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A ALTERNÂNCIA CONATIVA NO PB. Embora a AC seja mais produtiva com a preposição de, há outras preposições que mantêm o comportamento do fenômeno:

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A ALTERNÂNCIA CONATIVA NO PB

Teresa Cristina WACHOWICZ – UFPR

0. Introdução

A alternância conativa (doravante AC) é um tipo de alternância verbal em que o argumento interno pode ocupar tanto a posição de argumento direto quanto a posição de argumento indireto. No português brasileiro (PB), vemos exemplos prototípicos em sentenças como (1):

(1) a. Comprei a alface > Comprei da alface b. João comeu a torta > João comeu da torta

Embora a AC seja mais produtiva com a preposição ‘de’, há outras preposições que mantêm o comportamento do fenômeno:

(2) A tinta penetrou a parede > A tinta penetrou na parede (3) Trilhei o campo > Trilhei pelo campo

Outros trabalhos (Tenny 1994, Levin 1993), até agora exclusivamente em inglês, ilustram a AC com a preposição ‘at’, e alguns poucos casos com outras preposições:

(4) She ate the bread > She ate at the bread.

(5) The mouse nibbled the cheese > The mouse nibbled at/on the cheese1.

Em textos didáticos das gramáticas tradicionais, ao menos do português, esse tipo de construção, ao lado de outras que ilustram a riqueza estrutural das línguas, é considerada como ’desvio’ da norma padrão, ou mesmo uma exceção da regência supostamente prevista dos verbos.

Levin 1993, motivada pelo tratamento semântico-lexical dos verbos do inglês, defende que a AC tem algumas restrições com verbos de destruição, verbos de envio, de toque ou de mudança de estado, sendo bem mais produtiva com verbos de contato ou movimento. Já Tenny 1994, no projeto de eleger os traços aspectuais dos verbos como mapeadores da estrutura argumental, ilustra a estrutura conativa como uma alternativa de desfazer o papel télico do argumento interno no VP.

Neste trabalho, revisitaremos as propostas de Levin 1993 e Tenny 1994, mas argumentarei pela a hipótese de que o tratamento da AC necessita de um refinamento que vai da abordagem lexical à composicional. Defendo que a AC é motivada pela opção estrutural da detelicização, sobretudo em verbos accomplishment e achievement, mas é o traço lexical de mudança de estado que causa restrições à alternância.

Na seção 1 deste trabalho apresentaremos a noção de alternância verbal e exploraremos exemplos em PB da AC; na seção 2, desenvolveremos um tratamento teórico ao fenômeno.

1. Análise: o que é alternância conativa? 1.1. A alternância verbal

O fenômeno das alternâncias verbais é universal. Já diversos trabalhos as têm explorado em

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diferentes línguas (Ruwet 1972 para o francês, Dik 1978 para o holandês, Veyrenc 1976 para o russo, entre outros (apud Levin 1993)).

No entanto, na perspectiva tradicional ou pedagógica, esse recurso semântico-estrutural, no lugar de ser considerado como alternativa de escolha gramatical dos falantes, recebe observações normativistas típicas de uma concepção preconceituosa de língua. Almeida 1979 apresenta, num capítulo intitulado “Colocação irregular”, exemplo da alternância conativa como um “tipo sintático divergente”: “Quer quanto à concordância, quer quanto à regência, quer quanto à colocação pode uma oração ser construída variadamente, sem que o sentido se altere. Essas variações se denominam tipos sintáticos divergentes” (p. 503). Um dos exemplos do autor: Tirou a espada > Tirou da espada.

Numa perspectiva estilística, que mapeia as gramáticas tradicionais pelo viés literário da tradição da retórica clássica, Cunha & Cintra 1985 consideram a variação de regência entre “Esqueceu os deveres religiosos > esqueceu dos deveres religiosos” como um vício de linguagem: “Tal construção, considerada viciosa pelos gramáticos, mas muito freqüente no colóquio diário dos brasileiros, já se vem insinuando na linguagem literária.” (p. 514) (grifo meu)

No refinamento linguístico, a alternância verbal já há algumas décadas tem sido considerada como uma evidência de uma rica estrutura sintático-semântica das línguas. Na tradição gerativa dos modelos iniciais (até a década de 80, com os princípios transformacionistas), a alternância é argumento para a construção de teorias alternativas, como o tratamento hierárquico de casos (rótulos) atribuídos pelos verbos a seus argumentos (Fillmore 1977). Mesmo em Franchi 1979, o caso das alternâncias é tomado como evidência da riqueza estrutural das línguas e motiva uma teoria que tome as informações nelas implícitas como componentes relacionais entre níveis da estrutura.

