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O lugar de representação dos processos sociais na teoria social: os

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CENTRO DE HUMANIDADES

MESTRADO EM SOCIOLOGIA

0 Lugar de Representacao dos Processes Sociais na

Teoria Social: Os "Movimentos Sociais" como Objeto

Historiografico.

Clodoaldo Almeida da Paixao

Dissertacao apresentada ao Curso de

Mestrado em Sociologia da

Universidade Federal da Parafba, em

cumprimento as exigencias para

obtencao do grau de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Ubiracy de Souza Braga

Co-Orientador: Prof. Dr. A n t o n i o da Silva Camara

CAMPINA GRANDE - PB

(2)
(3)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA

CENTRO DE H U M A N I D A D E S

M E S T R A D O EM SOCIOLOGIA

0 Lugar de Representacao dos Processos Sociais na

Teoria Social: Os "Movimentos Sociais" como Objeto

Historiografico

Clodoaldo Almeida da Paixao

Banca Examinadora

Dr. Ubiracy de Souza Braga

Orientador

Dra. Lenyra Rique da Silva

Examinadora

Dr. Angel Recio Zayas

Examinador

CAMPINA GRANDE -PB

Setembro de 1998

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DEDICATORIA

A

Maria de Lourdes, mae e meu exemplo de luta e humildade na vida. Voce esta aqui!

A

A n a Cecflia Paixao, filha, que c o m sua c o n s t a n t e perguntinha - " P a i , quando e que t e r m i n a m as suas aulas?"- expressava a minha presenca-ausente. A m o - t e !

A s irmas Dulciana, Juciara e Jucelia e aos

irmaos Jorge e Claudemiro que nao t e n d o

cursado a universidade contribufram e m alguma medida para esse resultado.

(5)

AGRADECIMENTOS

A diretoria e equipe do M O C ( M o v i m e n t o de Organizacao Comunitaria) pelo apoio e compreensao q u a n t o a importancia do nosso c r e s c i m e n t o profissional.

A

Secretaria de Educacao do Estado da Bahia e, em especial, a Direcao e colegas do CIEAC (Centro Integrado de Educacao Assis Chateaubriand) pelo apoio e r e c o n h e c i m e n t o .

A

UEFS e, em especial, ao NEF- Nucleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas Filosdfica e, e m especial, a Eliab Barbosa Gomes ex-coordenador e a m i g o que soube sempre nos mostrar u m horizonte academico de f u t u r o , estimulando-nos. Meus inesqueciveis agradecimentos!

A

Prof. Lenyra Rique da Silva, exemplo de seriedade profissional e vltima da tirania da artrose b u r o c r a t i c a .

As professoras, pelos e x e m p l o s , Ghislaine Duque [de dedicacao no programa), Esther Barbosa [de carinho Incondiclonal) e N o r m a Soler (de

' maternidade' intelectual).

A

Professora Deolinda Ramalho, atual coordenadora do M e s t r a d o , na esperanca de u m a gestao c o m transparencia administrativa e efetivamente d e m o c r a t i c a .

A

Famflia Freitas (Vandir, Rodrigo, M a t e u s , Tiago, Samuel) pelo apoio.

A

Vera (ex-funcionaria), J o a o z i n h o , Rinaldo e Verinha, funcionarios do Mestrado em Sociologia e sobreviventes da artrose b u r o c r a t i c a .

A

Renato Kilpp, c o o r d e n a d o r (exemplo de capacidade administrativa), Nelma e Everaldo, f u n c i o n a r i o s , do Mestrado em Economia, por me fazerem sentir s e m p r e a v o n t a d e af. C o n t i n u e m assim!

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Funcionarias da Biblioteca Setorial dos M e s t r a d o s em Sociologia e em Economia, pela c o n s t a n t e alegria e presteza no a t e n d i m e n t o .

A

Cristina Marin e Durval M u n i z , Diretora e Vice-Diretor do Centro de H u m a n i d a d e s , exemplos de u m a direcao efetivamente colegiada. Parabens pela gestao!

A

Capes cujo apoio material possibilitou o nosso crescimento intelectual e a p e r f e i c o a m e n t o profissional no periddo de m a r c o d e l 9 9 6 a s e t e m b r o de

1 9 9 8 . A o s

Ex-professores Marcio Caniello, Esther Barbosa, Eric Durousset, Nelma Baldin, Ubiracy Braga, Lenyra Rique, Josemir Camilo, Jurandir Xavier, Renato Kilpp e Bernd Rabhel, Claudio Cavalcanti (ex-coordenador do Curso). Jose W i l l i n g t o n G e r m a n o , curso de Natal-RN.

A o s

Colegas de turma V a n d i l o , J o m a r , Celia, Jussara, Nerize, Rosario, Rilma, lolanda, Marquinhos-Recife(que infelizmente nao pode nos honrar c o m a sua experiencia) e J o a o Didgene (contemporaneo desse sonho e da sua realizacao!). De curso, E m m a n u e l , Gileaide, Pereira, Charlington, Tereza, S o c o r r o , Jackeline, Francisco Carlos (Chicao) cuja amizade foi sempre marcada por u m a afinidade-identidade etnica-academica-polftica,

A o s colegas de Economia, Erivaldo (Pneu), Gildasio Jr., J o u f r e Kouri, Flavio, Euripedes e Ricardo[ pela solidariedade de "estrangeiros", c o m o eu] e Olga Lucia m i n h a fiel escudeira e exemplo de amizade e (IN)COERENCIA.

A o s colegas na cidade

Fatima, Carla e Mariana, M a t h e u s Henrique, T o n i c o , Azene, Maria e Carolina, A l b a , Fagundes e Gabriel; Nivaldo, Rui e Edlusa ( portelanos!), Gildarte, Alvaro e V a n i a , lara e Tamara Rodrigues, Leila, Israel, Ivete, Boliva (gaucho) e Natalia. A o s colegas da graduacao A r t u h Pessoa, Paulo N e t o , Lourdinha, Luciene, G a m e l a , Socorrinha, Adeilson e o u t r o s . Da xerox Genflson e Genilda.

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em m i m e Eu em v o c e s ! ] . Valeu m e s m o ! Coelho e A n t d n i a , Celia Santana,

Joaquim Neto e Branca, Chico Melo, Tina Pina, Andre Uzeda e Leomarcia, Marialvo, Marluce e Dalva, Nacelice e Valter, Gerdnimo, A n a Maria, Julival, Sdnia, Idaci, Cristina e Nilda, Jose Luiz e Marcos A n t o n i o , dentre o u t r o s . _ .

Agradecimento Especial

A

Ubiracy de Souza Braga, meu (Gtes)orientador, pela confianca

academica, pela presteza no trabalho de orientacao, pelo rigor

intelectual, mas, sobretudo, pelo exemplo de vocacao

academica na docencia e na pesquisa.

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Coracao

Coracao abre essa porta

E pouco importa se e pra sofrer

Deixa entrar a vida

Vale mais e viver

Vale mais o trem das cores

Que uma existencia pode perceber

Vale nada porta fechada

Melhor morrer

Melhor a emocao de tudo

Que acontece envolta da gente

Melhor chorar saborosamente por que viver

Coracao nao tenha medo

Pela porta aberta vai entrar a vida

Com tudo que ela tern direito e voce tambem

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"Quern quer pensar deve aprender"

Arcangelo R. Buzzi.

"Se o teu destino e pensar entao venera esse destino

como se venera um deus e sacrifica-lhe o que de

melhor tiveres e o que mais amares"

Friedrich Nietzsche

"Todo homem que for dotado de espirito filosofico ha

de ter o pressentimento de que, a tras da realidade em

que existimos e vivemos, se esconde outra muito

diferente e que, por consequencia, a primeira nao passa

de uma aparicao da segunda"

Friedrich Nietzsche

"Deve-se convencer a muita gente que o estudo e

tambem um trabalho, e muito fatigante com um

tirocfnio particular proprio, nao so muscular-nervoso

mas intelectual: e um processo de adaptacao, e um

habito adquirido com esforco, aborrecimento e mesmo

sofrimento"

(10)

RESUMO

0 presente trabalho t e m c o m o objetivo descrever e explicar o lugar de representacao dos processos sociais na teoria social, t o m a n d o os " m o v i m e n t o s s o c i a i s " enquanto objeto historiografico. A n a l i s a m o s as teorias dos processos sociais brasileiro denominadas de " m o v i m e n t o s sociais" que orientam h e g e m o n i c a m e n t e as analises acerca da dinamica social.

Isso porque ha neste lugar de representacao de c o n h e c i m e n t o sobre os processos sociais no Brasil u m a c o n s t a n t e (in)definicao c o n c e p t u a l . E, no que e s t u d a m o s , trata-se de u m a perspectiva teorica que emerge a partir da decada de 1 9 7 0 , estabelecendo u m a quase ruptura c o m o paradigma analitico ate entao d o m i n a n t e . No que s a b e m o s , no e n t a n t o , ha na sua trajetdria t e o r i c a , u m p e r m a n e n t e dilema, do p o n t o de vista e p i s t e m o l d g i c o , do que sejam " m o v i m e n t o s s o c i a i s " .

