantes.

Entre o dia da assinatura do contrato e o início da construção, é comum que algumas fa-mílias queiram desistir da casa. Alguns têm difi-culdade para pagar os 150 reais, não conseguem dispensa do trabalho para participar no dia ou não querem se comprometer por receio de que os voluntários não apareçam para construir. “Tanta gente já foi na casa deles e falou pra eles que eles iam sair dali, que iam fazer isso, que ia fazer aquilo que, naturalmente, eles têm muita desconfiança”, explica Isadora. Este último fa-tor ocorre com mais frequência em comunida-des onde o Teto vai trabalhar pela primeira vez, como foi no Assentamento Menezes. Ali, havia recursos para trabalhar com 35 famílias, mas ao final foram construídas apenas 16 casas.

Trabalhos de inverno

Com as visitas semanais de Isadora, Victor e outros voluntários, Paulo e Sueli foram se con-vencendo aos poucos de que a construção da casa realmente aconteceria. Sueli passou a gos-tar da presença dos jovens na comunidade. Sen-tia falta quando um deles não aparecia, pois era alguém a menos para conversar, dar um abraço. “O que a gente achou mais legal é que primeiro eles conquistaram o nosso amor. Conquistaram a gente primeiro pra depois começar a construir”, lembra.

Decidiu-se que a primeira casas do Assenta-mento Menezes seriam feitas em julho, durante os “Trabalhos de Inverno”. Diferentemente das construções usuais, que ocorrem em um fim de

semana, esta atividade duraria nove dias e cada voluntário inscrito trabalharia não em uma, mas em três casas. Embora construções realizadas du-rante o período de férias dos estudantes fossem comuns em outros países, no Brasil estes seriam os primeiros trabalhos deste tipo. Além do As-sentamento Menezes, o Teto atuaria em outras quatro comunidades simultaneamente: Bugre, em São Vicente, no litoral do estado; Nova Ca-naneia, em CaCa-naneia, também no litoral; Tekoa Pyau, em São Paulo, e Jardim Tonato, em Carapi-cuíba, Grande São Paulo.

A construção durante as férias permitiu a Bárbara Leão, de 19 anos, se inscrever na ativida-de. Fazia tempo que ela desejava trabalhar com o Teto, mas tinha aulas durante os sábados. Como ponto de encontro para a saída às comunidades, poderia escolher a cidade de Campinas ou São Paulo. Preferiu Campinas por ser mais próxima de Salto, sua cidade natal.

Por volta das oito horas da manhã de sábado, 20 de julho, os voluntários começaram a chegar ao campus da Universidade Estadual de Cam-pinas, no distrito de Barão Geraldo, com suas mochilas, travesseiros e colchonetes. Enquan-to aguardavam a chegada de Enquan-todos os inscriEnquan-tos, conversavam entre si para se conhecerem uns aos outros. Havia gente de várias universidades do interior de São Paulo e inclusive intercambis-tas da Alemanha e Espanha.

Quando todos chegaram, a organização pe-diu que se sentassem no chão, em frente a um telão, onde exibiram um vídeo institucional da ONG. Em seguida, explicaram como funciona-riam aqueles nove dias de trabalho e

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apresen-taram a comissão organizadora. Coordenador de trabalho, chefes de escola, monitores, líderes de equipe. Cada um daqueles voluntários mais experientes tinha uma função distinta para ga-rantir que as casas fossem entregues da melhor forma ao final daqueles Trabalhos de Inverno. Antes que todos se dirigissem ao ônibus que os levaria a Paulínia, Isadora expressou um último desejo. “Peço a vocês que se livrem de todos os seus preconceitos e vão para essa construção só com o coração.” Os voluntários da organização se abraçaram, emocionados por começar a ajudar mais um grupo de famílias.

Depois de 30 minutos de viagem, o ônibus parou em frente a uma igreja. No salão de festas, as intendentes Daniela Pinheiro e Camila Gou-vêa aguardavam os voluntários. Naquela cons-trução, elas eram responsáveis por limpar o alo-jamento e preparar o café da manhã e o jantar. Deram instruções para que todos deixassem as malas no salão e pegassem o necessário para a construção.

Reunidos em uma praça em frente à igreja, os jovens foram divididos em equipes de sete pes-soas: cinco voluntários e dois líderes de equipe. Os líderes, voluntários mais experientes, deve-riam ensinar aos demais como construir a casa. Na equipe de Barbara, a líder Alyne Yamabe, de 21 anos, entregou aos estudantes uma folha com a foto de um casal e duas crianças. Logo abaixo havia uma descrição da família.

Camila Rodrigues, de 23 anos, e seu marido, Ademir, também conhecido como Branco, vi-viam no Assentamento Menezes desde o início da invasão, em 2008. Tinham dois filhos, Rodri-go, de três anos e Ivete, de cinco, e estavam bas-tante envolvidos com o trabalho do Teto.

