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Becky Henriette Goncalves

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Academic year: 2021

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LER O MUNDO E DIALOGAR CRITICAMENTE: POSSIBILIDADES PARA EDUCANDAS ADULTAS NO MUNICÍPIO DE GUARULHOS1

GONÇALVES, Becky Henriette Doutoranda em Educação e Currículo

becky_hg@yahoo.com.br

Orientadora: Dr.ª Ana Maria Saul

Resumo:

Este artigo tem como objetivo trazer à discussão a importância de dois conceitos chave na obra de Paulo Freire: leitura do mundo e leitura da palavra e diálogo; é fruto de uma pesquisa de doutorado iniciada em 2007, no Programa de Pós Graduação em Educação: Currículo, que busca investigar as contribuições da teoria de Paulo Freire para a escolarização e emancipação de mulheres adultas.Dados recentes nos mostram que nos últimos anos os estudos das obras de Paulo Freire, bem como a utilização de seu referencial teórico têm sofrido um aumento quantitativo e qualitativo2 e como afirma Cortella (2005) deve ser cada vez mais exercitado e atualizado, afinal como próprio Freire afirmava não cabe fazer exatamente o que ele fez, mas sim, fazer o que ele faria em novas situações. Mas, ainda que diante de números tão significativos, muito pouco tem sido voltado para a condição da educanda adulta, ou seja, a mulher que teve seu direito à escolarização negado dantes. Este trabalho propõe analisar as contribuições da teoria freireana para alfabetizar e emancipar mulheres adultas, enfocando os conceitos de leitura de mundo e leitura da palavra no processo de ensino-aprendizagem, visando gerar novas políticas afirmativas, integrando-se ao que Saul (2005) chama de múltiplos itinerários da teoria de Paulo Freire.

Palavras-chave: leitura do mundo. Leitura da palavra. Diálogo.escolarização. Mulheres adultas

Referencial teórico

Antes de mais nada é preciso discutir e compreender a história da educação brasileira e detectar sua construção ideológica e desigual. Neste sentido cabe destacar Freire, A. (2001) que afirma ter sido o analfabetismo construído e instaurado no Brasil desde a concepção educativa dos jesuítas. Tal proposição da autora pode ser completada por Haddad e Di Pierro (2000) que afirmam terem os jesuítas difundido os preceitos religiosos, normas de comportamento e ofícios necessários para o funcionamento autoritarista da colônia. Constituindo o que chamamos de colônia de exploração.

1 Artigo entregue para discussão na Cátedra Paulo Freire e posterior publicação no Encontro de Pesquisadores do Programa de Pós Graduação em Educação: Currículo, 2.º semestre de 2008.

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Em pesquisa realizada no mês de junho no banco de dados da CAPES foram localizadas 804 teses e dissertações que pesquisam ou utilizam referencial teórico de Paulo Freire.

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Com tal concepção educativa absolutamente nada dialógica, desconsiderou-se todos os conhecimentos prévios construídos, bem como a identidade cultural indígena, inibindo uma leitura real do mundo e consolidando hierarquias e castas sociais, formando:

Elites capazes de reproduzir “cristãmente” a sociedade perversa dos contrastes e discrepâncias, dos que tudo sabem e podem e dos que a tudo se submetem. Inculcaram a ideologia do pecado e das interdições do corpo. (Freire, A. 2001, p.46)

Ainda nesta retomada histórica da educação, cabe destacar o processo educativo dos sujeitos escravizados, que tiveram todo seus costumes e culturas mantidos de fora da escolarização.

Segundo Fonseca (2002), pode-se dividir a escolarização dos escravos em dois grupos: os que tinham sido trazidos da África e que deveriam sofrer um processo de ressocialização – que conflitava com as referencias por eles trazidas, desconsiderando toda leitura de mundo e de vida – e a educação referente às crianças nascidas escravas no Brasil – que deveriam ser preparadas para tomar parte das injustas relações sociais que caracterizavam o mundo escravista, desconsiderando a cultura familiar.

Os escravos eram preparados, inculcados ideologicamente para serem submissos e ao mesmo tempo produtivos, no que se referia à força de trabalho, ou seja, as estratégias educacionais buscavam introduzir habilidades necessárias para a atuação como trabalhador e para a naturalização das relações entre dominantes e dominados, em um processo que caracteriza o que Freire, P. (2005) chama de desumanização.

Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, houve um retardamento ainda maior no processo de escolarização, pois os cursos seriados ministrados por eles foram substituídos por aulas avulsas, dadas por professores improvisados.

Com o estabelecimento da coroa portuguesa no Brasil, houve uma grande preocupação imediata e profissionalizante com o ensino, para preparar mão-de-obra que deveria servir aos novos 15 mil habitantes da nova sede do reino. Assim, foram criadas as cadeiras que posteriormente se transformariam em cursos e faculdades. Estava instituído o ensino superior profissionalizante no Brasil, seguindo interesses políticos.

Continuaram as “aulas avulsas” no nível secundário e as “aulas de ler e escrever”, no curso elementar. A escolarização continuava sendo para poucos.

Durante o Império, instituiu-se o ensino técnico, voltado para os “desvalidos da sorte e abandonados, para os proibidos de ser pela discriminação da ideologia da interdição do corpo” como afirma Freire, A. (2001, p. 106).

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Ainda de acordo com a autora, quantitativamente a escola primária era freqüentada por menos de 10% da população livre, em idade escolar. Era em sua grande maioria freqüentada por meninos, o que representou o caminho do descaso e do despreparo que também desemboca, infalivelmente, no analfabetismo de um modo geral e especificamente na marginalização, desde muito cedo da mulher no processo de escolarização.

Terminado o Império, a escolarização permanecia ainda no plano do discurso, mesmo com a implementação dos Direitos Legais em 1824, que garantiria a instrução primária a todos, subentendendo-se os jovens e adultos.

Na República, o povo continuava de fora das decisões. A ideologia da interdição do corpo permanecia inibindo índios, negros e mulheres do direito ontológico de ser mais, que segundo Freire, P. (1979b) deve ser buscado em comunhão.

Desta maneira, a ideologia da interdição dos corpos dos/as marginalizados/as se fazia ainda presente no decorrer da história.

Mesmo com a Independência do país, a infra-estrutura colonial foi conservada, mantendo-se uma grande contradição interna entre dominantes e dominados, sem acesso às condições básicas de sobrevivência.

Os cursos de formação do magistério eram frágeis. Segundo Freire, A. (2001), não havia formação profissional adequada para cuidar da alfabetização dentro do Estado Nacional Brasileiro, bem como:

A interdição do corpo da mulher, perceptível na sua ausência como aluna dessas escolas, é ao mesmo tempo, produto e fator gerador de uma sociedade autoritária e discriminatória e que, portanto, facilitava, senão propiciava, através da escassez de quem se habilitasse a lecionar, o analfabetismo. (Freire, A. 2001, p. 52)

As iniciativas governamentais durante a República eram elitistas, centralizadoras, não alfabetizadoras, ditadas pelas ideologias dominantes.

No Brasil, a EJA se constitui como tema de política educacional, sobretudo a partir da década de 1940.

A menção à necessidade de oferecer educação aos adultos já aparecia em textos normativos anteriores, como na pouco duradoura Constituição de 1934. Mas é apenas na década seguinte que começaria a tomar corpo em iniciativas concretas, a preocupação de oferecer a escolarização a amplas camadas da população, até então marginalizadas da escola, como afirmam Di Pierro, Joia & Masagão (2001).

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Longos foram os anos de reprodução ideológica do analfabetismo, até que a partir da década de 1950 medidas foram tomadas, muitas seguindo às recomendações da Conferência da UNESCO.

Cabe destacar também a ação do Plano Nacional de Alfabetização - PNA, durante o governo de João Goulart, presidido por Paulo Freire, a convite do então ministro da educação Paulo de Tarso, que teve como matrizes sua concepção de educação libertadora, leitura crítica do mundo e da palavra.

O PNA foi desfeito com o golpe militar, em 1964, que instituiu a ditadura e o esvaziamento crítico da educação.