Para o que queremos assumir neste trabalho, a alternância verbal é um fenômeno que ocorre na interface entre os níveis semântico-lexical e sintático. Nesse sentido, tomo por base a conceituação de Levin & Rappaport Hovav 2005: 17, que consideram a alternância verbal como “o fenômeno em que um verbo admite mais de uma opção de realização argumental e pode exibir uma ou mais alternâncias na expressão do mesmo conjunto de argumentos”.

Levin 1993, embora com a preocupação de sistematizar primitivos semânticos e suas conseqüentes classes de verbos do inglês, é o primeiro texto de visão mais geral sobre as alternâncias. A autora lista uma série de alternâncias e suas implicações semânticas. Algumas delas, conforme apontado pelas traduções, são produtivas no PB:

Alternâncias Exemplos

Medial The butcher cuts the meat > The meat cuts

easily

‘O açougueiro cortou a carne > A carne corta fácil’

Parte-corpo Terry touched Bill’s shoulder >

Terry touched Bill on the shoulder

Terry tocou no ombro do Bill > Terry tocou Bill no ombro

Causativa Janet broke the cup > The cup broke

Janet quebrou o copo > O copo quebrou

Dativa Bill sold a car to Tom > Bill sold Tom a car

Locativa Jack sprayed paint on the wall > Jack sprayed

the wall with paint

Jack espirrou tinta na parede > Jack espirrou a parede com tinta

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Benefactiva Martha carved a toy for the baby > Martha carved the baby a toy2

Reflexiva The burcher cuts the meat > This meat cuts

itself

O açougueiro corta a carne > A carne se corta

Passiva Columbus believed the earth to be round > the

earth was believed to be round

Colombo acreditava a terra ser redonda > A terra era acreditada redonda

Levin toma as alternâncias medial, de parte-corpo e a conativa para argumentar por um conhecimento lexical que os falantes têm sobre as sentenças e suas variações estruturais em uma língua: “The lexical knowledge of a speaker of a language must include knowledge of the meaning of individual verbs, the meaning components that determine the syntactic behavior of verbs, and the general principles that determine behavior from verb meaning” (p. 11). Os primitivos semânticos aos quais a autora se refere são basicamente CONTACT, MOTION, CHANGE OF STATE. A partir deles, as alternâncias se definem e constituem classes semânticas de verbos.

Diferentemente de Levin 1993, que não distingue significados semânticos entre as duas formas das alternâncias, Dowty 2001, centrado na questão da alternância swarm-with, ilustrada em (6), acaba construindo pressupostos semânticos para a análise das alternâncias verbais. Em (6), o sujeito agente da primeira sentença toma a posição de adjunto na segunda. O locativo da primeira toma posição de sujeito da segunda:

(6) a. Bees swarm in the garden > The garden swarms with bees. b. Music resounded in the hall > The hall resounded with music.

Segundo o autor, o fenômeno da alternância pressupõe estrutura sintática em que as expressões argumentais têm mobilidade. Porém, o que fundamenta a possibilidade de alternância é a semântica. Em termos simplificados, a alternância não é semanticamente simétrica. Há uma forma considerada mais ‘básica’ ou ‘geral’ que outra3. No caso de (6), as sentenças iniciais são mais básicas do que as seguintes. Além disso, há uma mudança de significado provocada por uma função f, que mapeia significados verbais em outros significados. Se X é a forma mais básica e quantitativamente mais produtiva, e Y é a forma derivada, f funciona como um ’filtro’ no significado de um item lexical verbal, de X para Y.

A distinção semântica das sentenças em (6), que ilustram a alternância locativa do tipo

swarm-with, justifica a operação de f: a) o NP sujeito que vai para a posição de adjunto tem referência

indefinida ou massiva, na estrutura de bare plurals ou termos de massa; b) a semântica dos NPs sujeito provocam leitura iterativa. Há ainda uma observação semântica de Dowty que beira a estilística, pois afirma que a sentença derivada é motivada literariamente, por provocar o efeito de uma metáfora da ‘textura‘. Em (6a), por exemplo, a textura se justifica pela ocupação do espaço pelas abelhas; em (6b), pelo domínio do som em todo o espaço do salão.