O casal foi muito receptivo aos voluntários. Assim que chegaram, Branco se juntou aos jo-vens para começar a construção enquanto Ca-mila preparava o almoço. Seguindo as instruções dos líderes, pegaram suas trenas e formaram um retângulo de três metros de largura por 6,10 de comprimento. Mediram a diagonal: 6,80 metros. Ali ficaria a casa. Os vértices do retângulo indi-cavam a localização de quatro das quinze estacas de eucalipto, chamadas de pilotis, que seriam

fi-xadas para fazer a fundação da casa. Marcados os pontos, começaram a cavar os buracos, cuja profundidade variava de um a três metros.

Barbara nunca havia utilizado uma cavadei-ra antes. Manejava a fercavadei-ramenta com dificuldade, pensando o melhor jeito de vencer a terra batida. Lançava a pá com força no solo, empurrava as hastes e puxava. Colhia uma pequena porção de terra que logo escapava pelas laterais. Enquanto se esforçava para aumentar alguns centímetros do buraco, Branco cavava com habilidade e já passava do primeiro metro de profundidade.

Para fixar as estacas, dois voluntários saí-ram pelo Assentamento em busca de pedras que mantivessem o piloti estável. A recomendação do Teto é que os jovens nunca andem sozinhos pela comunidade e avisem seus líderes ao sair. É obrigatório o uso da camiseta com o logo da ONG durante toda a estadia no local.

Cavar buracos e fixar os pilotis é a parte mais trabalhosa da construção. “Alguns terrenos são mais difíceis, por conta da composição, porque tem muita pedra, porque tem muito lixo embai-xo da terra. Mas a parte de levantar paredes e colocar telhado é mais tranquila”, explica Júlio Lima, 28 anos, diretor de construções do Teto. Em outras ocasiões, já foram encontrados sob os terrenos pneus, tapetes, lixo e entulhos.

Às seis e meia da tarde, os voluntários retor-naram à igreja. Deixaram os tênis sujos de barro na entrada do salão e foram se limpar antes que o jantar fosse servido. Sentados em seus colchões, esfregavam lenços umedecidos sobre o rosto, mãos e braços. Depois trocavam de calça e ca-miseta. Durante as construções, não é permitido tomar banho, para não gastar a água da comu-nidade, que frequentemente sofre com a falta de abastecimento. Naqueles trabalhos de inverno, seria permitido que os voluntários tomassem ba-nho, mas apenas no quarto dia de construção.

Domingo, oito da manhã, a turma já estava no Menezes acordando os moradores. Precisa-vam terminar a fundação da casa para montar o piso e erguer as paredes, que são formados, no total, por onze painéis de madeira pré-fabricada. À equipe de logística ficava a tarefa de carregar as peças da casa até cada um dos terrenos distri-buídos num raio de cem metros. O trabalho pe-sado era feito com descontração. Ao som de “Vai Logísticaaa!”, todos gritavam em coro: “Aú! Aú! Aú!” e seguiam pela comunidade.

A casa de emergência do Teto têm três jane-las e uma porta, o que resolve um dos principais problemas dos barracos da favela, que é a falta de ventilação, de acordo com Júlio. “Muitos deles não têm janela o que acaba resultando em vários problemas de saúde, problemas respiratórios, de pele”, explica. Para proteger da chuva e do frio, o

Em sete anos, o Teto

mobilizou 22 mil jovens

e construiu 1.680 casas

em 61 comunidades

dos estados de SP e RJ

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MUTIRÃO Feita de madeira pré-fabricada e

telhas de aço, a casa pode ser montada em dois dias com ajuda de sete a 12 pessoas

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telhado da casa do Teto é composto por um iso-lante termoacústico e seis telhas de aço galvani-zado sobrepostas. A habitação é desenhada para ser montada em dois dias por mão de obra não especializada, tem durabilidade de cinco anos e custa 4.500 reais. Não há banheiro ou instalação elétrica, pois isso requereria uma intervenção junto ao poder público, o que não é intenção da ONG nesta etapa do trabalho.

O tamanho total da casa é de 18,3 metros quadrados. Ela segue a recomendação da Orga-nização Mundial da Saúde (OMS) que estipula a existência de pelo menos três metros quadrados por pessoa para habitação. As casas do Teto são feitas para famílias de 4 a 5 pessoas. Porém, em algumas casas vive mais gente do que o ideal. Isso ocorre porque a ONG só constrói no terreno que já pertence à família. Caso haja espaço para duas casas, famílias numerosas podem receber mais de uma habitação. No entanto, nas favelas urbanas da Grande São Paulo, o que se encontra com mais frequência é o oposto: terrenos com menos de 18 metros quadrados que não comportam a casa do Teto.

Por esse motivo, a equipe de redesenho da di-retoria de construções da ONG desenvolveu um modelo menor de habitação, de 12 metros qua-drados (4,88 metros de comprimento por três de largura). Esta casa menor só existe no Brasil. Re-centemente, a equipe elaborou, em parceria com a iniciativa EcoHouse, da Universidade de Cam-bridge, Inglaterra, o protótipo de uma nova casa que mantém os 18 metros quadrados de área útil, mas ocupa um espaço menor no solo. A solução encontrada foi incluir um mezanino, que pode ser utilizado como dormitório ou armário. O modelo ainda está em processo de avaliação.