Nosso s u p o s t o de trabalho c o n s i d e r a , p o r t a n t o , que a c o n s t a n t e (in)definicao c o n c e p t u a l presente nas analises dos processos sociais brasileiro, constituiu-se n u m dilema t e d r i c o - m e t o d o l d g i c o decorrentes da transgressao entre o que d e n o m i n a m o s analiticamente de piano de analise e piano de realidade. E, embora o problema tenha sido apontado por diversos tedricos dos " m o v i m e n t o s s o c i a i s " , n e n h u m c o l o c o u de f a t o a questao de u m parti pris e x c l u s i v a m e n t e da anaMise t e o r i c a . Sendo assim, isso explica a permanencia ainda nos dias de hoje de tal (in)definicao.

(11)

RESUME

Ce travail a pour objectif de decrire et expliquer c o m m e n t la notion de representation des processus sociaux est posee dans la theorie sociale, en prenant les " m o u v e m e n t s s o c i a u x " c o m m e objet d'analyse. On etudie les theories des processus sociaux bresiliens denomines " m o u v e m e n t s s o c i a u x " q u i orientent h e g e m o n i q u e m e n t les analyses de la dynamique sociale.

Ceci parce que, dans cet espace de presentatation de connaissance sur les processus sociaux au Bresil, il y a une c o n s t a n t e [in]definition conceptuelle. Et, selon ce que nous avons etudie, il s'agit d'une perspective theorique qui emerge a partir des annees 1 9 7 0 et qui etablit une quasi rupture avec le paradigme analytique predominant jusqu'alors. Selon ce que nous s a v o n s , c e p e n d a n t , il y a, dans sa trajectoire theorique, un dilemme epistemologique p e r m a n a n t sur ce que seraient les " m o u v e m e n t s s o c i a u x " .

Notre hypothese de travail considere que la c o n s t a n t e (in)definition conceptuelle presente dans les analyses des processus sociaux bresiliens s'est c o n s t i t u t e en un d i l e m m e t h e o r i c o - m e t h o d o l o g i q u e derivant de la transgression entre ce que nous appelons a n a l y t i q u e m e n t plan d'analyse et plan de rea/ite. Et, bien que le probleme ait ete m o n t r e par divers theoriciens des " m o u v e m e n t s s o c i a u x " , aucun n'a pose de fait exclusivement la question d ' u n parti-pris de I'analyse t h e o r i q u e . Ainsi done, ceci explique la permanance j u s q u ' a u j o u r d ' h u i d ' u n e telle (in)definition.

(12)

APRESENTACAO 1 CAPllTULO I

1.0. A PRODUCAO DO DISCURSO TEORICO-METODOLOGICO:

ELEMENTOS DE UMA PROBLEMATICA 4

1.1. Introducao 4 1.2. A Propdsito da Distincao dos Pianos de Analise e do Piano de Realidade 7

A Producao de Conhecimento sobre os Chamados "Movimentos Sociais" :

A Busca da (In)Definicao 25

1.4. Os "Movimentos Sociais" como Objeto Historiografico 41

CAPlTULO II

2.0. A INCIDENCIA (OU RETICENCIA) DA ANALISE TEORICA DOS

CHAMADOS "MOVIMENTOS SOCIAIS" 5 3

2 . 1 . Introducao 53 2.2. As Concepcoes Dominantes sobre "Movimentos Sociais" no Brasil. 56

2.3. 0 Escopo Dominante sobre "Movimentos Sociais," no Brasil 78 2.4. Os Efeitos Sociais nas Teorias dos "Movimentos Sociais" no Brasil 100

CAPlTULO III

3.0. A INCIDENCIA (OU RETICENCIA) DA ANALISE METODOLOGICA DOS

CHAMADOS "MOVIMENTOS SOCIAIS" 1 1 1

3 . 1 . Introducao i l l 3.2. Metodo e Metodologia no Conhecimento sobre "Movimentos Sociais" no

Brasil 113 3.3. "Movimentos Sociais" : Definicao de uma Teoria de Campo ou Definicao

de um Campo Tedrico? 1 3 1

3.4. Algumas Consideracdes Finais 153

(13)

0 trabalho que ora apresentamos trata de um t e m a de pesquisa relativamente novo nas ciencias sociais em que o discurso tedrico aqui produzido tern c o m o escopo outros tantos discursos tedricos ja produzidos. E, p o r t a n t o , da producao de c o n h e c i m e n t o que trata essa dissertacao.

Por se constituir n u m a perspectiva de abordagem p o u c o c o m u m , salvo honrosas excecoes, e claro, essa experiencia e ainda, por assim dizer, um primeiro esforco analftico que decerto tern c o m o maior contribuicao corroborar u m p o n t o de vista socioldgico s e g u n d o o qual "se as hipdteses e alguns resultados de pesquisa aqui apresentados contribufram para colocar dois ou tres problemas relacionados" c o m u m a teoria dos processos sociais denominados de " m o v i m e n t o s s o c i a i s " , este trabalho tera, acreditamos, atingido seu objetivo.

Desse m o d o , acabamos por apontar mais questoes do que resolve-las. Pretendemos t a o - s o m e n t e dar alguma contribuicao crftica para o esclarecimento do estudo sobre os processos sociais no Brasil. Dai porque a questao tdpica primacial que f o r m u l a m o s diz respeito a pratica teorica enquanto instancia a u t o n o m a da c o n s t r u c a o da realidade (teorica).

Dito isto, cabe a partir de entao indicar de f o r m a s i n t e t i c a , do que trata cada capitulo. Para t a n t o , a sua estrutura procura manter-se n u m a tradicao de abordagem em que a producao do discurso tedrico-metodoldgico tern lugar no primeiro capitulo, buscando apresentar a proposicao da problematica teorica. T r a t a m o s , p o r t a n t o , da distincao entre o pianos de analise e o piano de realidade, destacando desde logo o primeiro enquanto instancia propria de abordar um objeto de conhecimento tedrico. Af ainda discutimos as diversas concepcoes que orientam as analises dos " m o v i m e n t o s sociais" no Brasil, t e n t a n d o demonstrar estarem f u n d a m e n t a d a s em aspectos observaveis na

(14)

realidade imediata. Por f i m , p r o c u r a m o s d e m o n s t r a r c o m o os " m o v i m e n t o s sociais" e m e r g e m c o m o objeto de estudo para as ciencias sociais brasileira, g a n h a n d o , a partir da decada de 1 9 7 0 , notoriedade analftica. Essas questoes, no e n t a n t o , estao melhor esclarecidas no proximo capitulo.

No segundo capitulo e s t u d a m o s c o m exclusividade a incidencia (ou reticencia) da analise teorica nos c h a m a d o s " m o v i m e n t o s s o c i a i s " . A s s i m discutimos primeiramente as c o n c e p c o e s teoricas d o m i n a n t e s que f o r a m pioneiros em tratar a t e m a t i c a . Nesse sentido, mereceu destaque a discussao, grosso m o d o , dos f u n d a m e n t o s analfticos das correntes teoricas francesa e espanhola que em m u i t o influenciaram os estudiosos brasileiros. Em seguida, a b o r d a m o s o escopo de analise d o m i n a n t e no Brasil. A s s i m , mereceu destaque a i m p o r t a n c i a do c o n t e x t o sdcio-polftico enquanto determinante de u m a c o n c e p c a o de " m u d a n c a s o c i a l " centrada na cidade ou nos " n o v o s m o v i m e n t o s s o c i a i s " c o m o principal sujeito da transformacao social. A c a b a m o s por finalizar o capitulo t r a t a n d o dos efeitos sociais nas teorias dos " m o v i m e n t o s s o c i a i s " a partir da nocao distinta de objeto-de-conhecimento prdprio a ciencia social c o n t r a p o s t o a nocao hegemdnica de " o b j e t o " bastante presente em alguns t e d r i c o s .

Ja no terceiro capftulo d i s c u t i m o s a incidencia (ou reticencia) da analise metodoldgica nos c h a m a d o s " m o v i m e n t o s s o c i a i s " . T r a t a m o s , pois, apenas do problema da relacao entre teoria, metodo e metodologia na producao de c o n h e c i m e n t o e de c o m o esta questao esta presente na pratica teorica da maioria dos e s t u d i o s o s . Destacando o papel da teoria enquanto aporte f u n d a m e n t a l em que se inscreve u m a problematica de analise, buscando ainda distinguir as nocoes de m e t o d o e m e t o d o l o g i a , mas indicando a enfase que n o r m a l m e n t e e dada a s e g u n d a . Posteriormente, colocamos o p r o b l e m a do p o n t o de partida na p r o d u c a o de c o n h e c i m e n t o , em que merece destaque a c o n c e p c a o h e g e m d n i c a no Brasil, mas nao so, pelo que provisoriamente d e n o m i n a m o s de definicao

(15)

por uma "teoria de campo" em contraposicao a definicao por u m "campo tedrico". E finalizando c o r r o b o r a m o s algumas consideracoes finais.

(16)

CAPITULO I

A PRODUCAO DO DISCURSO TEORICO-METODOLOGICO:

ELEMENTOS DE UMA PROBLEMATICA.