O que Dowty propõe é para nós interessante, na medida que as alternâncias podem ser semanticamente assimétricas, incluindo diferenças estilísticas. No caso da AC, há notavelmente uma diferença semântica que pode ser explorada, de natureza aspectual. É o que desenvolveremos na subseção seguinte.

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As alternância dativa e benefactiva de fato não são produtivas em português.

3 Dowty não explicita o que seria o sentido de ‘básico’ou ‘geral’. Porém sugere um critério ‘quantitativo’ para essas categorias: “Many verbs occur in X [a forma básica] that do not occur in Y [a forma derivada], while there are few or no verbs that occur in Y that do not occur in Y”. (p. 8)

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1.2. A alternância conativa

A AC é uma das alternâncias exploradas por Levin 1993 para justificar a composição semântica dos verbos em inglês, que motiva as alternâncias. Para a autora, os falantes de inglês têm conhecimento sobre restrições da AC. Por exemplo, a AC tem restrições com verbos do tipo ‘touch’ e ‘break’ (7a, b), mas não tem restrições com verbos da natureza de ‘hit’ e ‘cut’ (7c, d):

(7) a. Terry touched the cat > * Terry touched at the cat b. Janet broke the vase > * Jane broke at the vase c. Carla hit the door > Carla hit at the door

d. Margareth cut the bread > Margareth cut at the bread

Essa observação motivou a autora a preconizar a restrição da AC de acordo com os componentes semânticos de significado: a AC parece se dar bem com verbos de contato ou movimento, não incluindo os verbos de mudança de estado: “The conative alternation is a transitivity alternation in wich the object of the verb in the transitive variant turns up in the intransitive conative variant as the object of the preposition in a prepositional phrase headed by the preposition at (sometimes on with certain verbs of ingesting and the push/pull verbs). The use of the verb in the intransitive variant describes an ‘attempt’ action without specifying whether the action was actually carried out. The conative alternation seems to be found with verbs whose meaning includes notions of both contact and motion”4 (p. 42).

O mesmo fenômeno da AC é abordado por Tenny 1994, porém com uma perspectiva diferente. A autora tem o objetivo que fazer um levantamento das propriedades lexicais dos verbos que sejam pertinentes à projeção da estrutura argumental. São essencialmente aspectuais. Há sobretudo uma noção de delimitude do evento que é papel do argumento interno direto. O argumento interno indireto, quando o caso, tem o papel apenas de informar o término do evento. Delimitude e término são noções diferentes. A delimitude informa a extensão do evento. E é o argumento direto, e só ele, que pode informar isso - para alguns verbos transitivos, nomeadamente os verbos de mudança de estado (7), de tema incremental (8)5 e de performance ou trajetória (9):

(7) John cracked the glass. (8) She built her house.

(9) Sue walked the Appalachian Trail.

O término informa o ponto final em que o intervalo de tempo correspondente ao evento se encerra. É o argumento interno indireto (10), mas não só ele ((11), para ilustrar o comportamento das partículas verbais do inglês), que pode informar isso:

(10) John walked the trail to its end. (11) John ate up the apple.

Com relação ao argumento externo, a hipótese de Tenny é a de que ele não tem informação aspectual alguma pertinente à estrutura argumental. Em (12), por exemplo, o sujeito recebe atribuição

4 Não explorarei aqui a distinção entre estrutura transitiva indireta e a estrutura intransitiva. Tenny 1994 atribui à AC a primeira, enquanto Levin 1993 a segunda.

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A noção de tema incremental é motivada na literatura para explicitar a relação entre o verbo transitivo e seu argumento interno. Em Krifka 1998, tema incremental é o NP complemento que participa da construção da telicidade do verbo; em Dowty 1991, tema incremental é uma nova propriedade temática na denotação do argumento que o torna homomórfico em relação ao intervalo de tempo do evento.

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temática de beneficiário, mas não aspectual: (12) John received a package in the mail.

Com relação à AC, Tenny a apresenta na extensa análise de casos em que a delimitude do argumento interno direto pode ser cancelada. Nesse sentido, a AC é uma estrutura que, ao transformar o argumento direto em argumento indireto, cancela a ação concretizada pelo argumento direto:

(13) John cut the bread > John cut at the bread.