No Assentamento Menezes, contudo, o espa-ço não era um problema. Os terrenos eram gran-des o suficiente para se construir a casa do Teto sem necessidade de derrubar a antiga moradia. Várias delas estavam sendo construídas para que servissem de anexo à casa atual, como na família de Joseane Santos Aguiar, de 28 anos, e seu ma-rido, Marcos Alexandre de Oliveira, de 28 anos. Ali, Marcos e os voluntários começavam a fixar os painéis, que aos poucos ganhavam feição de casa. Reservado e de poucas palavras, ele sorria ao observar as paredes quase prontas e comenta-va com Joseane sobre o tamanho da casa e como iriam dispor os móveis.

Vez ou outra, um dos monitores aparecia no terreno para ver como a construção estava evo-luindo. Por serem voluntários bastante

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experien-INTERIOR No Assentamento Menezes, em Paulínia, várias casas foram construídas como anexo à moradia antiga

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tes em construções, eles eram responsáveis pela qualidade técnica da casa. Por isso, orientavam os líderes sobre alguns problemas que encontra-vam durante o processo construtivo, como pai-néis que não se alinhavam e portas e janelas que não encaixavam.

Àquela altura da construção, a voluntária Barbara estava chocada com o modo de vida na comunidade, principalmente o racionamento de água. Via a precariedade das casas e pensava no frio que as crianças deveriam passar em noites de inverno como as daquela semana. Por outro lado, ficava surpresa com a alegria dos morado-res apesar das dificuldades. Uma das famílias que mais a encantou foi a de Maria José Batista dos Santos, com quem trabalhou no segundo turno. Maria José, seu marido André e os filhos Larissa, de cinco anos e Hostilio, quatro anos, moravam em uma casa de um cômodo, que servia de co-zinha, sala e quarto. Barbara lembra que André agradecia aos voluntários por aquele gesto de ajuda ao próximo mais do que pela própria casa. “O André falava muita coisa dos filhos dele, que eu nunca tinha pensado. Dizia que pras crian-ças, aquilo era muito grande. Eles ressaltavam a importância do que a gente tava fazendo mais do que a importância que a casa tinha pra eles”, recorda-se.

Enquanto os voluntários inauguravam as primeiras casas, Paulo e Sueli aguardavam o seu dia de começar a construir. A casa deles, assim com a de outras quatro famílias, seria feita no último turno por uma equipe corporativa. Para financiar as casas, o Teto propõe pacotes para as empresas. Elas doam uma quantia fixa, que é administrada como a ONG preferir, e podem le-var seus funcionários para trabalhar em algumas casas.

Além das doações de empresas, pessoas fí-sicas também podem contribuir tornando-se um “Amigo do Teto”, ou seja, filiando-se à ONG e doando um valor mensal. Anualmente, a organi-zação faz uma campanha institucional com o ob-jetivo de divulgar a causa e o trabalho do Teto e arrecadar doações. Uma das estratégias da cam-panha é a realização da Grande Coleta. Durante dois dias os voluntários se espalham pelas prin-cipais ruas da cidade de São Paulo com panfletos, cartazes e cofres de madeira que imitam a casa construída para recolher contribuições. Este ano, o evento foi realizado nos dias 22 e 23 de agosto e arrecadaram-se 315 mil reais. Contando com as outras ações, a campanha institucional trou-xe 512 mil reais para o caixa do Teto. De acordo com o diretor de administração e finanças Ada-ílton Silva, este montante cobre, essencialmente, os gastos anuais com os salários dos diretores e as despesas do escritório da ONG em São Paulo.

Seis meses após a aprovação da entrada do Teto no Menezes, o telhado da casa de Paulo já estava fixado e a tinta laranja sobre os painéis de madeira começava a secar, anunciando o mo-mento da inauguração. Os voluntários varreram a casa e encheram bexigas para enfeitá-la por dentro. Com uma fita, fizeram um laço na fecha-dura da porta para a cerimônia.

O casal soltou a fita e entrou com o pé direito na casa. Reunidos em círculo, Isadora e Victor agradeceram aos dois por recebê-los em sua casa e pela confiança que tiveram no projeto. A entre-ga de mais uma moradia provocava lágrimas nos rostos. Para oficializar a posse da casa, foi entre-gue ao casal um certificado do Teto no nome de Sueli Seixas. Todos aplaudiram e se abraçaram emocionados.