Assim, o analfabetismo foi se perpetuando e agravando ao longo dos séculos, isso porque todo processo de escolarização foi marcado pela manipulação de interesses, a fim de garantir os direitos e privilégios de determinados grupos, atribuindo-se aos/às educandos/as marginalizados/as social e historicamente a culpa pela carência de escolarização:

O analfabetismo não tem, como quer a camada dominante brasileira, sua causa na inferioridade intrínseca do homem e da mulher, na sua raça, religião ou lugar da moradia, mas na sua situação na escala de valores socialmente determinados, esta sim, influenciada por aqueles. (Freire, A. 2001, p. 240)

E pensando tal negação do direito à escolarização, cabe destacar a condição da mulher neste processo, que ao longo da história, como afirma Freire, A. (ibid), teve seu direito negado, pela ideologia da interdição do corpo.

Através de tal interdição do corpo, ocorre também uma interdição do direito ontológico de ser mais, posto por Freire, P. (2005), como dito anteriormente, fundamental no processo de humanização do indivíduo e da sociedade, além da negação do direito social à educação que, atualmente passou ser entendido no Brasil e do diálogo, fundamental no resgate do ser mais.

Afinal o núcleo da educação é a condição de inacabamento do ser humano, que tem consciência da própria condição, como afirma Freire, P. (1979b) e por isso se educa, no mundo e com o mundo, a partir da leitura que faz dele.

Desta maneira, a EJA, com seus documentos legais nacionais (Parecer 11/2000, relatado pelo professor Jamil Cury, Lei de Diretrizes e Bases da Educação - lei n.º9394/96, o Plano Nacional de Educação, lei 10.172 de 09/01/01 e a Resolução CNE/CEB nº. 1 de 1999) sofreu significativos avanços e é considerada atualmente mais do que um direito social; é entendida como a nova chave para o século XXI, por ser uma conseqüência do exercício da cidadania e condição para a participação plena na sociedade, incluindo-se a qualificação e a requalificação profissional, diante do atual contexto de Sociedade da Informação.

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Mas, mesmo diante de tais avanços nas políticas afirmativas para EJA, que são fundamentais, cabe questionar sobre a condição da mulher analfabeta nos programas de alfabetização e na Sociedade de um modo geral, juntamente com a leitura de mundo e o diálogo estabelecido no processo de ensino-aprendizagem.

Como foi dito anteriormente, a mulher teve de maneira inquestionável seu direito à escolarização vetado: ora pelos grupos dominantes que negavam a oferta de escolarização para mulheres, ora vítimas de atitudes machistas dentro da família e da sociedade, ou seja, muitas tiveram o acesso negado por seus pais, maridos ou outros membros da família.

Assim a história de escolarização das mulheres adultas é ainda mais marcada por negações, exclusões e marginalizações.

Ao vivenciarmos o contexto de programas de alfabetização e ao analisarmos os dados de analfabetismo no Brasil detectamos ainda a exclusão da mulher adulta dos bancos escolares: os maiores índices de analfabetismo no Brasil ainda pertencem às mulheres adultas, afrodescendentes e moradoras das periferias.

Assim, é nítida a necessidade de políticas afirmativas e propostas pedagógicas para a alfabetização e emancipação destas mulheres, que mesmo dentro de uma Pedagogia do Oprimido, merecem destaque especial, pois como afirma Macedo (1998), os diferentes níveis e tipos de opressão devem ser considerados e necessitam de uma análise específica com focos diferentes, com vistas à elaboração de uma pedagogia diferente, no caso, uma pedagogia feminista, pautada na leitura de mundo das educandas e do diálogo, buscando a tomada de consciência da condição de opressão e a seguinte tranformação.

Tal perspectiva de Donaldo Macedo, citada acima, deve ser complementada com a afirmação de Freire, P. (2001), de que:

Dada a seriedade e a complexidade da questão de gênero, isso merece reflexão em conjunção com uma rigorosa análise com relação ao fenômeno da opressão. Isso também requer novas práticas pedagógicas, para que se alcance o sonho da luta pela libertação e a vitória sobre todas as formas de opressão. (p. 259)

Assim, mesmo compreendida dentro da perspectiva em que Freire propôs e escreveu a Pedagogia do Oprimido, as mulheres merecem destaque e pontos específicos enquanto grupo dominado dentro da sua luta por emancipação e libertação.

Á estas mulheres não basta aprender a ler e escrever, é necessário que elas leiam criticamente o mundo, se auto-valorizem e possam lutar pela garantia dos demais direitos, para que, como afirma

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Freire, P. (1979a) possam através da atitude crítica se integrar à sociedade, afinal somos seres de transformação e não de adaptação.