"Nao ha entrada ja aberta para a

ciencia e so aqueles que nao temem

a fadiga de galgar suas escarpas

abruptas e que tern a chance de

chegar a seus cimos luminosos".

Karl Marx.

1.1. Introducao

s

E s t u d a m o s as teorias dos processos sociais brasileiro denominadas de " m o v i m e n t o s s o c i a i s " que orientam hegemonicamente as analises acerca da d i n a m i c a social e cujo f u n d a m e n t o epistemoldgico tern se revelado [in)capaz, de u m lado, de explicar de f o r m a satisfatdria os processos sociais ocorridos a partir da decada de 1 9 7 0 , e, de o u t r o , de constituir-se n u m referencial capaz de subsidiar tedrico-m e t o d o l d g i c a tedrico-m e n t e estudos das praticas sociais.

E, para t a n t o , partimos da premissa que no Brasil o processo de f o r m a c a o das ciencias sociais sao p r o f u n d a m e n t e marcados, de um lado, pela f o r t e influencia positivista - consciente ou inconscientemente - que entende c o m o status cientffico t o d o c o n h e c i m e n t o que tenha por base um objeto empfrico " c o n c r e t o " o u , dito de outra f o r m a , que tenha nas evidencias os seus f u n d a m e n t o s epistemoldgicos primaciais[e isso sem

(17)

outro, pela relacao entre c o n h e c i m e n t o e ideologia ou ideologia e c o n h e c i m e n t o , em que a inversao deseja expressar a primazia da politica determinando a producao de c o n h e c i m e n t o sobre a realidade social brasileira, e poderfamos ate dizer, quase sem qualquer m a r g e m de erro, da realidade social l a t i n o - a m e r i c a n a .1

Do nosso p o n t o de v i s t a , esses fatores conjugados tern contribuido para que t e n h a m o s u m a producao de c o n h e c i m e n t o acerca da realidade social brasileira (in)capaz de explicar - a partir de um parti pris estritamente tedrico - os processos sociais e, mais especificamente, os denominados " m o v i m e n t o s s o c i a i s " . E, segundo Jose de Souza M a r t i n s , a tese explicativa para essa inferioridade teorica deve-se ao fato do " n o s s o " "colonialismo i n t e l e c t u a l '2.

Disso resulta que - na histdria brasileira da c o n s t r u c a o da 'realidade' c o m o pratica da teoria - ha u m problema de natureza t e o r i c a3.

Ha, de f a t o , uma transgressao entre o piano de analise e o piano de realidade. E, p o r t a n t o , a respeito da distincao desses pianos que trata o tdpico primeiro.

Af t r a t a m o s - por assim dizer - da especificidade do c o n h e c i m e n t o cientifico enquanto c o n h e c i m e n t o da realidade e o que caracteriza o discurso tedrico e n q u a n t o uma das tantas f o r m a s de representacao da realidade. A f o r m a c o m o esta f o r m u l a d o o problema t e o r i c a m e n t e , no e n t a n t o , pode conduzir a dois equfvocos f u n d a m e n t a l s : de um lado, pensar que estamos resgatando uma histdrica discussao acerca da neutralidade cientffica, o que alias seria contraditdrio c o m a nossa premissa teorica.

1 Cf. Octavio lanni. Sociologia da Sociologia: 0 Pensamento Sociologico

Brasileiro. Sao Paulo: A t i c a , 1 9 8 9 ; p 2 3 9 .

2 Cf. Jose de Souza M a r t i n s . A Chegada do Estranho. Sao Paulo:

(18)

Que fique claro, ja de infcio, que nao estamos defendendo a tese da "neutralidade c i e n t f f i c a " , mas s i m , estabelecendo a a u t o n o m i a entre teoria e realidade, e s i m u l t a n e a m e n t e , t r a t a n d o do que consiste essa relacao. E menos ainda pensar que estamos recolocando simplesmente a contraposicao racionalistas e empiricistas. Posto que nao t r a t a m o s , pois, da negacao da pesquisa empirica, nem t a m p o u c o defendemos a f o r m a especulativa de c o n h e c i m e n t o , porem da questao que a envolve.

T r a t a m o s , assim, das diversas concepcoes que orientam as analises dos m o v i m e n t o s sociais no Brasil, procurando - ai - demonstrar c o m o tais concepcoes variam aqui e acola, e, embora haja uma vasta producao de c o n h e c i m e n t o a esse respeito, todas estao caracterizadas por se f u n d a m e n t a r e m nos aspectos observaveis na realidade imediata. E, embora um dos autores [Chazel] tenha destacado a " a u s e n c i a " de uma delimitacao t a n t o empfrica q u a n t o analftica sobre o que sao/sejam " m o v i m e n t o s s o c i a i s " , a permanente dificuldade de (in)definicao decorre dai. Quer dizer, o m e s m o indica que ha uma saida, mas o impasse epistemoldgico c o n t i n u a . . .

No e n t a n t o , a critica ao paradigma analftico vigente, e o que ha de c o m u m nessa producao, daf porque "surpreende t a m b e m o quanto esta dupla critica aos paradigmas do c o n h e c i m e n t o e da representacao da vida social escapou do seu lugar tradicional de enunciacao, c o m o debate epistemoldgico, para ser f o r m u l a d o de dentro da cultura c o n t e m p o r a n e a e de sua c r i s e " .4 Isto e, uma vez que o debate se deu fora do seu lugar

tradicional de enunciacao, e de se esperar a busca da (in)definicao presente ainda nos dias de hoje. 0 t d p i c o , p o r t a n t o , busca demonstrar que tern havido uma c o n s t a n t e (in)definicao, a partir da premissa de que

3 Essa questao ja foi objeto de Tese de Livre-Docencia em Jose A u g u s t o

Guilhon Albuquerque. Instituicao e Poder. A Analise concreta das relacoes de poder nas instituicoes. Rio de Janeiro: Graal,1 9 8 6 .

4 Cf. Maria Celia Paoli. "As ciencias sociais, os movimentos sociais e a

questao de genero". Sao Paulo: Novos Estudos CEBRAP, N ° 3 1 , Outubro-1 9 9 Outubro-1 ; p . Outubro-1 0 8 .

(19)

permanecera o p r o b l e m a , o u , c o m o diria Hegel, que "o problema da histdria e a histdria do p r o b l e m a " .

A partir da decada de 1 9 7 0 emerge um " n o v o " objeto de estudo para as ciencias sociais brasileira: os " m o v i m e n t o s s o c i a i s " . Essa perspectiva analitica g a n h o u notoriedade teorica a p o n t o de haver um numero razoavel de c o n h e c i m e n t o produzido desde entao. E o que, adiante, iremos discutir, ou seja, t r a t a m o s da representatividade dos " m o v i m e n t o s sociais", do p o n t o de vista historiografico, a p o n t a n d o , ainda, as razoes que fizeram c o m que uma nova abordagem explicativa [ centrada nas analises das "acdes c o l e t i v a s " , " p o l i c l a s s i s t a s " , microestruturais ] viesse a estabelecer uma quase ruptura c o m o paradigma analitico anterior [ centrado nas analises das classes sociais, em questdes m a c r o e s t r u t u r a i s ] .

1.2. A Proposito da Distincao dos Pianos de Analise e do

Piano de Realidade.

" A arte de operar c o m os conceitos nao e algo

inato ou dado na consciencia c o m u m , mas e u m trabalho t e c n i c o do p e n s a m e n t o , que tern u m a longa histdria, t a n t o q u a n t o a investigacao experimental das ciencias n a t u r a i s " .

Friedrich Engels.

A producao de c o n h e c i m e n t o sobre a realidade social, e n q u a n t o resultado da atividade t e o r i c a , exige alguns pressupostos f u n d a m e n t a i s para que nao haja transgressao entre os pianos de analise e o piano de realidade. Com isso q u e r e m o s dizer que o discurso tedrico, e n q u a n t o f o r m a especffica de c o n h e c i m e n t o da realidade, deve se caracterizar pelo

(20)

corte estabelecido entre os c o n h e c i m e n t o s , de um lado, do senso comum (matizado pelas categorias da pratica e, p o r t a n t o , polftico-ideoldgicas) , e, de o u t r o , pelo conhecimento tedrico (matizado pela c o n s t r u c a o conceptual) acerca da realidade. A s s i m , nos distanciamos da n o c a o ja generalizada, ha certa altura, t o m a d a c o m o " r u p t u r a " entre um piano e o u t r o . Corte utilizado por Guilhon Albuquerque tern este carater explicativo.

Nesse sentido, o primeiro pressuposto a c o n s t r u c a o da realidade c o m o pratica da teoria e q u a n t o a terminologia do discurso t e d r i c o . E c o m efeito, essa necessidade coloca a exigencia de recorrer m u i t a s vezes as palavras da linguagem c o m u m o u , as vezes, ate, as expressdes c o m p o s t a s , construfdas c o m palavras da linguagem c o m u m , m a s que funciona imperativamente de maneira diferente do que na l i n g u a g e m cotidiana.