As propriedades da AC são testadas nas seguintes estruturas: a) a AC não aceita advérbios ’in’, classicamente abordados como estruturas que checam telicidade (Vendler 1967, Dowty 1979, Rothstein 2004, entre outros) (14a); b) a AC também não ocorre com partículas verbais também tradicionalmente consideradas como denotadoras do ponto télico da sentença (15); por fim, a AC também ocorre com verbos em que o argumento direto não tem papel de delimitude do evento (16). Já prevendo nossa análise no PB, (14b) responde ao critério de verificação da atelicidade com estrutura AC; já (16b) parece exibir restrições com verbos achievements do tipo ‘balear’ ou ‘atingir’6:

(14) a. Sue ate the apple in an hour > * Sue ate at the apple in an hour

b. Sue comeu a maçã em uma hora > * Sue comeu da maçã em uma hora (15) Sue ate the apple up > * Sue ate at the apple up

(16) a. John shoot the cow > John shoot at the cow

b. João baleou/atingiu a vaca > ?João baleou/atingiu da vaca

Logo, se Levin defende que a AC tem restrições semânticas com verbos de mudança de estado, e se Tenny elege a estrutura como evidência de que há operações que cancelam a estrutura delimitada do evento, nosso objetivo aqui é reforçar o estatuto da AC no PB através de uma análise que refine suas implicações semânticas, tal como proposto por Dowty 2001 ao comportamento semanticamente assimétrico das alternâncias, e ao mesmo tempo explore questões aspectuais pertinentes à estrutura, tal como proposto por Tenny 1994.

Inicialmente, a assimetria semântica sugerida por Dowty 2001 parece não acontecer com verbos de estado (17), pois não há telicidade a ser cancelada:

(17) a. Esperei esse momento > Esperei por esse momento b. Lembrei a data > Lembrei da data

c. Sei Matemática > Sei da Matemática

Em verbos transitivos de atividade, também não há telicidade a ser cancelada, pois o argumento direto não participa da delimitude do evento:

(18) a. Ouviu o barulho > Ouviu do barulho b. Mexeu a massa > Mexeu da massa

c. Empurrou o carrinho > Empurrou do carrinho

As sentenças em (18) são de fato mais empregadas por falantes do PB com estruturas em os NPs ganhem efetivamente formato de ‘kinds’7, adotando um sentido de habitualidade, como com o

6 Não desenvolvi exemplo com partículas no PB porque essa estrutura não é produtiva para nós.

7 Estamos considerando significado de ‘kind’ no sentido de Carlson 1977, Kratzer 1989, que distinguem sentenças individual level e stage level a partir respectivamente das construções com sintagmas nominais

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demonstrativo ‘esse (tipo de)’ ou com o emprego do ‘já’, que neutraliza a referencialidade das formas primitivas e télicas da AC:

(19) a. Já ouvi desse barulho b. Já mexi dessa massa c. Já empurrei desse carrinho

Com verbos achievements, a AC parece ter mais restrições, sobretudo com a preposição ‘de’, que tem nitidamente função detelicizadora (20), a não ser que a sentença tiver sentido habitual (21). Outras preposições não apresentam restrição (22):

(20) a. Roubei o relógio > ? Roubei do relógio b. Atingi a vaca > * Atingi da vaca (21) a. Já roubei desse (tipo de) relógio b. Já atingi dessa (espécie de) vaca

(22) Ele apontou o ladrão > Ele apontou para o ladrão

Na proposta de um refinamento de análise para a AC no PB, os verbos accomplishments parecem exibir um comportamento irregular. Seguindo a tipologia de Tenny 1994, os verbos de tema incremental (23) e os de trajetória (24) não exibem restrições à AC. No entanto, a assimetria defendida por Dowty fica evidente. Nas formas derivadas, ocorre a detelicização:

(23) a. Caneteei a prova > Caneteei na prova

b. Espirrei o líquido na parede > Espirrei do líquido na parede8 c. Jantou o sanduíche > Jantou do sanduíche

(24) a. Cortou o pão > Cortou do pão

b. Escutei essa música > Escutei dessa música

c. A água penetrou a parede > A água penetrou na parede

Já os verbos de mudança de estado exibem de fato restrições, mesmo com sentenças referenciais, o que se comprova com modificadores do tipo ‘dele’, ‘daquela’ ou ‘agora pouco’ (25). No entanto, com a inclusão de expressões que garantam a habitualidade, os verbos de mudança de estado licenciam a AC, pois a leitura dos NPs agora é de kind, neutralizando o seu efeito telicizante (26):