O ato de ler criticamente o mundo, precede a leitura da palavra e esta visceralmente ligado com o saber de experiência feito com que as mulheres adultas especificamente chegam ao processo de escolarização. É fundamental que se possa discutir os saberes, os conhecimentos já construídos pelas educandas3 antes de iniciarem o processo de escolarização.

Freire, P. (2006) conceitua o saber de experiência feito como a sabedoria da realidade prática, do mundo que os educandos e educandas têm, fortemente relacionado com a leitura do mundo que precede e é concomitante à leitura da palavra, por eles e elas realizadas.

Este saber, que é construído social e historicamente por homens e mulheres, se deu e se dá na ação direta que estes e estas estabelecem no e com o mundo, bem como na relação com outros homens e outras mulheres. Neste sentido Freire e Nogueira (2007), afirmam que as pessoas ensinam umas às outras, em atos grupais de conhecimento.

É a partir do saber de experiência feito dos educandos e educandas, que se alcança em um ato conjunto de conhecimento – leitura de mundo e leitura da palavra – o saber mais científico, fundamental para possibilitar a transformação social e para que cada um/a possa dizer a sua palavra, pois assim se é capaz de desocultar a razão de ser de problemas sociais e históricos da realidade, neste caso específico das educandas adultas na negação de seu direito ontológico de serem mais e na real possibilidade de construção de uma Pedagogia Feminista.

A escola, voltada para a educação de mulheres adultas especificamente, mas também para as demais modalidades, deveria preocupar-se em preencher determinadas lacunas de experiência das educandas, sendo estas ajudada-as a superar obstáculos em seus processos de conhecer, como aponta Freire,P. (2006).

Mas de modo geral, nem sempre o saber de experiência feito dos sujeitos de um modo geral e das educandas é considerado no processo de ensino-aprendizagem e de avaliação escolar e por diversas vezes influenciaram e continuam influenciando na evasão/expulsão escolar de crianças, jovens e adultos.

Desta maneira, é de fundamental importância que a educação de um modo geral e aqui enfocando a educação de mulheres adultas, reconheça e prestigie o saber de experiência feito de suas educandas, afinal como Freire,P. (2006) afirma:

3 Aqui cabe salientar que tais saberes não são fundamentais apenas para escolarização de mulheres adultas, e sim em todos os momentos e etapas de escolarização. Destaca-se a condição da mulher adulta por ser o foco desta pesquisa.

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É preciso que a escola respeite e acate certos métodos populares de saber as coisas, quase sempre ou sempre fora dos padrões científicos, mas que levam ao mesmo resultado. É preciso que a escola, na medida mesma em que vá ficando mais competente, se vá tornando mais humilde. O conhecimento que se produz social e historicamente, tem historicidade. (p.45)

É através, então, de todo esse conhecimento, considerado no processo de ensino-aprendizagem, na leitura do mundo com a leitura da palavra, que educandas elevarão sua forma de conhecer chamado ingênuo ao saber científico e poderão se conscientizar e caminhar rumo à transformação social e à emancipação, sem ter seu conhecimento desvalorizado, pois o saber de experiência feito das camadas populares se dá preponderantemente na ação direta, na prática de mundo e com o mundo, como afirmam Freire e Nogueira (2007).

Sendo função da escola e dos/as educadores/as populares considerarem e dialogarem sobre tais conhecimentos, afinal:

Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos. Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor, ou mais amplamente à escola o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela, saberes socialmente construídos na prática comunitária, mas também, como há mais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. (Freire, P. 1996, p. 30)

Assim, no processo de leitura de mundo e leitura da palavra é de fundamental importância que as educandas se descubram criticamente como fazedoras do mundo e da cultura da qual fazem parte.

E este é o papel da escolarização em um contexto de educação popular: fornecer às educandas instrumentos para a reflexão sobre si mesmas e sobre o mundo, a realidade, sendo esta, como aponta Freire, P. (2006), a melhor forma da educanda adulta se integrar à sociedade, de forma crítica e consciente.

Essa leitura e compreensão da realidade deve se dar de forma crítica, problematizada, desvelando as amarras ideológicas da sociedade, pois para Freire, P. (1987) é necessário tornar o óbvio objeto da reflexão crítica.