Foi Althusser, por e x e m p l o , quern destacou de f o r m a b a s t a n t e precisa a dificuldade enfrentada pelo discurso tedrico. No seu m o d o de entender,

"Na linguagem teorica, as palavras e expressdes f u n c i o n a m c o m o conceitos tedricos. Isto implica m u i t o precisamente que o sentido das palavras esta nele f i x a d o , nao pelo seu uso corrente, mas sim pelas relacdes existentes entre os conceitos t e d r i c o s no interior do seu s i s t e m a " .5

E sao as relacdes atribufdas as palavras, t r a n s f o r m a d a s que f o r a m em c o n c e i t o s , o seu significado t e d r i c o . A s s i m ,

" A dificuldade propria da terminologia teorica consiste pois em que, por detras do significado usual da palavra, e sempre preciso discernir o seu significado c o n c e p t u a l , que e sempre diferente do significado u s u a l " , isso significa, de f a t o , que "(...)Quando u m a terminologia teorica e b o a , isto e,

5 Cf. Louis Althusser. Sobre o Trabalho Tedrico. Lisboa: Editora Presenca,

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bem determinada e bem referenciavel, ela assume a f u n c a o precisa de impedir as confusdes entre o significado usual das palavras e o significado tedrico(conceptual) das m e s m a s palavras.(...)E a sua conjuncao particular que produz um significado n o v o , definido, que e o conceito tedrico. Nao pode haver discurso tedrico sem a producao destas expressdes especificas, que designam conceitos t e d r i c o s " .6

Ipso facto, o suporte do discurso tedrico nao esta nem na realidade concreta nem nas palavras mas na conexao conceptual e c o m o tal isso e resultado da pratica teorica o u , dito de outra f o r m a , do processo da producao de c o n h e c i m e n t o e n q u a n t o pratica especifica de um sujeito histdrico-social especifico.

Tal f o i , por e x e m p l o , a consciencia teorica de M a r x , esclarecido por Engels, ao empreender u m estudo acerca das relacdes econdmicas da sociedade m o d e r n a . E o seu caso nos interessa em particular por revelar a questao central de que t r a t a m o s aqui, isto e, da distincao entre os pianos de analise e o de realidade. Isso por destacar de f o r m a bastante clara a insuficiencia das categorias da pratica enquanto especificidade do discurso t e d r i c o . Sendo a s s i m , foi bastante enfatico ao assinalar que

" u m a dificuldade persiste, no e n t a n t o , e dela nao p o d e m o s poupar o leitor: o emprego de certas expressdes [conceitos ] em sentido diferente nao so do uso na linguagem cotidiana [categorias da pratica], mas t a m b e m na Economia Politica usual.

Isso era, p o r e m , inevitavel. Cada concepcao nova de u m a ciencia implica u m a revolucao nos t e r m o s tdcnicos dessa ciencia(...)A Economia Politica geralmente tem-se c o n t e n t a d o em t o m a r , tal c o m o se e n c o n t r a m , as expressdes [categorias da pratica ] da vida comercial e industrial e operar c o m elas sem se dar em absoluto c o n t a de que ela, c o m isso, se restringe ao cfrculo estreito das ideias que essas palavras e x p r i m e m " .7

6 ldem;pp.1 2-1 3 - 1 4 .

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E nesse caso, gostarfamos de acentuar, trata-se de tipo de obstaculo e p i s t e m o l d g i c o8 que se encontra presente nao so n u m a nova

pratica teorica mas que se e n c o n t r a contido no resultado da pratica teorica preterita. "Descrever ou explicar parcimoniosamente c o n t i n u a sendo descrever ou explicar c o m conceitos s o c i o l d g i c o s "9, diz-nos,

assim, Jean Claude-Passeron

Mas nao para af, pois, o u t r a ordem de dificuldade mais p r o f u n d a e do a m b i t o da natureza teorica do discurso cientifico. Isso porque um discurso tedrico e - na sua significacao mais geral, por assim dizer - um discurso que tern por efeito o conhecimento concreto de um objeto real, c o n c r e t o . No e n t a n t o , de onde partirl E aqui que reside t o d a ordem do problema da c o n s t r u c a o da realidade c o m o pratica teorica e que tern causado grandes problemas nas analises dos processos sociais no Brasil e, mais e s p e c i f i c a m e n t e , dos denominados " m o v i m e n t o s s o c i a i s " .

N u m dos t e x t o s de melhor critica metodologica acerca do m o d o da producao de c o n h e c i m e n t o sobre a realidade social Marx aponta os perigos geralmente e n c o n t r a d o s do p o n t o de partida tedrico e que alimenta a polemica entre empiristas [colocarem todo assento da producao nos f a t o s / d a d o s ] e racionalistas [colocarem t o d o assento na razao independente do o b j e t o ] . Ou seja, c o n f o r m e podemos verificar, o seu p o n t o de partida -ao contrario de algumas interpretacdes equivocadas, para quern deve-se partir da realidade concreta - e da teoria, o u , c o m o diz

8 Cf. Gaston Bachelard. A Formacao do Espirito Cientifico. Rio de

Janeiro:ContrapontO,1 9 9 6 ; p p . 7 - 2 8 . "Chega o momento em que o espfrito prefere o que confirms seu saber aquilo que o contradiz, em que gosta mais de respostas do que de perguntas. 0 instinto conservativo passa entao a dominar, e cessa o crescimento espiritual",p1 9. Essa questao esta sempre posta pelos grandes pensadores. Trata-se da consciencia da natureza inventiva-criadora c o m o imanente a pratica t e o r i c a . Daf M a r x , G r a m s c i , A l t h u s s e r , Bachelard e Guilhon t e r e m acentuado tal atividade c o m o bastante dificil, guardadas as p r o p o r c d e s .

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"Parece que o melhor m e t o d o sera comecar pelo real e pelo c o n c r e t o , que sao a condicao previa e e f e t i v a ; assim, em economia polftica, por e x e m p l o , comecar-se-ia pela populacao que e a base e o sujeito do acto social de producao c o m o u m t o d o . No e n t a n t o , numa observacao a t e n t a , apercebemo-nos de que ha aqui um erro. (...)Este segundo m e t o d o e e v i d e n t e m e n t e o m e t o d o cientifico correto. 0 concreto e c o n c r e t o por ser a sfntese de multiplas determinacoes, logo, unidade da diversidade. E por isso que ele e para o p e n s a m e n t o u m processo de sfntese, um resultado, e nao u m p o n t o de partida, apesar de ser o verdadeiro p o n t o de partida e portanto igualmente o p o n t o de partida da observacao imediata e da representacao. (...) enquanto que o m e t o d o que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto e para o p e n s a m e n t o precisamente a maneira de apropriar do c o n c r e t o , de reproduzir c o m o concreto espiritual. Mas este nao e de m o d o n e n h u m o processo de genese do prdprio c o n c r e t o " .1 0

Numa palavra, isso significa que a tarefa teorica de conhecer a realidade consiste em (des)conhecer a realidade. Com efeito, sabemos que a realidade concreta e um t o d o articulado-desarticulado ou u m todo cadtico, enquanto que a realidade pensada ou c o n h e c i m e n t o da realidade social e necessariamente u m a totalidade articulada resultado de t o d o um processo da producao de c o n h e c i m e n t o , o u , ainda,

"...a totalidade concreta enquanto totalidade-de-p e n s a m e n t o , enquanto c o n c r e t o - d e - totalidade-de-p e n s a m e n t o , e de fato u m p r o d u t o do p e n s a m e n t o , da atividade de conceber [pratica teorica ] ; ele nao e pois de f o r m a alguma o p r o d u t o do conceito que engendra a si prdprio, que pensa exterior e superiormente a observacao imediata e a representacao, mas u m produto da elaboracao de conceitos a partir da observacao imediata e da representacao. 0 t o d o , na

9 Cf. Jean Claude-Passeron. O raciocfnio sociologico: o espaco nao

popperiano do raciocfnio natural. Petrdpolis-RJ: V o z e s , 1 9 9 5 ; p . 5 9 .

1 0 Cf. Karl M a r x . Contribuicao Para a Critica da Economia Politica. Lisboa:

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f o r m a em que aparece no espirito c o m o t o d o d e -p e n s a m e n t o , e um -p r o d u t o do cerebro -p e n s a n t e , que se apropria do m u n d o do unico m o d o que Ihe e possfvel, de um m o d o que difere da apropriacao desse m u n d o pela arte, pela religiao, pelo espirito pratico. A n t e s c o m o depois, o objeto real c o n s e r v a a sua independencia fora do espfrito; e isso durante o t e m p o em que o espirito tiver uma actividade m e r a m e n t e especulativa, m e r a m e n t e t e o r i c a . Por consequencia, t a m b e m no emprego do m e t o d o tedrico e necessario que o objeto, a sociedade, esteja c o n s t a n t e m e n t e presente no espirito c o m o dado p r i m e i r o " .1 1

Duas observacdes, no e n t a n t o , sao necessarias a partir do que foi e x p o s t o . De um lado, acentuar a especificidade do discurso tedrico enquanto f o r m a de compreender o m u n d o em relacao as diversas f o r m a s ou possibilidades. Do outro lado, a afirmacao da simultaneidade da sua independencia ou a u t o n o m i a em relacao a realidade, m a s , ao m e s m o t e m p o , o seu vfnculo. Ou melhor, ao analisar a realidade social, e preciso renunciar a encara-la na complexidade em que nos e dada a primeira v i s t a , pois analisar1 2 e u m processo que implica fracionar u m objetofde

analise) em suas partes c o n s t i t u t i v a s . Essa questao foi objeto de analise na tese de Livre Docencia de Guilhon, porque para o autor "a primeira dificuldade que se encontra na maioria esmagadora das analises e teorias sdcio-polfticas reside em que o trabalho de producao do objeto-de-pensamento-totalidade-concreta permanece implfcito no processo de d e n o m i n a - l o " .1 3 Essa questao tern a ver, do nosso p o n t o de v i s t a , de

1 1 Idem, p . 2 3 0 .