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INAUGURAÇÃO Voluntários e moradores se

emocionam na entrega da casa de Paulo e Sueli

ARQUIV

O PESSO

AL

surpreendido com a atitude dos jovens, a quem deixou de ver como playboys que queriam au-topromoção. No lugar disso, construiu-se uma amizade. “Eles bebem água onde tiver que beber, comem onde tiver que comer, conversam, sen-tam em qualquer lugar, dá risada. É como se fos-se um de nós”, comentou. A convivência com os moradores do Menezes também havia sido im-portante para Barbara, que se lembraria da ex-periência em outras ocasiões. “Às vezes eu vou ficar chateada com alguma coisa e penso, nossa, mas e tudo o que eles passam e eles continuam sempre felizes. Será que eu tenho o direito de ficar triste por uma coisa pequena dessas?” Para ela, aqueles foram os nove dias mais importan-tes da sua vida, aqueles em que mais aprendeu.

Consciência social

“Obrigado por me dizer que eu sou especial. Eu não sabia que eu era especial pra alguém.” São sete e meia da manhã, os voluntários ainda estão na escola, abraçados em um grande cír-culo, com os olhos fechados. “A gente trabalha num lava jato nas férias pra poder comer carne todos os dias”, diz um menino do outro ponto da roda. “É engraçado como tem pessoas que nem conhecem a gente direito e se lembram da gen-te”, conta outra voluntária. O silêncio volta até que outro jovem sinta que é o seu momento de falar. Embora as vozes sejam suas, as frases fo-ram originalmente ditas por moradores do As-sentamento Menezes, em Paulínia. Uma após a outra, as palavras ressoam provocando lágrimas nos rostos. Retoma-se o silêncio. Os voluntá-rios abrem os olhos, reúnem suas ferramentas e saem para mais um dia de construção.

A atividade de repetir frases marcantes ou-vidas durante o trabalho do dia anterior, chama-da “Vozes chama-da comunichama-dade”, era uma chama-das práticas de formação dos voluntários durante os traba-lhos de inverno. A formação, realizada duas ve-zes por dia, antes de cada saída para a construção e após o jantar, é o momento para que o jovem pense sobre o trabalho que está sendo feito na comunidade e reflita sobre a injustiça social e o seu comprometimento como voluntário. Em ge-ral, as atividades envolvem conversas entre as equipes, a leitura de textos curtos ou uma dinâ-mica de grupo. Cada construção tem um tema para guiar formações, como cooperação, cidada-nia e motivação dos voluntários.

Como estratégia para provocar a reflexão, pretende-se sensibilizar o jovem. “A gente tenta buscar o que aconteceu no dia, o que eles viram pela primeira vez, o que impactou, e começa, a partir disso, a relacionar as coisas dentro do tema”, explica o diretor de formação e volunta-riado, Bruno Dias, de 23 anos. Discussões sobre

as causas da pobreza, da desigualdade, ou sobre políticas habitacionais ocupam um espaço me-nor. “A gente tem que entender que muitas vezes o voluntário está entrando em contato com essa realidade pela primeira vez, ou seja, muitas ve-zes ele não tem um entendimento prévio de toda essa realidade. A principal questão é sensibilizar para que ele, a partir daí, comece a ir atrás disso”, defende Bruno. Apesar do tempo programado para a reflexão, o Teto acredita que o aprendi-zado dos voluntários desenvolve-se, essencial-mente, a partir da vivência nas comunidades e do trabalho em conjunto com as famílias.

Na primeira construção em que participou com o Teto, Alyne Yamabe mal conseguiu re-fletir sobre a desigualdade social ou a extrema pobreza. “Eu não estava pensando em nada, eu só estava recebendo a porrada na cara”, lembra. Aquele fim de semana de agosto de 2011 foi de frio intenso e muita chuva. Na favela do Murão,

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em Carapicuíba, região metropolitana de São Paulo, ela e outros voluntários se revezavam para cavar buracos na lama e carregar os painéis da casa com a água até os joelhos. Enquanto se apressavam para terminar o abrigo, uma família apertava-se em um cômodo improvisado com os madeirites do antigo barraco aguardando a inau-guração da nova casa.

Quando a construção acabou, mesmo cansa-da, com frio e doente, Alyne sabia que voltaria a trabalhar com o Teto. “Ter entrado na comuni-dade, ter visto como aquelas pessoas moravam me deixou muito mexida, de um jeito que eu não sabia explicar”, conta. Depois de três anos traba-lhando nas construções e no escritório da ONG, ela reconhece que a sua motivação para conti-nuar voluntariando vem das histórias ouvidas na comunidade. “É perceber que aquelas pessoas são exatamente iguais à gente e o que levou elas a estarem lá e a gente aqui, numa universidade, foi uma questão de oportunidade. Às vezes, até de sorte ou azar”, explica.

Para muitos voluntários, além de envolver-se com a causa da ONG, conhecer a extrema pobreza influencia no rumo profissional. A arquiteta Thais Grotti reconhece que o trabalho desenvolvido junto ao Teto durante os primeiros anos da faculdade foi essencial para que escolhesse a

habitação social como especialização. “Eu vi a segregação de perto e isso fez com que eu quisesse trabalhar mais nessa área”, comenta. Hoje, ela trabalha com regularização fundiária em uma empresa que presta serviços para a CDHU em São Paulo.