Esse desvelamento crítico se dá em um constante diálogo com os outros homens e mulheres e com o mundo. Aqui deve-se destacar o papel fundamental do diálogo, um diálogo horizontal, sem relação de poder, como afirma Freire,P. (1979), pois apenas este é efetivamente capaz de comunicação entre os sujeitos.

Cada indivíduo, na interação do os demais homens e mulheres e com o mundo dever desenvolver sua leitura crítica de mundo, e esse processo não é possível através do assistencialismo

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passivo, apenas através da real reflexão crítica, ninguém educa ninguém e ninguém emancipa ninguém.

Portanto para sermos cada vez mais críticos e críticas e alcançarmos uma escolarização que também possibilite isso à mulheres adultas, mais inquietos e inquietas devemos ser, bem como menos certezas devemos ter, segundo Freire e Macedo (1990).

Comungando dos ideais de Paulo Freire, penso que alfabetizar não se trata apenas um ensinar as letras, os códigos sociais, nem passear por entre elas, mas sim compreender e escrever o próprio mundo.

Segundo Freire, P. (1979b) ao compreender a realidade, o/a educando/a levanta hipóteses, procura soluções e assim transforma esta realidade com as próprias mãos.

E nesta perspectiva está a concepção de Educação Libertadora, emancipatória, que busca no processo de educar-se a construção em comunhão de indivíduos mais críticos, mais conscientes de sua situação no mundo e capazes de lutarem para transformá-lo:

É impossível compreender a alfabetização separando completamente a leitura da palavra da leitura do mundo. Ler a palavra e aprender como escrever a palavra, de modo que alguém possa lê-la depois, são precedidos do aprender como escrever o mundo e de estar em contato com o mundo. (Freire & Macedo, 1990, p. 31)

Desta forma, no processo de alfabetização, a leitura de mundo realmente precede a leitura da palavra e as educandas, especificamente, precisam compreender o mundo que as cerca, o que implica falar, refletir e discutir a respeito do mundo, para que assim possam se alfabetizar de uma maneira crítica, emancipatória, buscando a transformação da própria condição e por conseguinte a de seus dominadores.

Dentro deste contexto então devemos pensar políticas afirmativas para grupos minoritários, dentre eles, camada de mulheres analfabetas e a teoria freireana uma das possibilidades de emancipação destas mulheres.

Objetivos

Diante de todo contexto da educação de jovens e adultos e à luz da teoria freireana, somadas à preocupação e necessária escolarização e emancipação de mulheres adultas, constituiu-se a seguinte questão que norteia a pesquisa em início:

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Quais e como as contribuições pedagógicas e sociais de Paulo Freire para a alfabetização e emancipação de mulheres adultas se efetivaram na Prefeitura de Guarulhos entre os anos de 2000 e 2008?

Tal problema de pesquisa tem como objetivo geral analisar a proposta de alfabetização e pós-alfabetização de mulheres adultas no município de Guarulhos, declarada freireana e seus impactos para a educação de mulheres adultas, visando a alfabetização e a emancipação destas, entre os anos de 2000 e 2008, ouvindo para isso todo grupo envolvido com o MOVA no município: secretaria de educação, coordenadores/as do MOVA, educadores/as e educandas.

Enquanto objetivos específicos, busca-se:

• analisar as propostas educacionais do MOVA Guarulhos, buscando as marcas freireanas; • analisar os resultados quantitativos e qualitativos na alfabetização de mulheres adultas; • analisar as contribuições freireanas para a alfabetização de mulheres;

• analisar as contribuições freireanas para a emancipação das educandas, enfocando conceitos.

Metodologia

De acordo com tudo que já foi exposto e com estudos teóricos, propõe-se que o trabalho seja desenvolvido tendo como estratégia de pesquisa o estudo de caso único, de caráter exploratório4, sendo de enfoque qualitativo, que na definição de Bogdan e Biklen (1994) tem no ambiente natural a fonte de coleta de dados e o pesquisador enquanto instrumento fundamental, com caráter descritivo; o pesquisador preocupa-se com o significado que as pessoas dão às coisas que ocorrem e à própria vida, com enfoque indutivo.

Neste sentido cabe ainda definir, dentro desta pesquisa qualitativa, o enfoque epistemológico e filosófico aqui adotado, será dialético, que segundo Chizzotti (2008) insiste na relação dinâmica dos participantes da pesquisa, valorizando a contradição dinâmica e a vida social.