1 2 Cf. Jose A Guilhon A l b u q u e r q u e . Instituicao e Poder... Op. Cit. p.3.

Ver, ainda, Edgar M o r i n , As Grandes Questoes do Nosso Tempo. Lisboa:Editorial Notfcias, 1 9 9 4 ; p p . 9 6 - 9 9 ; Ver Aurelio Buarque de Holanda Ferreira. Novo Dicionario Aurelio da Lingua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1 9 8 6 ; p . 1 1 3.

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f a t o , c o m o (des)conhecimento acerca da distincao entre objeto de analise ou de p e n s a m e n t o , c o m o quer o autor, e nao-objeto de analise.

Mas esse problema da producao de c o n h e c i m e n t o nao para por af e, todo o esforco desenvolvido nesse sentido parece nao dar em nada, ou, no dizer de Guilhon, no que c o n c o r d a m o s ,

" A critica das dificuldades encontradas no decorrer desse debate so serve para limpar o terreno e, no final das c o n t a s , colocar o p r o b l e m a . 0 p r o b l e m a , tal c o m o resulta dessa critica, e de dupla natureza: por u m lado, a questao da distincao entre teoria e realidade e, por o u t r o , a questao da triparticao estrutural da analise e da a u t o n o m i a de cada uma das instancias. Observar-se-a que, s i t u a n d o a questao da a u t o n o m i a das instancias no m e s m o lado que o da questao da estrutura t r i p a r t i d a , o problema esta resolvido em grande parte. Ja que n e n h u m a c o n f u s a o e mais possfvel entre o p e n s a m e n t o e o real. Nao e na realidade que v a m o s procurar a prova da a u t o n o m i a das estruturas(tedricas) mas na estruturacao da teoria, que autoriza analises a u t d n o m a s (...) Basta olhar o esquema para se dar c o n t a de que nele nao ha lugar para instituicdes concretas. Pois t u d o no quadro e princfpio, nfvel, piano de analise. E verdade que se e n c o n t r a nele instancias que sao c o n t u d o lugares de analise de praticas a u t d n o m a s ; estruturas, que sao pianos de analises de praticas articuladas entre si; f o r m a c d e s , que sao pianos de analises de estruturas de praticas articuladas entre si. Mas as instituicdes concretas nao sao nem aparelhos, nem praticas, nem m u i t o m e n o s possuem um lugar designado n u m a instancia. Nao mais do que os indivfduos, nao c o n s t i t u e m suportes de coisa n e n h u m a , sao apenas referente da a n a l i s e " .1 4

A s s i m , cabe reter a questao da triparticao estrutural da analise, isto e, que a realidade social se divide, s o m e n t e para efeito de analise, em polftica, e c o n o m i c a e ideoldgica, m a s nao necessariamente nessa o r d e m . 0 que implica dizer que so se pode falar na d e t e r m i n a c a o de

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efeitos poh'ticos, e c o n d m i c o s ou ideoldgico num determinado nivel de analisefos lugares da analise das praticas segundo seus efeitos especfficos, ou seja, que s o m e n t e colocando a analise apenas no nfvel tal e que se esta autorizado a dizer que tais praticas tern efeitos tais especfficos e a u t d n o m o s ) .

Essa seria, ao nosso m o d o de ver, ao que parece, a razao da critica assaz rigorosa presente na reflexao acerca das m e t o d o l o g i a s e praticas da pesquisa e m ciencias sociais formuladas por Bruyne, Herman e S c h o u t h e e t e . Quer dizer, segundo esses autores

"o c o n j u n t o da 'tradicao t e o r i c a ' das disciplinas das ciencias do h o m e m ainda tern ligacdes organicas c o m o c a m p o d o x o l d g i c o , na medida em que sua pratica apenas inicia a ruptura c o m a linguagem c o m u m . Prova disto e o dialogo c o n s t a n t e dessas ciencias c o m as preocupacdes pragmaticas e ideoldgicas correntes, dialogo (e este e o sinal de u m a falta de ruptura) que se desenrola n u m a m e s m a linguagem : e u m a ' c o n s e q u e n c i a inesperada' da vulgarizacao das pesquisas em ciencias sociais. Ora, o dialogo, ou melhor, a interacao deveria se instaurar a partir de dois tipos de linguagens diferentes, cada um c o m sua especificidade, sem se tornar u m simples j o g o de e s p e l h o s " .1 5

No caso da producao de c o n h e c i m e n t o sobre os " m o v i m e n t o s s o c i a i s " no Brasil isso esta expresso na linguagem ideoldgica b a s t a n t e presente e que acaba por substituir c o n c e i t o s .

Ha, ainda, no e n t a n t o , outro aspecto f u n d a m e n t a l a ser d e s t a c a d o n u m a discussao acerca do m o d o da producao de c o n h e c i m e n t o , trata-se da historicidade das categorias de analises e dos seus o b j e t o s .1 6 A

1 5 Cf. Paul de Bruyne et all. Dinamica da Pesquisa em Ciencias Sociais.

Rio de Janeiro: F. A l v e s , 1 9 9 1 ; p . 3 3 .

1 6 Cf. Caio Prado Junior. A Revolucao Brasileira. Sao Paulo: Brasiliense,

1 9 8 7 . A f o autor discute de f o r m a critica os equivocos analfticos c o m e t i d o s no processo de caracterizacao teorica da realidade s d c i o -econdmica-polftica brasileira.

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capacidade de representatividade de determinada categoria analftica tern a ver c o m a existencia c o n c r e t a do objeto da analise. Talvez seja por isso que t a n t o M a r x q u a n t o F o u c a u l t1 7 t e n h a m feito questao de acentuar essa

relacao(teoria/realidade), m a s , s i m u l t a n e a m e n t e , sua independencia. Essa questao m e r e c e u , por parte de M a r x , u m a atencao especial. E isso talvez explique porque t e n h a c h a m a d o atencao ao dizer que

" D o m e s m o m o d o que em t o d a a ciencia histdrica ou social em geral, e preciso nunca esquecer, a propdsito da evolucao das categorias e c o n d m i c a s , que o o b j e c t o , neste caso a sociedade burguesa m o d e r n a , e dado, t a n t o na realidade c o m o no cerebro; nao esquecer que as categorias e x p r i m e m p o r t a n t o f o r m a s de existencia, condicdes de existencia determinadas, m u i t a s vezes, simples aspectos particulares desta sociedadade d e t e r m i n a d a , deste objecto, e que, por c o n s e g u i n t e , esta sociedade de maneira n e n h u m a c o m e c a existir, inclusive do p o n t o de v i s t a cientifico, s o m e n t e a partir do m o m e n t o em que ela esta em questao c o m o

Mas so passa a ser percebida enquanto tal assim que acede teoricamente ao p e n s a m e n t o . Do contrario, so aparece e n q u a n t o questao ideoldgica, e, p o r t a n t o , f r a g m e n t a d a . Isto e, ha u m a correspondente necessidade de relacao-autonomia entre o real (nao-objeto de analise) e o real pensado(objeto da analise) e, p o r t a n t o , c o n c r e t o , pois a realidade

1 7 Cf. Michel Foucault. As Palavras e as Coisas. Sao Paulo: Martins

Fontes, 1 9 9 5 ; p . 5 - 1 3 . E interessante notar, no e n t a n t o , que para Gramsci, a ciencia e u m a f o r m a "particular" de ideologia. Tern o seu nascimento d e t e r m i n a d o histdrico-socialmente e o seu discurso produz efeitos histdrico-sociais. A s s i m , diz ele, "Se as verdades cientfficas fossem definitivas, a ciencia teria deixado de existir como tal, como investigacao, como novas experi6encias, reduzindo-se a atividade cientffica a repeticao do que ja" foi descoberto. 0 que nao e" verdade, para a felicidade da ciencia. Mas se nem mesmo as verdades cientfficas sao definitivas e peremptorias, tamb6m a ciencia 6 uma categoria hist6rica, um movimento em continua evolucao.(...)Mas, na realidade, tamb6m a ciencia 6 uma superestrutura, uma ideologia", Cf. Concepcao Dialetica da Histdria. Rio de Janeiro: Civilizacao, 1 9 9 1 ; p p . 7 0 - 7 1 .

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concreta , por assim dizer, proporciona a concreticidade da teoria e, s i m u l t a n e a m e n t e , a teoria enquanto realidade pensada, proporciona a subjetividade da realidade c o n c r e t a .