O trabalho do Teto é voltado, prioritaria-mente, a voluntários de 18 a 30 anos, pois tem o objetivo de conscientizar o jovem para que ele dedique os conhecimentos adquiridos na facul-dade a um bem social. O diretor de formação e voluntariado, Bruno explica: “O jovem, quando entra na universidade, ele tomou uma decisão, o curso que ele quer fazer. Mas o que importa pra gente é, do que ele decidiu fazer, o que ele vai fazer com isso? Se ele vai ser um médico, ele vai ser um cirurgião plástico ou ele vai trabalhar no SUS para desenvolver um atendimento às pesso-as que mais precisam?” Na sua avaliação, nesta fase da vida o estudante pode desenvolver o seu potencial de comprometimento, pois há maior disponibilidade de tempo para dedicar-se a uma atividade voluntária.

A ONG também realiza construções com es-tudantes secundaristas acima de 16 anos. Nesse caso, propõe parcerias com as escolas para que, após a atividade do Teto, os alunos discutam em sala de aula sobre a desigualdade social e a extre-ma pobreza. Espera-se que com este trabalho o estudante conheça a condição de vida nas favelas antes mesmo de entrar na faculdade.

A atual coordenadora da área de colégios, Andrea Nunes Marin, de 19 anos, conheceu o trabalho do Teto no ensino médio, quando a ONG estava começando a construir com estu-dantes secundaristas. Seu colégio não tinha par-ceria com o Teto, mas, devido a sua insistência em participar de uma construção, abriu-se uma exceção para ela e outros quatro amigos. Depois de voltar de um fim de semana de trabalho di-fícil no Jardim Tonato, em Carapicuíba, Andrea passou a criticar sua escola por não proporcio-nar aos alunos experiências que os fizessem re-fletir sobre a desigualdade social. Uma das ações do colégio era levar os alunos para visitar uma creche na Vila Mariana, em São Paulo. “As ati-vidades voluntárias que eram para promover a discussão de aproximar com uma outra realidade eram rasas, ao meu ver. Eu não achava que real-mente envolvia e mobilizava pra mudança. Dava um sentimento de tristeza e um alívio, somente”, explica Andrea.

Por ter vivido a experiência, ela acredita que sempre entendeu a importância que pode ter

REFLEXÃO Durante as atividades

formativas, os voluntários pensam sobre o que viram na comunidade

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DIVUL

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FESTA Jovens comemoram o resultado da Campanha Institucional deste ano, que arrecadou 512 mil reais

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para uma pessoa participar de uma atividade como a do Teto ainda no colegial. Além de pro-porcionar um envolvimento com a realidade que quer mudar, o trabalho na ONG influenciou na sua escolha pelo curso de psicologia e também a ajudou no amadurecimento profissional. “Saber fazer reunião, como se monta uma equipe, como se divide funções. Acho que pra um jovem isso ajuda muito”, conta.

Para que os alunos participem da constru-ção, o colégio pode custear o valor da casa ou os próprios estudantes arrecadam a quantia ne-cessária. Michel Gretschischkin, de 17 anos, e outros colegas do colégio Pueri Domus Unidade Itaim, na zona oeste de São Paulo, venderam do-ces durante a festa junina da escola e pediram doações para garantir a participação de 16 alu-nos na construção de duas casas em setembro deste ano.

No dia da construção, os alunos dos colégios participantes se misturaram em diferentes equi-pes lideradas por dois voluntários universitários. Michel foi construir na aldeia indígena Tekoa Pyau, em São Paulo, cujas condições de mora-dia considerou melhor do que a comunidade em que construiu ano passado. “Tá um pouquinho melhor que a da outra, eu já achei que o lugar tá bom, sabe? A gente se acostuma rápido, mas impressiona”, comenta.

Ali, o que mais o chocou foi a quantidade de cachorros pela aldeia. Ano passado, ficou sur-preso com o número de filhos que os moradores tinham. Na família com quem construiu havia nove crianças. “Mas, de resto, as pessoas são

iguais em tudo quanto é lugar. Acho interessante isso. Me impressionam as crianças, sempre feli-zes, independente de onde elas estão, brincando com um pedaço de boneca...” Michel pretende prestar vestibular para engenharia mecânica. Apesar de acreditar que o trabalho no Teto pode ajudar na sua formação como pessoa, a atividade não influenciou na escolha profissional. O prin-cipal motivo para ter voltado a participar de uma construção foi a felicidade em poder ajudar os outros.

Ainda que muitos voluntários se encantem com o projeto e dediquem boa parte da rotina ao Teto, outros discordam da forma como o tra-balho é desenvolvido e deixam de participar. A estudante de arquitetura Giovana Martino, de 21 anos, ainda pensa duas vezes antes de atuar no-vamente na organização. “Eu tenho vontade de voltar principalmente para ter contato com a co-munidade, para construir e ajudar, mas não para abraçar a causa da ONG”, explica.