A justificativa para a seleção do estudo de caso enquanto método de pesquisa baseia-se nas argumentações e definições trazidas por Yin (2004), Stake (2000)5, Martins (1973) e André (1984).

4 Definição dada por Robert Yin.

5 Robert Yin e Robert Stake por diversas vezes dialogam acerca do estudo de caso, se complementado e até mesmo se contrapondo em alguns momentos, como afirma Alves-Mazzotti (2006). Este trabalho se valerá das contribuições dos dois teóricos acerca do estudo de caso.

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Yin (ibid) aponta os benefícios do estudo de caso para quando se precisa saber:

“como” ou “quando” o programa funcionou (ou não), teria que dirigir-se ou para o estudo de caso ou para um experimento de campo. (p. 26)

Somam-se à justificativa da escolha por este método de investigação o fato de ser um fenômeno contemporâneo e a não possibilidade de manipulação comportamental por parte da pesquisadora. Nas palavras de Yin (ibid):

Faz-se uma questão do tipo “como” ou “por que” sobre um conjunto contemporâneo de acontecimentos sobre o qual o pesquisador tem pouco ou nenhum controle. (p. 28)

O objetivo do pesquisador é expandir e generalizar as teorias, o que Yin (2004) chama de generalização analítica, ou seja, analisando um caso o pesquisador formula teorias que podem ser reportadas e utilizadas em outros contextos e momentos, por exemplo, políticas públicas ou afirmativas bem sucedidas.

Ainda cabe destacar a relevância de se pesquisar um fenômeno considerando diferentes aspectos: sociais, culturais, econômicos, além dos educativos, como aponta Martins (1973).

Os procedimentos de pesquisa pautar-se-ão em revisão bibliográfica6, análise de documentos, observação, entrevistas e questionários.

A revisão da literatura tomará enquanto fonte, como elenca Laville e Dionne (1999) textos teóricos; textos temáticos, que abordem alfabetização e pós-alfabetização de jovens e adultos, questões de gênero e políticas públicas e afirmativas; e fontes de dados teóricos: documentos e planos municipais da educação de jovens e adultos, bem como dados estatísticos já coletados.

Assim de forma particular, serão fonte de informação seres humanos e documentos, na perspectiva trazida por Laville e Dionne (ibid). Enquanto coleta de dados ocorrerão levantamentos e pesquisas bibliográficas das obras de Paulo Freire, por parte da pesquisadora, consulta e análise da documentação e das propostas do município de Guarulhos, pertinentes ao MOVA, interação com a coordenação do movimento de duas maneiras: questionários afim de coletar informações comuns e entrevistas semi-estruturadas de aprofundamento de aspectos específicos e que necessitem de respostas mais descritivas. Com os/as educadores/as serão aplicados questionários com todos/as afim de se ter uma compreensão total da rede e posteriormente selecionados/as, a partir do questionário, educadores/as a serem entrevistados. Com as educandas e egressas serão feitas entrevistas

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estruturadas com uma porcentagem que seja representativa do município7. Com base nestas dados colhidos, ocorrerá a análise, através de confrontação dos resultados obtidos. Nas palavras de Laville e Dionne (ibid):

Os documentos abortam informação diretamente: os dados estão lá, resta fazer sua triagem, criticá-los, isto é, julgar sua qualidade em função das necessidades da pesquisa, codificá-los ou categorizá-los. (p. 167)

Uma vez consultadas a proposta do MOVA – Guarulhos, documentação pertinente e feito diálogo, com entrevistas e questionários com coordenadores, serão feitos os questionário e entrevistas, como descrito acima com, além de observação com educadores/as do MOVA, buscando a prática pedagógica de cada um/a. Tal análise se faz necessária para identificar se a prática condiz com o proposto. Em seguida serão selecionadas educandas ainda freqüentes do MOVA, bem como egressas para entrevista, que terá como objetivo coletar das educandas se ouve alguma transformação social, crítica e emancipatória durante ou após a alfabetização.

Cabe destacar que serão solicitadas autorizações prévias das/os participantes8, que saberão de todos os objetivos da pesquisa, será analisado os benefícios da concepção freireana para alfabetização e emancipação de mulheres adultas.