E, p o r t a n t o , necessario perceber que na m e n t e os conceitos sao contraditdrios e que na ordem real eles estao voltados para uma unidade p r o f u n d a e, e na relacao entre p e n s a m e n t o e discurso que o ato de teorizar se apresenta mais amplo e mais c o m p l e x o . " . . . O r a , a solucao deste [aparente] c o n f l i t o , real versus ideal, e c o n c r e t o versus a b s t r a t o , mostra-se j u s t a m e n t e no e n c o n t r o , entre o real e o racional, entre a teoria e a pratica, n u m a unidade nao fechada mas aberta e d i n a m i c a " .1 9

Ha de f a t o , na histdria da producao de c o n h e c i m e n t o , duas f o r m a s especfficas de discursos tedricos. De um lado, a analise estritamente teorica, em que os conceitos m e r a m e n t e tedricos (tratam de objetos-formais) e, de o u t r o , os c h a m a d o s conceitos empiricosf referem-se a o b j e t o - c o n c r e t o s ) . A distincao aqui buscada tern importancia tedrico-m e t o d o l d g i c o , do p o n t o de vista do horizonte epistetedrico-moldgico, vez que o estritamente tedrico oferece as categorias-ferramentas que possibilitam pensar u m objeto concreto em qualquer c o n t e x t o histdrico.

No t o c a n t e aos conceitos empiricos, trata-se de objeto especificamente contextualizado, ou seja, refere-se a uma determinada realidade de analise. A s s i m , posto t u d o isso, queremos dizer que t o d o o c o n h e c i m e n t o , t o d o o discursos t e d r i c o , tern por f i m ultimo o c o n h e c i m e n t o de objetos reais, c o n c r e t o s , singulares. Pois, parece ainda capital - daf t o d o nosso esforco! - insistir sobre a especificidade do objeto cientifico, construfdo, em relacao c o m os outros objetos do saber; o objeto de ciencia e um sistema de relacdes construidas expressa e

1 9 Otavio Pereira. O que e Teoria. Sao Paulo: Brasiliense, 1 9 9 5 ; p p . 2 3

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explicitamente, ele se opde ao objeto pre-construfdo pela percepcao, c o m 2 0

o qual Ihe e necessario romper c o n t i n u a m e n t e .

" N o e n t a n t o , [ diz Althusser ] e e este o p o n t o d e c i s i v e sabemos que o c o n h e c i m e n t o destes objectos c o n c r e t o s , reais, singulares, nao e u m dado imediato, nem u m a simples abstraccao, nem a aplicacao de conceitos gerais a dados particulares. Estas sao as posicdes do empirismo e do idealismo. 0 c o n h e c i m e n t o destes objectos reais, c o n c r e t o s , singulares, e o resultado de t o d o u m processo de producao de c o n h e c i m e n t o , cujo resultado e aquilo a que M a r x c h a m a ' a sfnteses de uma multiplicidade de d e t e r m i n a c d e s ' , sendo esta sfntese o ' c o n h e c i m e n t o c o n c r e t o ' de um objecto c o n c r e t o " .2 1

Mas e e x a t a m e n t e aqui que se coloca a questao f u n d a m e n t a l da pratica teorica: em que consiste realizar a sfntese c o m o resultado de t o d o um processo da producao de c o n h e c i m e n t o , c o m o v i m o s aludindo, ate aqui e que e o nosso problema f u n d a m e n t a l ? O u , f o r m u l a n d o de o u t r a f o r m a , c o m o operar a c o m b i n a c a o - c o n j u n c a o necessaria e exata de dois tipos de c o n h e c i m e n t o s , que ja anteriormente d e n o m i n a m o s de conceitos tedricos(em sentido estrito) e conceitos empfricos?

Ha, em A l t h u s s e r , de f o r m a bastante clara, a dimensao da singularidade que caracteriza a pratica teorica [o que esta c o l o c a d o enquanto pratica t e o r i c a ] , a pratica teorica que geralmente ocorre c o m tais praticas e o que nao se deve fazer mas que e lugar-comum se fazer. Diz Althusser,

" U m a pesquisa e u m a observacao, em s u m a , u m a experiencia, nao f o r n e c e m pois, inicialmente, mais do que materials que depois sao t r a n s f o r m a d o s em

2 0 Cf. Paul de Bruyne et all. Op. C i t . , p p . 5 1 - 5 3 . " 0 objeto de conhecimento

construfdo 6 uma traducao especifica, conceitual, do real, 6 um objeto que responde a leis de composicao autonomas, construfdo por m^todos explfcitos. E um sistema simb6!ico que difere, em Natureza, do objeto real e, em complexidade, do objeto percebido".

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m a t e r i a - p r i m a de um trabalho ulterior de t r a n s f o r m a c a o que finalmente vai produzir os c o n c e i t o s empfricos. C o m a expressao conceitos empfricos t e m o s em vista nao o material inicial, mas o resultado das suas elaboracao sucessivas; t e m o s pois em vista o resultado de um processo de c o n h e c i m e n t o , ele prdprio c o m p l e x o , em que o material inicial, e depois a materia-prima obtida sao t r a n s f o r m a d o s em conceitos empfricos pela i n t e r v e n c a o de conceitos tedricos, que d i r e c t a m e n t e , quer presentes e aplicados nesta elaboracao sob a f o r m a de m o n t a g e n s experimentais, regras de m e t o d o , regras de crftica e de interpretacao, etc. A relacao dos conceitos tedricos c o m os conceitos empfricos nao e pois, em caso a l g u m , uma relacao de exterioridade(os conceitos tedricos nao sao ' r e d u z i d o s ' aos dados empfricos), nem uma relacao de deducao(os conceitos empfricos nao sao deduzidos dos conceitos tedricos), nem uma relacao de inclusaofos conceitos empfricos nao sao a particularidade c o m p l e m e n t a r da generalidade de c o n c e i t o s t e d r i c o s , c o m o casos particulares) d e s t e s " .2 2

Mas se a distincao anterior trata do m o d o de c o m o operar a producao, cabe, ainda, tratar da distincao f u n d a m e n t a l a ser feita sobre os objetos possiveis de u m discurso tedrico. E, para isso, recorreremos mais u m a vez a A l t h u s s e r pela sua f o r m a transparente de tratar tal problema.

"(...)Por agora, estas precisdes basta-nos para introduzir u m a distincao i m p o r t a n t e entre os objetos possfveis de u m discurso tedrico. Se c o n s e r v a m o s a d i s t i n c a o que acabamos de operar entre os objectos a b s t r a t o s - f o r m a i s e os objectos c o n c r e t o s reais, p o d e m o s dizer que um discurso tedrico pode, c o n s o a n t e o seu nfvel, referir-se quer a objectos a b s t r a c t o s e f o r m a i s , quer a objectos c o n c r e t o s e reais. (...) Se t o d o s os discursos que produzem o c o n h e c i m e n t o de um objeto p o d e m ser ditos, em geral, t e d r i c o s , precisamos p o r t a n t o de fazer uma

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distincao referentes a objectos reais-concretos por u m lado, e os discursos referente a objectos f o r m a i s -abstractos por o u t r o . Convira chamar discursos t e d r i c o s , ou teoria, em sentido estrito, aos discursos referentes a objectos f o r m a i s - a b s t r a c t o s . Esta distincao e necessaria: por u m lado, os primeiros discursos (concretos) supde a existencia dos segundos (abstractos) e por outro lado, o alcance dos segundos discursos (abstractos) ultrapassa i n f i n i t a m e n t e o objecto dos p r i m e i r o s " .2 3

V e j a m o s , por e x e m p l o , c o m o M a r x acentua tal distincao, referindo-se a categoria trabalho:

"Este exemplo do trabalho m o s t r a c o m t o d a a evidencia que as categorias mais abstratactas, ainda que validas - precisamente por causa da sua natureza abstracta - para todas as epocas, nao sao m e n o s , sob a f o r m a determinada desta m e s m a a b s t r a c t c a o , o p r o d u t o de condicdes histdricas e so se c o n s e r v a m plenamente validas nestas condicdes e no quadro d e s t a s " .2 4

A q u i esta, ainda, a chave explicativa, n u m a discussao mais de f u n d o , quanto a questao da " i n s u f i c i e n c i a " de um instrumental tedrico-m e t o d o l d g i c o , que nos dias de hoje, f i c o u conhecido c o tedrico-m o "crise de p a r a d i g m a "2 5. Mas que, na verdade, expressa u m processo de

2 3 I b i d e m . p p . 2 2 - 2 8 . O melhor exemplo c o n t e m p o r a n e o , do angulo de u m a

concepcao diversa do m a r x i s m o , para entender essa questao, esta em Gilbert Durand. As Estruturas Antropologicas do Imaginario. Sao Paulo: Martins F o n t e s , 1 9 9 7 . Af o objeto de analise e abstrato e f o r m a l . Trata-se, por assim dizer, de um discurso tedrico em sentido estrito. E isso, p o r t a n t o , que faz c o m que haja varios " g r u p o s de e s t u d o s " no Brasil pensando o objeto c o n c r e t o "imaginario".

2 4 Cf. Karl M a r x . Contribuicao Para Critica da Economia

Politica.Op.Cit.,p.223. Ver, ainda, Louis A l t h u s s e r . Op. Cit., p . 1 6 - 2 3 .