Giovana participou de cinco construções en-tre 2011 e 2012 e sentiu que, nas últimas ativi-dades, a urgência em terminar as casas resultou em um descaso com os momentos de formação. Percebeu, também, que muitas pessoas partici-pavam das construções por status e não para re-fletir sobre a ação. “A falta de reflexão chega, no final das contas, a pessoas que estão ali pra fazer pose de que é legal e não pra pensar no que estão fazendo”, explica.

Após um ano à frente da diretoria de Detec-ção e DesignaDetec-ção, a arquiteta Thais também dei-xou de participar do Teto, em 2009, por discordar

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RETORNO Após constatar a necessidade de mais casas, o Teto voltou à Projecta, em Guarulhos, em setembro

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do modelo de trabalho da ONG. Até recentemen-te, não havia um processo de acompanhamento das comunidades após a construção, o que Thais considerava contraditório com a divulgação da instituição, que ressaltava uma melhora signifi-cativa na vida das pessoas. “Aquela animação, a alegria, não dura muito tempo. Para muitas fa-mílias a casa é muito boa e livra das piores con-dições, mas não é tudo.” Na sua opinião, a cons-cientização dos jovens acaba sendo muito maior do que a melhora na condição de vida das pesso-as ajudadpesso-as.

Desenvolvimento comunitário

Quatro anos atrás, quando o Teto chegou na Projecta, comunidade de Guarulhos, para apre-sentar sua proposta aos moradores, Ivone de Morais Leite, de 64 anos, e o marido não tinham casa. O barraco em que viviam havia se incen-diado e eles moravam de favor na casa de vizi-nhos. Embora o casal tivesse ganhado madeirites para construir uma nova casa, não tinham como construí-la. Com a proposta do Teto de montar um abrigo de emergência com a ajuda dos vo-luntários, eles venderam a madeira para pagar os 150 reais do projeto. “Nós pagamos em duas vezes. E estamos aqui até hoje. Ainda não tá bem do jeito que nós queremos, mas tá melhor do que na casa dos outros”, comenta.

Há um mês, Ivone e o marido construíram o banheiro da casa. Antes, continuavam a de-pender dos vizinhos. “Às vezes não dava, a gen-te fazia numa latinha, sabe? Pra jogar fora era o maior sacrifício. Daí conseguimos fazer o ba-nheiro ficou melhor, até pra tomar banho.

Preci-sa do piso, ainda, então nós tomamos banho aqui dentro, na bacia.” O ponto ruim da casa, conta, é o esgoto que tem em frente. Quando chove, ele transborda e nem a mureta que construíram im-pede que água entre pelo terreno.

Ivone, que nasceu em Guarulhos, mora com o marido na Projecta há 16 anos. Seu desejo é mudar-se para um lugar sossegado onde possa criar alguns animais. “Nossa intenção era com-prar uma chacrinha e ir embora. Mas, por en-quanto não deu, vamos ficando por aqui mesmo, né?”, conforma-se.

O Teto realizou as primeiras construções na Projecta em 2008. Recentemente, decidiram reto-mar o trabalho na comunidade, visto que ainda havia demanda por moradias melhores. A última construção foi realizada em setembro e, na oca-sião, uma das moradoras contempladas receberia uma casa do Teto pela segunda vez, pois a que havia sido construída anteriormente estava de-teriorada.

As famílias que receberam as primeiras casas da ONG, não tiveram um acompanhamento após a construção. O Teto Brasil ainda não dispunha da equipe de habilitação social, segunda fase do projeto, que busca soluções para os problemas enfrentados na comunidade em conjunto com os moradores. Para iniciar este trabalho, a ONG precisava do aval do escritório central, no Chile, que exigia o crescimento da instituição no país e a construção de mais casas antes da formação de uma equipe para este trabalho.

A diretoria de habilitação social (HS) come-çou seus trabalhos no Brasil em maio deste ano, mas não nas primeiras comunidades em que o

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MUDANÇA Moradora da Projecta há

16 anos, Ivone gostaria de viver em uma chácara para poder criar alguns animais

Teto construiu. A segunda fase foi iniciada na Vila Nova Esperança, zona oeste de São Paulo, divisa com Taboão da Serra, na Sousa Ramos, zona leste da capital e na favela do Murão, em Carapicuíba. A escolha por esses locais foi feita pelo diretor da equipe, Luciano Biolé, seleciona-do para o cargo deviseleciona-do à experiência de quatro anos trabalhando com a habilitação social na Ar-gentina, seu país de origem. Ele buscou comuni-dades que não fossem muito complexas e com demandas distintas. “A Vila Nova Esperança tem uma liderança forte, tem pessoas que estão ao redor da liderança. A [líder] Lia acredita muito na gente, então é mais tranquilo.” A comunida-de abriga cerca comunida-de 400 famílias e foram constru-ídas 29 casas do Teto no local, entre setembro de 2012, e abril deste ano.