(25) a. Cortei o cabelo dele > * Cortei do cabelo dele b. Ele pintou a parede > * Ele pintou da parede.

c. João rasurou a prova agora pouco > * João rasurou da prova agora pouco d. Ela recheou o bolo > * Ela recheou do bolo

(26) a. Já cortei desse cabelo b. *Já cortei do cabelo dele

c. Ele já pintou desse tipo de parede

Uma última observação sobre os verbos de mudança de estado é que os inacusativos não

genéricos, do tipo ‘cachorros’ e específicos, do tipo ‘o cachorro do meu vizinho’

8 O exemplo 23b mostra um fenômeno interessante no qual um verbo admite mais de uma alternância. No caso, o verbo ‘espirrar’ admite também alternância locativa: Espirrei a parede com o líquido.

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aceitam a AC (27). Esse fato evidencia que a estrutura AC parece requerer um sujeito agente (28), em verbos que aceitam também a alternância causativa.

(27) a. Envelheceu a tia > * Envelheceu da tia b. Amanheceu o dia > * Amanheceu do dia (28) a. ? João descongelou do gelo.

b. João já descongelou desse tipo de gelo.

A partir desses exemplos, percebe-se que há noções que precisam ser melhor explicitadas para esclarecermos as restrições da AC. Uma distinção é fundamental: mudança de estado e telicidade. Ou, em formato de perguntas: Como se constrói a telicidade? De onde vem a informação de mudança de estado? O que tem a AC a ver com essas noções? A seção seguinte terá como objetivo responder a essas perguntas e propor um tratamento teórico para as ACs do PB.

2. Tratamento teórico: o que o verbo projeta na estrutura argumental?

Para dar conta de uma formulação minimamente satisfatória sobre o comportamento da AC no PB, um primeiro passo é explicitar o que se tem de projeção lexical do verbo e o que se tem de construção composicional da sentença.

Neste trabalho, argumento que a informação projetada pelo verbo, que participa das restrições da AC, é a de mudança de estado; por outro lado, argumento que a construção composicional da sentença igualmente pertinente é a da (de)telicização. Em termos mais simples, mudança de estado é lexical e telicidade é composicional. Esses dois fatores semânticos participam da construção da AC.

O pressuposto teórico básico assumido aqui é o de Grimshaw 1991, 2005, segundo a qual a semântica dos itens lexicais pode ser dividida em dois tipos de informações – o conteúdo semântico e a estrutura semântica. O conteúdo semântico é dispensável à estrutura sintática, já a estrutura semântica é sua determinante. Em (29a), por exemplo, a informação de que a água é líquido é de conteúdo semântico e nada diz a respeito da estrutura, ao passo que a informação de que há mudança de estado para o NP em posição de objeto motiva o comportamento da alternância causativa (29b):

(29) a. They cooled the water b. The water cooled

As informações da estrutura semântica são poucas, e, segundo a autora, advêm do componente temático, mas sobretudo aspectual (Tenny 1994). Logo, a projeção de mudança de estado e causa são da ordem do aspecto lexical, enquanto as informações de agente e afetado são da ordem dos papéis temáticos. Informações de movimento e contato, previstos como componentes de significado em Levin 1993, são desconsiderados por Grimshaw 1991, 2005, Tenny 1994.

Para o que nos interessa neste trabalho, a AC admite restrições no PB que são de natureza lexical. Verbos de mudança de estado não aceitam bem a AC em situações pragmáticas de referencialidade, tomando a distinção importante em relação aos verbos de tema incremental e de performance, na proposta de Tenny 1994, que aceitam a AC. Logo, se formos formular uma primeira hipótese teórica para a AC no PB, ela seria a seguinte: 1) No refinamento do tratamento léxico-aspectual dos verbos accomplishments e achievements, a restrição do comportamento da AC vem apenas dos verbos de mudança de estado em sentenças referenciais, bem como em verbos inacusativos, que não exibem sujeito agente; verbos de tema incremental e de performance aceitam a estrutura.