2 5 Tal nocao foi cunhada por T h o m a s S. Kun. A estrutura das revolucoes

(32)

burocratizacao da atividade teorica , que ao institucionalizar os f u n d a m e n t o s do c o n h e c i m e n t o , impede qualquer possibilidade de c r i a t i v i d a d e2 7 e, naquilo que e um problema do cientista, atribui-se a

teoria. E nesse sentido que Gramsci define m u i t o bem em que consiste a crise de paradigma, isto e, " A crise da ideia de progresso, p o r t a n t o , nao e uma crise da ideia em si, mas u m a crise dos portadores dessa ideia, os quais se t o r n a r a m , eles m e s m o s , u m a ' n a t u r e z a ' que deve ser d o m i n a d a . Os ataques a ideia de progresso, nesta situacao, sao m u i t o interessados

2 8 e t e n d e n c i o s o s " .

Ora, retornemos a questao central que v e m sendo tratada aqui, ou seja, sobre os pressupostos a producao de c o n h e c i m e n t o sobre realidade c o m o resultado da pratica t e o r i c a . E, nesse sentido, outro pressuposto f u n d a m e n t a l a producao de c o n h e c i m e n t o sobre a realidade diz respeito a capacidade do cientista social f o r m u l a r problemas. Trata-se, na verdade, da questao a ser problematizada. E e isso, dentre outras q u e s t d e s , que caracteriza historicamente a especificidade da pratica teorica. Com efeito, c o m isso queremos dizer, c o n c o r d a n d o c o m Bachelard que,

" 0 espirito cientffico profbe que t e n h a m o s uma opiniao sobre questdes que nao c o m p r e e n d e m o s , sobre questdes que nao sabemos f o r m u l a r c o m clareza. Em primeiro lugar, e preciso saber f o r m u l a r problemas. E, digam o que disserem, na vida cientffica os problemas nao se f o r m u l a m de m o d o e s p o n t a n e o . E j u s t a m e n t e esse sentido do problema que caracteriza o verdadeiro espirito cientifico. Para o espfrito cientifico, t o d o c o n h e c i m e n t o e reposta a u m a p e r g u n t a . Se nao ha pergunta, nao pode haver

2 6 A melhor critica quanto aos efeitos perversos da burocratizacao

encontra-se em M a x Weber, "Burocracia" in Ensaios de Sociologia. Brasilia: Ed.UNB, 1 9 9 5 . p p . 2 2 9 - 2 8 2 . Ver, ainda, Clodoaldo A l m e i d a da Paixao. Sociologia Compreensiva - Uma Proposta Epistemologica. Feira de Santana: Cadernos de Educacao-UEFS, A n o 0 1 , n° 0 2 , 1 9 9 6 .

2 7 Ver, a esse respeito, a crftica c o n t i d a em Gaston Bachelard. Op.

C i t . , p p . 7 - 2 8 ; A n t o n i o G r a m s c i . Op. C i t . , p p . 1 1 - 6 3 .

(33)

c o n h e c i m e n t o cientffico. Nada e g r a t u i t o . T u d o e c o n s t r u f d o " .2 9

M a s , de onde nasce, no e n t a n t o , a f o r m u l a c a o de uma problematica teorica? C o m o se f o r m u l a u m problema tedrico? E em que consiste, de imediato, na pratica [teorica] essa tarefa? O u , a depender de onde nasce, que implicacdes decorrem daf? Nasce da realidade ou da teoria? Tais sao as questdes imanentes na reflexao que estamos desenvolvendo e cuja resposta e s t a m o s t e n t a n d o construir estabelecendo uma distincao entre o que e s t a m o s d e n o m i n a n d o de piano de analise e piano de realidade. Daf nao ser u m a questao tao simples mas t a m b e m

nao ser uma questao tao c o m p l e x a .

E, tal f o i , ao que parece, t o d o o esforco tedrico desenvolvido por Gaston Bachelard, em que a preocupacao c o m o conhecimento empirico e analisado enquanto sendo caracterizado pela quase ausencia do " v e t o r de a b s t r a c a o " . Mas porque acentuar tais questdes? Diz ele,

" M a s , desde j a , e preciso perceber que o c o n h e c i m e n t o empfrico, p r a t i c a m e n t e o unico que estudamos neste livro, envolve o h o m e m sensfvel por todas as expressdes de sua sensibilidade. Quando o c o n h e c i m e n t o empfrico se racionaliza, nunca se pode garantir que valores sensfveis primitivos nao interfiram nos a r g u m e n t o s . De m o d o visfvel, pode-se reconhecer que a ideia cientffica m u i t o usual fica carregada de c o n c r e t o psicoldgico pesado demais, que ela reune inumeras analogias, i m a g e n s , m e t a f o r a s , e perde aos poucos seu v e t o r de abstracao, sua afiada ponta a b s t r a t a " . ( . . . ) " C o m efeito, as crises de c r e s c i m e n t o do p e n s a m e n t o implicam u m a reorganizacao t o t a l do s i s t e m a de saber. A cabeca bem feita precisa entao ser refeita. Ela m u d a de especie. Opde-se a especie anterior por uma f u n c a o decisiva. Pelas revolucdes espirituais que a invencao cientffica exige, o h o m e m torna-se uma especie m u t a n t e , ou melhor dizendo, u m a especie que tern necessidade de m u d a r , que sofre se nao

(34)

m u d a r " . (...)"Em resumo, o h o m e m m o v i d o pelo espirito cientffico deseja saber, mas para, i m e d i a t a m e n t e , melhor questionar". (...)"Alias, m e s m o nas ciencias experimentais e sempre a interpretacao racional que pde os f a t o s em seu devido lugar. E no eixo experiencia-razao e no sentido da racionalizacao que se e n c o n t r a m ao m e s m o t e m p o o risco e o exito. So a razao dinamiza a pesquisa, porque e a unica que sugere, para alem da experiencia c o m u m ( i m e d i a t a e sedutora), a experiencia cientffica(indireta e f e c u n d a ) " .

Essa analise, no e n t a n t o , nos interessa pela distincao, q u a n t o aos pianos de analise e de realidade.

E com efeito, nao se t r a t a , ainda de distinguir duas formas ou dois graus de c o n h e c i m e n t o da realidade, mas de distinguir duas qualidades da praxis h u m a n a . E isso porque, no que ensina a histdria do p e n s a m e n t o , c o m o d e m o n s t r a KosiK,

"a atitude primordial e imediata do h o m e m , em face da realidade, nao e a de um abstrato sujeito c o g n o s c e n t e , de u m a m e n t e pensante que examina a realidade e s p e c u l a t i v a m e n t e , porem a de um ser que age objetiva e praticamente, de um indivfduo histdrico que exerce a sua atividade pratica no trato c o m a natureza e c o m os outros h o m e n s , t e n d o em vista a c o n s e c u c a o dos prdprios fins e interesses, dentro de u m determinado conjunto de relacdes sociais. Portanto, a realidade nao se apresenta aos h o m e n s , a primeira v i s t a , sob o aspecto de u m objeto que c u m p r e intuir, analisar e compreender t e o r i c a m e n t e , cujo polo o p o s t o e c o m p l e m e n t a r seja j u s t a m e n t e o abstrato sujeito c o g n o s c e n t e , que existe fora do m u n d o e apartado do m u n d o ; apresenta-se c o m o o c a m p o em que se exercita a sua atividade pratico-sensfvel, sobre cujo f u n d a m e n t o surgira a imediata intuicao pratica da realidade". ( . . . ) " 0 p e n s a m e n t o que quer conhecer a d e q u a d a m e n t e a realidade, que nao se c o n t e n t a c o m os esquemas abstratos da propria realidade, nem c o m suas simples e t a m b e m abstratas Cf. Gaston Bachelard. Op. Cit., p p . 1 9 - 2 2 .

(35)

representacoes, tern de destruir a aparente independencia do m u n d o dos c o n t a c t o s imediatos de cada d i a " .3 1

Havendo aqui, inclusive, um ponto de conexao c o m G r a m s c i , quando afirma ser t o d o h o m e m um f i l d s o f o , pois t o d o s possufmos a capacidade de pensar e s o m o s portadores de uma visao de m u n d o , mas acentua que - histdrico-socialmente - apenas alguns tern c o m o pratica imediata a pratica t e o r i c a .3 2

Ha, inerente a t o d a a pratica teorica, quatro polos metodoldgicos33

que e preciso se ter plena consciencia e que requer serem distinguidos mas que estao presentes no c a m p o da pratica cientffica. Sao eles os polos epistemoldgico (a dialetica, a f e n o m e n o l o g i a , a quantificacao, a Idgica h i p o t e t i c o - d e d u t i v a ) ; o tedrico ou quadros de r e f e r e n d a (positivismo, c o m p r e e n s a o , f u n c i o n a l i s m o , estruturalismo ); o morfoldgico ou quadro de analise (tipologias, tipo ideal, s i s t e m a s , modelos estruturais ); e o tecnico ou m o d o s de investigacao (estudos de caso, estudos c o m p a r a t i v o s , e x p e r i m e n t a c d e s , simulacao).