O trabalho de habilitação social começa com uma atividade entre Teto e moradores, chamada diagnóstico participativo, na qual se organizam dinâmicas para que cada morador opine sobre o que poderia ser melhorado na comunidade. “E a gente está aí como facilitador do espaço”, explica Luciano. Gera-se, então, uma lista de prioridades e são escolhidas cinco pessoas para fazerem par-te das mesas de trabalho. As mesas são reuniões semanais em que se discutem os projetos prio-ritários e se planeja sua execução. Participam da reunião moradores, dois voluntários do Teto, chamados coordenadores de mesa de trabalho, e outras organizações.

Paralelamente, uma equipe de diagnóstico realiza enquetes com os moradores para identifi-car a condição educacional, de trabalho, renda e moradia das famílias, que servirão para orientar melhor os projetos de acordo com a situação da comunidade. Outro grupo de voluntários presta assessoria jurídica a temas que sejam comuns ao grupo, como os procedimentos para regulariza-ção do terreno. E há também o FunTETO, um fundo para financiamento de projetos de mora-dores que não visem apenas o lucro pessoal, mas beneficiem também a comunidade.

Na Vila Nova Esperança, o primeiro projeto realizado a partir de uma mesa de trabalho foi uma festa junina com o intuito de arrecadar fun-dos para a associação de moradores. Outros pro-jetos, como a urbanização do local e a realização de cursos de capacitação, estão na lista de plane-jamentos, mas, por enquanto, a prioridade é a re-gularização do terreno onde está a comunidade. Sobre o salto alto, Maria Lourdes de Souza, a Lia, caminha pelas ruas de terra com facilidade. Tem os cabelos presos, um sorriso no rosto, a voz

firme e confiante. Está sempre disposta a discutir os projetos da Vila e cobrar a participação dos vizinhos. Num domingo, dia de mesa de traba-lho, ela e outros moradores organizavam um protesto que seria realizado na manhã seguinte, em frente à prefeitura de Taboão da Serra. Eles pediriam uma reunião para discutir a situação legal da Vila. O ônibus que levaria os moradores até a prefeitura já estava acertado, e Lia exigia a presença de todos. “Tua casa, se depender deles, vai pro chão. Seja corajosa e lute”, dizia ela a uma babá que não queria faltar ao trabalho para com-parecer ao protesto. A mulher tinha receio, não queria se meter em confusão. “Ai, eu sou muito covarde, Lia”, lamentava. Mas ela insistia: “Pra lutar pelos meus direitos, eu viro uma leoa. Eu estou sendo leoa por vocês.”

A maior vontade de Lia é que os moradores da Vila Nova Esperança não sejam removidos da comunidade, que existe há 52 anos. Quer trans-formar o local em uma vila ecológica, com aces-so a infraestrutura básica e que cause poucos danos ao meio ambiente. Ela agradece ao Teto pela moradia de melhor qualidade e por ajudar nas outras necessidades da comunidade. “O Teto começou a ver que tinha uma necessidade de eles trabalharem, não só com casa, mas também orientando os moradores, como eles deveriam correr atrás dos seus direitos”, comenta.

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A meta da equipe de habilitação social até o fim do ano é iniciar o trabalho em mais uma comunidade e promover um encontro de lide-ranças comunitárias para que troquem, entre elas, experiências sobre a realidade de cada local. Na opinião de Luciano Biolé, este trabalho só é possível com o comprometimento e a partici-pação contínua dos voluntários. Nesta fase do projeto, as atividades não são esporádicas como as construções, que acontecem uma vez por mês. É necessário que o jovem dedique parte do seu tempo semanalmente. “Eu montei descrições dos cargos e eu tenho uma reunião com cada volun-tário, explico o que é HS, como é a equipe, as opções pra pessoa fazer parte. Aí quando ela es-colhe, eu falo: “bom, estas são suas funções, esta é sua responsabilidade e este, o tempo que você vai precisar”, explica. Na sua opinião, é este nível de comprometimento que fará com que os resul-tados do trabalho apareçam.

No Assentamento Menezes, a situação dos moradores evoluiu bastante quatro meses após a construção. Passados dois dias da partida dos

voluntários, o secretário de habitação de Paulínia visitou a comunidade e algumas melhorias foram adotadas. O caminhão pipa aparece no assenta-mento com mais frequência, foram colocadas caçambas de lixo na entrada do local e o ônibus pode ser tomado num ponto mais próximo. Em reunião com o prefeito de Paulínia, realizada em setembro, os moradores aprovaram a oferta de se mudarem para o Residencial Pazetti, que está sendo construído em terreno vizinho. As casas serão financiadas em 30 anos, sem entrada, com parcelas de meio salário mínimo ao mês. Na opi-nião de Paulo Cesar Seixas, morador do assenta-mento, a ação do Teto deu visibilidade ao proble-ma da habitação precária e contribuiu para que o poder público trouxesse soluções.