Para coleta dos dados serão realizadas observações pouco estruturadas, anotações em diário de campo, com notas descritivas e analíticas, compondo um quadro de observação, entrevistas semi-estruturadas em profundidade e grupos de discussão com as/os participantes, bem como levantamento e análise documental e teórica.

Os dados coletados serão previamente, pela pesquisadora, agrupados e analisados coletivamente entre todos/as os/as participantes, sem nenhuma relação hierarquizada, pautando-se no que Habermas (1987) chama de pretensão de validade – o que deve ser considerado e tomado é o argumento e não a condição de poder ou escolarização.

Cabe destacar que tal análise é fundamental, pois ninguém melhor que as próprias educandas para conhecerem e descreverem as próprias aprendizagens e vivências construídas durante a pesquisa.

Afinal, como aponta Chizzotti (2006), a razão é a capacidade que o sujeito tem de conhecer e construir o mundo, sendo o indivíduo o produtor do conhecimento, considerando a pesquisa qualitativa em ciências humanas.

7 As educandas serão selecionadas através de sorteio e a quantidade estipulada a partir da informação concreta do número de educandas do MOVA Guarulhos .

8 A autorização por parte da coordenação do MOVA para levantamento e análise documental e das políticas do município já foi consentida.

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Assim, entendo a necessidade de estudo e implementação de políticas e medidas de alfabetização e emancipação de mulheres, enquanto:

A compreensão da história como possibilidade e não determinismo... seria ininteligível sem o sonho, assim como a concepção determinista se sente incompatível com ele e, por isso, o nega. (Freire, P. 1992, p. 92)

Será selecionado um número ainda não definido9 de educandas, como dito anteriormente, para compreensão da totalidade da experiência no município, em uma amostra por quota, que como define Laville e Dionne (1999), o pesquisador intervém para obter uma representação mais fiel possível da população estudada, sem qualquer representação do acaso.

Após a coleta das informações, através dos instrumentos descritos acima, serão confrontadas: a proposta freireana, a política pública declarada no município, a prática pedagógica dos/as educadores/as e a efetiva alfabetização e emancipação das mulheres. Por isso, afirmo se tratar de uma pesquisa de caráter quantitativo, pois enfocará a qualidade do trabalho desenvolvido, sem desconsiderar nas análises dados quantitativos.

Para análise dos dados levantados a pesquisadora se apoiará na produção de autores da teoria crítica, do ponto de vista epistemológico, que darão o fundamento teórico necessário.

Poucos equipamentos serão empregados na pesquisa: gravador, blocos de anotações, computador, impressora, câmera fotográfica e filmadora10.

Desenvolvimento

A pesquisa encontra-se ainda em fase inicial de desenvolvimento, ou seja, estão sendo feitos os levantamentos e análises bibliográficas das obras de Paulo Freire e dos documentos legais do MOVA, bem como contato de autorização e primeiras entrevistas com a equipe do MOVA Guarulhos. No mês de setembro serão feitas as primeiras visitas e entrevistas nas salas de alfabetização.

Conclusões

As conclusões obtidas ainda são parciais, dada a fase inicial da pesquisa e tratam-se do aspecto teórico da proposta educativa de Paulo Freire, que como dito anteriormente, defende a criação de uma Pedagogia do Oprimido que enfoque grupos minoritários específicos, assim sendo, pode-se considerar fundamental a criação e desenvolvimento de uma pedagogia que, com seus sujeitos, no caso mulheres

9 A quantidade de educandas será definida com base em uma porcentagem expressiva de mulheres alfabetizadas e egressas do município.

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adultas em processo de escolarização, visem a emancipação, decorrente do processo de alfabetização e pós-alfabetização.

Enfocando a leitura de mundo das educandas e o diálogo no processo de ensino-aprendizagem, pois só assim será possível uma tomada de consciência e um exercício crítico que busque a transformação e a emancipação de mulheres adultas com direito ontológico de ser mais impedidos. Pois:

Se o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo como se fôssemos portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que em certas condições, precise falar a ele. (Freire, P, 1996, p. 113)

É necessário recriar a educação de mulheres adultas em sua esfera popular, resgatando e instaurando-se o que Paulo Freire chamou de esquinas de luta.

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Referências

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