3 1 Cf. Karel Kosik. Dialetica do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1 9 8 9 ; p p . 9 - 1 6 . Ver, ainda, a radicalidade dessa distincao in A d o l f o Sanchez Vasquez. Filosofia da Praxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1 9 6 8 . "0 homem comum e corrente 6 um ser social e historico; ou seja, encontra-se imbricado numa rede de relacdes sociais e enraizado num determinado terreno historico. Sua pr6pria cotidianidade esta" condicionada historica e socialmente, e o mesmo se pode dizer da visao que tern da pr6pria atividade pratica. Sua consciencia nutri-se igualmente de aquisicoes de toda especie: ideias, valores, jui'zos e preconceitos, etc. Nunca se enfrenta um fato puro; ele esta" integrado numa determinada perspectiva ideoldgica, porque ele mesmo - com sua cotidianidade histOrica e socialmente condicionada - encontra-se em certa situacao historica e social que engendra essa perspectiva. Por conseguinte, sua atitude diante da praxis ja" implica numa consciencia do fato pr£tico, ou seja, certa integracao numa perspectiva na qual vigoram determinados princfpios ideologicos. Sua consciencia da praxis esta carregada ou penetrada de ideias que estao no ambiente, que nele flutuam e as quais, como seus miasmas, ele aspira. Trata-se, em muitos casos, da adocao inconsciente de pontos-de-vista surgidos originariamente como reflexoes sobre o fato pratico. Portanto, a consciencia comum da praxis nao esta descarregada por completo de certa bagagem teOrica, ainda que nesta bagagem as teorias se encontrem degradadas"Mp.9-10).

3 2 Cf. A n t o n i o G r a m s c i . Concepcao... p p . 1 1 - 3 0 . ; ver, ainda, Os

Intelectuais e a Organizacao da Cultura. Rio de Janeiro: Civilizacao Brasileira, 1 9 9 5 . p p . 1 2 9 - 1 3 9 .

(36)

Ha, ainda, a necessidade de se falar da ultima dificuldade, do nosso ponto de v i s t a , que esta presente na propria pratica teorica: do metodo tedrico ou da maneira como trata o seu objeto. Pois um objeto tedrico pode igualmente ser t r a t a d o por u m discurso ideoldgico ou pedagdgico. Nesse s e n t i d o , "o que distingue estes discursos sao os m o d o s , de t r a t a m e n t o do seu objeto tedrico, o seu m e t o d o " .

Nocao trabalhada por Paul de Bruyne et all. Op. C i t . , p . 2 5 2 . Cf. Louis Althusser. O p . , Cit. p. 3 6 .

(37)

1.3. A Producao de Conhecimento Sobre os Chamados

"Movimentos Sociais": A Busca da (In)Definicao.

" M o v i m e n t o social: que categoria c o n t r o v e r t i d a ! Impossfvel utiliza-la do p o n t o de v i s t a t e d r i c o , sem que o p e n s a m e n t o se perca n u m emaranhado de significados que a ela f o r a m aderindo ao longo do t e m p o " .

A n a Maria D o i m o .

Tratamos aqui da concepcao acerca de " m o v i m e n t o s s o c i a i s " que orientam t e d r i c o - m e t o d o l o g i c a m e n t e as analises dos processos sociais ["acao c o l e t i v a " ou "acao s o c i a l " , definicao que esta presente nos autores ] ocorridos nas decadas de 1 9 7 0 e 8 0 no Brasil. Isso para que possamos entender c o m o paradigmas tedricos ate entao consolidados passaram a ceder lugar as analises que t i n h a m c o m o preocupacao central nao mais pensar as praticas politicas denominadas c o m o " t r a d i c i o n a i s " . 3 5

Isso porque no paradigma socioldgico h e g e m d n i c o ate o infcio da decada de 7 0 duas correntes de p e n s a m e n t o d o m i n a n t e s polarizavam: de um lado, a m a r x i s t a [ou histdrico-estrutural ] e, de outro lado, a funcionalista. Para essas duas perspectivas teoricas os processos sociais eram estudados enquanto processos de t r a n s f o r m a c a o global. Os marxistas t i n h a m c o m o preocupacdes basicas as problematicas do desenvolvimento e da dependencia enquanto que a perspectiva funcionalista esta marcada pela questao da modernizacao. Isto e, nessas abordagens, c o m o p r o c u r a m o s d e m o n s t r a r , as problematicas socioldgicas sao de natureza p r e d o m i n a n t e m e n t e caracterizadas por preocupacdes tipicamente macroestruturais quer sejam abordadas por um vies analftico marxista ou f u n c i o n a l i s t a .

3 5 Expressao utilizada na producao de c o n h e c i m e n t o analisada para

referir-se as praticas polfticas de organizacao social definidas c o m o classicas, ou seja, a sindical e partidaria.

(38)

Numa analise das teorias dos m o v i m e n t o s sociais na A m e r i c a Latina Scherer-Warren faz a seguinte caracterizacao acerca da perspectiva m a r x i s t a :

"A teoria social latino-americana da acao coletiva e do conflito, sob o predominio de perspectivas marxistas, concebe o real enquanto totalidade inteligivel, macroestrutural. Segundo esta concepcao, ha um sujeito privilegiado ao qual se atribui teleologicamente a missao da transformacao historica - a classe, determinada a partir de sua condicao objetiva no processo produtivo. Todavia, como ha um consenso sobre a dificuldade de constituicao de classes fundamental's na America Latina [proletariado urbano e/ou rural], tambem sobre sua heteronomia e a consequente falta de uma consciencia de classe adequada, varios destes estudiosos sao levados a buscar na sociedade politica propriamente dita o potencial da transformacao, concentrando suas

analises no Estado, para uns, e nos partidos e nas vanguardas para outros. Portanto menos atencao foi dada para as pesquisas sobre as organizacoes da sociedade civil [isto e, acoes coletivas de grupos especificos] ou sobre o significado de suas acoes, con flit os ou resistencias"36.

Trata-se, de f a t o , de um parti pris interpretativo que busca explicar os processos sociais brasileiro t o m a n d o c o m o f u n d a m e n t o tedrico-metodoldgico a dimensao macroestrutural. Ou seja, ai os m o v i m e n t o s sociais f o r a m " p o u c o " analisados, digamos assim, vez que f o r a m concebidos c o m o reflexos voluntaristas ou c o m o acoes determinadas, seja pela ordem e c o n d m i c a ou estatal, ou pela acao partidaria. E dada a f o r m a c o m que eram interpretados, talvez possamos dizer que ha indicativo de dois supostos tedricos inerentes as analises.

3 6 Cf. Use Scherer-Warren. Redes de Movimentos Sociais. Sao Paulo:

Loyola, 1 9 9 3 . p . 1 5 . Essa perspectiva pode ser c o n s t a t a d a , por e x e m p l o , em Fernando Henrique Cardoso et all. Economia e Movimentos Sociais na America Latina. Sao Paulo: Brasiliense, 1 9 8 5 .

(39)

C o m o se pode perceber ha u m a priori ideoldgico que f u n d a m e n t a as analises dos processos sociais, o que faz c o m que os m o v i m e n t o s sociais sejam interpretados c o m o sendo subordinados, c o m b i n a d o s ou superpostos aos partidos. O u , n u m a palavra, os processos sociais que se situam fora das caracteristicas a priori de organizacao social eram subestimados t e o r i c a m e n t e . . Isto e,

"De um lado concebem-se os movimentos sociais como praticas subordinadas aos partidos, pelo menos em dois sentidos. Para a/guns, a acao coletiva se subordina a acao consciente do partido-vanguarda; para outros, esta acao coletiva se caracterizaria por combinar-se e justapor-se com o partido(partido-movimento) (..JPor outro lado, varias

dessas concepcoes de dependencia con tin ham um certo reducionismo estrutural das relacdes de classe, que as inibia de analisar as praticas sociais. (...) Seria possfvel, enfim, desenvolver muitos argumentos

nesse sentido, mas aqui desejamos apenas revelar uma hipdtese: o conjunto dessas abordagens, e outras nao mencionadas, percebeu e ana/isou os movimentos sociais de modo secundario. As analises da 'estrutura' e de sua racionalidade recobriam o cenario social da realidade latino-americana. Talvez as analises nao pudessem (ou nao quisessem) compreender o conjunto comp/exo, ge/atinoso, ambiguo e criativo das relacdes sociais e suas mutuas interacdes e, com e/as, as capacidades de acao da sociedade sobre si prdprias. Talvez os movimentos sociais tenham sido percebidos, de modo latente, implfcito ou subconsciente, como o

'irracional' ou inexp/icavel".37

A o que parece, a dificuldade de analisar os processos sociais, deve-se, de um lado, a existencia de uma perspectiva teorica tornada "camisa de f o r c a " , e, de o u t r o , pela ausencia de um referencial tedrico que de c o n t a da especificidade latino-americana. M a s essa

3 7 Fernando Calderdn Gutierrez. "Os movimentos sociais frente a crise" In

Use S c h e r e r - W a r r e n , Uma revolucao no Cotidiano? Sao Paulo: Brasiliense,1987; pp.1 9 3 - 5 .

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