O diretor social do Teto, o mexicano Miguel Maldonado, 30 anos, explica que o trabalho da ONG é uma denúncia da situação de pobreza ao poder público. “Não há nada mais denunciante do que ter que levar jovens que deveriam estar estudando a enxergar problemas da comunida-de comunida-de nossos países. Porque não comunida-deveriam estar acontecendo esses problemas”, enfatiza. Embora acredite na responsabilidade do governo como solucionador destes problemas, ele ressalta que é papel da sociedade lembrá-lo de que esta situa-ção existe. “Nós, como sociedade, nós temos que enxergar que esse problema não é só das pesso-as que estão em situação de pobreza e não é só do governo, é de todos. Se essa pessoa é do meu país, do meu bairro e está nessa situação, é meu problema também. Porque se ele está mal, eu vou estar mal também”, justifica.

LEMBRANÇA Maria José recorda-se com carinho do grupo de voluntários que construiu sua casa em julho

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A ONG vislumbra uma

sociedade justa e sem

pobreza e aposta na

solidariedade para

conseguir alcançá-la

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EQUIPE Em conjunto, a líder, Lia, e jovens do Teto

pensam em projetos para melhorar a comunidade

O Teto vislumbra uma sociedade justa e sem pobreza e acredita na solidariedade entre os voluntários e os moradores das favelas para de-nunciar e superar esta situação. Miguel, contu-do, acredita que isto não será concretizado pela ONG como instituição. “Acho que seria extrema-mente ingênuo e ambicioso falar que o Teto vai acabar com a pobreza.” Ele acredita, no entanto, que o trabalho da ONG tem o potencial de mu-dar uma geração de jovens, que terão uma visão mais concreta da realidade do seu país e poderão fazer a diferença. “As instituições do setor públi-co e do setor privado são públi-compostas por pessoas. O olhar dessas pessoas afeta essas instituições”, sustenta.

No que se refere à saída da condição de po-breza, a cientista social Maria Encarnación Moya defende que o trabalho é o fator central para a mudança, pois confere certo grau de previsibi-lidade para a vida. “Não receber nada, não sa-ber quando vai recesa-ber conforma uma situação de instabilidade, de uma baixa autoestima que pode conformar até um círculo vicioso”, expli-ca. Ao considerar que a preocupação do Teto é trabalhar com pessoas em extrema precariedade habitacional para em seguida fortalecer a comu-nidade, ela enxerga que há um problema na no-ção de comunidade. “Eu não acho que essa nono-ção possa ser fabricada por uma política deste tipo ou de qualquer outro tipo, porque as pessoas têm afinidades que passam por muitas outras coisas” comenta. São fatores como as experiências em comum e as afinidades pessoais que fazem com que as pessoas se conheçam e possam contar umas com as outras. “É claro que o Teto tem uma experiência comum. Agora o Teto entra, o Teto sai. Quando ele volta, será que ele vai encontrar aquela mesma solidariedade do processo que eles instauraram?” questiona.

Os casos de maior sucesso da atuação do Teto estão no Chile. Lá, a organização conseguiu, jun-to com as comunidades, prover moradias defini-tivas para muitas famílias e hoje administra um fundo do governo para habitação. Para o dire-tor de HS, Luciano, isso não é coincidência, pois o Chile é um país onde o voluntariado é muito forte. “Eu acredito assim, mais participação da sociedade, mais desenvolvimento tem. Menos pessoas que ficam esquecidas pela outra parte da sociedade”, explica.

Aqui no Brasil, o trabalho está se expandin-do aos poucos. Este ano, o Teto abriu uma sede do escritório no Rio de Janeiro. O município foi escolhido após um estudo que avaliou, dentre as principais cidades brasileiras, aquelas que ti-nham a melhor relação entre número de pessoas em situação de pobreza, quantidade de matrícu-las em universidades e potencial econômico para

financiar o trabalho. Outras duas cidades que fi-caram no topo da lista são Salvador e Brasília. Em agosto e outubro foram realizadas as primei-ras construções, totalizando 21 casas na comu-nidade Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, região metropolitana do Rio de Janeiro.

Nas favelas cariocas, o Teto quer atuar com o novo modelo de trabalho, elaborado em 2012, que prevê uma intervenção mais lenta nas comu-nidades. Pretende-se envolver mais o voluntário com as famílias antes e depois da construção. A relação mais próxima facilitaria as intervenções posteriores, como as propostas geradas a partir das mesas de trabalho. “Vão ser projetos em que a comunidade vai se enxergar muito mais parte do Teto e os voluntários vão se enxergar mui-to mais parte da comunidade”, explica o diremui-tor social Miguel. Estes ajustes no modelo de inter-venção mostram que os jovens do Teto trabalham para que a ONG seja aquilo que eles buscam no mundo: a aproximação de realidades sociais dis-tintas para que um dia a distância entre elas deixe de existir.

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TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO JORNALISMO UFSC

Dezembro de 2013 Aluna: Milena Lumini Orientadora: Gislene Silva

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