Com relação à assimetria semântica das sentenças da AC, a questão central aqui é relativa à telicidade da sentença. Na literatura da área, já há tempos tem-se criticado uma postura tradicional sobre aspecto lexical (Vendler 1967, Dowty 1979), de que os verbos de accomplishments e

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achievements conteriam o traço da telicidade. Rothstein 2004, 2008, por exemplo, assume que a telicidade está no VP, sendo uma leitura diretamente dependente da quantificação do NP em posição de complemento de verbos accomplishments. Num tratamento mais ortodoxo, Kennedy & Levin 2002 assumem que a telicidade é igualmente uma construção do NP objeto, mas dependente diretamente da relação escalar que esse NP quantizado (Krifka 1998) produz paralelamente ao intervalo de tempo correspondente ao evento. Em outras palavras, para os autores, a telicidade é uma questão de grau de mudança, provocado por uma noção ampla de tema incremental.

Para o que nos interessa neste trabalho, seguimos Wachowicz 2008, na defesa de que a telicidade, além de centrar-se no VP (30b), também poder estar em constituintes modificadores (31b) ou argumentos indiretos da sentença (32). Logo, a telicidade é composicional, sobretudo se consideradas as distintas classes aspectuais dos verbos, respectivamente accomplishments, atividade e achievements:

(30) a. João leu poemas b. João leu todo o poema (31) a. João nadou através da piscina b. João nadou até o fim da piscina (32) a. João enviou o livro

b. João enviou o livro ao colega

Logo, o comportamento da AC no PB tem motivação da ordem da detelicização da sentença. Mas isso é verificado sobretudo em sentenças com verbos accomplishments, em que a preposição ‘de’ atua como transformador do NP objeto da denotação específica ou quantizada para a denotação kind. Na continuidade da construção de hipóteses sobre a AC, nossa segunda hipótese seria a seguinte: 2) A AC deteliciza VPs com verbos accomplishments de tema incremental (33a) ou de performance (33b), tendo a restrição com verbos de mudança de estado (33c), que necessitam de leitura habitual, que neutralize sua referencialidade (33d); em verbos de estado (34), atividade (35) e achievements (35), a AC não deteliciza a sentença, pois a telicidade não está entre o verbo e o argumento interno direto, o que justifica uma motivação mais estilística do que estrutural. Logo, a assimetria semântica defendida por Dowty é evidente com verbos accomplishments; com outros verbos, sua assimetria é de natureza estilística. Recuperando os exemplos para frisar a hipótese:

(33) a. Comi do bolo na festa b. Cantei do samba na festa c. * Rasguei do papel

d. Já rasguei muito desse papel na minha papelaria (34) Soube muito dessas contas

(35) Carreguei desses móveis ontem

(36) Tirei do bicho que estava no meu braço

3. Conclusão

Neste trabalho, proponho-me a analisar o comportamento da Alternância Conativa no PB, que prevê mudança de um mesmo NP entre as posições de argumento interno direto e argumento interno indireto, especialmente na análise de argumentos indiretos com a preposição ‘de’. Isso só foi possível se for considerado um detalhamento das classes aspectuais dos verbos, o que provocou a distinção central entre mudança de estado – lexical – e telicidade – composicional. A hipótese mais geral aqui é a de que a mudança de estado é restrição, mas a motivação da AC em verbos accomplishments é da ordem da detelicização.

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bastante diversos, especialmente se forem analisadas outras preposições que motivam a posição de argumento indireto e suas implicações aspectuais. A assimetria entre as sentenças A água penetrou o

terreno e A água penetrou no terreno parece novamente provocar mudança aspectual, como se o

momento inicial da estrutura accomplishment fosse selecionado na sentença derivada. Outras igualmente curiosas: Trilhei o campo e Trilhei pelo campo; Toquei o tecido e Toquei no tecido.

Sem a pretensão de postular uma variabilidade intangível para a explicação das ACs, os outros dados nos sugerem que a operação das preposições depende de algum significado inerente a elas. Isso só pode ser esclarecido se forem considerados dados diacrônicos, pois o processo de gramaticalização das preposições (Castilho 2004) é mais rico para entender as estruturas do PB do que supõem qualquer metodologia engessada em opções exclusivamente sincrônicas.

O estudo das alternâncias verbais, no nosso caso do PB, vislumbra uma área rica e interdisciplinar que pode render trabalho futuros tão emblemáticos e interessantes quanto este.

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Referências

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